sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Heloísa & Abelardo - Trabalho & Teoria do Cavaleiro da Dialética.


                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

      Vivemos tudo, antes que a mão avara nos cortasse ao meio”. Heloísa de Argenteuil
                                                                    

              A história trágica de amor entre Abelardo e Heloísa se passa na França, no século XII, em meados da Idade Média. Filósofo e teólogo escolástico, Pierre Abélard ou Abailard, em latim Petrus Abelardus, nasceu em Le Pallet, perto de Nantes, França, por volta do ano 1079, morrendo no priorado de Saint-Marcel, próximo de Chalôns-sur-Saône, a 21 de abril de 1142. Influenciado desde cedo por Filosofia, estudou Lógica, entre 1094 e 1106, em Loches e Paris, logo entrando em conflito com a tradição conservadora de seus mestres. Foi professor em Melun, comuna francesa localizada na região administrativa da Île-de-France, no departamento Sena e Marne, Corbel, comuna francesa na região administrativa de Auvérnia-Ródano-Alpes, no departamento de Saboia e Paris, ensinando dialética, o que lhe valeu intermináveis perseguições. Isto porque, metodologicamente Abelardo defendia a abstração dos universais, opondo os conceitos de “vox”, nominalismo e “res”, realismo, o “sermo”, tradicionalmente conhecido como latim vulgar. Este latim pertencia a uma população que era muito pouco ou quase nada escolarizada, e por isso mostra um conjunto de inovações gramaticais que não seguem as normas do latim literário como função lógica do espírito. Para Abelardo, o conceito é universal, se paica aos indivíduos que participam no processo de conhecimento, representando, uma “situação” e não uma realidade. Em seus manuscritos procurou aproximar a Teologia da Lógica, ligando a trindade cristã ao conceito “Um-Alma-Mente” do neoplatonismo.
              Acreditando na capacidade da mente humana de alcançar o verdadeiro conhecimento natural e supernatural, defendia o exame crítico das Escrituras à luz da razão. Prestava atenção ao recurso técnico utilizado em relação à linguagem, suscetível a tantas interpretações quanto à diversidade dos que a empregam. Abelardo é a primeira figura do intelectual moderno. Chamaram-lhe de “cavaleiro da dialética”. Estatisticamente entre 1200 e 1400 foram fundadas na Europa 52 universidades, e 29 delas foram edificadas pelo papado. A transformação cultural gerada pelas universidades no século XIII foi reconhecida pela frase de Charles Homer Haskins: “Em 1100, a escola seguia o mestre; em 1200, o mestre seguia a escola”. Algumas dessas universidades recebiam da Igreja católica o título de “Studium Generale”, que indicava que este era um instituto de excelência internacional, levando em consideração os locais de ensino mais prestigiados do velho continente. Acadêmicos de “Studium Generale” eram encorajados a “dar cursos em outros institutos por toda a Europa, bem como a compartilhar documentos”. Esta dinâmica interdisciplinar de seu funcionamento iniciou a cultura de intercâmbio presente ainda hoje nas universidades europeias. Ipso facto, a filosofia do século XII pode ser dividida a partir do desenvolvimento da atividade filosófica que se concentrou antes e depois do nascimento das primeiras universidades. Na Idade Média este sistema orientará, por meio da espacialização do pensamento, a dialética essencial dos valores cristãos.



              Paris, a capital de l’amour, foi o palco do romance. Pedro Abelardo, nascido de família nobre em 1079 deveria seguir a profissão das armas como seus irmãos. Mas desde cedo a convicção do jovem o fez escolher os estudos de Filosofia, Teologia e Letras e seguiu uma carreira na área de Pedagogia. A educação, no século XII, era monopólio da igreja católica que estabelecia normas aos seus professores e estudantes. Uma das imposições era a de que os professores jamais poderiam envolver-se afetivamente com alunos. O desrespeito às regras era considerado crime, seguindo-se punições de acordo com a gravidade dos fatos sociais. Abelardo era um mestre reconhecido por seu grupo, por seus alunos, como erudito e sensível. Na sua maturidade intelectual, ele apresentou questionamentos e críticas aos pensamentos tradicionais, demonstrando afeição aos filósofos não cristãos. Aos 36 anos, Abelardo era um brilhante professor em teologia na Catedral Notre Dame de Paris. Canon Fulbert, um senhor abastado de Paris, era o responsável pelo aprimoramento intelectual da sua sobrinha Heloísa. Como tutor decidiu confiar a jovem ao renomado mestre Abelardo.          
               Heloísa é mais reconhecida pela sua relação com Pedro Abelardo. Ela era brilhante estudiosa de Latim, Grego e Hebraico, e tinha uma reputação de inteligência e perspicácia. Abelardo escreve que ela era nominatissima, “muito conhecida” por seu dom da escrita e leitura. Parece que era de uma classe social mais baixa que a de Abelardo, que era originalmente da nobreza, embora ele tivesse rejeitado fidalguia para ser um filósofo. O que se sabe é que ela era a funcionária de seu tio, cônego em Paris chamado Fulbert. Nos seus manuscritos, Abelardo narra a história da sedução de Heloísa e sua posterior relação ilícita, que continuou até Heloísa ter um filho, a quem  chamou Astrolabius (Astrolábio). Abelardo casou-se secretamente com Heloísa. Eles esconderam esse fato, a fim de não prejudicar a carreira de Abelardo. A opinião aceita é que Fulbert, em sua ira, puniu Abelardo atacando-o enquanto dormia e castrando-o. Outra visão é que Fulbert divulgou o segredo do casamento e sua família procurou vingança, ordenando a castração de Abelardo. Após a castração, Abelardo tornou-se monge. No convento de Argenteuil, Heloísa tomou o hábito e tornou-se abadessa.
              No período de convivência no convento, começou a correspondência entre os dois amantes. Após ter deixado a Abadia do Paracleto, Abelardo fugiu das perseguições, e escreveu sua Historia Calamitatum, explicando suas tribulações, tanto em sua juventude como um filósofo e posteriormente como simples monge. Heloísa respondeu-lhe tanto em nome da Paraclete e dela mesma. Nas cartas que se seguiram, Heloísa manifestou consternação pelos problemas morais e políticos enfrentados por Abelardo. Assim começou uma correspondência apaixonada entre ambos, mas tipicamente erudita. Heloísa incentivava Abelardo em sua obra filosófica e ele dedicou a sua profissão de fé a ela. Em um ponto, ela diz a ele para compartilhar cada detalhe de sua vida e para não protegê-la de aborrecimento. O Problemata Heloissae é uma coleção de 42 perguntas teológicas dirigidas de Heloísa a Abelardo no tempo em que ela era abadessa em Paraclete, e suas respostas a elas. Embora tenham se casado, o cônego Fulberto, tio e responsável da jovem, ficou furioso com a situação e ordenou com que Abelardo, na escuridão da noite, fosse castrado. Assim, por volta de 1118, além de ter ordenado Heloísa a se tornar monja, Abelardo também se abrigou no claustro monástico, mais por conta da “confusão da vergonha” do que “pela vocação de uma vida religiosa”. Tomou a abadia de S. Denis em Paris como refúgio, no entanto sua estadia foi conturbada.

              Por conta de diversos problemas com seus novos irmãos e uma condenação por heresia no concílio de Soissons em 1121, Abelardo, com a ajuda de alguns amigos, fundou o Paracleto,  que significa “aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que revive; aquele que intercede em nosso favor como um defensor numa corte”. No cristianismo, o termo é utilizado para se referir ao Espírito Santo e o termo tem sido objeto de longo debate entre os teólogos, com diversas teorias sobre o assunto. um oratório próximo ao rio Ardusson, também em Paris. Sentindo-se pressionado por seus críticos e temendo uma nova condenação, Abelardo abandonou o Paracleto para se tornar abade do mosteiro de Gildas-Rhuys, na Bretanha, em c. 1127.  O comportamento de seus novos irmãos não era compatível ao de monges que eram e, ao tentar corrigi-los, Abelardo foi vítima de algumas tentativas claustrofóbicas de homicídio. Essas informações biográficas são encontradas na Historia Calamitatum, carta que Abelardo escrevera, por volta de 1132, a um amigo não nomeado.
              A recomendação de celibato clerical na igreja latina possui sua primeira representação pelo Concílio de Elvira (295-302), mas, como este concílio era apenas um concílio provincial espanhol, pois Elvira era uma cidade romana, junto a Granada, as suas decisões não foram cumpridas por toda a Igreja cristã. O Concílio de Elvira assim legislou: “Bispos, presbíteros, diáconos e outros que ocupem uma posição no ministério devem abster-se totalmente de relações sexuais com suas esposas e da procriação de filhos. Se alguém desobedecer, seja ele privado do estado clerical” (XXXIII cânon). O Primeiro Concílio de Niceia (323) decretou apenas que “todos os membros do clero estão proibidos de morar com qualquer mulher, com exceção da mãe, irmã ou tia” (III cânon). No final do século IV, a Igreja Latina promulgou várias leis a favor do celibato. Foram geralmente bem aceites no Ocidente no pontificado de São Leão Magno (440-461), mas o Concílio de Calcedônia (451) também “proibiu o casamento de monges e virgens consagradas” (XVI cânon), impondo o celibato ao clero.
               Em troca dos ensinamentos feitos por Abelardo à sobrinha, Fulbert hospedou o professor em sua residência em Paris. No início, o tio de Heloísa ficou temeroso de deixar a bela jovem a sós com o professor. Com o passar do tempo, o tio adquiriu confiança em Abelardo. Heloísa, nascida em 1100 e educada, por assim dizer em “berço de ouro”, formosa e delicada, iniciou com 17 anos os seus contatos com o professor Abelardo que quando conheceu a jovem Heloísa de Argentuil, era conhecida “pela abundância dos conhecimentos literários”. Ela já o conhecia de renome e o admirava por sua fama e inteligência. Bastaram os primeiros encontros entre Abelardo e Heloísa para que nascesse entre os dois um amor platônico. Um amor real seria quase impossível a moralidade descrita pelas regras sociais e políticas. Mas com o passar do tempo a paixão e o desejo não puderam resistir e o casal iniciou a relação amorosa. Meses mais tarde, Heloísa ficou grávida e Abelardo e Heloísa refugiaram-se na Bretanha, no norte da França, onde nasceu Astrolábio.         
             Na história da igreja a “virgindade religiosa”, denominada de “Virgindade Sacra”, “Sagrada Virgindade” ou “Santa Virgindade”, é um conceito importante na tradição cristã, especialmente no que diz respeito à Virgem Maria que ocupa um lugar central no dogma cristão católico e ortodoxo. Votos de castidade e celibato são necessários para entrar na vida monástica ou no sacerdócio. A sagrada virgindade e a perfeita castidade considera a Igreja Católica, quando consagrada ao serviço de Deus, um dos mais “preciosos tesouros” deixados por Cristo à sua Igreja. Afirma ainda a Doutrina da Igreja Católica que a santa virgindade é mais excelente que o matrimônio, isto no Concílio de Trento. Sobre o tema afirma João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris consortio (n° 16): - Permanecendo no celibato, o homem pode entregar a Deus um coração indiviso, segundo o modelo do seu Filho, Jesus Cristo, que ao Pai entregou o amor exclusivo e total do seu coração. “É então que o homem conquista o supremo cume, o vértice do testemunho cristão: Tornando livre de um modo singular o coração humano (...) a virgindade testemunha que o Reino de Deus e a sua justiça são aquela pérola que devemos preferir a qualquer outro valor”.

             Contudo, o celibato é visto de forma diferente por distintos grupos cristãos. Embora no passado fosse aceite o matrimônio de padres ordenados tendo a inclusão de São Paulo recomendando a fidelidade matrimonial aos bispos, na atualidade, excetuando em casos referentes aos diáconos e a padres ordenados pelas Igrejas orientais católicas e pelos ordinariatos pessoais para anglicanos, todo o clero católico latino é obrigado a observar e cumprir o celibato. Nas Igrejas orientais, o celibato é apenas obrigatório para os bispos, que são escolhidos entre os sacerdotes celibatários. A Igreja Católica de rito latino, sinteticamente, dá as seguintes principais razões de ordem teológica para o celibato dos sacerdotes e religiosos de vida consagrada: a) com o celibato os sacerdotes entregar-se-iam de modo mais excelente a Cristo, unindo-se a Ele com o coração indiviso; b) o celibato facilita ao sacerdote a participação no amor de Cristo pela humanidade uma que vez que Ele não teve outro vínculo nupcial a não ser o que contraiu com a sua Igreja; c) com o celibato os clérigos dedicar-se-iam com maior disponibilidade ao serviço dos outros homens; d) a pessoa e a vida do sacerdote são possessão da Igreja, que faz às vezes de Cristo, seu esposo; e) o celibato dispõe o sacerdote pare receber e exercer com generosidade a paternidade que pertence a Cristo.
               Porém, apesar disso, houve vários avanços e recuos na aplicação desta prática eclesiástica, nomeadamente entre o clero secular, chegando até mesmo a haver alguns Papas casados, como por exemplo, o Papa Adriano II. No século XI, vários Papas, especialmente Leão IX e Gregório VII, esforçaram-se novamente por aplicar com maior rigor as leis do celibato. Isto ocorreu devido à crescente degradação moral do clero, causada em parte pela confusão instaurada pelo desmembramento do Império Carolíngio quando houve padres e bispos que chegaram a demonstrar que tinham esposas ou concubinas. Durante o Concílio de Constança, 700 prostitutas atenderam sexualmente os membros participantes. Por fim, o Primeiro Concílio de Latrão (1123) e o Segundo Concílio de Latrão (1139) condenaram e invalidaram o concubinato e os casamentos de clérigos. Pelo uso da força como Aparelho de Estado secular reforçando assim o celibato clerical, “que já era na altura uma prática frequente e aceite pela maioria como necessária”. O celibato é defendido porque os celibatários eram mais livres e disponíveis. Com o tempo, o clero regular se foi destacando em relação ao clero secular. O celibato clerical voltou ainda a ser defendido em força pelo Quarto Concílio de Latrão (1215) e pelo Concílio de Trento (1545-1563), que impôs definitivamente o celibato obrigatório a todo o clero da Igreja Latina, incluindo o clero secular.    
           As Escolas Monásticas eram articuladas à ordem de Cister e o ensino da filosofia se desenvolveu a partir da leitura de Platão, apropriadas por neoplatônicos e Santo Agostinho. Em geral, elas se fundamentavam em outros tipos de racionalidade, diferente da escolástica que se voltava mais ao estudo da dialética e às disputationes. Na própria escolástica verificamos certa flutuação de racionalidades, como no próprio trabalho de Pedro Abelardo, que, apesar de lógico, compreendeu muitos aspectos da filosofia, principalmente a de cunho ético-teológico, recorrendo à Santo Agostinho e ao neoplatonismo como os participantes das Escolas Monásticas. É nos mosteiros espalhados pela Europa, longe das novas cidades emergentes na Europa, que surgem as Escolas Monásticas que visam, inicialmente, apenas a formação de futuros monges. Funcionando de início apenas em regime de internato, estas escolas abrem mais tarde escolas externas com o propósito da formação de leigos cultos, filhos dos Reis e os servidores também. O programa de ensino, de início, muito elementar - aprender a ler, escrever, conhecer a bíblia - se possível de memória - canto e de aritmética, vai-se enriquecendo de forma a incluir o latim, gramática, retórica e dialética.  
             Um egrégio representante das Escolas Monásticas foi São Bernardo de Clairvaux sendo a ele atribuídos o estudo contemplativo e silencioso das Sagradas Escrituras, a restauração da regula benedicti  do sistema disciplinar “ora et labora” em contraposição ao ensino metódico da dialética, que se promovia mais agitado nas formações de “disputationes”. Apesar da concepção de filosofia ser pagã e contradizer em muitos aspectos o estudo das Sagradas Escrituras, a maior parte de seus livros são obra de muitas mãos e a composição de alguns deles durou séculos. Mas ela ainda permanecia nessas escolas com o mesmo propósito de quando adentrou nos primórdios do cristianismo. Os gramáticos pertenciam em grande parte às Escolas Monásticas, como a Escola de Chartres, fundada por Fulbert de Chartres e difundida no século XII por Bernard de Chartres. Os religiosos pertencentes à essa escola tinham por objetivo tanto as categorias de pensamento quanto as categorias da língua. Logo, além de conceberem o estudo da gramática, como objeto de pensamento ainda visava adequá-la ao estudo filosófico na vertente do quadrivium. Pelo fato técnico de trabalhar com números e proporções, o quadrivium seria o melhor meio de compreender a ordem do universo, enquanto obra primorosa concebida pelo divino arquiteto, pois se acreditava que as distancias entre os planetas – bem como seus movimentos espaciais – estavam ordenados matematicamente. A gramática aliada a  filosofia se centralizava no aprendizado do Timeu de Platão, via tradução de Calcídeo.              
               O desenvolvimento da filosofia na França foi balizado pela influência do platonismo através da escola de Chartres e pela disputa entre a facção dos místicos e teólogos e a dos dialéticos ou filósofos. A dialética significava, predominantemente, a arte de discernir o verdadeiro do falso, melhor dizendo, aquela parte da filosofia que trata dos termos, das proposições e do raciocínio. Um grande representante da dialética desse tempo foi Pedro Abelardo, nascido em 1079, na pequena localidade de Le Pallet, próximo de Nantes, França. Filho de um pequeno nobre chamado Béranger, homem de considerável cultura, Abelardo foi desde cedo orientado para o estudo esquemático do trivium (gramática, retórica e dialética) e, do ponto de vista “indiciário”, nada estudou do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Em 1094, dirige-se a Loches, a fim de estudar lógica sob a orientação de Roscelino, o grande mestre da chamada escola nominalista. Nesse ínterim refaz o mesmo princípio metodologicamente em Paris, tendo como mestre Guilherme de Champeaux, que seguia orientação contrária à de Roscelino, propugnando o realismo filosófico dos universais. A “querela dos universais” desde cedo é um dos principais centros de interesse de Abelardo, que, posteriormente, traria contribuições relevantes nesse campo de indagação filosófica. 
                 A Escola da catedral de Chartres foi uma escola que funcionou na catedral de Chartres e que se tornou um importante centro de estudos na Europa medieval. Seu ápice ocorreu nos séculos XI e XII, durante o chamado renascimento do século XII. Nesse período, segundo alguns historiadores, os grandes intelectuais de seu tempo, como Yves de Chartres, Gilbert de la Porrée, Bernard de Chartres, Guillaume de Conches, Clarembaud d`Arras, Bernard Silvestre, Thierry de Chartres e Jean de Salisbury, teriam sido ligados à escola, contribuindo para a modernidade da instituição. Até a primeira metade do século XX, a Escola de Chartres era considerada pelos historiadores como a mais vigorosa expressão do espírito progressista do século XII. O Ocidente europeu do início da Idade Média era pouco mais que uma colcha de retalhos com populações camponesas e tribos germânicas em processo de desagregação cultural, romantização e asiatização religiosa e cultural, adotando um efêmero movimento religioso do Oriente Próximo e renegando as suas próprias raízes animistas, politeístas e afins. O surgimento da universidade, no início do século XIII, na França e em outros pontos da Europa, representa uma mudança no sistema de ensino medieval. Pela primeira vez, funda-se e organiza-se uma instituição cuja identidade primeira é representado através da dedicação ao estudo. Assiste-se, no interior das relações medievas, a criação de um espaço social destinado somente ao saber. Contudo, entre 1965 e 1970, Richard William Southern, no ensaio Medieval Humanism and Other Studies (Oxford, 1970), demonstra que a análise documental rigorosa não permitiria afirmar que havia essa supremacia. A escola de Chartres não era diferente de outras escolas episcopais, e nada prova que tivesse distinguido por uma excepcional plêiade de mestres, a não ser antevendo o debate. Suas características são, segundo Boehner e Gilson, o cultivo das ciências naturais e a familiaridade com a literatura clássica. 
          A vida social deriva inexoravelmente de uma dupla fonte: a similitude das consciências e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no primeiro caso, porque, não tendo individualidade própria, confunde-se como seus semelhantes, no seio de um mesmo tipo coletivo; no segundo, porque, tendo uma fisionomia e uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles na mesma medida em que se distingue e, por conseguinte, da sociedade que resulta de sua união. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam as relações das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas reparadoras sem caráter expiatório. De todos os elementos técnicos e sociais da civilização, a ciência nada mais é que a consciência levada a seu mais alto ponto de clareza. Nunca é demais repetir que para que as sociedades possam viver nas condições de existência que lhes são dadas, é necessário que o campo da consciência se estenda e se esclareça. Quanto mais obscura uma consciência, mais é refratária à mudança social, porque não vê depressa o que é necessário mudar. Nem em que sentido é preciso mudar. Uma consciência esclarecida sabe preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança risível. Eis porque é necessário que a inteligência guiada disciplinarmente pela ciência adquira uma importância maior no curso da vida coletiva. Tais sentimentos são capazes de inspirar não apenas esses sacrifícios cotidianos, mas também atos de renúncia completa e de abnegação exclusiva. A sociedade aprende a ver os membros que a compõem como cooperadores que ela não pode dispensar e para com os quais tem deveres. Na realidade, a cooperação também tem sua moralidade intrínseca. Há apenas motivos para crer, que, em nossas sociedades, essa moralidade ainda não tem todo o desenvolvimento que lhes seria necessário. Daí resulta duas grandes correntes da vida social, que correspondem dois tipos de estrutura não menos diferentes. Dessas correntes, a que tem sua origem nas similitudes sociais corre a princípio só e sem rival.

Bibliografia geral consultada. 
FEUERBACH, Ludwig, Abelardo y Heloísa y otros escritos de juventud. Granada: Editorial Comares, pp. 73-139; 1995; ROCHA, Zeferino, Abelardo – Heloísa. Cartas. Recife: Editora Universitária da Universidade Federal de Pernambuco, 1997; SCHMITT, Jean-Claude, “La ‘Découverte de l’Individu’: Une Fiction Historiographique”. In: Les Corps, les Rites, les Rêves, les Temps. Essais d’Anthropologie Médiévale. Paris: Éditions Gallimard, 2001; MAGDALENA, Enrique Miret, “La Azarosa Historia del Celibato Clerical”. In: Jornal El País, 26 de março de 2002; GILSON, Étienne, O Espírito da Filosofia Medieval. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006; Idem, Heloisa e Abelardo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007; TONDINELLI, Tiago, Ética e Justiça no Pensamento de Pedro Abelardo. Tese de Doutorado em Filosofia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2007; DUBY, Georges, As Damas do Século XII. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2013; ESTÊVÃO, José Carlos, Abelardo e Heloísa. São Paulo: Discurso Editorial; Paulus Editora, 2015; CHAVES-TANNÚS, Marcio, A Ética de Pedro Abelardo: Um Modelo Medieval da Lógica a Moral. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2015; NEVES, Gabrielle Marques, Análise das Cartas de Heloisa de Argenteuil e sua Correspondência com Abelardo: Amor e Violência no Século XII. Trabalho de conclusão de Curso. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017; SILVA, Rodolfo Fernandes da, Intencionalidade, Consciência e Caridade nas Obras Éticas de Pedro Abelardo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2017; LE GOFF, Jacques, O Nascimento do Purgatório. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2017; LAZARINI, Richard, A Noção de Ato de Ser Segundo a Exposição de Tomás de Aquino aos Ebdomadibus de Boécio. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018entre outros.

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Fordilândia - Ideologia, Trabalho & Soldados da Borracha.


                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

               Há mais pessoas que desistem, do que pessoas que fracassam!”. Henry Ford


        Foram os índios centro-americanos os primeiros a descobrir e fazer uso das propriedades singulares da borracha natural. Entretanto, foi na floresta amazônica que de fato se desenvolveu a atividade da extração da borracha, a partir da seringueira (“Hevea brasiliensis”), uma árvore que pertence à família das Euphorbiaceae, também reconhecida como “árvore da fortuna”. Do caule da seringueira é extraído um líquido branco, denso, chamado látex, uma substância praticamente neutra. Mas, quando exposta ao ar por um período de 12 a 24 horas, sofre coagulação espontânea, formando o polímero que é a típica representação da borracha. Através de um tratamento industrial, eliminam-se do coágulo as impurezas e submete-se a borracha resultante a um processo denominado vulcanização, resultando a eliminação das propriedades indesejáveis. Torna-se assim imperecível, resistente a solventes e a variações de temperatura, adquirindo excelentes propriedades mecânicas e perdendo o carácter pegajoso. A semente da seringueira é rica em óleo e, por ser rica em nutrientes é usada na fabricação de suplementos alimentares. Os grupamentos indígenas ainda utilizam as sementes da seringueira como alimento.
           O desenvolvimento tecnológico e a Revolução Industrial, na Europa, foi o estopim que fizeram da borracha natural, até então um produto exclusivo da Amazônia, um produto muito procurado e valorizado, gerando lucros e dividendos a quem quer que se aventurasse neste comércio. Desde o início da segunda metade do século XIX, a borracha passou a exercer forte atração sobre empreendedores visionários. A atividade extrativista do látex na Amazônia revelou-se de imediato lucrativa. A borracha natural logo conquistou um lugar de destaque nas indústrias da Europa e da América do Norte, alcançando elevado preço no mercado. Daí a diversidade de pessoas vindas ao Brasil na intenção de conhecer a seringueira e os métodos de trabalho e processos de extração, a fim de também lucrar de alguma forma com esta riqueza. A partir da extração da borracha surgiram várias vilas e povoados, que depois foram transformados em radiantes cidades. As cidades de Belém e Manaus, passaram então por importante processo desenvolvimento e transformação social e arquitetônica de urbanização.       
        O ciclo da borracha representou um momento da história econômica e social do Brasil, relacionado à exploração do trabalho na Amazônia, com a extração de látex da seringueira e comercialização da borracha. Teve o seu centro na região amazônica, e proporcionou expansão da colonização, atração de riqueza, transformações culturais, sociais, arquitetônicas, e impulso ao crescimento de Manaus, Porto Velho e Belém, até hoje capitais e maiores centros de desenvolvimento de seus respectivos Estados, Amazonas, Rondônia e Pará. Manaus do ponto de vista econômico foi a segunda cidade do Brasil, depois de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, a introduzir a eletricidade na iluminação pública, criando viabilidade para a comunicação, o bonde elétrico. No mesmo período, foi criado o território federal do Acre, atual Estado do Acre, cuja área foi adquirida da Bolívia, por meio da compra no valor de 2 milhões de libras esterlinas, em 1903. O ciclo da borracha ocorreu entre 1879-1912, com sobrevida entre 1942 e 1945, durante a formação do mercado bélico globalizado da 2ª guerra mundial. 
                                       
            A ideia de construir uma ferrovia nas margens dos rios Madeira e Mamoré surgiu na Bolívia, em 1846. Inicialmente optava pela via da navegação fluvial, subindo o rio Mamoré em território boliviano e depois pelo rio Madeira, no Brasil. Mas o percurso fluvial tinha grandes obstáculos naturais, como vinte belas cachoeiras que impediam a navegação. assim se cogitou a construção de estrada de ferro que cobrisse por terra o trecho topográfico. Em 1867, no Brasil, também visando encontrar algum meio de comunicação que favorecesse o transporte da borracha, os engenheiros José e Francisco Keller organizaram expedição, explorando a região das cachoeiras do rio Madeira para delimitar o melhor traçado, visando também à instalação de uma ferrovia. Em 1869, o engenheiro estadunidense George Earl Church obteve do governo da Bolívia a concessão para criar e explorar uma empresa de navegação que ligasse os rios Mamoré e Madeira. Mas, vendo as dificuldades reais desta empreitada, os planos foram definitivamente mudados para a construção de uma ferrovia. As negociações avançaram e, ainda em 1870, o mesmo George Church recebe do governo brasileiro a permissão para construir uma ferrovia ao longo do percurso das cachoeiras do Rio Madeira.            
           Em 1927, quando Henry Ford anuncia que sua empresa tinha adquirido, na Amazônia brasileira, uma concessão do tamanho de Connecticut para cultivar borracha e construir uma cidade em plena selva, a imprensa norte-americana celebrou o evento como o encontro de duas forças paralelas irresistíveis: a invenção do trabalho em cadeia e o triunfo de novas normas de produção, e o processo civilizatório da maior bacia fluvial do planeta, irrigando nove países com um terço do continente sul-americano, uma zona selvagem e plena de vida que as águas que margeiam o território comprado por Ford continham mais espécies de peixes que todos os rios da Europa reunidos. Para a revista Time (1927), não havia dúvida que o sistema de produção de Ford aperfeiçoaria a produção de borracha a cada ano “até a completa industrialização de toda a floresta”. Segundo o Washington Post, Ford levaria à floresta “a magia do homem branco”, isto é a ideologia do trabalho (cf. Braga, 1988; Braga Neto, 2002), e não somente “a borracha, mas os seringueiros em si mesmos” (1931).
            De 1927 a 1945, quando cedeu sua parcela ao governo brasileiro, o industrialista Henry Ford gastou dezenas de milhões de dólares para construir duas cidades norte-americanas em plena selva amazônica; a primeira foi abandonada depois da destruição de uma plantação por um parasita vegetal. Seus habitantes gozavam de todas as vantagens da civilização: praças, calçadas, saneamento, hospitais, gramados, cinemas, piscinas, terrenos de golfe e, claro, carros da Ford para passear nas ruas pavimentadas. Em dezembro de 1930, dois meses depois da radicalização política que tinha levado Getúlio Vargas ao poder, uma revolta explode em Fordlândia, sob o slogan “O Brasil para os brasileiros. Morte aos norte-americanos”, os trabalhadores saquearam parte das instalações e fizeram valer suas reivindicações. Os executivos estadunidenses não ignoram que, para seu empregador, a organização dos trabalhadores constituía “o maior flagelo que o planeta sofreu”. Eles obtiveram o apoio das forças armadas brasileiras, e como resultado da ação os manifestantes foram demitidos, os pequenos comércios vizinhos foram fechados. Depois, a vez da natureza se revoltar. A Fordlândia parecia amaldiçoada, não somente em razão do desastre dos primeiros anos, mas também, uma vez que a ordem foi mais ou menos assegurada, em razão da recusa obstinada imposta pela natureza da vegetação à economia com a transplantação da brigada corporativa e militarizada fordista.
      Henry Ford (1863-1947) foi empresário e engenheiro mecânico norte-americano, fundador da Ford Motor Company, autor dos livros Minha Filosofia de Indústria e Minha Vida e Minha Obra, e o primeiro empresário a aplicar a montagem em série de forma a produzir em massa automóveis em menos tempo e a um menor custo. A introdução do modelo Ford T revolucionou os transportes e a indústria dos Estados Unidos da América. Ford foi um inventor prolífico e registrou 161 patentes nos Estados Unidos. Como único dono da Ford Company, ele se tornou um dos homens mais ricos e reconhecidos do mundo ocidental. No dia 16 de junho de 1903, dia da fundação da Ford Motor Company, foi investido um capital de US$ 150 000, de 12 sócios, sendo que US$ 28 000 foram investidos pelo próprio Ford, com então 40 anos de idade. A ele é atribuído o “fordismo”, isto é, a produção em grande quantidade de automóveis a baixo custo por meio da utilização do artifício reconhecido como “linha de montagem”, o qual tinha condições de fabricar um carro a cada 98 minutos, além dos “altos salários” oferecidos a seus operários — notavelmente o valor de 5 dólares por dia, adotado em 1914.

O intenso empenho de Henry Ford para baixar os custos resultou em muitas inovações técnicas e de negócios, incluindo um sistema de franquias que instalou uma concessionária em cada cidade da América do Norte, e nas maiores cidades em seis continentes. Ford deixou a maior parte de sua grande riqueza para a Fundação Ford, mas providenciou para que sua família pudesse controlar a companhia permanentemente. Ford foi resguardado como um pacifista durante boa parte da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e na década seguinte ficou conhecido como notório antissemita, publicando uma série de quatro livros chamados The International Jew. Ford criou um sólido sistema de publicidade em Detroit para garantir que cada jornal transmitisse notícias e anúncios sobre o novo produto. A rede de concessionários locais de Ford tornou o carro onipresente em praticamente todas as cidades da América do Norte. Como revendedores independentes, as franquias enriqueceram e fizeram a propaganda não apenas de Ford, mas também do próprio conceito de automobilismo; clubes locais de automóveis surgiram para ajudar novos motoristas e para explorar o campo.

Ford foi sempre ávido para vender aos fazendeiros, que viram no veículo um dispositivo comercial para ajudar em seus negócios. As vendas subiram rapidamente - vários anos tiveram 100% de lucros em relação ao ano anterior. Sempre na busca de maior eficiência e menores custos, em 1913 Ford introduziu a montagem em esteiras em movimento nas suas instalações, o que permitiu um enorme aumento da produção. As vendas ultrapassaram 250 000 unidades em 1914. Por volta de 1916, tendo o preço baixado para US$ 360,00 para os carros de passeio básicos, as vendas atingiram 472 000 unidades. Em 1918, metade dos carros na América do Norte eram Modelos T. A alta produção conseguida pelo sistema de montagem da Ford tem como característica marcante a escolha de uma única cor de veículo, que era preta. Desta forma, ele conseguia montar os veículos sem ter que diferenciar o processo de pintura. Existe uma frase famosa que Ford escreveu em sua autobiografia sobre a escolha da cor do veículo: “O cliente pode ter o carro da cor que quiser, contanto que seja preto”.

Antes do desenvolvimento da linha de montagem, que exigia a cor preta por sua secagem mais rápida, o Modelo T era disponível em outras cores, incluindo o vermelho. Esse esquema era veementemente defendido por Henry Ford, e a produção continuou até 1927; a produção final total foi de 15 007 034 unidades. Esse foi um recorde que permaneceu por 45 anos. Em 1918, o presidente Woodrow Wilson (1856-1924) pediu pessoalmente a Ford para que se candidatasse ao Senado dos Estados Unidos, de Michigan, como um democrata. Embora a nação estivesse na guerra, Ford concorreu como um candidato pacífico e um forte apoiador da proposta Liga das Nações. Em dezembro de 1918, Henry Ford transferiu a presidência da Ford Motor Company para seu filho Edsel Ford. Henry, entretanto, retinha a autoridade de decisão final e algumas vezes revogou as decisões de seu filho. Henry e Edsel compraram todas as ações restantes de outros investidores, dando deste modo à família exclusivo domínio sobre a companhia. Em meados da década de 1920, as vendas do Modelo T começaram a declinar devido à concorrência crescente. Outros fabricantes de automóveis ofereciam planos de pagamentos pelos quais os clientes podiam comprar seus carros, que comumente incluíam características mecânicas mais modernas e estilos não disponíveis no Modelo T. Apesar dos estímulos de Edsel, Henry recusava-se firmemente a incorporar novas características ou a criar um plano de crédito para os compradores.

         A história social do Exército da Borracha começou oficialmente em 1942. O ataque japonês à base militar de Pearl Harbor, no final de 1941, fez com que os Estados Unidos (EUA) entrassem definitivamente na 2ª guerra mundial . Mas um insumo importante para a indústria bélica e comercial dos norte-americanos, o látex, estava sob poder nipônico e a produção inglesa na Malásia estava comprometida. Foi neste ponto que o Brasil ganhou importância, já que o país possuía um estoque de 300 mil árvores seringueiras prontas para produzir. Em março, o presidente Getúlio Vargas finalmente escolheu sua posição no campo de batalha e firmou um acordo com o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, para fornecimento de borracha aos Países Aliados. Só faltava a mão de obra. Para reunir e redirecionar estes trabalhadores aos seus postos no “front” amazônico, o governo criou o Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia e a Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia. O cartunista suíço Jean-Pierre Chabloz foi contratado para desenvolver imagens através de cartazes e folhetos que seriam usados com o objetivo de persuasão ideológica econômica no recrutamento dos trabalhadores. 
            O extrativismo descontrolado da borracha alimentada pelo “aquecimento”, na falta de melhor expressão, da indústria automobilística dos Estados Unidos da América estava em vias de provocar um conflito internacional, onde os trabalhadores brasileiros cada vez mais adentravam nas florestas do território da Bolívia em busca de novas seringueiras, gerando conflitos e lutas por questões da fronteira no final do século XIX. Sendo chamados de Questão do Acre, exigiram a presença do exército liderado pelo militar José Plácido de Castro. Então houve a intervenção do diplomata Barão do Rio Branco e do embaixador Assis Brasil, em parte financiados pelos barões da borracha, que culminou na assinatura do Tratado de Petrópolis em novembro de 1903. Com o fim da contenda com a Bolívia, efetivado com a compra do território, garantiu-se o efetivo controle e a posse das terras e florestas do Acre do Brasil, em troca das terras de Mato Grosso e do compromisso de construir uma ferrovia que superasse o trecho encachoeirado do rio Madeira possibilitando o acesso das mercadorias e da borracha bolivianas, aos portos brasileiros do Atlântico, inicialmente Belém do Pará, na foz do rio Amazonas.  As cidades deste novo Estado se transformaram de forma simbiótica nos personagens centrais da Questão Acre: a capital, Rio Branco, e dos municípios Assis Brasil e Plácido de Castro.
         O que viria a ser constituído como Estado do Acre era parte integrante do território boliviano desde 1750. A partir do início ciclo da borracha, em 1879, deu-se nessa região a mobilização e a busca intensa por látex e isto fez com que os seringueiros do Brasil subissem o rio Purus, iniciando, então, o processo de povoamento do Acre. No ano de 1898 o Brasil reconheceu que o atual estado do Acre pertencia à Bolívia, porém os bolivianos eram considerados incapazes de povoá-lo dado o seu difícil acesso. Foi naquele mesmo ano que a Bolívia enviou uma missão de ocupação ao Acre, causando, um ano depois, uma revolta armada dos colonos brasileiros que ali estavam em um grande número. Essa rebelião contou com o apoio do Estado do Amazonas. Após esse episódio, a Bolívia organizou uma missão militar de ocupação da região, mas foram impedidos pelos brasileiros que ainda se encontravam no local. A Revolução Acreana teve como representação uma revolta popular contra a Bolívia, quando o território é proclamado República do Acre, com Luís Gálvez Rodríguez de Arias, finalizando em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, com anexação da região ao Brasil.
              Os bolivianos que ocupavam a região foram expulsos e o governador do Amazonas, Ramalho Júnior, organizou uma invasão do território liderada pelo espanhol Luiz Gálvez Rodríguez de Arias. A expedição de Gálvez declarou o Acre como uma República independente em 1899. Mas o Brasil reconhecia o Acre como território boliviano, enviou então uma tropa para dissolver a Revolução Acreana. A Bolívia decidiu reagir, organizou também uma expedição militar para conquistar o território. Foram, no entanto, os seringueiros que trabalhavam no local que impediram o avanço dos bolivianos. Para completar, o governador Silvério Néri, do Amazonas, enviou outra expedição de defesa que declarou pela segunda vez o Acre como uma República independente, em 1900. Rodrigo Carvalho assumiu o cargo de presidente. Antes das batalhas, representantes dos governos do Brasil e da Bolívia se reuniram para assinar no dia 21 de março de 1903 um tratado de paz inicial. Ao final do mesmo ano, em 17 de novembro, o tratado definitivo foi assinado. O Tratado de Petrópolis estabeleceu o fim do confronto por terras entre brasileiros e bolivianos pelo território do Acre.
           A negociação de paz foi muito bem conduzida pelo ministro Barão do Rio Branco e resultou na concessão, por parte da Bolívia, da região acreana. Em troca, o Brasil cedeu com o acordo firmado, uma parcela do território do Mato Grosso e ainda pagou dois milhões de libras esterlinas. A Bolívia ainda requisitou a construção da ferrovia Madeira-Mamoré para permitir o escoamento da produção, especialmente marcada pelo extraordinário boom da borracha. No ano de 1904 o Tratado de Petrópolis foi regulamentado por lei federal e o Acre passou a fazer parte oficialmente do território brasileiro, mas somente em 1962 é que o Acre foi considerado Estado brasileiro. Somente em 1962, durante o governo do Presidente João Goulart, é que o Acre foi elevado à condição de Estado, em razão da região ter atingido o nível de arrecadação fiscal exigido pela constituição de 1946. As cores da bandeira do Acre são, o verde, que representa as matas, o amarelo, das riquezas minerais, e o vermelho, como homenagem aos mortos nos confrontos com os bolivianos pela disputa da área.
          Luís Galvez que, trabalhando então para o cônsul boliviano em Manaus, descobriu que os bolivianos estavam em tratativas de passar o controle do território do Acre para o Anglo-Bolivian Syndicate de Nova York, que tinha o milionário Withridge como seu acionista principal. Era um contrato do tipo conhecido como chartered companies, em voga na África naquela época, pelo qual uma empresa concessionária qualquer, européia ou americana, praticamente assumia as funções soberanas sobre certa área que ela desejava explorar economicamente. Detinha não só o monopólio sobre a produção e exportação como também auferia os direitos fiscais, mantendo ainda as tarefas de polícia local. Concretizado o contrato, o Bolivian Syndicate associado a U.S. Rubber Co., que compraria toda a produção da borracha atrairia para a região amazônica o poder dos Estados Unidos que, em última instância, assumiriam, ainda que indiretamente, a proteção dos interesses de uma empresa norte-americana no Acre que gozaria de privilégios. Portanto, qualquer desavença que ocorresse entre os seringueiros e os interesses do Bolivian Syndicate, oporia o Brasil aos Estados Unidos da América. Dois acontecimentos vieram então atrapalhar aqueles planos dos bolivianos: a rebelião acreana de Plácido de Castro e a ação diplomática do barão de Rio Branco, que considerou a concessão boliviana ao Syndicate como uma “monstruosidade legal”.
          Neste período, uma série de conflitos fez com que esta região fosse proclamada autônoma por três vezes como Estado Independente, embora apenas reconhecida pelo governo brasileiro. Como na primeira vez, os revoltosos ainda contaram com o apoio do governador do Amazonas, Silvério Neri, que enviou uma nova expedição para a ocupação, que foi denominada como a Expedição dos Poetas, onde proclamaram a Segunda República do Acre em novembro de 1900. Porém, desta vez, quem reagiu foi a própria tropa militar boliviana, que colocou fim à República um mês depois. Em 6 de agosto de 1902, no entanto, o militar brasileiro Plácido de Castro foi enviado para o Acre pelo governador do Estado do Amazonas e iniciou a Revolução Acreana. Os rebeldes tomaram toda a região e implantaram a Terceira República do Acre, agora com o apoio do presidente do Brasil, Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919) que governou São Paulo por três mandatos entre 1887 e 1888, como presidente da província, como quinto presidente do estado de 1900 a 1902 e como nono presidente do estado de 1912 a 1916. Elegeu-se duas vezes presidente da República, cumprindo integralmente o primeiro mandato (1902 a 1906), mas faleceu antes de assumir o segundo mandato que deveria se estender de 1918 a 1922, e do ministro do exterior, Barão do Rio Branco (1845-1912). A Bolívia tentou reagir novamente, mas antes que ocorresse alguma batalha, o Barão do Rio Branco intermediou diplomaticamente propondo um acordo entre o Brasil e a Bolívia, que ficou reconhecido como o Tratado de Petrópolis.
            A rápida revolução dos transportes nos países Europeus e nos Estados Unidos da América, paralela à expansão da eletricidade, tinha necessidade de borracha, que naquela época saía hegemônica da Amazônia, sendo que 60% eram extraídas do território acreano. Obviamente que o governo andino não via com bons olhos aquela competitividade dos brasileiros. Para os bolivianos, a situação praticamente repetia o que ocorrera, analogamente na década de 1870 com a penetração de trabalhadores chilenos na área do Atacama atrás do salitre. O que provocara a Guerra do Pacífico (1879-1883), que fez com que a Bolívia, derrotada, perdesse a sua saída para o oceano Pacífico, tendo que o isolamento de comunicação dos oceanos do mundo. José Paravicini, o embaixador boliviano no Rio de Janeiro, determinou que fosse fundado, em 3 de novembro de 1899, um posto alfandegário em Puerto Alonso, para se fazer presente na área. Ato de soberania nacional que, se bem que legítimo, irritou profundamente os seringueiros brasileiros que cercaram o posto e expulsaram os funcionários dali. Neste entremeio, chega ao Acre o aventureiro Luís Galvez, dito “o Imperador do Acre”, apoiado por Ramalho Júnior, o governador do Estado do Amazonas, que decidiu proclamar um Estado independente do Acre no dia 14 de julho de 1901. Cada vez ficava mais evidente de que a Questão do Acre repetia politicamente o ocorrido com Atacama. A capital La Paz precisava agir para manter o território em mãos nacionais. Enviando uma força para lá, engendraram outro caminho.
             Quando a extensão ou comunicação da guerra ao Pacífico e Indico, interrompeu o fornecimento da borracha asiática as autoridades norte-americanas entraram em pânico. O presidente Franklin Roosevelt nomeou uma comissão para estudar a situação dos estoques de matérias-primas essenciais para a guerra. As atenções do governo norte-americano se voltaram então para a Amazônia, grande reservatório natural de borracha, com seringueiras prontas para a produção de milhares de toneladas de borracha anuais, mais que as necessidades bélicas norte-americanas. Entretanto, só havia na região cerca de 35.000 seringueiros em atividade com uma produção fordista de 16.000-17.000 toneladas na safra de 1940-1941. Para alcançar esse objetivo ocorreram intensas negociações entre brasileiros e norte-americanos que culminaram com a assinatura dos Acordos de Washington. O governo norte-americano passaria a investir no financiamento da produção de borracha amazônica, em contrapartida o governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares de trabalhadores para os seringais, no que passou a ser tratado como “um heroico esforço de guerra”.  Somente no Estado do Ceará cerca de 30.000 flagelados da seca de 1941-42 estavam disponíveis para serem enviados imediatamente para os seringais. Mesmo que de forma pouco organizada o  Departamento Nacional de Imigração ainda conseguiu enviar para a Amazônia, durante o ano de 1942, quase 15.000 pessoas, sendo a metade de homens aptos ao trabalho. Um exército de retirantes convocado pelo Estado reviveu os tempos de escravidão em plena década de 1940. Enquanto a 2ª guerra mundial espalhava-se pela Europa e Ásia, perto de 55 mil brasileiros enfrentaram doenças fatais, passaram fome e estavam presos aos domínios dos coronéis donos dos seringais na região amazônica. Muitos desses “soldados da borracha” deram a vida, em busca de sonhos e de trabalho para alimentar a indústria bélica durante o conflito de terras e fornecer insumos para armas e pneus.
Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, A Racionalização Fordista no Brasil: Efeitos Econômicos e Políticos na Reprodução do Trabalho. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1988; BRAGA NETO, Ruy Gomes, A Nostalgia do Fordismo: Elementos para uma Crítica da Teoria Francesa da Regulação. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade de Campinas, 2002; VERA, Loreto Correa & VERA, Cristián Garay, “Bolivia en dos Frentes: Las Negociaciones de los Tratados de Acre y de límites con Chile”. In: Revista Universum, volume 1, 2007; SOUZA, Márcio, História da Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2009; LIMA, Frederico Alexandre Oliveira, Soldados da Borracha: Das Vivências do Passado às Lutas Contemporâneas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Instituto de Ciências Humnas e Letras. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2013; COSTA, Francisco Pereira, Para a Chuva não Beber o Leite. Soldados da Borracha: Imigração, Trabalho e Justiças na Amazônia, 1940-1945. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; CARVALHO, Terciane Sabadini, Uso do Solo e Desmatamento nas Regiões da Amazônia Legal Brasileira: Condicionantes Econômicos e Impactos de Políticas Públicas. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Belo Horizonte:  Universidade Federal de Minas Gerais, 2014; CARVALHO, Terciane Sabadini; MENDES, Lidiane Álvares, Na Esteira da Loucura: Colônia de Alienados Eduardo Ribeiro - Práticas e Representações na Ala Feminina. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História.  Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2016; SILVA, Maria Liziane Souza, A Batalha da Borracha: Os Migrantes Nordestinos - Memória e Imaginário. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Porto Velho: Fundação Universidade Federal de Rondônia, 2018; PARENTE, Izabel Cavalcante Ibiapina, O Amazonismo e as Representações sobre os Seringueiros e a Natureza Amazônica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Instituto de Ciências Sociais. Departamento de Antropologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2018; entre outros.

sábado, 25 de agosto de 2018

Classe Média - Egoísmo, Trabalho & Vontade de Poder-Saber.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga
 
           O dinheiro não traz felicidade - para quem não sabe o que fazer com ele”. Machado de Assis 

                
           A classe média brasileira, criada pela expansão do emprego público e pela criação de empregos privados em geral, tem sido representada pelos trabalhadores que prestam serviços diretamente aos grupos empresariais e por extensão das elites econômicas e elites políticas, como os profissionais com ensino superior empregado em funções medianas em empresas. Os profissionais com ensino superior, funcionários públicos em empregos bem situados, composto por médicos do sistema público, advogados e profissionais liberais concursados. Os funcionários de escritório mais requalificados, de empresas privadas ou estatais, composto por diretores e supervisores de colégios privados e escolas públicas, bancários de postos intermediários, delegados de polícia em início de carreira, enfermeiras experientes, etc. Enfim, inclusive pelos trabalhadores manuais de maior requalificação, os operários especializados e semiespecializados de indústrias públicas e privadas, composto por mecânicos, eletricistas, encanadores, metalúrgicos, fresadores, instrumentistas, inspetores de qualidade, torneiros mecânicos e de cargos recém-criados de inovação.
             Na esfera da vida social a luta política é uma das questões que sempre marcaram a dialética entre capital e trabalho. Mas a esfera social onde a ideologia manifesta mais explicitamente seu poder de enviesamento é, com certeza, o campo da atividade intelectual. O sujeito da ação política é alguém que quer conhecer o quadro em que age; que quer poder avaliar o que pode e o que não pode fazer. Mas, ao mesmo tempo, é um sujeito que depende, em altíssimo grau, de motivações particulares, sua e dos outros  para agir. A política é levada, assim, a lidar com duas referências contrapostas, legitimando-se através da universalidade dos princípios e viabilizando-se por meio das motivações particulares. Mas vale lembrar que os caminhos trilhados na política (ou na universidade) evitam a opção por uma dessas linhas extremadas: o doutrinarismo, o oportunismo crasso, o cinismo ostensivo ou a completa e absurda indiferença. São frequentes as combinações de elementos de tais direções, porém combinados em graus e dimensões diversas. E é nessa combinação hábil que se enraíza a ideologia política. Sua atividade interpretativa também pode ser criativa, de modo que ao interpretar um caso, determinado ator social aplicaria e criaria um direito novo, praticamente legislando.        
        As três dimensões da atividade acadêmica, ensino, pesquisa e extensão, vêm se tornando dependentes de um processo burocrático incontrolável, submetido a normas e dependências que conduz a distorções com a plena identidade da atividade de pesquisa de Tese de Titular em Sociologia que se desenvolve por ação complementar dos docentes, em ambientes de ensino e de caracterização muito individualizada. Os ambientes de pesquisa que identificam um nível elevado e próprio dessa atividade acadêmica são raros. O departamento é, insofismável e claramente, um órgão estanque, burocrático e corporativo por excelência, organizando-se em núcleos ou laboratórios por meio de projetos específicos, diretamente, com as agências de financiamento públicas. Nos órgãos públicos o padrão de funcionalidade burocrática tem identidade própria. O sujeito da ação funcional, individual ou coletivamente, é um agente do poder público, tanto na atividade meio como na atividade fim. O poder público é uma instituição em nome da qual exerce uma administração regida por leis, normas, regulamentos e códigos de conduta que em tese devem ser cumpridos, mas na realidade social em que vivemos, a prática, na teoria é outra.   
                                                                          
Não raras vezes, no âmbito comportamental, a noção de poder público assume uma indefinição conceitual, carregada de subjetividades culturais à medida de atribuições e responsabilidades. A forma de comportamento na dinâmica burocrática, administrativa e acadêmica, das universidades se reporta em grande parte, às competências distribuídas e amparadas no sistema normativo instituído. Os conflitos ditos de competência e desempenho resultam do confronto da autoridade com uma forma de comportamento não desejada, porém amparada em normas, regras e leis. Uma das consequências é que a responsabilidade pelos resultados de cada um é sempre neutralizada ou desculpada a partir do contexto em que cada um de nós atuou. Consequentemente muito pouca responsabilidade individual é atribuída a cada um de nós, do ponto de vista institucional no caso das universidades. A sociedade brasileira rejeita a avaliação e a universidade padece com ela, geralmente vista como algo negativo, como representação simbólica de uma ruptura de um universo aparentemente amigável, homogêneo e saudável, no qual a competição, vista como um mecanismo social profundamente negativo encontra-se ausente. Tendo em vista que, na universidade não há “premiação” para o bom professor em nenhum aspecto, mas aqueles que fazem pesquisa e orientam alunos, fazem porque querem fazer, porque podem fazê-lo, não porque a universidade lhes gratifica.  
Isto quer dizer que através dos exercícios de abstinência e de domínio que constituem a askesis necessária, o lugar atribuído ao conhecimento de si torna-se mais importante: a tarefa de se pôr à prova, de se examinar, de controlar-se numa série de exercícios bem definidos, coloca a questão da verdade – da verdade do que se é, do que se faz e do que é capaz de fazer – no cerne da constituição do sujeito moral. E, finalmente, o ponto de chegada dessa elaboração é ainda e sempre definido pela soberania do indivíduo sobre si mesmo. Mas essa soberania amplia-se numa experiência onde a relação assume a forma, não somente de uma dominação, mas de um gozo sem desejo e sem perturbação. É possível dizer que não há idade para se ocupar consigo. Mas uma espécie de idade de ouro na chamada “cultura de si”, sendo subentendido com isso, evidentemente, que esse fenômeno só concerne aos grupos sociais. Ou seja, aqueles que querem salvar-se devem viver cuidando-se sem cessar. Ademais, é conhecida a amplitude ética tomada em Sêneca pelo tema da aplicação a si próprio: é para consagrar-se a esta que é preciso renunciar às outras ocupações: poder-se-ia desse modo tornar-se disponível para si próprio. Sêneca dispõe de um vocabulário para designar as diferentes formas que o “cuidado de si” deve tomar e a pressa com a qual se procura unir-se a si mesmo. Apressa-te, pois para o objetivo: - “dize adeus às esperanças vãs, acorre em tua própria ajuda se te lembras de ti mesmo, enquanto ainda é possível”.     
Pode-se também interromper de tempos em tempos as próprias atividades ordinárias e fazer um desses retiros que Caio Musônio Rufo, célebre filósofo estoico do primeiro século e professor de Epiteto, dentre outros, recomendava vivamente: eles permitem ficar face a face consigo mesmo, recolher o próprio passado, colocar diante de si o conjunto da vida transcorrida, familiarizar-se, através da leitura, com os preceitos e os exemplos nos quais se quer inspirar e encontrar, graças a uma vida examinada, os princípios essenciais de uma conduta racional. É possível ainda, no meio ou no fim da própria carreira, livrar-se de suas diversas atividades e, aproveitando esse declínio da idade onde os desejos ficam aparentemente apaziguados, consagrar-se inteiramente, como Sêneca, no trabalho filosófico ou, como referia Spurrima, na calma de uma existência agradável, “à posse de si próprio”. Esse tempo não é vazio: ele é povoado por exercícios, por tarefas práticas, atividades diversas em seu dia a dia. Ocupar-se de si não é uma sinecura. Existem os cuidados com o corpo, sem os excessos da chamada “corpolatria”, os regimes de saúde, os exercícios físicos sem excesso, a satisfação, tão medida quanto possível, as necessidades. Existem as meditações, as leituras, as anotações sobre livros ou conversações ouvidas, e que mais tarde serão certamente relidas, a rememoração das verdades que se sabe, mas que convém apropriar-se melhor.
       Marco Aurélio nos dá um exemplo de anacorese em si próprio, de reativação de princípios e de argumentos racionais que persuadem a não deixar-se irritar com os outros nem com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Esse tempo não é vazio, ele é povoado por exercícios, por tarefas práticas, atividades diversas. Ocupar-se de si não é uma sinecura. Existem os cuidados com o corpo, os regimes de saúde, os exercícios físicos sem excesso, a satisfação, tão medida quanto possível, as necessidades. Existem as meditações, as leituras, as anotações que se toma sobre livros, ensaios ou conversações ouvidas, e que mais tarde serão relidas, a rememoração das verdades que já se sabe, mas de que convém apropriar-se ainda melhor. Marco Aurélio fornece, assim, um exemplo de “anacorese em si próprio”: trata-se de um longo trabalho de reativação dos princípios gerais e de argumentos racionais que persuadem a não deixar-se irritar com os outros, nem com os acidentes, nem tampouco com as coisas. Tem-se aí um dos pontos mais importantes dessa atividade consagrada a si mesmo. Ela não constitui um exercício comumente visto da solidão.  Em verdade, o exercício da leitura, da reflexão e da escrita se tratava de uma verdadeira prática. E isso, em vários e múltiplos sentidos.
Toda essa aplicação a si não possuía como único suporte social a existência das escolas, do ensino técnico e dos profissionais da direção da alma. Ela encontrava, facilmente, seu apoio em todo o feixe de relações habituais de parentesco, de amizade ou de obrigação. Quando, no exercício do “cuidado de si”, faz-se apelo ao outro, o qual se advinha que possui aptidão para dirigir e para aconselhar, faz-se uso de um direito através do hábito, da cultura, da formação. E é um dever que se realiza quando se proporciona ajuda ao outro ou quando se recebe com gratidão as lições que ele pode lhe dar. Acontece também do jogo entre os cuidados de si e a ajuda do outro inserir-se em relações preexistentes às quais ele dá uma nova “coloração” e um calor maior. O cuidado de si – ou os cuidados que se tem com o cuidado que os outros devem ter consigo mesmos – aparece então como uma intensificação das relações sociais. Sêneca dedica um consolo à sua mãe, no momento em que ele próprio está no exílio, para ajudá-la a suportar essa infelicidade atual e, talvez, mais tarde, infortúnios maiores. O “cuidado de si” aparece, portanto, intrinsecamente ligado a uma espécie de serviço da alma que comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações recíprocas, de interpretação e de camaradagem, de conflito e sociabilidade.
A mobilidade é mais frequentemente medida de forma quantitativa em termos de mudança de mobilidade econômica, tais como mudanças na renda ou riqueza. A ocupação é outra medida utilizada na pesquisa de mobilidade, o que geralmente envolve tanto a análise quantitativa quanto qualitativa dos dados. No entanto, outros estudos podem concentrar-se na classe social. A mobilidade pode ser intrageracional, dentro da mesma geração ou entre gerações, entre uma ou mais gerações. Vale lembrar que a classe média brasileira está plenamente integrada nos modernos padrões de consumo de massas. Todavia, estatisticamente a distribuição das classes sociais no Brasil é distorcida pela desigualdade social e econômica, na medida em que os 10 % mais ricos da população nacional, quase toda parcela da classe alta chegavam, em 1980, a controlar 50,9% de toda a renda disponível no país. Se somarmos a esse contingente a parte mais rica da classe média brasileira, ou seja, outros 10 % da população nacional, notaremos que essa parcela de apenas 20% controlaria quase 67% de toda a renda nacional.
            A mobilidade social é dependente da estrutura de status sociais e ocupações em uma dada sociedade. A extensão de diferentes posições sociais e a maneira pela qual elas são interdependentes e se relacionam fornecem a estrutura social global de tais posições. Estas dimensões diferentes de mobilidade social podem ser classificadas em termos de tipos de “capital” que contribuem para mudanças na mobilidade diferentes. Adicionando-se a isso as diferentes dimensões da estrutura econômica, as formas de prestígio e poder temos o potencial de complexidade de determinado sistema de estratificação social. Além disso, em que sociedade pode ser vista como variáveis independentes que podem explicar diferenças na mobilidade social, em diferentes tempos sociais e lugares, em diferentes sistemas de estratificação. A tese central do nacionalismo desenvolvimentista  tem como representação social o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, assim, de uma consciência nacional mobilizada em torno de uma vontade no plano global de desenvolvimento. Na esfera cultural, a retórica do início dos anos 1960, tanto de “direita” como de “esquerda”, para lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso corrente das categorias sociais “povo” e “nação”, ou nacional- popular. Os movimentos sociais no caso emblemático do Centro Popular de Cultura (CPC), além do discurso anti-imperialista adotaram uma postura vanguardista, de que a autêntica cultura popular é aquela produzida por artistas e intelectuais que optaram por ser povo - enquanto a cultura do povo era considerada arcaica e atrasada.
               Neste sentido é que compreendemos as variáveis que contribuem como intervenientes para a avaliação do rendimento, ou riqueza, e quando afetam o status, classe social e a desigualdade  no âmbito da mobilidade social. Estes incluem sexo ou gênero, raça ou etnia e idade. Na modernidade o “capital cultural” representa o processo de distinção entre os aspectos econômicos da classe e bens culturais poderosos, descritos por P. Bourdieu  três tipos que situam uma pessoa em uma determinada categoria social: o capital econômico; o capital social e o capital cultural. O capital econômico inclui recursos econômicos, tais como dinheiro, crédito e outros bens materiais. O capital social inclui recursos que se alcançam com base nos membros do grupo, redes de influência, relações e apoio de outras pessoas. O capital cultural é uma vantagem que uma pessoa tem que lhes dá um status mais elevado na sociedade, como a educação, as habilidades, ou qualquer outra forma de reconhecimento. Normalmente, as pessoas com todos os três tipos de capital têm um status elevado na sociedade, tendo em vista que a cultura da classe social superior é mais orientada para o raciocínio formal e o pensamento abstrato. Ele também descobriu que o ambiente em que a pessoa se desenvolve tem um grande efeito político sobre os recursos culturais que uma pessoa vai ter a seu dispor.  
A desigualdade social reproduzida através da classe social está relacionada ao poder aquisitivo, ao acesso à renda, à posição social, ao nível de escolaridade e ao padrão de vida existente entre as frações da classe dominante que controlam direta ou indiretamente o Estado, através de efeitos de poder político, na educação e trabalho, reproduzindo inexoravelmente uma estrutura social implantada e difundida pelos métodos de trabalho e de produção no âmbito das esferas sociais e de poder dominante. A divisão da sociedade em classes é consequência dos diferentes papéis que os grupos sociais têm no processo de produção, ocupado por cada classe que depende o nível de fortuna e de rendimento, o gênero de vida e numerosas características culturais das diferentes classes. Classe social define-se como conjunto de agentes sociais nas mesmas condições no processo de produção e que têm afinidades eletivas políticas e ideológicas.
E esse problema não estava relacionado exclusivamente ao trabalho manual e às classes trabalhadoras. Basta pensarmos na referência ao capitão Hawdon, ou Nemo, de A casa abandonada, de Charles Dickens. O personagem era um ex-oficial do Exército que ganhava a vida fazendo trabalhos temporários como jurista. Mas no caso de Marx, lembra Jones (2017: 357), não se tratava de pobreza no sentido comum da palavra. Em 1862, sugestão de Lassale de que a de Marx trabalhasse para ganhar dinheiro com a condessa Von Hatzfeldt, sua companheira, foi recebida como um indizível desrespeito ao status social deles e provocou um dos mais repulsivos insultos de Marx. – “Imagine só! Esse sujeito, sabendo do caso americano etc. [a perda dos rendimentos do Tribune], e portanto da situação de crise em que me encontro, teve a insolência de perguntar se eu cederia uma das minhas fihas à la Hatzfeldt como “dama de companhia”. Uma justificativa para o comportamento  era que isso seria determinado pela necessidade de garantir o futuro das filhas. Em julho de 1865, admitiu: - “É verdade que minha casa está acima de meus meios, e que temos, além disso, vivido melhor este ano do que foi o caso antes. Mas é o único jeito de as meninas se estabelecerem socialmente, com vistas a assegurar o seu futuro”.   
            As novas abordagens sociológicas em termos de classe “c” em seguida de “nova classe média” constitui a pauta do debate, pós-governos Lula-Dilma pelo volume dos trabalhos analíticos e estatísticos realizados e pelo impacto de sua linha interpretativa. Não se trata apenas de uma linha de estudo e de transformação brasileira, mas de algo que diz respeito as dinâmicas globais. No Brasil, desde 2001, a desigualdade em termos de renda diminuiu regularmente. A renda per capita dos 10% mais ricos da população aumentou em média de 1,49% ao passo que a dos mais pobres tem aumentado 6,79%. Isso num movimento oposto ao que caracterizou o Brasil, Rússia, Índia e China  (BRIC), que juntos formam um grupo político de cooperação intercontinental. Em 14 de abril de 2011, o “S” foi oficialmente adicionado à sigla para formar o BRICS, após a admissão da África do Sul. Em consequência, a pobreza diminuiu constantemente desde 2003. - “Estimamos que, entre 1993 e 2011, 59,8 milhões de brasileiros (o equivalente a uma République française) chegaram à condição social de nova classe média”. Mas a mobilidade chegou mesmo a ritmos consistentes no período conjuntural de 2003 a 2011, quando 40 milhões de brasileiros entraram para a classe média que passou assim de 65,9 a 105,5 milhões de pessoas, ou seja, um aumento de 60%. Segundo as previsões estatísticas, até 2014, mais 12 milhões migrariam para a classe “C” e 7,7 milhões irão para a as classes “B” e “A”. Com exceção do Nordeste, as classes A, B e C serãode 75% da população. - “A nova classe média brasileira é filha da combinação do crescimento com a equidade, que difere de nossa história pregressa e daquilo que ocorre nas últimas décadas em países emergentes e desenvolvidos onde a concentração de renda sobe”.

           Mudanças na composição orgânica da sociedade brasileira desestabilizaram crenças e ideologias arraigadas sobre “desigualdade social, a pobreza e a mobilidade”. De acordo com Kopper e Damo (2018), a linguagem da “nova classe média” articulou, simultaneamente, diferentes acepções da mobilidade econômica, refletindo-se ainda como um índice de desigualdade social e de distribuição de renda. Neste debate, Nova Classe Média difere em espírito da expressão “nouveau riche”, que acima de tudo discrimina a origem das pessoas. Nova classe média não é definida pelo ter, mas pela dialética entre ser e estar olhando para a posse de ativos e para decisões de escolha entre o hoje e o amanhã. Eles informariam as necessidades e valores desse novo segmento de pessoas, e sua focalização em subpopulações como um todo e da “nova classe média” em particular: os negros, as mulheres e os jovens. A possibilidade de proclamar o Brasil um país de “classe média” chamou a atenção do governo federal. Foi formulado um novo de estratificação que buscava mapear e sistematizar conceitos de classe média com vistas à sua aplicação à realidade brasileira. A iniciativa desembocou no projeto social intitulado: Vozes da Classe Média, que perdurou até 2015, procurando decifrar as expectativas e desejos dessa população urbana para aperfeiçoar a formulação de políticas econômicas do Estado.
            A tese da “nova classe média” conduziu Marcelo Neri (2010) a uma rápida ascensão e queda política. Na transição do governo Lula para o governo Dilma Rousseff, a partir de 2011, o economista passou a participar de avaliações de programas sociais e de reuniões do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES). Em 2012, assumiu a presidência do IPEA e, em março de 2013, com a saída de Moreira Franco para a Secretaria de Aviação Civil (SAC), tornou- se ministro interino da SAE, sendo oficializado no ano seguinte no mesmo cargo, onde deu continuidade à agenda de pesquisas sobre classe média e introduziu novas metodologias, como o índice de satisfação com a vida, mensurado pelo Gallup World Poll. Nesse mesmo período, Neri foi escolhido como um dos cem brasileiros mais influentes, segundo pesquisa anual realizada pela revista Época. Tomando como ponto de partida o trabalho seminal de Marcelo Neri (2010), as páginas dos jornais, dentro e fora do país passaram a escrever a crônica da “nova classe média”. Em novembro de 2009, a revista The Economist publicou uma reportagem de capa intitulada “Brazil takes off ”, à luz da imagem do Cristo Redentor decolando. Imagens que antes clamavam pelo combate à pobreza eram agora substituídas por comportadas famílias de classe média sorridentes posando em ambientes domésticos com objetos de consumo. Outras procuravam acentuar os contrastes e ambivalências que ainda existiam, à frente muitas vezes de suas precárias habitações em “zonas periféricas” de cidades. Embora não fosse unanimidade, a tese da “nova classe média” expandiu-se no circuito midiático, político e científico.
Bibliografia geral consultada.
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