terça-feira, 28 de agosto de 2018

Fordilândia - Ideologia, Trabalho & Soldados da Borracha.


                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

               Há mais pessoas que desistem, do que pessoas que fracassam!”. Henry Ford


        Foram os índios centro-americanos os primeiros a descobrir e fazer uso das propriedades singulares da borracha natural. Entretanto, foi na floresta amazônica que de fato se desenvolveu a atividade da extração da borracha, a partir da seringueira (“Hevea brasiliensis”), uma árvore que pertence à família das Euphorbiaceae, também reconhecida como “árvore da fortuna”. Do caule da seringueira é extraído um líquido branco, denso, chamado látex, uma substância praticamente neutra. Mas, quando exposta ao ar por um período de 12 a 24 horas, sofre coagulação espontânea, formando o polímero que é a típica representação da borracha. Através de um tratamento industrial, eliminam-se do coágulo as impurezas e submete-se a borracha resultante a um processo denominado vulcanização, resultando a eliminação das propriedades indesejáveis. Torna-se assim imperecível, resistente a solventes e a variações de temperatura, adquirindo excelentes propriedades mecânicas e perdendo o carácter pegajoso. A semente da seringueira é rica em óleo e, por ser rica em nutrientes é usada na fabricação de suplementos alimentares. Os grupamentos indígenas ainda utilizam as sementes da seringueira como alimento.
           O desenvolvimento tecnológico e a Revolução Industrial, na Europa, foi o estopim que fizeram da borracha natural, até então um produto exclusivo da Amazônia, um produto muito procurado e valorizado, gerando lucros e dividendos a quem quer que se aventurasse neste comércio. Desde o início da segunda metade do século XIX, a borracha passou a exercer forte atração sobre empreendedores visionários. A atividade extrativista do látex na Amazônia revelou-se de imediato lucrativa. A borracha natural logo conquistou um lugar de destaque nas indústrias da Europa e da América do Norte, alcançando elevado preço no mercado. Daí a diversidade de pessoas vindas ao Brasil na intenção de conhecer a seringueira e os métodos de trabalho e processos de extração, a fim de também lucrar de alguma forma com esta riqueza. A partir da extração da borracha surgiram várias vilas e povoados, que depois foram transformados em radiantes cidades. As cidades de Belém e Manaus, passaram então por importante processo desenvolvimento e transformação social e arquitetônica de urbanização.       
        O ciclo da borracha representou um momento da história econômica e social do Brasil, relacionado à exploração do trabalho na Amazônia, com a extração de látex da seringueira e comercialização da borracha. Teve o seu centro na região amazônica, e proporcionou expansão da colonização, atração de riqueza, transformações culturais, sociais, arquitetônicas, e impulso ao crescimento de Manaus, Porto Velho e Belém, até hoje capitais e maiores centros de desenvolvimento de seus respectivos Estados, Amazonas, Rondônia e Pará. Manaus do ponto de vista econômico foi a segunda cidade do Brasil, depois de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, a introduzir a eletricidade na iluminação pública, criando viabilidade para a comunicação, o bonde elétrico. No mesmo período, foi criado o território federal do Acre, atual Estado do Acre, cuja área foi adquirida da Bolívia, por meio da compra no valor de 2 milhões de libras esterlinas, em 1903. O ciclo da borracha ocorreu entre 1879-1912, com sobrevida entre 1942 e 1945, durante a formação do mercado bélico globalizado da 2ª guerra mundial. 
                                       
            A ideia de construir uma ferrovia nas margens dos rios Madeira e Mamoré surgiu na Bolívia, em 1846. Inicialmente optava pela via da navegação fluvial, subindo o rio Mamoré em território boliviano e depois pelo rio Madeira, no Brasil. Mas o percurso fluvial tinha grandes obstáculos naturais, como vinte belas cachoeiras que impediam a navegação. assim se cogitou a construção de estrada de ferro que cobrisse por terra o trecho topográfico. Em 1867, no Brasil, também visando encontrar algum meio de comunicação que favorecesse o transporte da borracha, os engenheiros José e Francisco Keller organizaram expedição, explorando a região das cachoeiras do rio Madeira para delimitar o melhor traçado, visando também à instalação de uma ferrovia. Em 1869, o engenheiro estadunidense George Earl Church obteve do governo da Bolívia a concessão para criar e explorar uma empresa de navegação que ligasse os rios Mamoré e Madeira. Mas, vendo as dificuldades reais desta empreitada, os planos foram definitivamente mudados para a construção de uma ferrovia. As negociações avançaram e, ainda em 1870, o mesmo George Church recebe do governo brasileiro a permissão para construir uma ferrovia ao longo do percurso das cachoeiras do Rio Madeira.            
           Em 1927, quando Henry Ford anuncia que sua empresa tinha adquirido, na Amazônia brasileira, uma concessão do tamanho de Connecticut para cultivar borracha e construir uma cidade em plena selva, a imprensa norte-americana celebrou o evento como o encontro de duas forças paralelas irresistíveis: a invenção do trabalho em cadeia e o triunfo de novas normas de produção, e o processo civilizatório da maior bacia fluvial do planeta, irrigando nove países com um terço do continente sul-americano, uma zona selvagem e plena de vida que as águas que margeiam o território comprado por Ford continham mais espécies de peixes que todos os rios da Europa reunidos. Para a revista Time (1927), não havia dúvida que o sistema de produção de Ford aperfeiçoaria a produção de borracha a cada ano “até a completa industrialização de toda a floresta”. Segundo o Washington Post, Ford levaria à floresta “a magia do homem branco”, isto é a ideologia do trabalho (cf. Braga, 1988; Braga Neto, 2002), e não somente “a borracha, mas os seringueiros em si mesmos” (1931).
            De 1927 a 1945, quando cedeu sua parcela ao governo brasileiro, o industrialista Henry Ford gastou dezenas de milhões de dólares para construir duas cidades norte-americanas em plena selva amazônica; a primeira foi abandonada depois da destruição de uma plantação por um parasita vegetal. Seus habitantes gozavam de todas as vantagens da civilização: praças, calçadas, saneamento, hospitais, gramados, cinemas, piscinas, terrenos de golfe e, claro, carros da Ford para passear nas ruas pavimentadas. Em dezembro de 1930, dois meses depois da radicalização política que tinha levado Getúlio Vargas ao poder, uma revolta explode em Fordlândia, sob o slogan “O Brasil para os brasileiros. Morte aos norte-americanos”, os trabalhadores saquearam parte das instalações e fizeram valer suas reivindicações. Os executivos estadunidenses não ignoram que, para seu empregador, a organização dos trabalhadores constituía “o maior flagelo que o planeta sofreu”. Eles obtiveram o apoio das forças armadas brasileiras, e como resultado da ação os manifestantes foram demitidos, os pequenos comércios vizinhos foram fechados. Depois, a vez da natureza se revoltar. A Fordlândia parecia amaldiçoada, não somente em razão do desastre dos primeiros anos, mas também, uma vez que a ordem foi mais ou menos assegurada, em razão da recusa obstinada imposta pela natureza da vegetação à economia com a transplantação da brigada corporativa e militarizada fordista.
      Henry Ford (1863-1947) foi empresário e engenheiro mecânico norte-americano, fundador da Ford Motor Company, autor dos livros Minha Filosofia de Indústria e Minha Vida e Minha Obra, e o primeiro empresário a aplicar a montagem em série de forma a produzir em massa automóveis em menos tempo e a um menor custo. A introdução do modelo Ford T revolucionou os transportes e a indústria dos Estados Unidos da América. Ford foi um inventor prolífico e registrou 161 patentes nos Estados Unidos. Como único dono da Ford Company, ele se tornou um dos homens mais ricos e reconhecidos do mundo ocidental. No dia 16 de junho de 1903, dia da fundação da Ford Motor Company, foi investido um capital de US$ 150 000, de 12 sócios, sendo que US$ 28 000 foram investidos pelo próprio Ford, com então 40 anos de idade. A ele é atribuído o “fordismo”, isto é, a produção em grande quantidade de automóveis a baixo custo por meio da utilização do artifício reconhecido como “linha de montagem”, o qual tinha condições de fabricar um carro a cada 98 minutos, além dos “altos salários” oferecidos a seus operários — notavelmente o valor de 5 dólares por dia, adotado em 1914.

O intenso empenho de Henry Ford para baixar os custos resultou em muitas inovações técnicas e de negócios, incluindo um sistema de franquias que instalou uma concessionária em cada cidade da América do Norte, e nas maiores cidades em seis continentes. Ford deixou a maior parte de sua grande riqueza para a Fundação Ford, mas providenciou para que sua família pudesse controlar a companhia permanentemente. Ford foi resguardado como um pacifista durante boa parte da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e na década seguinte ficou conhecido como notório antissemita, publicando uma série de quatro livros chamados The International Jew. Ford criou um sólido sistema de publicidade em Detroit para garantir que cada jornal transmitisse notícias e anúncios sobre o novo produto. A rede de concessionários locais de Ford tornou o carro onipresente em praticamente todas as cidades da América do Norte. Como revendedores independentes, as franquias enriqueceram e fizeram a propaganda não apenas de Ford, mas também do próprio conceito de automobilismo; clubes locais de automóveis surgiram para ajudar novos motoristas e para explorar o campo.

Ford foi sempre ávido para vender aos fazendeiros, que viram no veículo um dispositivo comercial para ajudar em seus negócios. As vendas subiram rapidamente - vários anos tiveram 100% de lucros em relação ao ano anterior. Sempre na busca de maior eficiência e menores custos, em 1913 Ford introduziu a montagem em esteiras em movimento nas suas instalações, o que permitiu um enorme aumento da produção. As vendas ultrapassaram 250 000 unidades em 1914. Por volta de 1916, tendo o preço baixado para US$ 360,00 para os carros de passeio básicos, as vendas atingiram 472 000 unidades. Em 1918, metade dos carros na América do Norte eram Modelos T. A alta produção conseguida pelo sistema de montagem da Ford tem como característica marcante a escolha de uma única cor de veículo, que era preta. Desta forma, ele conseguia montar os veículos sem ter que diferenciar o processo de pintura. Existe uma frase famosa que Ford escreveu em sua autobiografia sobre a escolha da cor do veículo: “O cliente pode ter o carro da cor que quiser, contanto que seja preto”.

Antes do desenvolvimento da linha de montagem, que exigia a cor preta por sua secagem mais rápida, o Modelo T era disponível em outras cores, incluindo o vermelho. Esse esquema era veementemente defendido por Henry Ford, e a produção continuou até 1927; a produção final total foi de 15 007 034 unidades. Esse foi um recorde que permaneceu por 45 anos. Em 1918, o presidente Woodrow Wilson (1856-1924) pediu pessoalmente a Ford para que se candidatasse ao Senado dos Estados Unidos, de Michigan, como um democrata. Embora a nação estivesse na guerra, Ford concorreu como um candidato pacífico e um forte apoiador da proposta Liga das Nações. Em dezembro de 1918, Henry Ford transferiu a presidência da Ford Motor Company para seu filho Edsel Ford. Henry, entretanto, retinha a autoridade de decisão final e algumas vezes revogou as decisões de seu filho. Henry e Edsel compraram todas as ações restantes de outros investidores, dando deste modo à família exclusivo domínio sobre a companhia. Em meados da década de 1920, as vendas do Modelo T começaram a declinar devido à concorrência crescente. Outros fabricantes de automóveis ofereciam planos de pagamentos pelos quais os clientes podiam comprar seus carros, que comumente incluíam características mecânicas mais modernas e estilos não disponíveis no Modelo T. Apesar dos estímulos de Edsel, Henry recusava-se firmemente a incorporar novas características ou a criar um plano de crédito para os compradores.

         A história social do Exército da Borracha começou oficialmente em 1942. O ataque japonês à base militar de Pearl Harbor, no final de 1941, fez com que os Estados Unidos (EUA) entrassem definitivamente na 2ª guerra mundial . Mas um insumo importante para a indústria bélica e comercial dos norte-americanos, o látex, estava sob poder nipônico e a produção inglesa na Malásia estava comprometida. Foi neste ponto que o Brasil ganhou importância, já que o país possuía um estoque de 300 mil árvores seringueiras prontas para produzir. Em março, o presidente Getúlio Vargas finalmente escolheu sua posição no campo de batalha e firmou um acordo com o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, para fornecimento de borracha aos Países Aliados. Só faltava a mão de obra. Para reunir e redirecionar estes trabalhadores aos seus postos no “front” amazônico, o governo criou o Serviço de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia e a Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia. O cartunista suíço Jean-Pierre Chabloz foi contratado para desenvolver imagens através de cartazes e folhetos que seriam usados com o objetivo de persuasão ideológica econômica no recrutamento dos trabalhadores. 
            O extrativismo descontrolado da borracha alimentada pelo “aquecimento”, na falta de melhor expressão, da indústria automobilística dos Estados Unidos da América estava em vias de provocar um conflito internacional, onde os trabalhadores brasileiros cada vez mais adentravam nas florestas do território da Bolívia em busca de novas seringueiras, gerando conflitos e lutas por questões da fronteira no final do século XIX. Sendo chamados de Questão do Acre, exigiram a presença do exército liderado pelo militar José Plácido de Castro. Então houve a intervenção do diplomata Barão do Rio Branco e do embaixador Assis Brasil, em parte financiados pelos barões da borracha, que culminou na assinatura do Tratado de Petrópolis em novembro de 1903. Com o fim da contenda com a Bolívia, efetivado com a compra do território, garantiu-se o efetivo controle e a posse das terras e florestas do Acre do Brasil, em troca das terras de Mato Grosso e do compromisso de construir uma ferrovia que superasse o trecho encachoeirado do rio Madeira possibilitando o acesso das mercadorias e da borracha bolivianas, aos portos brasileiros do Atlântico, inicialmente Belém do Pará, na foz do rio Amazonas.  As cidades deste novo Estado se transformaram de forma simbiótica nos personagens centrais da Questão Acre: a capital, Rio Branco, e dos municípios Assis Brasil e Plácido de Castro.
         O que viria a ser constituído como Estado do Acre era parte integrante do território boliviano desde 1750. A partir do início ciclo da borracha, em 1879, deu-se nessa região a mobilização e a busca intensa por látex e isto fez com que os seringueiros do Brasil subissem o rio Purus, iniciando, então, o processo de povoamento do Acre. No ano de 1898 o Brasil reconheceu que o atual estado do Acre pertencia à Bolívia, porém os bolivianos eram considerados incapazes de povoá-lo dado o seu difícil acesso. Foi naquele mesmo ano que a Bolívia enviou uma missão de ocupação ao Acre, causando, um ano depois, uma revolta armada dos colonos brasileiros que ali estavam em um grande número. Essa rebelião contou com o apoio do Estado do Amazonas. Após esse episódio, a Bolívia organizou uma missão militar de ocupação da região, mas foram impedidos pelos brasileiros que ainda se encontravam no local. A Revolução Acreana teve como representação uma revolta popular contra a Bolívia, quando o território é proclamado República do Acre, com Luís Gálvez Rodríguez de Arias, finalizando em 1903, com a assinatura do Tratado de Petrópolis, com anexação da região ao Brasil.
              Os bolivianos que ocupavam a região foram expulsos e o governador do Amazonas, Ramalho Júnior, organizou uma invasão do território liderada pelo espanhol Luiz Gálvez Rodríguez de Arias. A expedição de Gálvez declarou o Acre como uma República independente em 1899. Mas o Brasil reconhecia o Acre como território boliviano, enviou então uma tropa para dissolver a Revolução Acreana. A Bolívia decidiu reagir, organizou também uma expedição militar para conquistar o território. Foram, no entanto, os seringueiros que trabalhavam no local que impediram o avanço dos bolivianos. Para completar, o governador Silvério Néri, do Amazonas, enviou outra expedição de defesa que declarou pela segunda vez o Acre como uma República independente, em 1900. Rodrigo Carvalho assumiu o cargo de presidente. Antes das batalhas, representantes dos governos do Brasil e da Bolívia se reuniram para assinar no dia 21 de março de 1903 um tratado de paz inicial. Ao final do mesmo ano, em 17 de novembro, o tratado definitivo foi assinado. O Tratado de Petrópolis estabeleceu o fim do confronto por terras entre brasileiros e bolivianos pelo território do Acre.
           A negociação de paz foi muito bem conduzida pelo ministro Barão do Rio Branco e resultou na concessão, por parte da Bolívia, da região acreana. Em troca, o Brasil cedeu com o acordo firmado, uma parcela do território do Mato Grosso e ainda pagou dois milhões de libras esterlinas. A Bolívia ainda requisitou a construção da ferrovia Madeira-Mamoré para permitir o escoamento da produção, especialmente marcada pelo extraordinário boom da borracha. No ano de 1904 o Tratado de Petrópolis foi regulamentado por lei federal e o Acre passou a fazer parte oficialmente do território brasileiro, mas somente em 1962 é que o Acre foi considerado Estado brasileiro. Somente em 1962, durante o governo do Presidente João Goulart, é que o Acre foi elevado à condição de Estado, em razão da região ter atingido o nível de arrecadação fiscal exigido pela constituição de 1946. As cores da bandeira do Acre são, o verde, que representa as matas, o amarelo, das riquezas minerais, e o vermelho, como homenagem aos mortos nos confrontos com os bolivianos pela disputa da área.
          Luís Galvez que, trabalhando então para o cônsul boliviano em Manaus, descobriu que os bolivianos estavam em tratativas de passar o controle do território do Acre para o Anglo-Bolivian Syndicate de Nova York, que tinha o milionário Withridge como seu acionista principal. Era um contrato do tipo conhecido como chartered companies, em voga na África naquela época, pelo qual uma empresa concessionária qualquer, européia ou americana, praticamente assumia as funções soberanas sobre certa área que ela desejava explorar economicamente. Detinha não só o monopólio sobre a produção e exportação como também auferia os direitos fiscais, mantendo ainda as tarefas de polícia local. Concretizado o contrato, o Bolivian Syndicate associado a U.S. Rubber Co., que compraria toda a produção da borracha atrairia para a região amazônica o poder dos Estados Unidos que, em última instância, assumiriam, ainda que indiretamente, a proteção dos interesses de uma empresa norte-americana no Acre que gozaria de privilégios. Portanto, qualquer desavença que ocorresse entre os seringueiros e os interesses do Bolivian Syndicate, oporia o Brasil aos Estados Unidos da América. Dois acontecimentos vieram então atrapalhar aqueles planos dos bolivianos: a rebelião acreana de Plácido de Castro e a ação diplomática do barão de Rio Branco, que considerou a concessão boliviana ao Syndicate como uma “monstruosidade legal”.
          Neste período, uma série de conflitos fez com que esta região fosse proclamada autônoma por três vezes como Estado Independente, embora apenas reconhecida pelo governo brasileiro. Como na primeira vez, os revoltosos ainda contaram com o apoio do governador do Amazonas, Silvério Neri, que enviou uma nova expedição para a ocupação, que foi denominada como a Expedição dos Poetas, onde proclamaram a Segunda República do Acre em novembro de 1900. Porém, desta vez, quem reagiu foi a própria tropa militar boliviana, que colocou fim à República um mês depois. Em 6 de agosto de 1902, no entanto, o militar brasileiro Plácido de Castro foi enviado para o Acre pelo governador do Estado do Amazonas e iniciou a Revolução Acreana. Os rebeldes tomaram toda a região e implantaram a Terceira República do Acre, agora com o apoio do presidente do Brasil, Francisco de Paula Rodrigues Alves (1848-1919) que governou São Paulo por três mandatos entre 1887 e 1888, como presidente da província, como quinto presidente do estado de 1900 a 1902 e como nono presidente do estado de 1912 a 1916. Elegeu-se duas vezes presidente da República, cumprindo integralmente o primeiro mandato (1902 a 1906), mas faleceu antes de assumir o segundo mandato que deveria se estender de 1918 a 1922, e do ministro do exterior, Barão do Rio Branco (1845-1912). A Bolívia tentou reagir novamente, mas antes que ocorresse alguma batalha, o Barão do Rio Branco intermediou diplomaticamente propondo um acordo entre o Brasil e a Bolívia, que ficou reconhecido como o Tratado de Petrópolis.
            A rápida revolução dos transportes nos países Europeus e nos Estados Unidos da América, paralela à expansão da eletricidade, tinha necessidade de borracha, que naquela época saía hegemônica da Amazônia, sendo que 60% eram extraídas do território acreano. Obviamente que o governo andino não via com bons olhos aquela competitividade dos brasileiros. Para os bolivianos, a situação praticamente repetia o que ocorrera, analogamente na década de 1870 com a penetração de trabalhadores chilenos na área do Atacama atrás do salitre. O que provocara a Guerra do Pacífico (1879-1883), que fez com que a Bolívia, derrotada, perdesse a sua saída para o oceano Pacífico, tendo que o isolamento de comunicação dos oceanos do mundo. José Paravicini, o embaixador boliviano no Rio de Janeiro, determinou que fosse fundado, em 3 de novembro de 1899, um posto alfandegário em Puerto Alonso, para se fazer presente na área. Ato de soberania nacional que, se bem que legítimo, irritou profundamente os seringueiros brasileiros que cercaram o posto e expulsaram os funcionários dali. Neste entremeio, chega ao Acre o aventureiro Luís Galvez, dito “o Imperador do Acre”, apoiado por Ramalho Júnior, o governador do Estado do Amazonas, que decidiu proclamar um Estado independente do Acre no dia 14 de julho de 1901. Cada vez ficava mais evidente de que a Questão do Acre repetia politicamente o ocorrido com Atacama. A capital La Paz precisava agir para manter o território em mãos nacionais. Enviando uma força para lá, engendraram outro caminho.
             Quando a extensão ou comunicação da guerra ao Pacífico e Indico, interrompeu o fornecimento da borracha asiática as autoridades norte-americanas entraram em pânico. O presidente Franklin Roosevelt nomeou uma comissão para estudar a situação dos estoques de matérias-primas essenciais para a guerra. As atenções do governo norte-americano se voltaram então para a Amazônia, grande reservatório natural de borracha, com seringueiras prontas para a produção de milhares de toneladas de borracha anuais, mais que as necessidades bélicas norte-americanas. Entretanto, só havia na região cerca de 35.000 seringueiros em atividade com uma produção fordista de 16.000-17.000 toneladas na safra de 1940-1941. Para alcançar esse objetivo ocorreram intensas negociações entre brasileiros e norte-americanos que culminaram com a assinatura dos Acordos de Washington. O governo norte-americano passaria a investir no financiamento da produção de borracha amazônica, em contrapartida o governo brasileiro caberia o encaminhamento de milhares de trabalhadores para os seringais, no que passou a ser tratado como “um heroico esforço de guerra”.  Somente no Estado do Ceará cerca de 30.000 flagelados da seca de 1941-42 estavam disponíveis para serem enviados imediatamente para os seringais. Mesmo que de forma pouco organizada o  Departamento Nacional de Imigração ainda conseguiu enviar para a Amazônia, durante o ano de 1942, quase 15.000 pessoas, sendo a metade de homens aptos ao trabalho. Um exército de retirantes convocado pelo Estado reviveu os tempos de escravidão em plena década de 1940. Enquanto a 2ª guerra mundial espalhava-se pela Europa e Ásia, perto de 55 mil brasileiros enfrentaram doenças fatais, passaram fome e estavam presos aos domínios dos coronéis donos dos seringais na região amazônica. Muitos desses “soldados da borracha” deram a vida, em busca de sonhos e de trabalho para alimentar a indústria bélica durante o conflito de terras e fornecer insumos para armas e pneus.
Bibliografia geral consultada:
BRAGA, Ubiracy de Souza, A Racionalização Fordista no Brasil: Efeitos Econômicos e Políticos na Reprodução do Trabalho. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1988; BRAGA NETO, Ruy Gomes, A Nostalgia do Fordismo: Elementos para uma Crítica da Teoria Francesa da Regulação. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade de Campinas, 2002; VERA, Loreto Correa & VERA, Cristián Garay, “Bolivia en dos Frentes: Las Negociaciones de los Tratados de Acre y de límites con Chile”. In: Revista Universum, volume 1, 2007; SOUZA, Márcio, História da Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2009; LIMA, Frederico Alexandre Oliveira, Soldados da Borracha: Das Vivências do Passado às Lutas Contemporâneas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Instituto de Ciências Humnas e Letras. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2013; COSTA, Francisco Pereira, Para a Chuva não Beber o Leite. Soldados da Borracha: Imigração, Trabalho e Justiças na Amazônia, 1940-1945. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; CARVALHO, Terciane Sabadini, Uso do Solo e Desmatamento nas Regiões da Amazônia Legal Brasileira: Condicionantes Econômicos e Impactos de Políticas Públicas. Tese de Doutorado. Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional. Belo Horizonte:  Universidade Federal de Minas Gerais, 2014; CARVALHO, Terciane Sabadini; MENDES, Lidiane Álvares, Na Esteira da Loucura: Colônia de Alienados Eduardo Ribeiro - Práticas e Representações na Ala Feminina. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História.  Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2016; SILVA, Maria Liziane Souza, A Batalha da Borracha: Os Migrantes Nordestinos - Memória e Imaginário. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Porto Velho: Fundação Universidade Federal de Rondônia, 2018; PARENTE, Izabel Cavalcante Ibiapina, O Amazonismo e as Representações sobre os Seringueiros e a Natureza Amazônica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Instituto de Ciências Sociais. Departamento de Antropologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2018; entre outros.

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