“O
tempo dura muito para aqueles que sabem aproveitá-lo”. Leonardo da Vinci
Fritjof
Capra nasceu em 1° de fevereiro de 1939 na Áustria. Após ter recebido seu Ph. D
em física teórica pela Universidade de Viena em 1966, Capra fez a pesquisa em
física de partículas na Universidade de Paris (1966-68), esteve na Universidade
de Califórnia em Santa Cruz (1968-70), no Accelerator
linear do Centro de Stanford (1970), na faculdade imperial, na Universidade
de Londres (1971-74), e no Laboratório de Lawrence Berkeley na Universidade de
Califórnia (1975-88). Ensinou também na Universidade do Estado de Santa Cruz,
de Berkeley, e de São Francisco nos Estados Unidos da América. No plano do conhecimento científico, particularmente, é um físico teórico e escritor que desenvolve trabalho de pesquisa etnológico na
promoção atualíssima de reivindicação da educação ecológica. Tornou-se
mundialmente reconhecido com seu livro: O Tao da Física, traduzido para
vários idiomas. Nele, traça um paralelo entre a física moderna da relatividade,
física quântica, física das partículas e as filosofias e pensamentos orientais
tradicionais, como o taoísta de Lao Tsé, reconhecido por ser o autor do livro Tao Te Ching, por ser o fundador do taoísmo filosófico e por ser uma divindade no taoismo religioso e nas religiões tradicionais chinesas, o Budismo, incluindo o Zen e o
Hinduísmo. Surgido na década dos 1970, O Tao da Física propõe a análise
comparada dos pontos comuns entre as abordagens oriental e ocidental da
realidade.
Outro livro de sua autoria que se tornou referência
para o pensamento sistêmico: “O Ponto de Mutação”, cujo nome foi extraído de um
hexagrama do I Ching. Nele, Capra
compara o pensamento cartesiano, reducionista, modelo para o método científico
desenvolvido nos últimos séculos, e o paradigma emergente do século XX, holista
ou sistêmico que vê o todo como indissociável das partes, na esteira da
filosofia de Edgar Morin, de modo que o estudo das partes, em sua articulação
com o todo, não permite conhecer o funcionamento do organismo, em vários campos
da cultura ocidental contemporânea, como a pobre medicina, a reticente biologia,
a psicologia e a economia. Leonardo da Vinci, gênio da Renascença tem sido escopo
de centenas de livros tanto populares
como eruditos. A diversidade de sua obra e a sua etnologia descrita em cientista
atraíram inúmeros estudiosos de uma grande variedade de disciplinas acadêmicas
e artísticas. Contudo, para Capra em The Science of Leonardo (2007),
há poucos livros sobre sua ciência, ainda que ele tenha
deixado volumosas anotações de pesquisa, repletas de descrições detalhadas de
seus experimentos, magníficos desenhos e extensas análises de suas reveladoras
descobertas.
Nascido como filho dito “ilegítimo” de um notário Piero da
Vinci e de uma camponesa, Caterina, em Vinci, na região da Florença, Leonardo
da Vinci foi educado no ateliê do renomado pintor florentino, Verrocchio.
Passou a maior parte do início de sua vida profissional a serviço de Ludovico
Sforza (Ludovico il Moro), em Milão. Trabalhou posteriormente em Veneza, Roma e
Bolonha, e passou seus últimos dias na França, numa casa que lhe foi presenteada
pelo rei Francisco I. Leonardo era como até hoje, conhecido principalmente como
pintor. Duas de suas obras, a “Mona Lisa” e “A Última Ceia”, estão entre as
pinturas mais famosas, mais reproduzidas e mais parodiadas de todos os tempos,
e sua fama se compara apenas à “Criação de Adão”, de Michelangelo. O desenho do “Homem Vitruviano”, feito por Leonardo, também é tido como um ícone cultural, e foi reproduzido por todas as partes, desde o euro até camisetas. Cerca de quinze de suas pinturas sobreviveram até os dias de hoje. O número pequeno se deve às suas experiências constantes e que ocorrem frequentemente de formas desastrosas com novas técnicas, além de sua procrastinação crônica. Estas poucas obras, juntamente com seus Cadernos de Anotações que contêm acumulação ordinária de desenhos, diagramas científicos, e pensamentos sobre a natureza da pintura, formam uma contribuição histórica e etnológica às gerações de artistas que só pode ser rivalizada à de seu contemporâneo, Michelangelo.
Leonardo é reverenciado pela sua engenhosidade
tecnológica. Concebera ideias maquínicas muito à frente de seu tempo, como um
protótipo de helicóptero, um tanque de guerra, o uso da energia solar, uma
calculadora, o casco duplo nas embarcações, e uma teoria rudimentar das placas
tectônicas. Um número relativamente pequeno de seus projetos chegou a ser
construído durante sua vida (muitos nem mesmo eram factíveis), mas algumas de
suas invenções menores, como uma bobina automática, e um aparelho que testa a
resistência à tração de um fio, entraram sem crédito algum para o mundo da
indústria. Como cientista, foi responsável por grande avanço na representação
do conhecimento no âmbito da anatomia, da engenharia civil, da óptica e da
hidrodinâmica. O homem representa todo o Universo e nele está consciente. Microcosmo é o Universo do ponto de vista pessoal e subjetivo, por oposição ao macrocosmo: ao Universo do ponto de vista coletivo e objetivo. No Homem encontram-se ambos o universal e o particular, ora na forma de conteúdo, o que é contido, ora na forma de continente, o que contém. O microcosmo é o mundo do homem consciente de si, e o mundo é a medida do homem.
Além do microcosmo estende-se o macrocosmo, mas além desse último não há o que estender, porque não há medida fora do mundo. Leonardo da Vinci é considerado por vários letrados o
maior gênio da história, devido a sua multiplicidade de talentos para ciências
e artes, sua engenhosidade e criatividade, além de suas obras polêmicas. Por que “Outro Capra”? A resposta vem da pena etnográfica de Fritjof Capra quando
admite: - Como cientista e autor, afastei-me do meu trabalho habitual neste
livro: “The Science of Leonardo” (2007). No entanto, foi um livro profundamente
gratificante de escrever, já que o trabalho científico de Leonardo tem me tem fascinado
por mais de três décadas. Quando comecei minha carreira no início da década de
1970, meu plano era escrever um livro “popular sobre a física das partículas”.
Concluí os três primeiros capítulos e abandonei o projeto para escrever The
Tao of Physics, no qual incorporei a maior parte do manuscrito inicial. Começava
com uma breve história da ciência ocidental moderna, e tinha como abertura a
belíssima declaração de Leonardo sobre os fundamentos empíricos da ciência.É radicalmente interessado em todos os campos do saber e do conhecimento. Seu interesse vital parece ter sido a investigação científica.
Embora
Leonardo nos tenha deixado, nas palavras do estudioso da Renascença Kenneth
Clark, “um dos mais volumosos e completos registros de uma mente que já chegaram
até nós”, seus cadernos de notas não nos fornece quase nenhuma pista do caráter
e da personalidade do autor, o que parece ter cultivado certo mistério. E com
essa aura sobre seus extraordinários talentos, Leonardo da Vinci se tornou uma
figura lendária mesmo em vida, e sua lenda foi personificada, amplificando-se
em diferentes graus nos séculos após a sua morte. Para Kenneth Clark, “Leonardo
é o Hamlet da história da arte, que cada um de nós deve recriar para si mesmo”.
Portanto, a imagem etnográfica, na abordagem de Capra, em termos científicos
atuais, é a de um Leonardo como um pensador sistemático, um ecologista, um
teórico da complexidade, cientista e artista com uma profunda reverência pela
vida e o desejo de trabalhar pela humanidade.
É neste sentido que para Fritjof Capra, o “seu”
manuscrito revela realmente “o Leonardo
de nosso tempo”, confirmado pela pesquisa posterior e a investigação dos
cadernos de notas. Melhor dizendo, é como escreveu o historiador de arte Martin
Kemp no catálogo de uma exposição anterior dos desenhos de Leonardo na Hayward
Gallery, em Londres: - “Parece-me que há uma essência nas realizações [de
Leonardo], embora imperfeitamente transmitida e recebida pelas diferentes
gerações, que permanece intuitivamente acessível. Suas produções artísticas
foram percebidas como sendo mais do que arte – elas são parte de uma visão que
engloba um profundo senso do inter-relacionamento das coisas. A
complexidade vida no mundo está de alguma forma implicada nisso,
quando ele caracteriza uma de suas partes constituintes (...). Acredito que sua
visão de totalidade do mundo como uma espécie de organismo único tem especial
relevância para nós hoje, agora que nosso potencial tecnológico se tornou tão
impressionante”. Em
primeiro lugar Leonardo era dotado de excepcionais poderes de observação e memória
visual típico da Renascença. Era capaz de desenhar os turbilhões da água ou os
movimentos velozes de um pássaro com precisão que só seria alcançada novamente
com o advento da fotografia serial. Ele, como um grande renascentista, estava
bem consciente do extraordinário talento que possuía. Ele considerava o olho
como o principal instrumento tanto do pintor como do cientista. – “O olho, do
qual se diz ser a janela da alma”, ele escreveu, “é o principal meio pelo qual
o senso comum pode mais abundante e magnificamente contemplar as infinitas
obras da natureza”. Sua abordagem do conhecimento científico era visual. A
pintura é a chave para entender a ciência de Leonardo, como declarou: - “contém
em si mesma todas as formas da natureza”. A “teoria das cores” de Leonardo da Vinci representa as formulações históricas contidas em seus escritos e reunidas no livro:“Tratado da Pintura e da Paisagem - Sombra e Luz”. Trata-se das anotações recolhidas pelo artista ao longo de anos de observação e é a teoria mais corrente, sendo um legado para as artes visuais. A cor, elemento fundamental em qualquer processo social de comunicação, merece atenção especial.A cor é sentida: provoca emoção. Em Aquarela, Vinicius de Moraes lembra: - “Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo”. A cor é construtiva, é uma ideia, que pode ser de leveza, sobriedade, harmonia. A ciência como um todo é viva para Leonardo. Ele viu os padrões e processos do microcosmo como semelhantes àqueles do microcosmo. Com frequência, desenhou analogias entre a anatomia humana e a estrutura da Terra, como na bela passagem do Códex Leicester – “Poderíamos dizer que a Terra possui uma força vital de crescimento, que sua carne é o solo, seus olhos são os sucessivos estratos de rocha que formam as montanhas; sua cartilagem são as rochas poderosas; seu sangue, os cursos de água. O lago de sangue que se estende em volta do coração é o oceano. Sua respiração é o aumento e a diminuição do sangue na pulsação, assim como na Terra há o fluxo e refluxo dos mares”. O mundo medieval toma para si a doutrina do microcosmo praticada no mundo antigo. De maneira similar essa doutrina servirá de base textual para as ilustrações medievais que versavam sobre a analogia do homem-mundo. A analogia entre microcosmo e macrocosmo remonta a Platão e se tornara bem conhecida na Idade Média e na Renascença, mas Leonardo desembaraçou-a de seu contexto mítico original e tratou-a estritamente como uma teoria científica.
A
principal ferramenta de Leonardo para a representação e análise mental (abstrata) das formas da
natureza era a sua extraordinária facilidade para o desenho, que quase sempre
correspondia à rapidez de sua visão. Observação e documentação eram fundidas
num único ato shakespeariano. Ele usou talento artístico para produzi desenhos
de uma beleza espantosa e que ao mesmo tempo serviam diagramas geométricos,
formando um veículo perfeito para a formulação de seus modelos conceituais; uma
matemática perfeita para a sua ciência das formas orgânicas. E neste duplo
propósito dos desenhos de Leonardo – de arte e o de ferramenta abstrata de análise
científica, ou de apropriação do real, demonstra-nos por que sua ciência não pode ser entendida sem sua
arte, e neste âmbito dialeticamente, inversamente nem sua arte sem sua ciência. Para praticar sua arte, ele precisava de
conhecimento científico das formas da natureza; para analisar as formas da
natureza, ele precisava de suas habilidades artísticas para interpretá-las sob a forma de desenhos.
No seu Tratado de Pintura, Leonardo deixa claro que
a pintura é a perspectiva unificadora e o encadeamento integrador que percorreu
todas as áreas de estudo. Desse processo de trabalho e de comunicação, surge
uma estrutura conceitual coerente, que ele deve ter pretendido usar na eventual
publicação de seus cadernos de notas. Mas como todos os verdadeiros cientistas,
baseou sua ciência na observação sistemática. Daí ser correto observar que seu ponto de partida ter sido
o olho humano. Suas cuidadosas investigações da anatomia do olho e da origem da
visão não tinham paralelo em seu tempo. Particularmente nas conexões de sentido
entre o olho e o cérebro, que ele demonstrou pela primeira vez numa série de
belos desenhos do crânio humano, usando dissecações anatômicas o percurso
completo da visão através da pupila e das lentes do nervo óptico, até uma
cavidade específica do cérebro, conhecida pelos neurologistas hoje como o
terceiro ventrículo cerebral.
Foi aí
que ele situou “a sede da alma”, onde todas as impressões dos sentidos se
encontram. Leonardo via as suas descobertas na óptica e na fisiologia da visão
como as bases de sua ciência da pintura, a começar pela ciência da perspectiva,
a admirável inovação da arte renascentista. Da perspectiva ele passou à
exploração da geometria dos raios de luz, segundo Capra, conhecida hoje como
óptica geométrica; os efeitos da luz incidindo sobre esferas e cilindros, a
natureza da sombra e dos contrastes e a justaposição de cores. Esses estudos
sistemáticos, ilustrados numa longa série de desenhos intricados, era a base
científica da extraordinária habilidade artística para compreender reproduzir
as mais sutis complexidades visuais: uma fusão de sombras, conhecida como “sfumato”,
que borram delicadamente o contorno dos corpos. O sfumato é uma técnica artística usada para gerar suaves gradientes entre as tonalidades, é comumente aplicado em desenhos ou pinturas. Sfumato vem do italiano sfumare, que significa, de tom baixo, ou com o sentido de evaporar como fumaça.
A
ciência das formas vivas, para Leonardo e de resto pensadores renascentistas, é
a ciência da transformação, seja quando ele estudava as montanhas, rios e
plantas ou o corpo humano. Entender a forma humana significa entender o corpo
em movimento: nervos, músculos, tendões, ossos e articulações trabalham juntos
para movimentar os membros; como os membros e as expressões faciais executam
gestões e ações. Nas palavras de Daniel Arasse, citado por Capra, desde as
primeiras Madonnas, passando por
retratos, até São João Batista,
Leonardo capturou a figura do movimento. O impacto social imediato e
excepcional da Última Ceia, nome que tem como representação à última refeição que, de acordo com os cristãos, Jesus dividiu com seus apóstolos em Jerusalém antes da crucificação ipso facto ao que parece têm dívida com a sabedoria renascentista,
muito pelo fato de Leonardo ter substituído o “arranjo tradicional” por uma
composição rítmica que mudou a própria ideia peculiar sobre o
tema. Na weltanschauung de Leonardo, retratar a expressão corporal do espírito
humano representava a mais elevada aspiração do artista.
Leonardo
não se dedicava à ciência e à engenharia para dominar a natureza, como ele
observara no The Tao of Physics, como Francis Bacon advogaria um século mais
tarde. De fato, “ele tinha um profundo respeito pela vida, uma compaixão
especial pelos animais e grande admiração e respeito pela complexidade e
abundância da natureza”. Embora ele mesmo um extraordinário inventor social,
criador brilhante, sempre pensou que a “engenhosidade” da natureza era
vastamente superior às criações humanas. Ele percebeu que seria sábio
respeitarmos a natureza e aprender com ela. Essa é uma atitude que ressurge
hoje, por exemplo, na prática do design
ecológico. Para estudiosos de sua obra, o que caracterizou os trabalhos do mestre renascentista nessa área foi a abrangência. O artista não se intimidava e lidava com todo tipo de problema de construção. Os conhecimentos de mecânica, de hidráulica e das propriedades de materiais naturais permitiam que o gênio planejasse toda a construção de um prédio. Enfim, sobre o legado multidimensional de Leonardo da Vinci, precisamos nestas notas
exatamente um conjunto de práticas e saberes sociais. O tipo de pensamento e ciência que Leonardo da Vinci antecipou na história social e na arte há séculos. No ápice da Renascença e da concepção científica moderna ocidental é que se forjou sob o signo das transformações políticas do século XVII a revolução técnico-científica do século XVIII.
Bibliografia geral consultada.
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Vida: Uma Nova Compreensão Cientifica dos Sistemas Vivos. 11ª edição. São
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Henrique Peiruque, A Natureza, a Razão e a Ciência do Homem: Edição dos
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Departamento de Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; FRIDE-CARRASSAT, Patricia; MARCADE,
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2008; OLIVEIRA, Amélia de Jesus, Duhem e Kuhn: Continuísmo e Descontinuísmo na História da Ciência. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2012; CAVALCANTI, Márcia Maria Rodrigues Travassos, O Conceito
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Maria Cândida, Transdisciplinaridade, Criatividade e Educação: Fundamentos Ontológicos
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___________________
* Sociólogo (UFF),
Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e
Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo. Professor Associado da
Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza:
Universidade Estadual do Ceará (UECE).
No
dia 19 de agosto de 2015, a Justiça Estadual de Limoeiro do Norte (CE) decidiu
que os acusados do assassinato do líder comunitário e ambientalista José Maria
Filho, o Zé Maria do Tomé, deverão ser levados à Júri Popular. A decisão de
pronunciar os réus, levando a julgamento pelo Tribunal do Júri, ocorre mais de
cinco anos (05) após o assassinato do líder comunitário, em 21 de abril de
2010, com mais de 20 tiros, depois de sofrer ameaças de morte. A morte ocorreu
depois de Zé Maria denunciar as ilegalidades e violações de direitos civis cometidas
pelas empresas do agronegócio instaladas na região da Chapada do Apodi, envolvidas
com a grilagem de terras, poluição das águas e, principalmente, a pulverização
aérea de agrotóxicos. O caso Zé Maria é emblemático no contexto dos
assassinatos e violência no campo. José Maria F° morreu por defender direitos
ao meio ambiente, à terra e ao território, à saúde e à vida.
Um
dos réus é João Teixeira Júnior, proprietário da Frutacor e um dos mais importantes empresários do agronegócio
brasileiro. Também são réus e vão ao Tribunal do
Júri: José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa Frutacor, que teria
intermediado o homicídio e Francisco Marcos Lima Barros, morador da comunidade
de Tomé, que teria dado suporte ao assassino. Além desses acusados, outros três
estariam envolvidos na morte de Zé Maria do Tomé: Westilly Hytler Raulino Maia,
é pistoleiro que teria cometido o homicídio, morto em operação policial em
2010, Sebastião Dantas de Barros, morador da comunidade de Tomé, que teria
cometido suicídio em 2012 e Antônio Wellington Ferreira Lima, também morador de
Tomé, assassinado em agosto deste ano de 2015, em uma desastrada operação da
Polícia Militar. A concentração de terras, em posse dos grandes fazendeiros,
tem sido com frequência apontada como a principal causa das injustiças sociais,
para não falarmos no irresponsável inchaço demográfico das grandes cidades e do
aumento da violência como um todo.
Agronegócio é toda a relação
comercial e industrial envolvendo a cadeia produtiva agrícola ou pecuária. No
Brasil o conhecido termo agropecuário é usado para definir o uso econômico do
solo para o cultivo da terra associado com a criação de animais. Agronegócio
também chamado de agribusiness representa
o conjunto de negócios relacionados à agricultura e pecuária dentro do ponto de
vista econômico. Explora o solo pelo cultivo de árvores que serão transformadas
em madeira, celulose ou produtos químicos para posterior utilização como
matéria prima de várias indústrias, como a móvel/moveleira e construção civil,
a indústria papeleira, ou mesmo a obtenção de lenha para combustível. O aprimoramento
do agronegócio barateou o custo dos alimentos e deu a população um maior poder
de consumo e de escolha, mas também trouxe vários problemas, principalmente
ligados às questões ambientais e sociais. O maior desafio agora é a produção no
campo sem impactos ao meio-ambiente, causados notadamente pelo uso de
defensivos, pelo desmatamento e empobrecimento do solo, queimadas, contaminação
de mananciais e do lençol freático, desequilíbrio ecológico e proliferação de
pragas. Nas cidades a preocupação se dá com o lixo gerado após o consumo, mais
precisamente com o descarte de embalagens.
A Monsanto é uma multinacional de
alcance global da área de agricultura e biotecnologia. Especializada em
engenharia genética com produção de organismos geneticamente modificados de
sementes e herbicidas que são apenas tratados com os herbicidas vendidos pela
própria companhia, fato que condiciona os agricultores à dependência. Criada em
1901 como uma companhia na área da engenharia química, gradativamente se tornou
a maior empresa do mundo no setor, fornecendo produtos para gigantes empresariais
como a Coca-Cola, a Pepsico e a Kraft. Controla 90% do mercado de sementes transgênicas
do mundo – materializando-se como um dos maiores monopólios contemporâneos.
Recentemente, ela adquiriu diversas empresas na América do Sul e no Leste
Europeu, dominando consistentes fatias de mercado em países como Argentina,
México e Brasil. Este crescimento tem representado uma ameaça real à
sobrevivência de pequenos produtores em todo o mundo. Os impactos sociais dos
produtos comercializados pela empresa Monsanto vão além da esfera
socioeconômica.
Desde
1980, políticas federais americanas têm incentivado instituições públicas de
ensino a produzir pesquisas nas áreas agrícolas e de biotecnologia em parceria
com empresas privadas. Em consonância com esta política, a Monsanto tem
inundado instituições públicas de ensino com investimentos. Em troca, tem seus
produtos protegidos e fortalecidos por um arcabouço de pesquisas técnicas e científicas
com viés favorável. Além de cargos no governo e na academia norte-americana,
executivos da Monsanto posicionaram-se em cargos em instituições-chave para
política alimentar e científica de seu país ou de âmbito internacional, como o
“International Food and Agricultural Trade Policy Council”, o “Council for
Bitechnology Information”, a “United Kingdom Academy of Medicine”, a “National
Academy of Sciences Biological Weapons Working Group”, a “CropLife
International” e o “Council of Foreign Relations”. Naturalmente, as posições
privilegiadas alcançadas pela Monsanto renderam-lhe excelentes retornos. Em
1993, a Agência para Alimentação e Medicamentos [Food and Drug Administration”,
FDA] dos EUA aprovou o uso de um produto denominado “Hormônio de Crescimento
Bovino” [Recombinant Bovine Hormone, ou rBGH]. Desenvolvido pela Monsanto,
trata-se de uma droga hormonal injetada em vacas de modo a incentivar a
produção de leite. O rBGH foi a primeira substância geneticamente modificada
aprovada pelo FDA.
Os programas oficiais divulgados
pelos partidos nessa campanha eleitoral foram alvo de um estudo do Laboratório
de Análises Estatísticas, Econômicas e Sociais das Relações Raciais, da UFRJ -
LAESER demonstrou que não existe uma definição clara dos partidos políticos para
a questão dos quilombolas. Trata-se de uma das questões mais importantes para a
população negra brasileira. Remanescentes de comunidades escravas, muitos dos
territórios quilombolas foram frutos da organização dos negros, que fugiam das
senzalas e se organizavam em comunidades, como o histórico Quilombo dos
Palmares. No estudo do LAESER, apenas PCB, PSB e o PCO apresentavam alguma
discussão sobre a questão quilombola. O debate e as reivindicações sobre o tema
são necessários. Em primeiro lugar, os quilombolas enfrentam a luta pela terra,
que é uma das mais fatais no Brasil. Isso em virtude do latifúndio, muitas
vezes acompanhados da polícia oficial, promover o massacre no campo. Por outro
lado, os quilombolas enfrentam o racismo e em grande medida ainda são tratados
como escravos, sem direito algum, a um trabalho, moradia, reconhecimento de
suas terras, etc. Uma das questões políticas mais recentes, que tem sido a “bandeira
de lutas” das comunidades quilombolas, é a questão da titulação de suas terras,
que hoje sofrem de um processo altamente burocrático e que é influenciado pelo
setor mais atrasado do país, o latifúndio.
Um estudo de 2009 do Journal of Biologycal Science mostrou
que o consumo do milho proveniente da semente geneticamente modificada pode
produzir efeitos negativos em órgãos como os rins e o fígado. Outro estudo,
publicado em 2012 na Food And Chemical Toxicology, constatou que ratos
submetidos a uma dieta à base de organismos geneticamente modificados morrem
mais rápido e são mais propensos ao desenvolvimento de câncer. Para chegar a
esta conclusão, cientistas administraram em 200 ratos, durante dois anos, três
dietas distintas: uma à base de milho convencional, outra a base do milho
transgênico NK603 e outra a base do NK603 tratado com o herbicida RoundUp.
Tanto o milho transgênico NK603 como o herbicida RoundUp (o mais utilizado do
mundo) são pertencentes à Monsanto. O resultado foi a morte acelerada de parte
dos ratos e o aparecimento de tumores enormes naqueles cuja base da dieta fora
o milho transgênico NK603, da empresa multinacional Monsanto.
Historicamente já em torno do século
XIX, o Código Napoleônico valorizou a propriedade privada, inspirando desta
forma os códigos civis que através da proposta liberal favoreceram a
concentração de propriedades rurais a reduzido grupo social. Isto acabou
favorecendo o sub-aproveitamento agrícola e aumentando a exploração dos
trabalhadores rurais, reduzindo assim as opções de trabalho e aumentando o
êxodo rural e a miséria social. Atualmente, o latifúndio ainda é regime impróprio
de países pobres e ditos “subdesenvolvidos” e um dos responsáveis pelo atraso e
pelo subemprego nos campos e nas cidades. Este sistema de distribuição da propriedade
rural ainda é injusto e muito comum no Brasil, com o tema tratado no campo
jurídico pelo Estatuto da Terra, legislação estudada no ramo do Direito chamado
“Direito Agrário”, além de interessar às políticas governamentais de reforma
agrária que determinam o uso do solo rural no país. O latifúndio tem sido
tradicionalmente uma fonte de instabilidade política e social.
O Brasil é o país que por falta de
políticas públicas de controle da produção agrícola mais consome agrotóxicos no
mundo. Esta frase é mais do que conhecida e, por mais que tenha gravidade, não
conseguimos ainda descer nenhuma posição no ranking
dos maiores consumidores mundiais de agrotóxicos. Devido a todo o processo de
produção-consumo que envolve essa primeira posição no ranking de consumo de agrotóxicos, que vai desde o incentivo fiscal
aos produtos à falta de informação, milhares de pessoas foram às ruas em todo o
país nesse dia 3 de dezembro, convocadas pela “Campanha Permanente Contra os
Agrotóxicos e Pela Vida” para reivindicar um direito que deveria ser garantido
pelo Estado: uma vida mais saudável. – “É uma data em que a gente relembra e
faz um apanhado histórico de todos os casos envolvendo o agrotóxico e todas as
violações que já foram sofridas. Uma data que serve para debater e trazer à
tona como o problema do agrotóxico vem sendo tratado. É para relembrar e
fortalecer a luta”, explicou uma das coordenadoras da Campanha, Fran Castro.
Entre
as principais pautas políticas estão: a) o fim da “pulverização aérea” - que contamina
plantas, solo e comunidades no entorno; b) a proibição de agrotóxicos que já
estão proibidos em diversos países, como o Abamectina, Acefato e Tiram; c) a
questão das isenções de impostos, que, segundo dados da Campanha, os
agrotóxicos já acumulam 60% de isenção do ICMS, além de 100% de isenção do IPI,
PIS/PASEP e COFINS. – “A Campanha traz para as ruas alguns pontos que envolvem,
principalmente, o posicionamento do Estado brasileiro. Enfim, o caso da liberação
da pulverização aérea é emblemático da responsabilidade que o governo não quer
assumir. É importante relembrar os casos recentes como o de Rio Verde, em
Goiás, e Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, onde diversas pessoas, entre elas
crianças, foram envenenadas com a pulverização”, lembrou Fran Castro, que
completou: - “Além disso, queremos ainda trazer à tona os casos que impactam a
saúde como os relatos de câncer nas populações expostas constantemente”.
Bibliografia
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Nelson Giordano, Papel e lugar do rural
no desenvolvimento nacional. Brasília: Ministério do Desenvolvimento
Agrário – MDA, 2009; MAZOYER, Marcel; ROUDART, Laurence, História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea.
São Paulo: Edunesp; DF: NEAD, 2010; entre outros.
“Los tiempos
felices en la humanidad son las páginas vacías de la historia”. Leopold von
Ranke
Nascido
em Nápoles, na Itália, Gabriele Salvatores faz parte do seleto grupo de cineastas
que têm um Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, como era reconhecida a categoria
chamada de Filme Internacional. Gabriele Salvatores nascido em Nápoles, em 30
de julho de 1950 é um diretor e roteirista italiano. Seu filme Mediterrâneo
(1991) recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1992. É um dos
fundadores, junto com Maurizio Totti e Diego Abatantuono da produtora
cinematográfica Colorado Film e de diversos projetos associados à empresa, como
a editora Colorado Noir, esta última fundada em 2004 junto com Totti e
Sandrone Duties. Perguntado sobre seu cineasta favorito, em certa ocasião, ele
não citou um dos tantos mestres do cinema italiano pós-Segunda Guerra Mundial (1939-1945),
mas admitiu a predileção pelo britânico Stanley Kubrick (1928-1999). Ao longo dos anos,
Gabriele diversificou seus pontos de vista, fez dramas sociais, filmes de
super-heróis, demonstrou personagens fugindo dos problemas políticos do mundo moderno,
etc. Gabriele Salvatores nasceu em 30 de julho de 1950 em Nápoles, mas mudou-se
com os pais e a irmã para Milão aos seis anos. Formado no liceu clássico Cesare
Beccaria, a sua primeira aproximação ao mundo cinematográfico do entretenimento não passou pelo
cinema, mas exatamente quando iniciou a carreira artística no
Teatro dell`Elfo, é
um anfiteatro da antiga Delfos, na Grécia, estando localizado no perímetro do
sítio arqueológico de Delfos. Foi o local dos concursos e apresentações de
música e poesia associados aos Jogos Píticos, com Ferdinando Bruni (1972),
com o qual dirigiu espetáculos per se definidos como
vanguardistas.
Em
junho de 1941, um grupo de soldados italianos, liderado pelo tenente Raffaele
Montini, chega a uma pequena ilha grega, no Mar Egeu, onde montam um Posto de
Observação.A pequena vila da ilha
parece abandonada, não havendo o menor sinal do inimigo nem de seus habitantes.
Logo, o rádio por eles trazido se quebra.Algumas tentativas são feitas para recuperá-lo, sem sucesso, ficando o
grupo sem qualquer contato com o resto do mundo. A população civil local,
basicamente composta de idosos, mulheres e crianças, já que os homens mais
jovens haviam partido por conta da guerra, sentindo o espírito pacífico dos
italianos, deixa seus esconderijos e desce a montanha.A princípio, os soldados se preocupam por
acreditarem na possibilidade de uma emboscada, mas depois relaxam. O líder
religioso informa ao tenente Montini que, antes deles chegarem, havia um grupo
de alemães, os quais destruíram várias casas e afundaram seus barcos.Assim, ao avistarem o navio que os trouxera,
os moradores da vila se refugiaram nas montanhas, acreditando que os alemães
estavam de volta. Uma bela jovem, de nome Vassilissa, procura o tenente
Montini, em busca de trabalho.Na sua
ausência, o Sgt. Lorusso se faz passar por ele.Perguntada sobre suas habilidades profissionais, ela responde que é
puta. O sargento lhe diz
que vai ter que consultar o regulamento. Mas, depois de conversar com seus colegas de farda, é elaborada uma programação
de atendimento de Vassilissa aos interessados.
O
soldado Farina, que nunca havia tido relação sexual com uma mulher, logo se
apaixona pela bela jovem e, ameaçando seus colegas com um fuzil, avisa que
ninguém mais vai ficar com ela. Alguns
dias depois, o padre da comunidade celebra o casamento dos dois. O tempo
passa. Três anos depois da chegada do
grupo à pequena ilha, um monomotor, pilotado pelo tenente Carmelo, sofre pane e
o obriga a fazer um pouso de emergência na praia onde o grupo jogava futebol. Ao verificar que seus colegas italianos não
estavam sabendo do andamento da guerra, ele os informa que o líder fascista
Benito Mussolini caiu e que a Itália se acha dividida em duas formas de oposições
assimétricas. No Sul, estão os ingleses
e os norte-americanos, enquanto no Norte acham-se os alemães e os
fascistas. Depois de reparar o avião, o
Ten. Carmelo se despede dizendo que vai falar com seu comandante, na ilha de
Creta, para que eles sejam resgatados. Um navio inglês chega à pequena ilha,
trazendo um grupo de gregos que lá moram.
Os italianos partem no mesmo, exceção de Farina que, casado, prefere
desertar, refugiando-se com Vassilissa nas regiões montanhosas. Anos depois, agora um
senhor grisalho, o antigo tenente Montini retorna à ilha. Lá, reencontra o ex-sargento Lorusso, que não
se readaptando à Itália, resolvera voltar pra ilha, bem como, protagonizando a história, Farina & esposa, proprietários do Restaurante Vassilissa.
Foi de uma dessas obras, em 1983, que nasceu o tema de sua primeira
direção cinematográfica, Sonho de Uma Noite de Verão: inspirado em William Shakespeare, o filme é um híbrido caleidoscópico inclusivo em torno de cinema, teatro, música e
dança com contos de fadas, cadências. De seu período teatral lembramos, em
1983, Class Enemy de Nigel Williams , drama de 1978 - traduzido e
adaptado pelo ator e diretor Elio De Capitani - com protagonistas de nomes
desconhecidos na época e que mais tarde se tornaram atores de grande
importância (Claudio Bisio , Paolo Rossi , Antonio Catania , além do próprio De
Capitani), Comediantes de Trevor Griffiths, em 1985, comédia de 1975 traduzida
e adaptada pelo próprio Salvatores junto com a dupla Gino e Michele e na qual
também estava Silvio Orlando e que depois o mesmo arguto diretor transporá
livremente para o cinema em duas ocasiões distintas, Kamikazen - Ultima Notte
a Milano, em 1988 e Call Me Kowalski do próprio Paolo Rossi, de
1987, espetáculo que consagrou o ator de Trieste como estrela histriônica do teatro italiano. Abandonou o teatro em 1989, passando para o mercado de trabalho para o mundo do cinema.
Os
filmes Marrakech Express (1989) e o seguinte Turné, de 1990 foram rodados com
seu grupo de amigos atores, incluindo Diego Abatantuono, com quem é dono e
dirige a produtora cinematográfica “Colorado”, e com quem se casou com a
ex-esposa e Fabrizio Bentivoglio, e entre as atrizes está Laura Morante. Em
1990 recebeu uma indicação ao European Film Awards na categoria “Juventude”
por Turné. Em 1990 foi também diretor do único videoclipe rodado pelo
cantor e compositor Fabrizio De André, para a música “La Domenica delle Salme”.
Em 1991 alcançou reconhecimento internacional com Mediterraneo, filme de
enorme sucesso, que lhe rendeu o Oscar de melhor filme estrangeiro. O filme
também ganhou outros prêmios, incluindo o David di Donatello de melhor filme,
edição e som e um Nastro d`argento de direção. A sua chamada “trilogia de fuga”,
composta pelos três filmes acima mencionados, é idealmente continuada em 1992
por Puerto Escondido, filme baseado no romance homônimo de Pino Cacucci,
sobre temas próximos dos anteriores, ao qual Abatantuono é
acompanhado pelo ator Claudio Bisio. No ano seguinte dirigiu Sud (1993),
uma tentativa de denunciar a situação política da Itália dos marginalizados e desempregados, entre os quais se destaca a
interpretação de Silvio Orlando.
Em
primeiro lugar, não devemos esquecer que o mundo das “histórias nacionais” de Leopold
von Ranke (1795-1886) é, assim, determinado, visto que sua
particularidade refere-se a existenz,
para lembramo-nos de Friedrich Hegel, na técnica
de interpretação na literatura e na filosofia de um “mundo europeu”, que
mal se dilata, mas sem perder o conteúdo essencial, sobre províncias e
continentes do ultramar colonizados por povos europeus. Mas não é a Europa
inteira o que o ocupa, e sim as fronteiras geográficas dessa Europa latina e
germânica, protestante ou católica, que são também as fronteiras do espaço e do
tempo histórico a que devotou o melhor de sua atividade intelectual: “somos
mais vizinhos de Nova York e de Lima do que de Kiev e Smolensk”. Mas é melhor
tentarmos entender sua ideia de “nexo de sentido”, posto que as razões dessa
crítica só valessem se quisesse dizer que o mundo histórico cessava, para
Ranke, “nos limites da Europa Ocidental com seus apêndices ultramarinos”. Sua
ideia de “nexo de sentido”, que poderia justificar-se como um princípio de economia
necessário, passa a ser um “mandato de exclusão sem apelo”. Os povos que não
tiveram o privilégio de originar-se das grandes invasões dos séculos IV a VII,
que não se puseram logo sob a égide da Igreja de Roma, que não tomaram parte
nas cruzadas e direta ou indiretamente nos descobrimentos e conquistas
ultramarinos, que não se viram envolvidos, dentro do mesmo espírito cristão, mas
cristão ocidental, nas guerras de religião do século XVII e nem na Ilustração
do século XVIII, “esses povos não têm salvação diante da História”.
Curioso é notar que em defesa do exclusivismo de Ranke poderia alegar-se que essa universalização da cultura ocidental parecia rigorosamente imprevisível à época em que ele viveu, e, no entanto é forçoso observar que sua noção científica da História, ao mesmo tempo em que lhe traçava limites fixos no espaço, também excluíam a dimensão do futuro. Nada há, em sua obra, que se assemelha a certas previsões feitas por homens de seu tempo. E nem há como exprobrá-lo por ter seguido a regra, que Hegel definiu, mas não seguiu, de que não é da competência dos historiadores o arvorar-se em profetas ou dramaturgos. A limitação metodológica de Ranke, neste particular, não está em que para ele o tempo histórico pode comportar “um ontem”, quando muito “hoje”, cujo conhecimento nos é acessível através de pesquisas ou de experiências. A história se baseia num tempo incompleto, inacabado, que em si mesmo é uma exigência de mudança. O passado jamais se entrega imediatamente a nós, por isso devemos considerar ideológica a pretensão de estabelecer “o que efetivamente aconteceu”. Ou seja, a ideia conspícua de Leopold von Ranke, contida em seu Zur Kritik neurer Geschichsreiber do “como efetivamente aconteceu” (essen Sie tatsächlich, es passierte). Nosso ponto de partida é articulado emtorno do conceito de “tempo-de-agora” (Jetztzeit); é nele que tomamos consciência e que podemos nos relacionar em termos novos com o passado e exercermos a crítica analítica como veremos adiante.
A História das mentalidades é modalidade que privilegia os modos “de pensar e de sentir” dos indivíduos de uma mesma época. Segundo Michel Vovelle, em Ideologies et Mentalités (1982), é o “estudo das mediações e da relação dialética entre, de um lado, as condições objetivas da vida dos homens e, de outro, a maneira como eles a narram e mesmo como a vivem”; ou, Le Mort et l’Occident de 1300 à nous Jours, à Paraître fin 1982, ou ainda, segundo Robert Mandrou, no livro Magistrados e Feiticeiros na França do Século XVII - Uma Análise de Psicologia Histórica em que interpreta “uma história centrada nas visões de mundo”. Esta obra apresenta os resultados de uma longa investigação pelos arquivos judiciários e pelos trabalhos consagrados à caça às bruxas na França no século XVII. Através
de um itinerário intelectual e afetivo complexo, os Magistrados das cortes
supremas (os Parlamentos) em Paris, Dijon, Bordeaux etc. renunciaram com
dificuldades, lentamente, a condenação automática à fogueira dos suspeitos de
bruxaria; longa tomada de consciência na qual os médicos, teólogos e juízes
colaboram através de polêmicas veementes suscitadas em particular por alguns
processos que causaram grande escândalo e puseram em causa os confessores de
conventos femininos presos do demônio: em Aix-em-Provence, em Louviers. Segundo Roger Chartier, uma “história do sistema de crenças, de valores
e de representações próprios a uma época ou grupo”. Segundo Georges Duby, a
designação ajustava-se à necessidade de explicar o que de mais fundo “persiste
e dá sentido à vida material das sociedades”, ou seja, representam as ideias que formam das suas condições reais de existência e que além disso “comandam de forma
imperativa a organização e o destino dos grupos humanos”.
Haveria
uma “mentalidade coletiva”? Lucien Febvre (1953; 1978) perguntava-se se
existiriam “modos de sentir e de pensar” que fosse comum a “Cristóvão Colombo e
ao mais humilde marinheiro de suas caravelas”. Esta pergunta foi retomada a
partir dos anos 1960, e começou a se formar mais claramente como “uma nova
técnica de orientação da pesquisa histórica” a partir de autores como Philippe
Ariès (1982b), e ainda, George Duby & Robert Mandrou, em Histoire de la civilization française.
Moyen Âge - XVIe siècle(1958). Deve-se ainda ter em vista que a História
das mentalidades associou-se também ao conceito de “la longue durée” ou “tempo
longo”, característico da Escola dos Annales.
Tal como o compreendia Fernand Braudel, as mentalidades constituiriam um “padrão
de pensamento” ou de “sensibilidade” que mudaria muito lentamente, “vindo a
formar uma estrutura de longa duração”. Objetos típicos da História das
mentalidades são: “as sensibilidades do Homem diante da morte”, a história dos “grandes medos
dos seres humanos nos diversos períodos” (cf. Jean Delumeau), da feitiçaria (cf.
Robert Mandrou) e tantas outras que à época em que começa aflorar a História
das mentalidades, que “pareciam constituir temáticas exóticas para os historiadores
que se dedicavam a temas historiográficos mais tradicionais”. Não temos
história do amor, da morte, da piedade, da crueldade, da alegria. A queixa de
Lucien Febvre, em 1948, muito repetida desde então, tornou-se quase um
manifesto da disciplina que se convencionou chamar a “história das
mentalidades”. Uma das lacunas que o fundador da Escola dos Annales deplorava foi preenchida pela História do medo no Ocidente, de Jean
Delumeau. Ao tomar como objeto de estudo o medo, ele parte da ideia de que não apenas os
indivíduos mas também as coletividades estão engajadas num diálogo permanente
com a menos heroica das paixões humanas.
Revelando-nos
os pesadelos mais íntimos da civilização ocidental do século XIV ao XVIII, por exemplo, o
mar, os mortos, as trevas, a peste, a fome, a bruxaria, o Apocalipse, Satã e
seus agentes (o judeu, a mulher, o muçulmano) -, o grande pensador francês
realiza uma obra sem precedentes na historiografia do Ocidente. Alguns autores
postulam que a história das mentalidades apresentou como principais precursores
dois grandes historiadores ligados à escola dos Annales: Marc Bloch, que publicou em 1922, Os Reis Taumaturgos, uma obra comparativa que examinava “a relação
entre a crença no poder curativo dos reis e a autoridade das grandes dinastias
francesas e inglesas”, e Lucien Febvre, que publicou O Problema do Ateísmo no Século XVI: a religião de Rabelais, obra
na qual já “defendia a tese da História como estudo interdisciplinar”. A
chamada História das mentalidades é um ramo da Teoria da História. É
considerada uma análise de tipo mais profundo da História, pois visa perscrutar
e compreender as grandes alterações nas formas de “pensar e agir do Homem ao
longo dos tempos”. Inscreve-se no chamado “tempo longo” (a “longa duração”), de
teor essencialmente estrutural e que atua nos mais diversos fatores de uma
sociedade.
Por ser do
domínio do “tempo longo”, a perspectiva temporal é fundamental para seu estudo.
Devido à sua abrangência intrínseca, permite ampliar o conceito de documento,
extravasando em muito o mero documento escrito de cariz oficial. Os atos
inconscientes são tão ou mais importantes que a formalidade dos decretos e das
ordens régias; a Arte, a Literatura, os costumes, os ritos, os mitos e os
símbolos (Augé), a religião são manifestações fundamentais para revelar a
consciência auto reflexiva que o homem tem de si numa determinada época”
(Hegel). Com a história das mentalidades, a elaboração histórica deu um salto
qualitativo, quer em termos científicos quer no concernente ao seu ensino. A História Nova, de Marc Bloch foi a
grande impulsionadora da história das mentalidades. Outro grande impulsionador
desta teoria foi o filósofo e epistemólogo francês Michel Foucault, ligado à influência
de Sigmund Freud na esfera de saber da psicologia e psicanálise.
A história das
mentalidades é um meio de compreensão dos mecanismos sócio históricos sobre um
plano de fundo onde os conceitos elaboram-se a partir dos “estados mentais de
grupos coletivos”. Desse modo, as manifestações que estão ligadas ao amar,
lazer, morrer e viver num sentido de desvelar os discursos. Para além do óbvio
visando uma interação entre o antropológico, a sociologia e a psicanálise. Em
que a autoridade, tradição e passado está ligado à investigação multidisciplinar.
Apesar de estudar o modo de agir e pensar do indivíduo a História das mentalidades estava ficando “fora de moda” e os
historiadores não gostam de serem tratados e rotulados como “historiador do
mental” e a partir de meados da década de 1980, na França, esse tipo de análise
histórica já estava sendo reformulada, dando lugar a sua principal herdeira, a
Nova História Cultural. A história cultural no Brasil, mutatis mutandis, para sermos breves, deu-se através do historiador
Sérgio Buarque de Holanda e do antropólogo Gilberto Freyre, a partir de suas
respectivas obras “Raízes do Brasil”, publicada em 1936, e “Casa Grande e
Senzala”, publicada em 1933. Para compreender
a história das mentalidades é preciso remontar aos séculos XIX e XX,
onde conceitos estabelecidos pelo historiador Leopold von Ranke (1979a; 1979b) que
idealizava uma história tradicional, política voltada à biografia dos reis, foi
contestada mais tarde por Marc Bloch e Lucien Febvre que, em busca de uma
história-problema e de uma história do cotidiano fundaram a “Revue des Annales”,
em torno da qual se estabeleceu a chamada Escola
dos Annales. A história das mentalidades teve como destaques principais
dois historiadores que com suas obras mostraram o pensar e o agir na História
do mental: Bloch editou “Os Reis Taumaturgos”, uma obra comparativa entre
crença e autoridades dos Reis e Febvre publicou “O Problema do Ateísmo no Século
XVI: a religião de Rabelais” onde defendia a tese da História representar uma forma de
estudo interdisciplinar.
Seu
nome em italiano é Cristóforo Colombo, em latim Christophorus Columbus e
em espanhol, Cristóbal Colón. Este antropónimo inspirou o nome de, pelo
menos, um país, Colômbia e duas regiões da América do Norte: a Colúmbia
Britânica no Canadá e o Distrito de Colúmbia nos Estados Unidos da América.
Entretanto o Papa Alexandre VI escrevendo em latim sempre chamou ao navegador
pelo nome de Christophorum Colon com significado de Membro e nunca pelo
latim Columbus com significado de Pombo. Colombo é creditado como o
primeiro explorador europeu a estabelecer e documentar rotas comerciais para as
Américas, apesar de ter sido precedido cinco séculos por uma expedição viquingue
liderada por Leif Erikson no século XI. As viagens de Cristóvão Colombo abriram
caminho para um período de contato, expansão, exploração, conquista e
colonização do continente americano pelos Europeus pelos próximos séculos.
Essas viagens e expedições trouxeram várias mudanças e desenvolvimentos na
história moderna do conturbado Mundo Ocidental. Entre várias outras coisas,
impulsionou, por exemplo, o comércio atlântico de escravos. Colombo é acusado
por diversos historiadores de iniciar e incitar o genocídio e repressão
cultural dos povos nativos na América. O próprio Colombo viu suas conquistas
sob a luz de expandir a religião cristã. Ele foi também acusado, até por
contemporâneos, de “comportamento tirânico, corrupção e vários crimes contra os
nativos indígenas, como espancamentos, torturas, saques e estupros”.
Há
denúncias sobre como a chegada/invasão de Colombo ao Novo Mundo esteve
ligada à perseguição, agressão, estupro e morte de nativas, consequência da
subvalorização e desconhecimento da humanidade dos povos nativos. Essas
reavaliações de seus feitos fizeram com que a visão dos acadêmicos e
historiadores sobre Colombo ficasse um tanto quanto negativa com o passar do
tempo. Na biografia História del Almirante Don Cristóbal Colón escrita
pelo filho, este obscureceu a pátria e origem de Colombo, afirmando que o pai
não queria que fossem conhecidas tais informações, enumerando várias cidades
italianas, em especial ligures, que disputavam tal glória. No livro Pedatura
Lusitana, um nobiliário de famílias de Portugal, Cristóvão Colombo é
apresentado como um homem natural de Gênova, junto aos seus dois irmãos,
Bartolomeu Colombo e Diogo Colombo. Também é possível observar que no documento
é relatado o seu casamento com uma mulher portuguesa chamada D. Filipa Muniz de
Melo. Em Espanha Colombo invariavelmente foi considerado como estrangeiro,
lamentando-se inclusivamente de como essa situação o prejudicava em alguns dos
documentos que escreveu. Esteve constantemente em contacto com italianos, e
neles depositava a sua confiança. Mas “as regras do tempo mostram-nos que um
plebeu nunca se casava com uma nobre, pelo que a origem de Colombo é assaz
duvidosa”. Apesar do esforço desenvolvido na investigação da vida do navegador,
ainda restam algumas incertezas, ou fantasias nacionalistas ou ideológicas. Um
dos principais problemas apresentados é o da pátria do navegador, e embora este
assunto não seja de interesse primário, a importância que lhe tem sido dada e a
sua constante atualidade obrigam a que se lhe faça menção.
Sempre
existiu uma controvérsia sobre o local de origem do navegador já que um
documento da corte de Castela de 1487 chama-lhe “português”. Entre todas as
teorias contemporâneas, a genovesa teve mais apoio até ao século XX quando
tentou-se fazê-lo natural da Córsega. No final desse século, Garcia de la
Riega, de Pontevedra, na Galiza, publicou uma série de documentos que
apresentavam nomes de pessoas da região e de origem judia da primeira metade do
século XV com os mesmos nomes da família de Colombo - a despeito destes apenas
serem conhecidos através da documentação genovesa - que supostamente teriam
imigrado para Genova após o nascimento de Colombo. Durante muitos anos esta
teoria obteve popularidade, já que satisfazia o nacionalismo espanhol, o judeu
e o galego, até que em 1928 foi desclassificada como fonte histórica pela
Academia de História espanhola, que comprovou os documentos como sendo
autênticos, mas manipulados para apresentar aqueles nomes. Para os Estados
defensores dos direitos civis, um dos maiores erros da Europa na crise
migratória do Mediterrâneo ocorreu com o fim do programa italiano de patrulha e
salvamento chamado “mare Nostrum”. Sob a liderança da Marinha, o programa
salvou milhares de migrantes à deriva no gigantesco mar. Mas seu fim, em grande
parte por razões econômicas e em parte por razões ideológicas, teve efeitos
políticos e sociais que vão muito além da redução dos esforços humanitários.
“Mare Nostrum” era o nome dado pelos antigos romanos para o mar Mediterrâneo.
Após a unificação da Itália, em 1861, o termo foi revivido por um intenso debate entre pensadores nacionalistas, que se acreditavam como sucedâneo do Império Romano os
territórios que pertenceram a Roma em sua fase historicamente imperialista por todo o extraordinário Mediterrâneo.
As
águas do Mediterrâneo banham as três penínsulas do sul da Europa, a Ibérica,
mas apenas a Sul e Sudeste de Espanha, a Itálicae a Balcânica. Suas
águas representam uma comunicação com as do oceano Atlântico, através do
estreito de Gibraltar e com o mar Vermelho, através do canal de Suez. As águas
do mar Negro também desaguam no Mediterrâneo pelos estreitos do Bósforo e dos
Dardanelos. As águas do Mediterrâneo são quentes devido ao calor vindo do
deserto do Saara, fazendo com que o clima das zonas próximas seja mais temperado
representando o clima mediterrânico. O termo latino “mare Nostrum” foi usado
originalmente pelos antigos romanos para se referir ao mar Tirreno, logo após a
conquista da Sicília, Sardenha e Córsega, durante Guerras Púnicas,
ocorridas contra Cartago. Em 30 a. C., a dominação romana já se estendia da
Hispânia ao Egito, e a expressão “mare Nostrum” passou a ser utilizado no
contexto de todo o mar Mediterrâneo. A ascensão do nacionalismo italiano
durante a chamada “Partilha da África” da década de 1880 gerou o desejo geral
da nação do estabelecimento de um império colonial italiano. A expressão teria
sido utilizada pela primeira vez pelo poeta Gabriele d`Annunzio, símbolo do
decadentismo e herói de guerra. Além de sua carreira literária, teve também uma
excêntrica carreira política. A África é o terceiro continente mais extenso,
somente atrás da Ásia e da América do Norte, com cerca de 30 milhões de km²
cobrindo 20,3 % da área total da terra firme do planeta. É o segundo continente
mais populoso, apenas atrás da Ásia com aproximadamente 1 bilhão de habitantes
(2005), representando cerca de 1/7 da população mundial, contando com 54 países
independentes no processo civilizatório.
Gabriele
Salvatores participando do 52° Festival Internacional de Cinema de Veneza
(1995).Delineou-se
assim o que se poderia chamar, de acordo com Michel Foucault, uma genealogia, ou
melhor, pesquisas “genealógicas múltiplas”, ao mesmo tempo redescoberta exata
das lutas e memória bruta dos combatentes. E esta genealogia, como acoplamento
do saber erudito e do saber das pessoas, como ocorre com a historiografia
varnhageniana, para o caso brasileiro, só foi possível e só se pôde tentar
realizá-la à condição de que fosse eliminada a tirania dos discursos
englobantes com suas hierarquias e com os privilégios da vanguarda teórica, mas
que não trataremos agora. A noção de região, tratada como instrumento da ação
política, é inseparável da noção de “regionalismo nordestino”. Este, visto como
o discurso que a representa, é um
movimento de reivindicação de tratamento diferenciado a um determinado espaço
territorial. É uma expressão de luta de poder no interior dos espaços regionais
quanto ao direito sobre a representação externa da região nas diversas escalas
de poder. Um grande
historiador de nosso tempo assinalou, no entanto, a ambiguidade da fórmula do
tal “como efetivamente aconteceu”, dizendo que essa ambiguidade é
característica de muitas máximas e serve para explicar sua grande repercussão.
Porque, analiticamente continua Marc Bloch (1886-1944), a ideia de que o sábio, neste caso o historiador,
deve apagar-se ante os fatos, pode entender-se, por um lado, como um conselho
de probidade, “e não se pode duvidar que fosse esse o sentido que lhe deu
Ranke”, mas, além disso, é lícito interpretá-la como um convite à passividade.
E à pergunta sobre se é possível ao historiador ser absolutamente imparcial,
responde que a palavra “parcialidade” também tem duplo significado, pois se
pode ser “imparcial à maneira do sábio e imparcial à maneira do juiz”. Ambas as
maneiras teriam suporte comum, que é a honesta sujeição à verdade. Os dois
caminhos assinalados por Bloch não diferem substancialmente dos caminhos
descritos e separados por Ranke: o da Filosofia que, no seu entender, é o reino
das leis gerais ou abstratas, e o da História, que, partindo da observação do
único, deverão, entretanto, explicá-lo, o que só pode fazer
recorrendo aos meios que servem para se comunicarem os homens entre si, pois
que são geralmente inteligíveis. Ranke foi
historiador sem pretensões a filósofo, mas teve mais de uma vez o cuidado de
definir “quase filosoficamente o ofício do estudioso do passado”. Entendia,
ainda assim, que a História é uma “ciência do único”, separando-se por esse
lado da Filosofia que, segundo ele, se ocupa de abstrações e generalizações.
Por outro lado, pretende que a observação e o “conhecimento do único”
representem só o ponto de partida do historiador. Para alçar-se ao conhecimento
dos grandes nexos de sentido, faz-se necessário que siga sempre seus “próprios”
caminhos, que, afirmou, “não são os caminhos do filósofo”. Nesse passo, porém,
seu raciocínio é pouco preciso. O certo é que, embora alguns autores, reagindo
mais tarde contra as correntes positivistas na historiografia, tentassem
emancipar o conhecimento histórico das generalizações e abstrações, que
passariam a ser privatista das ciências nomotéticas, e interpretasse o legado
rankiano ao sabor de suas teorias, esse modo de ver já não se pode justificar. Uma notável
ilustração dos métodos de Ranke, nesse particular, aparece no desenvolvimento
que dá à sua ideia da unidade fundamental (Ranke, 1979a: 65 e ss.; Ranke,
1979b) dos “povos românticos e germânicos na origem de toda história moderna”,
que ainda em seus dias lhe parecia guardar essa marca originária.
É possível
que não fosse uma ideia nova ou inteiramente sua, e, com efeito, ela já
aparece, em termos muito semelhantes aos que emprega, em uma carta de Guilherme
de Humboldt datada de 1799, e que o historiador provavelmente ignorava. Essa ideia,
“minha ideia favorita”, escreverá posteriormente, já se define em seu primeiro
livro, que lhe abriu as portas do professorado de Berlim, onde trata da
história dos povos latinos e germânicos, entre 1494 e 1530. Assim, a “ideia da unidade”, até do
parentesco, dos povos românticos e germânicos, prepara-se, segundo ele, no Sul
da Europa, como resultado das grandes migrações dos povos nos séculos IV a
VIII, para expandir-se ao Norte, com o império carolíngio, e é quando, a bem
dizer, se forma o sentimento nacional tanto da Itália, como da França e da
Alemanha, ganhando logo a Grã-Bretanha, a Espanha e a Escandinávia. Sua
importância singular está em que, sobre essa ideia, descansa para ele, até na
época contemporânea, toda a vida europeia, além de seus prolongamentos
ultramarinos, como os do continente americano.
Para ele, protestantes e
católicos são galhos de uma só árvore, a da cristandade ocidental, separada do
mundo bizantino. Depois das lutas religiosas, a unidade manifesta-se sob a
forma de afeições, preceitos, instituições, códigos de compostura, que, tendo raiz comum, são patrimônio que esses
povos se formam como uma vasta República. Ipso facto não queremos perder de vista que “não importa que o
historiador se dedique ao estudo das diferentes histórias nacionais, quando não
perca de vista o pano de fundo que de algum modo as congrega”. Não devemos perder de vista que o mundo das “histórias nacionais” de Leopold von Ranke é, assim, determinado
historicamente, visto que sua particularidade refere-se à existenz para lembramo-nos de Hegel, na técnica de interpretação na
literatura e na filosofia de um “mundo europeu”, que mal se dilata, mas sem
perder o conteúdo essencial, sobre províncias e continentes do ultramar
colonizados por povos europeus. Mas não é a Europa inteira o que o ocupa, e sim
as fronteiras geográficas dessa Europa latina e germânica, protestante ou
católica, que são também as fronteiras do espaço e do tempo histórico a que
devotou o melhor de sua atividade intelectual: “somos mais vizinhos de Nova
York e de Lima do que de Kiev e Smolensk”. Melhor dizendo, fora da Europa, de
sua Europa e, quando muito, fora das terras colonizadas por europeus, só
existiam para ele “o caos e o cemitério”.
Em tais condições hão de ficarem fora
de seu horizonte aqueles mundos informes ou álgidos que lhe parecem,
efetivamente, “terras sem história”. Daí a referência idiossincrática em
Varnhagen, repetimos, quando analogamente refletindo sobre o Brasil afirma: “De
tais povos na infância não há história: há só etnografia”. Do engano sugere uma
história carregada de interpretação da cultura. O regionalismo é
um discurso apoiado numa aliança de forças e grupos sociais que forja uma identidadereferida a um espaço; forja
uma ideia de históriae de práticas
comuns; apresenta uma leitura do passado, do presente e projeta um futuro em
cima de interesses gerais remetidos a uma circunscrição territorial. Ele
legitima um determinado “bloco de poder” e o seu
monopólio da representação dos interesses gerais numa determinada região,
outorgando autoridade aos seus membros de porta-vozes para exercer essa
representação. Esse “grupo dominante”, enquanto fração das classes dominantes,
através da reivindicação de um tratamento diferenciado por parte das diversas
escalas de “poder supralocais”, busca monopolizar a interlocução com essas
instâncias e exercer o controle sobre os recursos fundamentais que interferem
na reprodução das condições locais de desenvolvimento. A identidade
cultural não está na condição de ser
“nordestino”, mas sim no modo como esta
condição é apreendida e organizada
simbolicamente. Percebe-se assim, que determinados enunciados audiovisuais
se produziram e permaneceram como representações acerca do Nordeste, como sua
essência. É preciso questionar e criticar a própria ideia de identidade, que é
concebida como “uma repetição, uma semelhança de superfície”. Porém, apesar
desses estereótipos do Nordeste a ser propagados no contexto geral da chamada “indústria
cultural” e de massa, a expressão “região Nordeste”, possui significados muito
cristalizados que evocam uma série de imagens das características geográficas
culturais, sociais e econômicas. Entre as primeiras, podemos citar elementos da
paisagem que incluem desde o recorte litorâneo com suas praias e seus
remanescentes coqueirais, até a paisagem mais seca do agreste e, sobretudo, a
do sertão. Veillons!
Bibliografia Geral Consultada.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).