domingo, 27 de setembro de 2015

Mediterrâneo - Cinema, Amor Puro, Comédia & Formações Discursivas.

Ubiracy de Souza Braga*

         Los tiempos felices en la humanidad son las páginas vacías de la historia”. Leopold von Ranke


         Nascido em Nápoles, na Itália, Gabriele Salvatores faz parte do seleto grupo de cineastas que têm um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, como era reconhecida a categoria chamada de Filme Internacional. Gabriele Salvatores nascido em Nápoles, em 30 de julho de 1950 é um diretor e roteirista italiano. Seu filme Mediterrâneo (1991) recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1992. É um dos fundadores, junto com Maurizio Totti e Diego Abatantuono da produtora cinematográfica Colorado Film e de diversos projetos associados à empresa, como a editora Colorado Noir, esta última fundada em 2004 junto com Totti e Sandrone Duties. Perguntado sobre seu cineasta favorito, em certa ocasião, ele não citou um dos tantos mestres do cinema italiano pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945), mas admitiu a predileção pelo britânico Stanley Kubrick (1928-1999). Ao longo dos anos, Gabriele diversificou seus pontos de vista, fez dramas sociais, filmes de super-heróis, demonstrou personagens fugindo dos problemas políticos do mundo moderno, etc. Gabriele Salvatores nasceu em 30 de julho de 1950 em Nápoles, mas mudou-se com os pais e a irmã para Milão aos seis anos. Formado no liceu clássico Cesare Beccaria, a sua primeira aproximação ao mundo cinematográfico do entretenimento não passou pelo cinema, mas exatamente quando iniciou a carreira artística no Teatro dell`Elfo, é um anfiteatro da antiga Delfos, na Grécia, estando localizado no perímetro do sítio arqueológico de Delfos. Foi o local dos concursos e apresentações de música e poesia associados aos Jogos Píticos, com Ferdinando Bruni (1972), com o qual dirigiu espetáculos per se definidos como vanguardistas.
           Em junho de 1941, um grupo de soldados italianos, liderado pelo tenente Raffaele Montini, chega a uma pequena ilha grega, no Mar Egeu, onde montam um Posto de Observação.  A pequena vila da ilha parece abandonada, não havendo o menor sinal do inimigo nem de seus habitantes. Logo, o rádio por eles trazido se quebra.  Algumas tentativas são feitas para recuperá-lo, sem sucesso, ficando o grupo sem qualquer contato com o resto do mundo. A população civil local, basicamente composta de idosos, mulheres e crianças, já que os homens mais jovens haviam partido por conta da guerra, sentindo o espírito pacífico dos italianos, deixa seus esconderijos e desce a montanha.  A princípio, os soldados se preocupam por acreditarem na possibilidade de uma emboscada, mas depois relaxam. O líder religioso informa ao tenente Montini que, antes deles chegarem, havia um grupo de alemães, os quais destruíram várias casas e afundaram seus barcos.  Assim, ao avistarem o navio que os trouxera, os moradores da vila se refugiaram nas montanhas, acreditando que os alemães estavam de volta. Uma bela jovem, de nome Vassilissa, procura o tenente Montini, em busca de trabalho.  Na sua ausência, o Sgt. Lorusso se faz passar por ele.  Perguntada sobre suas habilidades profissionais, ela responde que é puta.  O sargento lhe diz que vai ter que consultar o regulamento. Mas, depois de conversar com seus colegas de farda, é elaborada uma programação de atendimento de Vassilissa aos interessados.

O soldado Farina, que nunca havia tido relação sexual com uma mulher, logo se apaixona pela bela jovem e, ameaçando seus colegas com um fuzil, avisa que ninguém mais vai ficar com ela.  Alguns dias depois, o padre da comunidade celebra o casamento dos dois. O tempo passa.  Três anos depois da chegada do grupo à pequena ilha, um monomotor, pilotado pelo tenente Carmelo, sofre pane e o obriga a fazer um pouso de emergência na praia onde o grupo jogava futebol.  Ao verificar que seus colegas italianos não estavam sabendo do andamento da guerra, ele os informa que o líder fascista Benito Mussolini caiu e que a Itália se acha dividida em duas formas de oposições assimétricas.  No Sul, estão os ingleses e os norte-americanos, enquanto no Norte acham-se os alemães e os fascistas.  Depois de reparar o avião, o Ten. Carmelo se despede dizendo que vai falar com seu comandante, na ilha de Creta, para que eles sejam resgatados. Um navio inglês chega à pequena ilha, trazendo um grupo de gregos que lá moram.  Os italianos partem no mesmo, exceção de Farina que, casado, prefere desertar, refugiando-se com Vassilissa nas regiões montanhosas. Anos depois, agora um senhor grisalho, o antigo tenente Montini retorna à ilha.  Lá, reencontra o ex-sargento Lorusso, que não se readaptando à Itália, resolvera voltar pra ilha, bem como, protagonizando a história, Farina & esposa, proprietários do Restaurante Vassilissa.

                                       

Foi de uma dessas obras, em 1983, que nasceu o tema de sua primeira direção cinematográfica, Sonho de Uma Noite de Verão: inspirado em William Shakespeare, o filme é um híbrido caleidoscópico inclusivo em torno de cinema, teatro, música e dança com contos de fadas, cadências. De seu período teatral lembramos, em 1983, Class Enemy de Nigel Williams , drama de 1978 - traduzido e adaptado pelo ator e diretor Elio De Capitani - com protagonistas de nomes desconhecidos na época e que mais tarde se tornaram atores de grande importância (Claudio Bisio , Paolo Rossi , Antonio Catania , além do próprio De Capitani), Comediantes de Trevor Griffiths, em 1985, comédia de 1975 traduzida e adaptada pelo próprio Salvatores junto com a dupla Gino e Michele e na qual também estava Silvio Orlando e que depois o mesmo arguto diretor transporá livremente para o cinema em duas ocasiões distintas, Kamikazen - Ultima Notte a Milano, em 1988 e Call Me Kowalski do próprio Paolo Rossi, de 1987, espetáculo que consagrou o ator de Trieste como estrela histriônica do teatro italiano. Abandonou o teatro em 1989, passando para o mercado de trabalho para o mundo do cinema. 

Os filmes Marrakech Express (1989) e o seguinte Turné, de 1990 foram rodados com seu grupo de amigos atores, incluindo Diego Abatantuono, com quem é dono e dirige a produtora cinematográfica “Colorado”, e com quem se casou com a ex-esposa e Fabrizio Bentivoglio, e entre as atrizes está Laura Morante. Em 1990 recebeu uma indicação ao European Film Awards na categoria “Juventude” por Turné. Em 1990 foi também diretor do único videoclipe rodado pelo cantor e compositor Fabrizio De André, para a música “La Domenica delle Salme”. Em 1991 alcançou reconhecimento internacional com Mediterraneo, filme de enorme sucesso, que lhe rendeu o Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme também ganhou outros prêmios, incluindo o David di Donatello de melhor filme, edição e som e um Nastro d`argento de direção. A sua chamada “trilogia de fuga”, composta pelos três filmes acima mencionados, é idealmente continuada em 1992 por Puerto Escondido, filme baseado no romance homônimo de Pino Cacucci, sobre temas próximos dos anteriores, ao qual Abatantuono é acompanhado pelo ator Claudio Bisio. No ano seguinte dirigiu Sud (1993), uma tentativa de denunciar a situação política da Itália dos marginalizados e desempregados, entre os quais se destaca a interpretação de Silvio Orlando.                            

Em primeiro lugar, não devemos esquecer que o mundo das “histórias nacionais” de Leopold von Ranke (1795-1886) é, assim, determinado, visto que sua particularidade refere-se a existenz, para lembramo-nos de Friedrich Hegel, na técnica de interpretação na literatura e na filosofia de um “mundo europeu”, que mal se dilata, mas sem perder o conteúdo essencial, sobre províncias e continentes do ultramar colonizados por povos europeus. Mas não é a Europa inteira o que o ocupa, e sim as fronteiras geográficas dessa Europa latina e germânica, protestante ou católica, que são também as fronteiras do espaço e do tempo histórico a que devotou o melhor de sua atividade intelectual: “somos mais vizinhos de Nova York e de Lima do que de Kiev e Smolensk”. Mas é melhor tentarmos entender sua ideia de “nexo de sentido”, posto que as razões dessa crítica só valessem se quisesse dizer que o mundo histórico cessava, para Ranke, “nos limites da Europa Ocidental com seus apêndices ultramarinos”. Sua ideia de “nexo de sentido”, que poderia justificar-se como um princípio de economia necessário, passa a ser um “mandato de exclusão sem apelo”. Os povos que não tiveram o privilégio de originar-se das grandes invasões dos séculos IV a VII, que não se puseram logo sob a égide da Igreja de Roma, que não tomaram parte nas cruzadas e direta ou indiretamente nos descobrimentos e conquistas ultramarinos, que não se viram envolvidos, dentro do mesmo espírito cristão, mas cristão ocidental, nas guerras de religião do século XVII e nem na Ilustração do século XVIII, “esses povos não têm salvação diante da História”.

Curioso é notar que em defesa do exclusivismo de Ranke poderia alegar-se que essa universalização da cultura ocidental parecia rigorosamente imprevisível à época em que ele viveu, e, no entanto é forçoso observar que sua noção científica da História, ao mesmo tempo em que lhe traçava limites fixos no espaço, também excluíam a dimensão do futuro. Nada há, em sua obra, que se assemelha a certas previsões feitas por homens de seu tempo. E nem há como exprobrá-lo por ter seguido a regra, que Hegel definiu, mas não seguiu, de que não é da competência dos historiadores o arvorar-se em profetas ou dramaturgos. A limitação metodológica de Ranke, neste particular, não está em que para  ele o tempo histórico pode comportar “um ontem”, quando muito “hoje”, cujo conhecimento nos é acessível através de pesquisas ou de experiências. A história se baseia num tempo incompleto, inacabado, que em si mesmo é uma exigência de mudança. O passado jamais se entrega imediatamente a nós, por isso devemos considerar ideológica a pretensão de estabelecer “o que efetivamente aconteceu”. Ou seja, a ideia conspícua de Leopold von Ranke, contida em seu Zur Kritik neurer Geschichsreiber do “como efetivamente aconteceu” (essen Sie tatsächlich, es passierte). Nosso ponto de partida é articulado emtorno do conceito de “tempo-de-agora” (Jetztzeit); é nele que tomamos consciência e que podemos nos relacionar em termos novos com o passado e exercermos a crítica analítica como veremos adiante.
História das mentalidades é modalidade que privilegia os modos “de pensar e de sentir” dos indivíduos de uma mesma época. Segundo Michel Vovelle, em Ideologies et Mentalités (1982), é o “estudo das mediações e da relação dialética entre, de um lado, as condições objetivas da vida dos homens e, de outro, a maneira como eles a narram e mesmo como a vivem”; ou, Le Mort et l’Occident de 1300 à nous Jours, à Paraître fin 1982, ou ainda, segundo Robert Mandrou, no livro Magistrados e Feiticeiros na França do Século XVII - Uma Análise de Psicologia Histórica em que interpreta “uma história centrada nas visões de mundo”. Esta obra apresenta os resultados de uma longa investigação pelos arquivos judiciários e pelos trabalhos consagrados à caça às bruxas na França no século XVII. Através de um itinerário intelectual e afetivo complexo, os Magistrados das cortes supremas (os Parlamentos) em Paris, Dijon, Bordeaux etc. renunciaram com dificuldades, lentamente, a condenação automática à fogueira dos suspeitos de bruxaria; longa tomada de consciência na qual os médicos, teólogos e juízes colaboram através de polêmicas veementes suscitadas em particular por alguns processos que causaram grande escândalo e puseram em causa os confessores de conventos femininos presos do demônio: em Aix-em-Provence, em Louviers. Segundo Roger Chartier, uma “história do sistema de crenças, de valores e de representações próprios a uma época ou grupo”. Segundo Georges Duby, a designação ajustava-se à necessidade de explicar o que de mais fundo “persiste e dá sentido à vida material das sociedades”, ou seja, representam as ideias que formam das suas condições reais de existência e que além disso “comandam de forma imperativa a organização e o destino dos grupos humanos”. 
Haveria uma “mentalidade coletiva”? Lucien Febvre (1953; 1978) perguntava-se se existiriam “modos de sentir e de pensar” que fosse comum a “Cristóvão Colombo e ao mais humilde marinheiro de suas caravelas”. Esta pergunta foi retomada a partir dos anos 1960, e começou a se formar mais claramente como “uma nova técnica de orientação da pesquisa histórica” a partir de autores como Philippe Ariès (1982b), e ainda, George Duby & Robert Mandrou, em Histoire de la civilization française. Moyen Âge - XVIe siècle (1958). Deve-se ainda ter em vista que a História das mentalidades associou-se também ao conceito de “la longue durée” ou “tempo longo”, característico da Escola dos Annales. Tal como o compreendia Fernand Braudel, as mentalidades constituiriam um “padrão de pensamento” ou de “sensibilidade” que mudaria muito lentamente, “vindo a formar uma estrutura de longa duração”. Objetos típicos da História das mentalidades são: “as sensibilidades do Homem diante da morte”, a história dos “grandes medos dos seres humanos nos diversos períodos” (cf. Jean Delumeau), da feitiçaria (cf. Robert Mandrou) e tantas outras que à época em que começa aflorar a História das mentalidades, que “pareciam constituir temáticas exóticas para os historiadores que se dedicavam a temas historiográficos mais tradicionais”. Não temos história do amor, da morte, da piedade, da crueldade, da alegria. A queixa de Lucien Febvre, em 1948, muito repetida desde então, tornou-se quase um manifesto da disciplina que se convencionou chamar a “história das mentalidades”. Uma das lacunas que o fundador da Escola dos Annales deplorava foi preenchida pela História do medo no Ocidente, de Jean Delumeau. Ao tomar como objeto de estudo o medo,  ele parte da ideia de que não apenas os indivíduos mas também as coletividades estão engajadas num diálogo permanente com a menos heroica das paixões humanas.
Revelando-nos os pesadelos mais íntimos da civilização ocidental do século XIV ao XVIII, por exemplo, o mar, os mortos, as trevas, a peste, a fome, a bruxaria, o Apocalipse, Satã e seus agentes (o judeu, a mulher, o muçulmano) -, o grande pensador francês realiza uma obra sem precedentes na historiografia do Ocidente. Alguns autores postulam que a história das mentalidades apresentou como principais precursores dois grandes historiadores ligados à escola dos Annales: Marc Bloch, que publicou em 1922, Os Reis Taumaturgos, uma obra comparativa que examinava “a relação entre a crença no poder curativo dos reis e a autoridade das grandes dinastias francesas e inglesas”, e Lucien Febvre, que publicou O Problema do Ateísmo no Século XVI: a religião de Rabelais, obra na qual já “defendia a tese da História como estudo interdisciplinar”. A chamada História das mentalidades é um ramo da Teoria da História. É considerada uma análise de tipo mais profundo da História, pois visa perscrutar e compreender as grandes alterações nas formas de “pensar e agir do Homem ao longo dos tempos”. Inscreve-se no chamado “tempo longo” (a “longa duração”), de teor essencialmente estrutural e que atua nos mais diversos fatores de uma sociedade.
Por ser do domínio do “tempo longo”, a perspectiva temporal é fundamental para seu estudo. Devido à sua abrangência intrínseca, permite ampliar o conceito de documento, extravasando em muito o mero documento escrito de cariz oficial. Os atos inconscientes são tão ou mais importantes que a formalidade dos decretos e das ordens régias; a Arte, a Literatura, os costumes, os ritos, os mitos e os símbolos (Augé), a religião são manifestações fundamentais para revelar a consciência auto reflexiva que o homem tem de si numa determinada época” (Hegel). Com a história das mentalidades, a elaboração histórica deu um salto qualitativo, quer em termos científicos quer no concernente ao seu ensino. A História Nova, de Marc Bloch foi a grande impulsionadora da história das mentalidades. Outro grande impulsionador desta teoria foi o filósofo e epistemólogo francês Michel Foucault, ligado à influência de Sigmund Freud na esfera de saber da psicologia e psicanálise.
A história das mentalidades é um meio de compreensão dos mecanismos sócio históricos sobre um plano de fundo onde os conceitos elaboram-se a partir dos “estados mentais de grupos coletivos”. Desse modo, as manifestações que estão ligadas ao amar, lazer, morrer e viver num sentido de desvelar os discursos. Para além do óbvio visando uma interação entre o antropológico, a sociologia e a psicanálise. Em que a autoridade, tradição e passado está ligado à investigação multidisciplinar. Apesar de estudar o modo de agir e pensar do indivíduo a História das mentalidades estava ficando “fora de moda” e os historiadores não gostam de serem tratados e rotulados como “historiador do mental” e a partir de meados da década de 1980, na França, esse tipo de análise histórica já estava sendo reformulada, dando lugar a sua principal herdeira, a Nova História Cultural. A história cultural no Brasil, mutatis mutandis, para sermos breves, deu-se através do historiador Sérgio Buarque de Holanda e do antropólogo Gilberto Freyre, a partir de suas respectivas obras “Raízes do Brasil”, publicada em 1936, e “Casa Grande e Senzala”, publicada em 1933. Para compreender a história das mentalidades é preciso remontar aos séculos XIX e XX, onde conceitos estabelecidos pelo historiador Leopold von Ranke (1979a; 1979b) que idealizava uma história tradicional, política voltada à biografia dos reis, foi contestada mais tarde por Marc Bloch e Lucien Febvre que, em busca de uma história-problema e de uma história do cotidiano fundaram a “Revue des Annales”, em torno da qual se estabeleceu a chamada Escola dos Annales. A história das mentalidades teve como destaques principais dois historiadores que com suas obras mostraram o pensar e o agir na História do mental: Bloch editou “Os Reis Taumaturgos”, uma obra comparativa entre crença e autoridades dos Reis e Febvre publicou “O Problema do Ateísmo no Século XVI: a religião de Rabelais” onde defendia a tese da História representar uma forma de estudo interdisciplinar. 

Seu nome em italiano é Cristóforo Colombo, em latim Christophorus Columbus e em espanhol, Cristóbal Colón. Este antropónimo inspirou o nome de, pelo menos, um país, Colômbia e duas regiões da América do Norte: a Colúmbia Britânica no Canadá e o Distrito de Colúmbia nos Estados Unidos da América. Entretanto o Papa Alexandre VI escrevendo em latim sempre chamou ao navegador pelo nome de Christophorum Colon com significado de Membro e nunca pelo latim Columbus com significado de Pombo. Colombo é creditado como o primeiro explorador europeu a estabelecer e documentar rotas comerciais para as Américas, apesar de ter sido precedido cinco séculos por uma expedição viquingue liderada por Leif Erikson no século XI. As viagens de Cristóvão Colombo abriram caminho para um período de contato, expansão, exploração, conquista e colonização do continente americano pelos Europeus pelos próximos séculos. Essas viagens e expedições trouxeram várias mudanças e desenvolvimentos na história moderna do conturbado Mundo Ocidental. Entre várias outras coisas, impulsionou, por exemplo, o comércio atlântico de escravos. Colombo é acusado por diversos historiadores de iniciar e incitar o genocídio e repressão cultural dos povos nativos na América. O próprio Colombo viu suas conquistas sob a luz de expandir a religião cristã. Ele foi também acusado, até por contemporâneos, de “comportamento tirânico, corrupção e vários crimes contra os nativos indígenas, como espancamentos, torturas, saques e estupros”.

Há denúncias sobre como a chegada/invasão de Colombo ao Novo Mundo esteve ligada à perseguição, agressão, estupro e morte de nativas, consequência da subvalorização e desconhecimento da humanidade dos povos nativos. Essas reavaliações de seus feitos fizeram com que a visão dos acadêmicos e historiadores sobre Colombo ficasse um tanto quanto negativa com o passar do tempo. Na biografia História del Almirante Don Cristóbal Colón escrita pelo filho, este obscureceu a pátria e origem de Colombo, afirmando que o pai não queria que fossem conhecidas tais informações, enumerando várias cidades italianas, em especial ligures, que disputavam tal glória. No livro Pedatura Lusitana, um nobiliário de famílias de Portugal, Cristóvão Colombo é apresentado como um homem natural de Gênova, junto aos seus dois irmãos, Bartolomeu Colombo e Diogo Colombo. Também é possível observar que no documento é relatado o seu casamento com uma mulher portuguesa chamada D. Filipa Muniz de Melo. Em Espanha Colombo invariavelmente foi considerado como estrangeiro, lamentando-se inclusivamente de como essa situação o prejudicava em alguns dos documentos que escreveu. Esteve constantemente em contacto com italianos, e neles depositava a sua confiança. Mas “as regras do tempo mostram-nos que um plebeu nunca se casava com uma nobre, pelo que a origem de Colombo é assaz duvidosa”. Apesar do esforço desenvolvido na investigação da vida do navegador, ainda restam algumas incertezas, ou fantasias nacionalistas ou ideológicas. Um dos principais problemas apresentados é o da pátria do navegador, e embora este assunto não seja de interesse primário, a importância que lhe tem sido dada e a sua constante atualidade obrigam a que se lhe faça menção.

Sempre existiu uma controvérsia sobre o local de origem do navegador já que um documento da corte de Castela de 1487 chama-lhe “português”. Entre todas as teorias contemporâneas, a genovesa teve mais apoio até ao século XX quando tentou-se fazê-lo natural da Córsega. No final desse século, Garcia de la Riega, de Pontevedra, na Galiza, publicou uma série de documentos que apresentavam nomes de pessoas da região e de origem judia da primeira metade do século XV com os mesmos nomes da família de Colombo - a despeito destes apenas serem conhecidos através da documentação genovesa - que supostamente teriam imigrado para Genova após o nascimento de Colombo. Durante muitos anos esta teoria obteve popularidade, já que satisfazia o nacionalismo espanhol, o judeu e o galego, até que em 1928 foi desclassificada como fonte histórica pela Academia de História espanhola, que comprovou os documentos como sendo autênticos, mas manipulados para apresentar aqueles nomes. Para os Estados defensores dos direitos civis, um dos maiores erros da Europa na crise migratória do Mediterrâneo ocorreu com o fim do programa italiano de patrulha e salvamento chamado “mare Nostrum”. Sob a liderança da Marinha, o programa salvou milhares de migrantes à deriva no gigantesco mar. Mas seu fim, em grande parte por razões econômicas e em parte por razões ideológicas, teve efeitos políticos e sociais que vão muito além da redução dos esforços humanitários. “Mare Nostrum” era o nome dado pelos antigos romanos para o mar Mediterrâneo. Após a unificação da Itália, em 1861, o termo foi revivido por um intenso debate entre pensadores nacionalistas, que se acreditavam como sucedâneo do Império Romano os territórios que pertenceram a Roma em sua fase historicamente imperialista por todo o extraordinário Mediterrâneo.

As águas do Mediterrâneo banham as três penínsulas do sul da Europa, a Ibérica, mas apenas a Sul e Sudeste de Espanha, a Itálicae a Balcânica. Suas águas representam uma comunicação com as do oceano Atlântico, através do estreito de Gibraltar e com o mar Vermelho, através do canal de Suez. As águas do mar Negro também desaguam no Mediterrâneo pelos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos. As águas do Mediterrâneo são quentes devido ao calor vindo do deserto do Saara, fazendo com que o clima das zonas próximas seja mais temperado representando o clima mediterrânico. O termo latino “mare Nostrum” foi usado originalmente pelos antigos romanos para se referir ao mar Tirreno, logo após a conquista da Sicília, Sardenha e Córsega, durante Guerras Púnicas, ocorridas contra Cartago. Em 30 a. C., a dominação romana já se estendia da Hispânia ao Egito, e a expressão “mare Nostrum” passou a ser utilizado no contexto de todo o mar Mediterrâneo. A ascensão do nacionalismo italiano durante a chamada “Partilha da África” da década de 1880 gerou o desejo geral da nação do estabelecimento de um império colonial italiano. A expressão teria sido utilizada pela primeira vez pelo poeta Gabriele d`Annunzio, símbolo do decadentismo e herói de guerra. Além de sua carreira literária, teve também uma excêntrica carreira política. A África é o terceiro continente mais extenso, somente atrás da Ásia e da América do Norte, com cerca de 30 milhões de km² cobrindo 20,3 % da área total da terra firme do planeta. É o segundo continente mais populoso, apenas atrás da Ásia com aproximadamente 1 bilhão de habitantes (2005), representando cerca de 1/7 da população mundial, contando com 54 países independentes no processo civilizatório.

Gabriele Salvatores participando do 52° Festival Internacional de Cinema de Veneza (1995). Delineou-se assim o que se poderia chamar, de acordo com Michel Foucault, uma genealogia, ou melhor, pesquisas “genealógicas múltiplas”, ao mesmo tempo redescoberta exata das lutas e memória bruta dos combatentes. E esta genealogia, como acoplamento do saber erudito e do saber das pessoas, como ocorre com a historiografia varnhageniana, para o caso brasileiro, só foi possível e só se pôde tentar realizá-la à condição de que fosse eliminada a tirania dos discursos englobantes com suas hierarquias e com os privilégios da vanguarda teórica, mas que não trataremos agora. A noção de região, tratada como instrumento da ação política, é inseparável da noção de “regionalismo nordestino”. Este, visto como o discurso que a representa, é um movimento de reivindicação de tratamento diferenciado a um determinado espaço territorial. É uma expressão de luta de poder no interior dos espaços regionais quanto ao direito sobre a representação externa da região nas diversas escalas de poder. Um grande historiador de nosso tempo assinalou, no entanto, a ambiguidade da fórmula do tal “como efetivamente aconteceu”, dizendo que essa ambiguidade é característica de muitas máximas e serve para explicar sua grande repercussão. Porque, analiticamente continua Marc Bloch (1886-1944), a ideia de que o sábio, neste caso o historiador, deve apagar-se ante os fatos, pode entender-se, por um lado, como um conselho de probidade, “e não se pode duvidar que fosse esse o sentido que lhe deu Ranke”, mas, além disso, é lícito interpretá-la como um convite à passividade. 
E à pergunta sobre se é possível ao historiador ser absolutamente imparcial, responde que a palavra “parcialidade” também tem duplo significado, pois se pode ser “imparcial à maneira do sábio e imparcial à maneira do juiz”. Ambas as maneiras teriam suporte comum, que é a honesta sujeição à verdade. Os dois caminhos assinalados por Bloch não diferem substancialmente dos caminhos descritos e separados por Ranke: o da Filosofia que, no seu entender, é o reino das leis gerais ou abstratas, e o da História, que, partindo da observação do único, deverão, entretanto, explicá-lo, o que só pode fazer recorrendo aos meios que servem para se comunicarem os homens entre si, pois que são geralmente inteligíveis. Ranke foi historiador sem pretensões a filósofo, mas teve mais de uma vez o cuidado de definir “quase filosoficamente o ofício do estudioso do passado”. Entendia, ainda assim, que a História é uma “ciência do único”, separando-se por esse lado da Filosofia que, segundo ele, se ocupa de abstrações e generalizações. 
Por outro lado, pretende que a observação e o “conhecimento do único” representem só o ponto de partida do historiador. Para alçar-se ao conhecimento dos grandes nexos de sentido, faz-se necessário que siga sempre seus “próprios” caminhos, que, afirmou, “não são os caminhos do filósofo”. Nesse passo, porém, seu raciocínio é pouco preciso. O certo é que, embora alguns autores, reagindo mais tarde contra as correntes positivistas na historiografia, tentassem emancipar o conhecimento histórico das generalizações e abstrações, que passariam a ser privatista das ciências nomotéticas, e interpretasse o legado rankiano ao sabor de suas teorias, esse modo de ver já não se pode justificar. Uma notável ilustração dos métodos de Ranke, nesse particular, aparece no desenvolvimento que dá à sua ideia da unidade fundamental (Ranke, 1979a: 65 e ss.; Ranke, 1979b) dos “povos românticos e germânicos na origem de toda história moderna”, que ainda em seus dias lhe parecia guardar essa marca originária. 
É possível que não fosse uma ideia nova ou inteiramente sua, e, com efeito, ela já aparece, em termos muito semelhantes aos que emprega, em uma carta de Guilherme de Humboldt datada de 1799, e que o historiador provavelmente ignorava. Essa ideia, “minha ideia favorita”, escreverá posteriormente, já se define em seu primeiro livro, que lhe abriu as portas do professorado de Berlim, onde trata da história dos povos latinos e germânicos, entre 1494 e 1530. Assim, a “ideia da unidade”, até do parentesco, dos povos românticos e germânicos, prepara-se, segundo ele, no Sul da Europa, como resultado das grandes migrações dos povos nos séculos IV a VIII, para expandir-se ao Norte, com o império carolíngio, e é quando, a bem dizer, se forma o sentimento nacional tanto da Itália, como da França e da Alemanha, ganhando logo a Grã-Bretanha, a Espanha e a Escandinávia. Sua importância singular está em que, sobre essa ideia, descansa para ele, até na época contemporânea, toda a vida europeia, além de seus prolongamentos ultramarinos, como os do continente americano. 
Para ele, protestantes e católicos são galhos de uma só árvore, a da cristandade ocidental, separada do mundo bizantino. Depois das lutas religiosas, a unidade manifesta-se sob a forma de afeições, preceitos, instituições, códigos de compostura, que, tendo raiz comum, são patrimônio que esses povos se formam como uma vasta República. Ipso facto não queremos perder de vista que “não importa que o historiador se dedique ao estudo das diferentes histórias nacionais, quando não perca de vista o pano de fundo que de algum modo as congrega”. Não devemos perder de vista que o mundo das “histórias nacionais” de Leopold von Ranke é, assim, determinado historicamente, visto que sua particularidade refere-se à existenz para lembramo-nos de Hegel, na técnica de interpretação na literatura e na filosofia de um “mundo europeu”, que mal se dilata, mas sem perder o conteúdo essencial, sobre províncias e continentes do ultramar colonizados por povos europeus. Mas não é a Europa inteira o que o ocupa, e sim as fronteiras geográficas dessa Europa latina e germânica, protestante ou católica, que são também as fronteiras do espaço e do tempo histórico a que devotou o melhor de sua atividade intelectual: “somos mais vizinhos de Nova York e de Lima do que de Kiev e Smolensk”. Melhor dizendo, fora da Europa, de sua Europa e, quando muito, fora das terras colonizadas por europeus, só existiam para ele “o caos e o cemitério”. 
Em tais condições hão de ficarem fora de seu horizonte aqueles mundos informes ou álgidos que lhe parecem, efetivamente, “terras sem história”. Daí a referência idiossincrática em Varnhagen, repetimos, quando analogamente refletindo sobre o Brasil afirma: “De tais povos na infância não há história: há só etnografia”. Do engano sugere uma história carregada de interpretação da cultura. O regionalismo é um discurso apoiado numa aliança de forças e grupos sociais que forja uma identidade referida a um espaço; forja uma ideia de história e de práticas comuns; apresenta uma leitura do passado, do presente e projeta um futuro em cima de interesses gerais remetidos a uma circunscrição territorial. Ele legitima um determinado “bloco de poder” e o seu monopólio da representação dos interesses gerais numa determinada região, outorgando autoridade aos seus membros de porta-vozes para exercer essa representação. Esse “grupo dominante”, enquanto fração das classes dominantes, através da reivindicação de um tratamento diferenciado por parte das diversas escalas de “poder supralocais”, busca monopolizar a interlocução com essas instâncias e exercer o controle sobre os recursos fundamentais que interferem na reprodução das condições locais de desenvolvimento. A identidade cultural não está na condição de ser “nordestino”, mas sim no modo como esta condição é apreendida e organizada simbolicamente. Percebe-se assim, que determinados enunciados audiovisuais se produziram e permaneceram como representações acerca do Nordeste, como sua essência. É preciso questionar e criticar a própria ideia de identidade, que é concebida como “uma repetição, uma semelhança de superfície”. Porém, apesar desses estereótipos do Nordeste a ser propagados no contexto geral da chamada “indústria cultural” e de massa, a expressão “região Nordeste”, possui significados muito cristalizados que evocam uma série de imagens das características geográficas culturais, sociais e econômicas. Entre as primeiras, podemos citar elementos da paisagem que incluem desde o recorte litorâneo com suas praias e seus remanescentes coqueirais, até a paisagem mais seca do agreste e, sobretudo, a do sertão. Veillons!
Bibliografia Geral Consultada.

FEBVRE, Lucien, “Une Vie d’Ensemble: Histoire et Psychologie”. In: Combats pour l’Histoire. Paris: Armand Colin, 1953, pp. 207-15; BRAUDEL, Fernand, A Longa Duração. In: História e Ciências Sociais2ª edição. Lisboa: Editorial Presença, 1976; MOTA, Carlos Guilherme (org.), Febvre. São Paulo: Editora Ática, 1978; RANKE, Leopold von, Pueblos y Estados en la Historia Moderna. México: Fondo de Cultura Económica, 1979: Idem, Leopold von Ranke: História/Organizador [da coletânea] Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Editora Ática, 1979; CASTORIADIS, Cornelius, A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1982; VOVELLE, Michel, Ideologies et Mentalités. Paris: Éditions François Maspero, 1982; Idem, Le Mort et l’Occident de 1300 à nous jours, à paraître fin 1982. Paris: Éditions Gallimard, 1982; DELUMEAU, Jean, História do Medo no Ocidente: 1300-1800, Uma Cidade Sitiada. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1989; BLOCH, Marc, Os Reis Taumaturgos. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1993; SALLMANN, Jean-Michel, “Santi Patroni e Protezione Collettiva”. Santi barocchi: modelli di santità, pratiche devozionali e comportamenti religiosi nel regno di Napoli dal 1540 al 1750. Lecce: Argo Ediciones, 1996; FURET, François, A Oficina da História. Lisboa: Gradiva, 1991; GINZBURG, Carlo, Nenhuma ilha é uma ilha. Quatro visões da literatura inglesa. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2004; DOBB, Maurice Herbert, Estudios sobre el Desarrollo del Capitalismo. Ciudad de México: Siglo XXI Editores, 2005; SILVA LIMA, Sheila Conceição, Em Nome do Pai, do Filho e do Poder Joanino: Portugal e a Santa Sé na Primeira Metade do Século XVIII. Tese Doutorado em História Política. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013; MOREIRA, Vivane Venâncio, Leopold von Ranke e a Questão Oriental: O Caso d`A Revolução Sérvia (1829-1879). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Departamento de História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; GÓMEZ, Bárbara Natalia, El Secreto de la História Universal: Un Misterio para Leopold von Ranke. Tese Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura. Departamento de História. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São  Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

sábado, 26 de setembro de 2015

Leonardo Boff – Cuidado de Si, Ecumenismo & Politização da Fé.

Ubiracy de Souza Braga*

   “O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude”. Leonardo Boff

                  
Leonardo Boff ingressou na Ordem dos Frades Menores em 1959 e foi ordenado sacerdote em 1964. Em 1970, doutorou-se em Filosofia e Teologia na Universidade de Munique, Alemanha. Ao retornar ao Brasil, ajudou a consolidar a chamada Teologia da Libertação no país (cf. Gutiérrez, 1988). Lecionou Teologia Sistemática e Ecumênica no Instituto Teológico Franciscano em Petrópolis, no Rio de Janeiro durante 22 anos. Seus conceitos teológicos sobre a doutrina Católica com respeito à hierarquia da Igreja, no livro: Igreja, Carisma e Poder, renderam-lhe um processo junto à denominada “Congregação para a Doutrina da Fé”, então dirigida por Joseph Ratzinger. No documento final assinado pelo laureado Cardeal concluiu com as seguintes palavras: “as opções aqui analisadas de Frei Leonardo Boff são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar”. Em 1985, condenado a 1 ano de “silêncio obsequioso” (cf. Arias, 1985), perdeu sua cátedra e funções editoriais na Igreja. Em 1986, recuperou funções, mas sob a “contínua observação de seus superiores”. Em 1992, desligou-se da Ordem Franciscana e dispensa do sacerdócio. Uniu-se matrimonialmente à educadora militante dos direitos civis Márcia Monteiro da Silva Miranda, divorciada e mãe de seis filhos.  
Boff afirma que nunca deixou a Igreja, mas deixou de exercer a função de padre dentro da Igreja: - “Continuei e continuo dentro da Igreja e fazendo teologia como antes”. Sua reflexão abrange os campos da Ética, Ecologia e da Espiritualidade, além de assessorar as Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs) e movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Trabalha também no campo do ecumenismo. Em 1993 foi aprovado em concurso público como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde é  professor Emérito. Foi professor de Teologia e Espiritualidade em vários institutos no Brasil e exterior como a Universidade de Lisboa, Universidade de Salamanca, Universidade Harvard, Universidade de Basel e Universidade de Heidelberg. É doutor honoris causa em Política pela Universidade de Turim, em Teologia pela Universidade de Lund e nas Faculdades EST – Escola Superior de Teologia em São Leopoldo (RS). Sua produção é superior a 60 livros. A maioria de suas obras foi publicada no exterior.
                    

                                                                                    
             De inspiração do método de análise marxista, que tem como escopo a análise concreta de situações concretas, teve origem na oposição ao modelo de reforma agrária imposto pelo regime militar, principalmente nos anos de 1970, que priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, com objetivo de exportação de excedentes populacionais e integração estratégica. Contrariamente a este modelo, o MST busca fundamentalmente a redistribuição das terras improdutivas. O MST teve origem na década de 1980, defendendo que a expansão da fronteira agrícola, os “megaprojetos” dos quais as barragens são o exemplo típico, e a mecanização da agricultura contribuíram para eliminar as pequenas e médias unidades de produção agrícola e concentrar a propriedade da terra. Paralelamente, o modelo de Reforma Agrária adotado pelo regime militar priorizava a colonização de terras devolutas em regiões remotas, tais como as áreas da rodovia Transamazônica, com objetivo de “exportar excedentes populacionais” e favorecer a integração do território, considerada estratégica do ponto de vista da chamada soberania nacional. Esse modelo de colonização revelou-se, no entender do movimento dos trabalhadores rurais sem terra (MST), inadequado e eventualmente catastrófico para centenas de famílias, que acabaram abandonadas, isoladas em ambiente inóspito, condenadas a cultivar terras reveladas impróprias ao uso agrícola.
             Nesta conjuntura política, intensificou-se o êxodo rural, com abandono do campo por seus habitantes, com a migração de mais de 30 milhões de trabalhadores rurais para as cidades, atraídos pelo desenvolvimento urbano e industrial, durante o chamado milagre brasileiro. Grande parte deles ficou desempregada ou subempregada, sobretudo no início dos anos 1980, quando a economia brasileira entrou em crise. Alguns tentaram resistir na cidade e outros se mobilizaram para voltar à terra. Desta tensão, movimentos locais e regionais se desenvolveram na luta pela terra. Em 1984, apoiados pela Comissão Pastoral da Terra, representantes dos movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores rurais e outras organizações reuniram-se em Cascavel, Paraná, no 1º Encontro Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, para fundar o MST. Apesar de os movimentos organizados pela reforma agrária no Brasil serem relativamente recentes, remontando apenas às ligas camponesas, as associações de agricultores que existiam durante as décadas de 1950 e 1960, o MST entende-se como herdeiro ideológico de todos os movimentos de bases sociais camponesas ocorridos desde que os portugueses invadiram e colonizaram o Brasil, quando a terra foi dividida em sesmarias por favor real, de acordo com o Direito feudal português, o que excluiu em princípio grande parte da população do acesso direto à terra. Contrariamente a esse modelo concentrador da propriedade fundiária, o MST declara buscar a redistribuição das terras através da Reforma Agrária. Desde o início do movimento social em 1985, foram assassinados 1722 militantes, segundo a Comissão Pastoral da Terra.  
             O livro Igreja: Carisma e Poder denuncia a hierarquia e as instituições da Igreja (cf. pp. 65-66, 88, 239-240). Como explicação e justificação para semelhante atitude reivindica “o papel dos carismas e, em particular, do profetismo” (cf. pp. 237-240, 246, 247). A hierarquia teria a simples função de “coordenar”, de “propiciar a unidade, a harmonia entre os vários serviços”, de “manter a circularidade e impedir as divisões e sobreposições”, descartando, pois, desta função “a subordinação imediata de todos aos hierarcas” (cf. p. 248). Não há dúvida de que todo o povo de Deus participa do múnus profético de Cristo (cf. LG 12); Cristo cumpre o seu múnus profético não só por meio da hierarquia, mas também por meio dos leigos. Mas é igualmente claro que a denúncia profética na Igreja, para ser legítima, deve permanecer sempre a serviço burocrático, para a edificação da própria Igreja. Esta não só deve aceitar a hierarquia e as instituições, mas colaborar positivamente para a consolidação da sua comunhão interna; pertence à hierarquia o critério supremo para julgar não só o exercício bem orientado da denúncia profética, como também a sua autenticidade (cf. LG 12).
            Assim, “a Congregação sente-se na obrigação de declarar, igualmente, que as opções aqui analisadas de Frei Leonardo Boff são de tal natureza que põem em perigo a sã doutrina da fé, que esta mesma Congregação tem o dever de promover e tutelar”. Entre as visões de mundo de Friedrich Nietzsche e Leonardo Boff, guardadas as proporções de tempo e espaço, é possível uma aproximação conceitual do ponto de vista das relações de poder. Para Nietzsche o reativo, dialético, é simplesmente conservação de força frente ao inesperado. Que precisa do controle e da submissão daquele que é atingido pelo inusitado. O trágico afirma-se na consciência plena do acaso como constituinte da própria realidade e o “cosmiza” ativamente e não reativamente. O trágico não só afirma a necessidade a partir do acaso, como afirma o próprio acaso. Não só afirma a ordem a partir da desordem, como afirma a própria desordem. Não só afirma o cosmos a partir do caos, como afirma o caos. Reitera, sobretudo, o próprio devir. Essa é a inversão de Nietzsche, para o que nos interessa, que tira do pensamento qualquer pressuposição de sentido e valor, para construí-los a partir do “jogo de forças” visando expansão de potência. Sua tese em relação ao pensamento ocidental pressupõe que o sentido e valor já é uma “Vontade de Potência”, se afirmando como força e moldando os agentes a reagirem contra aquilo que constitui a realidade: a falta de valor em si e sentido próprio. Entrega da Medalha Pedro Ernesto ao teólogo Leonardo Boff.  

Ao longo dos 30 anos em que a Câmara Municipal do Rio de Janeiro funciona no Palácio Pedro Ernesto, foram criadas homenagens para que os vereadores, representantes da população carioca, pudessem agraciar àqueles que se destacaram na sociedade brasileira ou internacional. A Medalha de Mérito Pedro Ernesto é a principal Comenda que a cidade do Rio de Janeiro possui. Além dela, os vereadores também podem oferecer a cada Sessão Legislativa, a Medalha de Mérito Esportivo Pan-Americano, os Títulos Honoríficos e as Moções. A Medalha de Mérito Pedro Ernesto foi criada através da Resolução nº 40, em 20 de outubro de 1980. Ela é a principal homenagem que a cidade do Rio de Janeiro presta a quem mais se destaca na sociedade brasileira ou internacional. Recebeu esse nome em reconhecimento ao trabalho do prefeito Pedro Ernesto (1884-1942), e por isso sua figura aparece estampada nas duas Medalhas que fazem parte do Conjunto. Uma presa ao colar, e a outra para ser colocada na lapela do lado direito do homenageado. Ambas são presas em uma fita de cores azul, vermelha e branca que representam as cores da bandeira da cidade. Primeiro político a dar apoio financeiro ao carnaval, articulado dentro de um projeto social que visava transformar o Rio de Janeiro numa potência do turismo, o prefeito Pedro Ernesto foi considerado um dos maiores benfeitores das escolas de samba, e alcançou tamanha popularidade que chegou a ser cotado para a Presidência da República, antes de ser preso, sob acusação de ser comunista. 

A Teologia da Libertação nasceu da influência de três frentes de pensamento, o Evangelho Social das igrejas norte-americanas, trazido ao Brasil pelo missionário e teólogo presbiteriano Richard Shaull (1919-2002); a Teologia da Esperança, do teólogo reformado Jürgen Moltmann; e a teologia antropo-política que tinha como seus grandes expoentes o teólogo católico Johann Baptist Metz (1928-2019), na Europa, e o teólogo batista Harvey Cox, nos Estados Unidos da América. Especialmente a publicação em 1965, pelo teólogo batista Harvey Cox, “A Cidade Secular”, como contraposição à obra clássica de Santo Agostinho, De Civitate Dei, na qual defende que a divisão entre a cidade dos homens (o mundo terreno) e a cidade de Deus (o mundo espiritual), segundo ele a partir do século XX essa visão encontra-se superada pela contraposição entre a cidade dos operários oprimidos, a cidade dos donos do poder e a cidade dos capatazes opressores no mundo burguês. O marco do nascedouro da Teologia da Libertação, porém, está na publicação da obra: Da Esperança, de Rubem Alves, que tinha o título de “Teologia da Libertação”, criticando a práxis metafísica de uma forma geral e propondo o nascimento ex-nihilo de novas comunidades de cristãos, animados por uma visão e por uma paixão pela libertação humana cuja “linguagem teológica” se tornava de âmbito social e histórico. 

A primeira participação católica no lançamento da Teologia da Libertação foi a publicação da Teologia da Revolução, em 1970, pelo teólogo belga radicado no Brasil José Comblin. Em 1971, Gustavo Gutiérrez publicou Teologia da Libertação. Somente em 1972, Leonardo Boff surge no cenário teológico com a publicação de Jesus Cristo Libertador. Como Rubem Alves estava asilado nos Estados Unidos da América (EUA) neste período, Leonardo Boff passou a ser o reconhecido representante desta importante e reveladora corrente teológica que vivia no Brasil, devido à proteção recebida pela ordem dos franciscanos, à qual ele pertencia. O método de análise destas teologias é indutivo: não parte da Revelação e da Tradição eclesial para fazer interpretações teológicas e aplicá-las à realidade. Mas partem da interpretação da realidade concreta da pobreza e do processo social de exclusão e do compromisso ético-político com a libertação humana para fazer a reflexão teológica e convidar à ação transformadora desta mesma realidade. Ocorre também uma análise crítica à teologia moderna e sua pretensão de universalidade do espírito. Consideram esta teologia eurocêntrica e desconectada da realidade dos países ditos periféricos. Historicamente Teologia da Libertação é uma corrente teológica cristã nascida na América Latina, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín (1968). Parte da consideração que o Evangelho exige a opção preferencial pelos pobres e que a teologia, para concretizar essa opção, deve usar também as categorias e conceitos das ciências humanas e sociais. É considerada como um movimento social “supradenominacional, apartidário e inclusivista de teologia política, que engloba várias correntes de pensamento que interpretam os ensinamentos de Jesus Cristo em termos de uma libertação de injustas condições econômicas, políticas ou sociais”.

   Ela foi descrita, pelos seus proponentes como reinterpretação analítica e antropológica da fé cristã, em vista dos problemas sociais, mas, seus oponentes a descrevem como uma vertente do marxismo, relativismo e materialismo cristianizado. A Teologia da Libertação dialeticamente está diretamente relacionada ao movimento societário ecumênico, de retorno à união e comunhão de todas as religiões cristãs. Embora tenha se iniciado como um movimento social especulativo dentro da Igreja Católica, na América Latina nos anos 1950-1960, o termo foi cunhado pelo padre peruano Gustavo Gutiérrez em 1971, sendo que mais de 40 anos depois se reconciliou com o Vaticano. Escreveu um dos livros mais carismáticos e famosos de status do movimento social, A Teologia da Libertação. Outros expoentes são Leonardo Boff do Brasil, Jon Sobrino de El Salvador, e Juan Luís Segundo do Uruguai. A Teologia da Libertação desde os anos 1990 sofreu um forte declínio, principalmente devido ao envelhecimento natural de suas lideranças, e a falta de participação social das recentes gerações no âmbito desse movimento. A influência da Teologia da Libertação diminuiu após a condenação ideológica e política pela Congregação para a Doutrina da Fé em 1984 e 1986.
A Santa Sé condenou os principais fundamentos sociais da Teologia da Libertação: a) como a ênfase exclusiva no pecado institucionalizado, coletivo ou sistêmico, b) excluindo os pecados individuais, a eliminação da transcendência religiosa, c) a desvalorização do magistério, e o incentivo à luta de classes. Seu recente discurso aos dirigentes do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro, o Papa Francisco alertou para o risco da ideologização: - “Esse método pode levar ao reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais”. É um organismo da Igreja Católica fundado em 1955 pelo Papa Pio XII a pedido dos bispos da América Latina e do Caribe. O Conselho presta serviços de contato, comunhão, formação, pesquisa e reflexão às 22 conferências episcopais desde o México até o Cabo de Hornos, incluindo o Caribe e as Antilhas. Seus dirigentes são eleitos a cada quatro anos por uma assembleia ordinária que reúne os presidentes das conferências episcopais da América Latina e do Caribe. A sede está localizada na cidade de Santa Fé de Bogotá, a capital e maior cidade da Colômbia. Ela é administrada como o Distrito Capital, embora muitas vezes seja considerada parte de Cundinamarca. Bogotá é uma entidade territorial de primeira ordem, com o mesmo estatuto administrativo que os departamentos colombianos. É o centro político, econômico, administrativo, industrial, artístico, cultural e esportivo do país.

  A afirmação do teólogo católico romano brasileiro Leonardo Boff (n. em 1938) de que a Teologia da Libertação é “a primeira teologia do Terceiro Mundo com ressonância mundial” deve ser efetivamente acertada. Não era possível ficar indiferente a ela, e menos ainda ignorá-la, entre outras razões por causa de sua recepção muito controvertida no Ocidente, sobretudo em Roma. Em termos positivos, na Teologia da Libertação manifesta-se, nas palavras de Johann Baptist Metz, “a tensa transição de uma igreja ocidental mais ou menos homogênea em termos culturais e, neste sentido, monocêntrica para uma igreja mundial com muitas raízes culturais e, neste sentido, policêntrica”. E o próprio Boff decerto é o teólogo latino-americano internacionalmente mais publicado e mais lido. Esses fatos o colocam de saída, num horizonte mundial; seu conflito com a Igreja Católica Romana mundial fez outro tanto. O horizonte mundial,  também corresponde à sua teologia, desenvolvida a partir da urgência do contexto teórico, histórico e pontual explicativos, sempre com vistas não só aos católicos romanos, exclusivamente, portanto, não só ao universo ecumênico cristão, não só aos seres humanos, mas também ao cosmo e ao universo inteiro. As vantagens da doutrina da trindade de Leonardo Boff residem, na estreita relação espiritual que ele compreende e evidentemente obtém discernimento entre Deus e a relação entre o mundo por ele demonstrado e na comunhão do próprio mundo.
Que compreende como planetária e da qual os seres humanos representam apenas uma parte. O Deus revelado nas Escrituras tem como representação três pessoas. Isto é, sem dúvida, um mistério: um só Deus que existe e se revela em três pessoas distintas e divinas. Mas é possível discernir parte deste mistério levando em consideração três indícios presentes na Bíblia: primeiro, o indício de que só existe um Deus; segundo, o indício de que Deus é representante de três pessoas; terceiro, o indício de que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus. Por mais paradoxal e estranho que pareça, é correto afirmar que o Deus que reclama unicidade é, ao mesmo tempo, o Deus que deve ser compreendido como três pessoas. Após 20 anos escavando a Cidade de Davi, sítio arqueológico de Jerusalém, foi descoberta a fortaleza Cidadela da Primavera. - “A cidadela foi construída para salvar e proteger a água da Fonte do Giom dos inimigos que queriam conquistar as cidades, bem como proteger as pessoas que queriam beber água e voltar para a cidade”, afirma Oriya Dasberg, diretor na Cidade de Davi. Os arqueólogos acreditam que essa é a mesma estrutura conquistada pelo rei Davi em passagem de Samuel e o mesmo local onde Salomão foi ungido rei.
             Esse Deus existe e se revela como três pessoas distintas, que possuem uma única natureza divina. Logo, o Deus revelado nas Escrituras, o Deus que é o único Deus do universo, existe como três pessoas distintas. Deus é a Trindade, representando três pessoas em unidade ontológica. Torna-se claro, também, que efetivamente faz uma diferença, para nosso pensamento teológico e nossa ação, em que Deus cremos e com que imagens e concepções cremos nele. Estas são sempre construtos; decisivo, porém, é que se informe abertamente sobre o surgimento delas e, com isso, se possibilite um diálogo crítico. Na exposição de Leonardo Boff fica claro a imagem particular da trindade é desenvolvida a partir das necessidades da sociedade que, por sua vez, deve ser enfocada a partir da trindade em termos de comunhão. O primeiro aspecto pode ser percebido pelas necessidades da igreja, da sociedade e do cosmo, bem como a partir da oposição a uma igreja hierárquica. A uma sociedade aparentemente não democrática; uma natureza ecologicamente desrespeitada. O segundo aspecto resulta do tratado dogmático e histórico-dogmático da trindade, sobretudo da pericórese. Da confluência dos dois aspectos espirituais surge, para o conspícuo teólogo, uma doutrina da trindade orientada pela contextualidade e catolicidade. 
Bibliografia geral consultada.
BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira, A Articulação entre Teologia da Libertação e Teologia do Pluralismo Religioso em Leonardo Boff. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2007; PRINCESWAL, Marcelo, O MST e a Proposta de Formação Humana da Escola Nacional Florestan Fernandes para a Classe Trabalhadora: Uma Síntese Histórica. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana. Faculdade de Educação. Centro de Educação e Humanidades. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007; SOUZA, José Carlos Lima de, O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O Moderno Príncipe Educativo Brasileiro na História do Tempo Presente. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Departamento de História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2008; VILELA, Daniel Marques, Utopias Esquecidas. Origens da Teologia da Libertação. São Paulo: Fonte Editorial, 2013; OLIVEIRA, Kathlen Luana de, Por Palavras e Ações: Há um Mundo entre Nós. Justiça, Liberdade e Comunhão: Sentidos Teológico e Políticos nos Paradoxos da Democracia em Tempos de Direitos Humanos. Tese de Doutorado em Teologia. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2013; COUTINHO, Célio Ribeiro, Formação Político-educativa do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Contexto do Governo Lula (2003 a 2010). Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2014; MATSOVELE, Anastâncio Jemo, O Pai-Nosso na Teologia de Leonardo Boff e na Perspectiva Cultural Moçambicana. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teologia. Faculdade de Teologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015;  BOFF, Leonardo, Igreja, Carisma e Poder. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1982; Idem, Teologia do Cativeiro e da Libertação. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1998; Idem,  O Despertar da Águia: O Dia-Bólico e o Sim-Bólico na Construção da Realidade. Petrópolis: (RJ): Editoras Vozes, 1998; Idem, Ética da Vida. Brasília: Editora Letra Viva, 1999; Idem, Befreit die Erde! Eine Theologie für die Schöpfung. kbw, Bibelwerk, Stuttgart 2015; entre outros
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Lou Reed - Técnica Instrumental, Liberdade & Finitude da Solidão.

Ubiracy de Souza Braga*
                                                            Lou Reed. Um maestro da improbabilidade em cena”. Jotabê Medeiros

            

Lewis Allan “Lou” Reed nasceu no Brooklyn (Nova York), em 1942. Fã de doo-wop e dos primórdios do rock and roll, ele também foi inspirado pelo poeta Delmore Schwartz quando estudava na Syracuse University. Depois da faculdade, trabalhou como compositor contratado no selo Pickwick Records. Em meados dos anos 1960, ficou amigo do violinista clássico galês John Cale. Juntos formaram a banda chamada The Primitives, posteriormente renomeada The Warlocks. Depois de conhecerem o guitarrista Sterling Morrison e a baterista Maureen Tucker, tornaram-se o Velvet Underground. Com um som simples e visual sombrio, a banda chamou a atenção de Andy Warhol, que a incorporou ao show experimental dele, o Exploding Plastic Inevitable. - “Andy projetava os filmes dele na gente”, contou Reed. “Nós vestíamos preto para que os outros pudessem ver o filme. Mas andávamos sempre de preto de qualquer modo”. Produzido por Andy Warhol e recebido com total indiferença quando lançado no  começo de 1967, o disco de estreia da banda, The Velvet Underground & Nico permanece como um marco musical no mesmo nível comparativamente de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles e Blonde on Blonde, de Bob Dylan. 

A famosa frase: - “No futuro, todos terão seus quinze minutos de fama”, como profetizou certa vez o cineasta e pintor norte-americano Andy Warhol, reconhecido pelos coloridos retratos da glamorosa Marilyn Monroe e Elvis Presley tornou-se sua marca na modernidade. Mais do que isso, sua fama parece ter se tornada eterna, como tem ocorrido no tempo e espaço quando é cada vez mais celebrada. É o que garante o jornal norte-americano The New York Times. No primeiro semestre de 2015, por exemplo, foram programadas pelo menos três mostras com criações de Andy Warhol nos Estados Unidos da América. Em uma extensa reportagem sobre o legado de um dos criadores e principal representante da Pop Art, o jornal divulgou que nada menos que 40 exposições com obras do artista, muitas delas até então inéditas para o público, “inundarão museus e instituições de arte nos próximos cinco anos”. Isso porque a fundação que leva o nome de Andy Warhol está na terceira fase de um projeto que visa popularizar cada vez mais o trabalho do artista, morto em 1987. É neste sentido que a fundação doou mais de 14 mil obras, sobretudo fotografias e gravuras, “com a condição de que os museus as exibam no prazo de cinco anos”. Já foram distribuídas, desde 1999, 52.786 obras do artista para 322 instituições diversas, sobretudo nos Estados Unidos da América.

Neste sentido, marca é a representação simbólica de uma entidade, qualquer que seja ela, objeto/símbolo que permite identificá-la de um modo imediato como, por exemplo, um sinal de presença, uma simples pegada. Na teoria da comunicação, pode ser um signo, um símbolo ou um ícone. Uma simples palavra pode referir uma marca. O termo é frequentemente usado hoje em dia como referência a uma determinada empresa: um nome, uma marca verbal, imagens ou conceitos que distinguem o produto, serviço ou a própria empresa. Quando se fala em marca, é comum estar se referindo, na maioria das vezes, a uma representação gráfica no âmbito e competência do designer, onde a marca pode ser representada graficamente por uma composição de símbolo ou logotipo, tanto individualmente quanto combinados. No entanto, o conceito de marca é bem mais abrangente que a sua representação gráfica. Marca não é um conceito fácil de definir. A marca em essência representa produção-consumo com uma série específica de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores. A garantia de qualidade surge entre marcas, mas a marca é um símbolo mais complexo, pois em princípio, a relação social entre complexo e símbolo, coincide em muitos aspectos do desejo, comparativamente, pois ambos se enraízam num núcleo de significado arquetípico. 

Analogamente se referem sociologicamente enquanto um conjunto de práticas e saberes sociais a unidades de geração que desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo mercado de consumo editorial. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo nível social. A unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Mas a forma como grupos sociais da mesma conexão geracional lida com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Karl Mannheim não esconde sua preferência pela abordagem histórico-romântica alemã. E destaca que este é um exemplo bastante claro de como a forma de se colocar uma questão pode variar de país para país, assim como de uma época para outra.     

  Ipso facto, sociologicamente falando a relação social entendida por globalização representa um dos processos de aprofundamento da divisão internacional do trabalho, da integração econômica, social e política, em seus extremos que teria sido impulsionado pela redução dos meios sociais de comunicação dos países no final do século XX e início do século XXI. Embora vários estudiosos situem a origem da globalização em tempos modernos, Marx analisou a sua história social e econômica na gênese do industrial capitalista relacionado com os chamados descobrimentos do Novo Mundo pelos europeus. Um país com imprensa livre hoje pode ter acesso, algumas vezes por televisão por assinatura ou satélite, a emissoras de difusão de comunicação, desde a NHK do Japão a Cartoon Network norte-americana. A globalização é analisada por sociólogos, historiadores e cientistas políticos como o movimento social sob o qual se constrói o processo de hegemonia econômica, política e cultural ocidental sobre as demais nações. Esta nova dominação é constituída por redes assimétricas, e as relações de poder se dão mais pela via cultural e econômica do que pelo uso coercitivo de força.         

As descrições prosaicas do submundo boêmio nova-iorquino feitas por Reed, repletas de alusões às drogas e S&M, foram além até dos momentos mais “sinistros” dos Rolling Stones, enquanto as altas doses de distorção e ruídos gratuitos revolucionaram a guitarra roqueira. Os três álbuns subsequentes – o ainda mais corrosivo White Light/White Heat (1968), o frágil e folk The Velvet Underground (1969) e Loaded (1970), que, apesar de ter sido gravado quando Reed estava deixando a banda, contém dois de seus maiores clássicos, “Rock & Roll” e “Sweet Jane” – foram igualmente ignorados pela crítica e consumo. Mas eles seriam adotados pelas gerações posteriores, consolidando o status do Velvet Underground como uma das bandas de rock mais influentes de todos os tempos. O talentoso musicista Lou Reed intermitentemente cultivou a fama de “pesadelo dos jornalistas” por não demostrar nenhuma paciência ou boa vontade ao conceder entrevistas e declarar sem hesitação “seu ódio por críticos musicais”. Era bastante comum ouvir respostas atravessadas e irônicas, silêncio ou mesmo agressões diretas ao fazer uma pergunta sobre um assunto do qual o cantor e instrumentista não quisesse falar. Uma das “vítimas” mais recentes foi um repórter da revista “Spin”, em novembro de 2010.

 Interrompido logo na primeira pergunta, o jornalista despertou a fúria de Reed justamente ao abordar sua reputação de “entrevistado difícil”. A conversa foi encerrada com um: - “Esse é o tipo de merda que você queria o tempo todo e você guardou para o final. O que eu deveria dizer? Você não está interessado em música. Nossa conversa acabou”. Morto em um domingo (27/10/2013), aos 71 anos, Lou Reed nem sempre foi uma figura polêmica, desde que se tornou conhecido na década de 1960 com “The Velvet Underground”. Sem nunca esconder sua bissexualidade, seu amor pelas drogas e sua aversão aos jornalistas, pois, o cantor “construiu a fama de ser uma pessoa difícil”. Psicologicamente entendemos que o que motiva a alguém ser ou tornar-se difícil como indivíduo ou uma pessoa ou ainda uma situação é também sua história de vida. Algumas vivências podem ter sido fortes demais e fragilizaram a ponto de impedir que esta pessoa tenha relações tranquilas e saudáveis com todo mundo. Por outro lado também é possível que características de personalidade sejam a raiz do problema, ou seja, mesmo não havendo nenhum causador de danos emocionais esta pessoa tem em suas características que dificultam o bom trato social. Lou Reed nascido no Brooklyn, Nova Iorque, em 2 de março de 1942 e morto em Long Island, Nova Iorque, 27 de outubro de 2013, foi um cantor, guitarrista e compositor nascido em uma das mais notórias comunidades judaicas do mundo, o Brooklyn onde está a sede mundial das Testemunhas de Jeová. Isso faz com que a cidade seja a maior “capital judaica” fora de Israel. 
Em Manhattan, os judeus se espalharam por várias regiões. Os judeus ortodoxos moram quase todos numa parte do Brooklyn, subúrbio de Nova York, conhecida como Crown Heights. Foi no Brooklyn historicamente que surgiu o judeu radical Baruch Goldstein, em fevereiro de 1994. É no Brooklyn que estão situados as maiores sinagogas e os pequenos negócios como aparecem em filmes com minimercados, restaurantes, lavanderias e armarinhos mantidos pelos judeus. Os judeus ortodoxos controlam quase todo o comércio de joias de Nova York -sobretudo o de diamantes. As joalherias ficam uma ao lado das outras no lado oeste da rua 47, em Manhattan. É difícil não encontrar algum homem no balcão que não esteja usando o chapéu e o paletó preto característicos dos judeus ortodoxos. As mulheres sempre estão usando saias longas e as meninas, vestidos. Ao contrário de outras regiões de Manhattan, onde as lojas abrem durante os sete dias da semana, o comércio na rua 47 fica praticamente vazio nas tardes de sextas-feiras e aos sábados, para respeitar o sabá judaico. As grandes sinagogas, escolas, creches e centros de recreação. A Shaare Zion, é uma das maiores do Brooklyn: possui 3.000 membros, a maioria de origem síria. A sinagoga tem um complexo de escolas, além de centro social. Tudo em Crown Heights.


                                        
Com John Cale, Lou Reed funda a banda: “The Primitives”, que tem algum sucesso em 1964 com o tema “The Ostrich”, uma paródia à música de dança. Os membros “The Primitives” são depois rebatizados “The Warlocks”. E quando se juntam ao grupo o guitarrista Sterling Morrison e o percussionista Angus Maclise, nasceu não apenas uma nova banda, mas, na opinião de alguns críticos, a melhor banda de rock de todos os tempos: os “Velvet Underground”. O grupo não teve grande sucesso comercial nos anos 1960, mas alguém já observou que muitos dos jovens que ouviram o seu álbum de estreia, em 1967, “The Velvet Underground & Nico”, foram influenciados para criar a criação de suas próprias bandas. Quase não há um tema nesse primeiro álbum, produzido por Andy Warhol, que não seja hoje um clássico da música pop, de “I’m waiting for the man” e “Venus in furs” a “All tomorrow’s parties” ou aos sete minutos de “Heroin”. O grupo durou pouco (Cale saiu logo em 1968), mas a sua influência perdura até hoje. O empresário e artista plástico Andy Wahrol, ícone da pop art, faleceu em 1987. Figura ímpar da cultura nova-iorquina, ele havia sido homenageado, em 1991, por Lou Reed e John Cale, no álbum “Songs For Drella”, referente a um dos apelidos de Andy Wahrol no meio artístico.
Foi considerado o “81º melhor guitarrista de todos os tempos” e o 52º na lista pontual pela revista Rolling Stones. Confirmada no site oficial da banda Metallica (15 de junho de 2011) a participação de Lou Reed no álbum “Lulu”, que possui dez canções e foi lançado no dia 31 de outubro de 2011. O disco, porém, não foi bem recebido pelo público por não repetir a fórmula que levou os “Metallica” ao topo do estilo “speed metal”. Com poucos solos e “riffs”, e Lou Reed recitando poemas durante todas as músicas, aparentemente houve um péssimo feedback acerca do álbum. Lou Reed foi um dos vocais do “The Velvet Underground”, influenciando Iggy Pop, New York Dolls e David Bowie. Mais tarde toda a cena pós-punk (cf. Braga, 2011) inglesa. Admirador de Edgar Allan Poe e Raymond Chandler, além de James Joyce, a quem faz referências em “Blue Mask”. Em sua última turnê, que passou pela Europa em 2012, Lou Reed fazia um apanhado de sua trajetória do início da carreira até o lançamento do álbum com o “Metallica”. Não à toa a turnê se chamava: “From vu to Lulu”. Em maio de 2013 passou por um transplante de fígado, mas com um quadro de desidratação severa, veio a falecer em 27 de outubro do mesmo ano.         
Nos final da década de 1960, Lou Reed começou a carreira musical à frente do “Velvet Underground”. Foram três discos naquela década, todos reconhecidos pela crítica como importantes para o rock e influentes no surgimento do punk em Nova York e do rock alternativo das décadas posteriores. Além da estreia de 1967, foram lançados “White Light/White Heat”, do ano seguinte, e “The Velvet Underground”, de 1969. Com o “Velvet”, Lou Reed ajudou a colocar o experimentalismo e as narrativas sobre o submundo urbano, drogas e perversões sexuais entre as matérias primas do rock e do pop. Os anos 1970 foram os mais importantes de sua carreira que durariam 40 anos. Com o fim dos Velvet em 1970, Reed parte para o Reino Unido, onde grava um disco com músicos da banda Yes. Mas é com o disco seguinte, “Transformer”, produzido por David Bowie, que se torna uma estrela incontestável do rock. O tema “Walk on the wild side” torna-se um sucesso, mas o disco inclui outras canções justamente célebres, como “Perfect day” ou “Vicious”.
O nome da banda que tornou Lou Reed famoso foi tirado de “Velvet Underground”, livro escrito por Michael Leigh sobre “parafilia”, representando um conjunto de comportamentos sexuais considerados perversos ou anormais. E logo em seu primeiro disco, “The Velvet Underground & Nico” (1967), Reed já falava em sadomasoquismo, vício em cocaína e heroína. A capa foi desenhada pelo artista Andy Warhol, que adotou a banda e ajudou a divulgá-la. Reed mexeu mesmo com fogo ao falar de sexo e drogas pesadas em suas letras. Em 1970, com sua saída do “Velvet Underground”, Lewis Allan Reed se viu totalmente livre para expor como bem entendesse sua visão do (sub) mundo. Não bastava usar enormes quantidades e variedades de drogas e escrever sobre elas em suas letras. O cantor também adorava falar sobre o assunto e chegou a dizer em uma entrevista, em 1974, que era nisso que gastava quase todo seu dinheiro. Mais tarde admitiu que tentasse se livrar das drogas... “bebendo”. Nos anos 1980, abandonaria os dois vícios e nas últimas duas décadas de vida se tornou um dedicado praticante de Tai-Chi, reconhecido “como uma forma de meditação em movimento” (cf. Cheng, 1989).   
Nas décadas seguintes, Lou Reed vai sempre inovando, e muitas vezes driblando as expectativas dos seus fãs, num trajeto que inclui álbuns brilhantes como: “Berlin” (1973), o experimentalista “Metal Machine Music” (1975), “Blue Mask” (1982), “New Sensations” (1984), “New York” (1989) ou “Hudson River Wind Meditations”, de 2007. Lou Reed era casado desde 2008 com a compositora e música Laurie Anderson. Os discos mais lembrados deste período são: “Transformer”, de 1972, e o depressivo “Berlin”, de 1973. Ele também lançou, em 1975, o controverso “Metal Machine Music”, com uma hora de “barulho quase incessante”. Nesta direção, Lou Reed estabeleceu sua reputação como figura exponente e ipso facto, fundamental no rock, apesar de diminuir o número de discos importantes. Entre os trabalhos mais reconhecidos estão: “Blue mask”, de 1982, e “New York”, de 1989. Em 1975, quando o 5° disco solo de Lou Reed chegou às lojas, o impacto ideológico foi geral e revelador.

             Considerado brincadeira por alguns, desaforo por outros, o LP duplo subvertia as estruturas convencionais de composição e foi um dos primeiros exemplos de “noise music”. Na época, o álbum estabeleceu um recorde de devoluções nas lojas e arranhou seriamente a credibilidade do cantor, ganhando a fama de “pior disco do mundo”. Mais tarde, porém, se tornou “cult” e foi apontado como grande influência para gêneros como punk, metal e industrial. Na metade da década de 1970, ele conheceu Rachel, um transexual por quem se apaixonou à primeira vista e com quem viveu durante três anos. A namorada, inclusive, teria sido a maior inspiração durante a composição do disco: “Coney Island Baby” (1976), chegou a acompanha-lo em turnês e a posar ao seu lado para a revista “Penthouse”. Mas, a partir de 1978, o cantor simplesmente se recusou a tocar no assunto, passou a se relacionar apenas com mulheres e Rachel voltou ao anonimato. Em 2008 criou a “Metal Machine Trio” e fez uma turnê onde músicos improvisavam ao vivo, baseados no disco. Ironicamente, as apresentações foram bastante elogiadas e a maioria dos shows teve seus ingressos esgotados.           
Em 1975, depois de ganhar reconhecimento por seus primeiros discos solo, Lou Reed lançou “Metal Machine Music”. Muitos não entenderam, alguns acharam piada. O disco trazia apenas quatro músicas. Cada uma com 15 ou 16 minutos. Não há vocais, apenas distorções de guitarras, texturas e camadas sonoras. Em três meses, o disco foi retirado das lojas. Muito se disse que “Metal Machine Music” foi um disco feito para cumprir contrato com a RCA. Reed negava isso, apontando o disco como antecessor dos estilos “noise” e “industrial”.  – “Metal Machine Music é dedicado à proposta da guitarra como o maior instrumento conhecido ao homem (...). Você não precisa de um vocalista ou um baterista (...). E uma reflexão da glória do rock” – disse Reed, em entrevista à BBC. Em 2002, Reed se espantou ao ver o saxofonista alemão Ulrich Krieger interpretar o álbum. Acabou convidando-o para formar o grupo Metal Machine Trio, que revisitou em performances repletas de improvisos. Esse show veio ao Brasil. Reed e seu grupo tocaram nos dias 20 e 21 de novembro de 2010 em São Paulo.
Por meio da tradução de suas mais de 300 letras, é possível contemplar Lou Reed em suas múltiplas facetas: a) o cronista do submundo nova-iorquino, b) o narrador de inegável talento para capturar as vozes das ruas, c) o fetichista depressivo com tendências suicidas e masoquistas, d) o amante da literatura e das artes de vanguarda. Vale lembrar que ao lado de Neil Young, Reed é um dos únicos representantes do rock dos anos 1960 a manter uma produção constante e digna de nota ao longo das últimas quatro décadas e, como letrista, junto com Bob Dylan e Leonard Cohen, é um dos poucos compositores da música popular norte-americana a conquistar o status de grande poeta. À frente do “Velvet Underground”, nas palavras do lendário crítico musical Lester Bangs (194801982), com quem Lou Reed mantinha sociologicamente uma notória relação de amor e ódio - “trouxe dignidade, poesia e rock and roll a temas como as drogas, as anfetaminas, a homossexualidade [ou homoerotismo], o sadomasoquismo, o assassinato, a misoginia, a passividade entorpecida e o suicídio”.

             O lançamento nacional do songbook de Lou Reed reitera o “status poético” da obra do artista e reacende a discussão sobre as relações entre música e poesia. Discussão calorosa quando o assunto é delimitar a fronteira tênue entre o que é poesia e o que é letra de música. No caso de Reed, letras de puro rock como as reunidas no livro: “Atravessar o fogo”. Há quem sustente que os versos do compositor de músicas como “City lights” e “Dirty Blvd.” são moldados para o espetáculo do rock e que, sem o volume das guitarras distorcidas, perdem força, impacto social e poesia. Dizem isso de Reed. Mas dizem isso de Bob Dylan também. E o fato é que tanto Dylan como Reed - para citar somente dois sócios de um clube seleto no qual John Lennon foi “admitido”, por conta de sua obra solo inusitado e da parcela adulta do cancioneiro dos Beatles - alçaram as letras de rock a um patamar poético ainda hoje alcançado por muito poucos. Por isso, Reed nunca foi estranho no ninho literário. E, por isso, há tanta reverência, talvez justa - a “um roqueiro que sempre viu poesia nas sombras”.

Lou Reed nasceu em 2 de março de 1942, em Nova York, nos EUA. Ele fundou em 1964, com John Cale, o Velvet Underground, uma das bandas mais influentes da história do rock. O disco mais conhecido da banda é The Velvet Underground and Nico, de 1967. No final dos anos 1960, Lou Reed começou a carreira à frente do Velvet Underground. Foram três discos naquela década, todos reconhecidos pela crítica como importantes para o rock e influentes no surgimento do punk em Nova York e do rock alternativo das décadas posteriores. Além da estreia de 1967, foram lançados “White Light/White Heat”, do ano seguinte, e “The Velvet Underground”, de 1969. A capa foi desenhada pelo artista Andy Warhol, que adotou a banda e ajudou a divulgá-la. Ele também lançou discos solo cultuados, como Transformer, de 1972, produzido por David Bowie, e Berlin, de 1973. A única música que Lou Reed conseguiu transformar em sucesso nas rádios dos Estados Unidos da América foi Walk on the wild side, de 1972.

Com o Velvet, Lou Reed ajudou a colocar o experimentalismo e as narrativas sobre o submundo urbano, drogas e perversões sexuais entre as matérias primas do rock e do pop. Os anos 1970 foram os mais importantes da carreira solo. Os discos mais lembrados deste período são Transformer, de 1972, e o depressivo Berlin, de 1973. Ele também lançou, em 1975, o controverso Metal Machine Music, com uma hora de ruído quase incessante. Nas décadas seguintes, Lou Reed estabeleceu sua reputação como figura fundamental no rock, apesar de diminuir o número de lançamentos importantes. Entre os trabalhos mais reconhecidos estão Blue mask, de 1982, e New York, de 1989. O músico se casou em 2008 com a artista Laurie Anderson,  cujo trabalho abrange performance, música pop e projetos multimídia. Com formação inicial em violino e escultura, Anderson realizou uma série de projetos em Nova Iorque durante os anos 1970, focando especialmente em linguagem, tecnologia e imagens.  

O músico norte-americano Lou Reed, considerado um dos mais influentes do rock e morto em outubro aos 71 anos, deixou uma fortuna de R$ 66,5 milhões, informou o New York Post. De acordo com o jornal, Robert Gotterer, empresário do cantor e compositor, declarou em um tribunal de Manhattan na semana passada que seu cliente acumulou um total de R$ 44 milhões desde novembro de 2013. Foi a partir dali que Gotterer assumiu a supervisão do espólio do fundador do Velvet Underground.  Esse valor adicional, descrito como “dinheiro e outras posses”, não inclui os cerca de R$ 22 milhões que Reed deixou no testamento para sua mulher, sua esposa e sua mãe. Também não entra na conta o seguro de vida. Segundo o New York Post, possivelmente se trata de rendimentos com direitos autorais, incluindo a obra de Reed como escritor. No testamento, Gotterer foi instruído “a cuidar de tudo como se fosse dele”. Lou Reed deixou para sua mulher, a artista Laurie Anderson, uma cobertura de R$ 15,5 milhões em Nova York e uma casa de praia de R$ 3,3 milhões, além de joias, roupas, obras de arte, carros, barcos e da empresa Sister Ray Enterprises. Também deixou R$ 1,1 milhão para sua única irmã, Margaret Reed Weiner, para que ela usa nas despesas com a mãe deles. Do dinheiro adicional informado por Gotterer, a viúva vai ficar com R$ 33,3 milhões. Margaret, com R$ 11 milhões. 

O empresário, que começou a trabalhar com Reed em 1970, pediu R$ 487 mil em honorários. Já o advogado de Reed, James Purdy, entrou com uma ação dizendo que os executores do espólio vão apresentar um inventário completo em janeiro de 2015. Escrever que a música chora a morte de Lou Reed não é um exagero quando são tantas as homenagens prestadas. Dos mais novos aos mais velhos. Do rock, à folk music e ao pop. A controversa Miley Cyrus, os históricos The Who, Patrick Carney, baterista dos Black Keys, Flea, dos Red Hot Chilli Peppers, Morrissey, Jim James, as Warpaint, Alex Kapranos, dos Franz Ferdinand, Gary Numan, LL Cool J, Juliette Lewis, Tom Morello, dos Rage Against the Machine e dos Audioslave. Mas nem só da música vieram tais mensagens. Foram muitos os atores, realizadores, escritores e rostos conhecidos da mídia que também quiseram deixar umas palavras.

O “chef” norte-americano Anthony Bourdain escreveu no twitter uma parte da canção Sweet Jane: “Heavenly wine and roses… seem to whisper to me…when you smile”, enquanto o escritor britânico Salman Rushdie escreveu que o seu amigo Lou Reed, “chegou ao fim da sua canção”, fazendo referência a duas das mais icônicas músicas de Reed: “But hey, Lou, you`ll always take” a “walk on the wild side. Always a perfect day”. Enfim, curiosamente o presidente do Conselho Pontifício para a Cultura, o cardeal Gianfranco Ravasi, fez uma homenagem inesperada em sua conta no Twitter ao fundador do “Velvet Underground”, Lou Reed. O cardeal italiano, um dos primeiros na Cúria e do Colégio de Cardeais a adotar as redes sociais, reproduziu o refrão de “Shuch a perfect day”, uma das mais conhecidas canções do cantor norte-americano: - “Oh, it`s such a perfect day/ I`m glad I spend it with you/Oh, such a perfect day/ You just keep me hanging on”. Em um segundo Twitter, ele explicou a escolha: - “Não se iludam. Tudo o que o homem semear, também colherá”. Essa passagem da Epístola aos Gálatas “foi citada por Lou Reed em Perfect Day”. Ravasi, escolhido pelo papa adepto ao fascismo Bento XVI para ser o Ministro da Cultura e mantido por seu sucessor o papa Francisco, tem uma “vasta cultura eclética” e nunca escondeu que ama o rock.

Bibliografia geral consultada.

ALMEIDA, Mauro Lauria de, EUA: Civilização Empacotada. São Paulo: Editor Fulgor, 1961; BELTRÃO, Luiz, A Imprensa Informativa. São Paulo: Editora Folco Musucci, 1969; MICELI, Sérgio, A Noite da Madrinha. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972; CHOMSKY, Noam, USA: Mito, Realidad, Acracia. Barcelona: Editorial Ariel, 1978; FISCHER, Ernest, A Necessidade da Arte. 9ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983; GINZBURG, Carlo, Miti, Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1986; LISBOA, João, Superstars: Andy Warhol e os Velvet Underground. Lisboa: Editor Assírio & Alvim, 1992; DURAND, Gilbert, Mythe, Thèmes et Variations. Paris: Éditions Desclée de Brouwer, 2000; DOR, J., O Pai e sua função em psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991; CASTRO, Dana, La mort pour de faux et la mort pour de vrai. Paris: Albin Michel, 2000; LOPES, Pedro Alvim Leite, Heavy Metal no Rio de Janeiro e Dessacralização de Símbolos Religiosos: A Música do Demônio na Cidade de São Sebastião das Terras de Vera Cruz. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006; GRÜN, Anselm, A Sublime Arte de Envelhecer. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2007; REED, Lou, Atravessar o Fogo. Tradução de Christian Wartz e Caetano Galindo. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2010; MERHEB, Rodrigo, O Som da Revolução: Uma História Cultural do Rock 1965-1969. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2012; Artigo: “Lou Reed, Velvet Underground Leader and Rock Pioneer, Dead at 71”. In: http://www.rollingstone.com/27/10/2013; CUNNINGHAM, David, “O Rock como Modernismo Minimalista”. In: Radical Philosophy, nº 183, jan.-fev., 2014; Artigo: “Aos 71 anos, Morre Guitarrista Lou Reed, Líder do Velvet Underground”. Disponível em: http://musica.terra.com.br/; Artigo: “Veja Repercussão da Morte do Cantor e Guitarrista Lou Reed”. In: http://g1.globo.com/musica/noticia/2013/10/; Artigo: “Ministro da Cultura do Papa homenageia Lou Reed no Twitter”. Disponível em: http://www.jb.com.br/2013/10/28/; Artigo: “Morre o Poeta das Trevas Urbanas aos 71 anos”. In: Diário do Nordeste. Fortaleza, 29/10/2013; BISCARO, Barbara, Vozes Nômades: Escutas e Escritas da Voz em Performance. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Teatro. Centro de Artes. Florianópolis: Universidade do Estado de Santa Catarina, 2015; entre outros.