quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Paulinho da Viola & Samba, Amigos: Show Meu Mundo é Hoje.

                                                                               Ubiracy de Souza Braga*

               Não levarei arrependimentos nem o peso da hipocrisia”. Paulinho da Viola
 

No início da carreira como compositor e instrumentista Paulinho da Viola foi parceiro de nomes ilustres do samba carioca, como Cartola, Elton Medeiros e Candeia, mas também compõe choros, representando um dos mais talentosos músicos que deu origem à música popular brasileira (MPB).  Filho mais velho do violonista Benedicto Cesar Ramos de Faria, integrante da primeira formação do grupo de choro “Época de Ouro”. Paulinho da Viola nasceu no tradicional bairro de Botafogo em 1942. Desde pequeno gostava de ouvir choros e sambas. De conviver com grandes chorões como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e Dilermando Reis, observando a maneira de tocar dos músicos. Isto é decisivo porque comparativamente na “observação participante”, enquanto técnica utilizada em investigação há que realçar seus objetivos muito além da pormenorizada visão, através da interpretação e descrição dos componentes de uma determinada  situação, permitindo a identificação do sentido, a orientação e a dinâmica do momento apropriado. Requer a necessidade de eliminar perdas subjetivas para que possa haver a compreensão prática e interações entre sujeitos. Aquele que investiga irá adquir treino nas suas habilidades e capacidades para utilizar a técnica.
         O disco fonográfico, o pensamento musical, a notação musical, as ondas sonoras, lembrava Ludwig Wittgenstein, todos estão uns para os outros naquela relação interna de representação que é a que existe entre a linguagem e o mundo comum a todos eles. No fato de haver uma regra geral, pela qual o músico pode extrair a sinfonia da partitura, através da qual se pode deduzir a sinfonia das estrias do disco fonográfico, e segundo a primeira regra de novo a partitura, nisso justamente consiste a semelhança interna destas estruturas aparentemente tão diferentes. E essa regra é a lei da projeção. É a regra da tradução da notação musical para a linguagem do disco fonográfico. O Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela é uma das mais tradicionais e reconhecidas escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro. É carinhosamente chamada de “A Majestade do Samba” e forma, juntamente com a “Deixa Falar” e a “Mangueira”, a tríade das escolas fundadoras do carnaval carioca. Foi fundado oficialmente como um bloco carnavalesco, chamado “Conjunto Oswaldo Cruz”, em 11 de abril de 1923, no bairro de Oswaldo Cruz, no subúrbio carioca. Embora haja estudiosos que acreditam que a escola tenha sido fundada em 1926, o ano oficial de fundação é 1923, mesmo ano de criação do bloco “Baianinhas de Oswaldo Cruz”, que já continha o embrião da primeira diretoria portelense, tendo como próceres Paulo da Portela, Alcides Dias Lopes, mais conhecido como “Malandro Histórico”, Heitor dos Prazeres, Antônio Caetano, Antônio Rufino, Manuel Bam Bam Bam, Natalino José do Nascimento, o “seu Natal”, Candinho e Cláudio Manuel. Mudou para “Quem Nos Faz É O Capricho” e “Vai Como Pode” -, até assumir definitivamente a denominação Escola de Samba Portela, na década de 1930.
       RCA Records fundada como Victor Talking Machine Company - companhia independente até 1929; e reconhecida como RCA Victor - de 1929 até 1968 é uma gravadora dos Estados Unidos da América, controlada pela Sony Music. A RCA Victor passou por grandes dificuldades com a Crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque de 1929 e a solução encontrada pelas empresas controladoras foi vender a operação para a Radio Corporation of America que rebatizou a empresa como RCA Victor. Assim, a Radio Corporation of America seria a controladora da gravadora de 1929 até 1986. A Victor havia recebido autorização para atuar no Brasil em agosto de 1928 - embora tenha começado suas atividades apenas em novembro de 1929 - e, assim, quando a matriz americana foi adquirida pela RCA e trocou de nome, o mesmo ocorreu com a filial brasileira que, em agosto de 1931, passou a chamar-se RCA Victor Brasileira, Inc. Nos anos seguintes, a gravadora logrou espaço no mercado brasileiro que era dominado pela Odeon Records e, em 1934, a gravadora já equilibrava forças com a sua concorrente.

                                                

No final da década, a gravadora estava completamente consolidada no território nacional com artistas como Almirante, Mário Reis, Carmen Miranda, Aracy de Almeida e Ciro Monteiro. No início dos anos 1940, a gravadora contrataria dois artistas que ficariam muito identificados com a empresa por terem realizado praticamente suas carreiras inteiras gravando pelo selo: Nélson Gonçalves e Luiz Gonzaga. Ambos se tornariam recordistas de vendas de discos pela gravadora após passarem dificuldades para se estabelecerem no início da carreira. No final de 1968, a controladora resolve remodelar completamente suas marcas: muda o seu logotipo e, também, o da sua gravadora. Assim, a gravadora passa a se chamar RCA Records. Em 2011, a RCA Records foi reestruturada e absorveu todos os artistas da companhia Arista e Jive Records e vários outros artistas disponíveis da Jive Records, já que estes selos foram em tempo desativados. Nos anos seguintes, a gravadora revelaria outros artistas de renome popular, como Maria Bethânia, Martinho da Vila, João Bosco e o roqueiro Lobão. 

       Vale lembrar que o carnaval de 1939 apresentou aquele que é considerado, sociologicamente, o primeiro samba de enredo, além de levar ao desfile fantasias totalmente enquadrada ao enredo. Também introduziu: a) comissão de frente e, mais tarde, b) primeira escola a uniformizá-la. Além da relevância para o carnaval carioca, a Escola de Samba Portela, c) firmou-se como um dos grandes “celeiros de grandes compositores do samba, comprovado por sua ativa e tradicional Velha Guarda”. Entre bambas portelenses ao longo do cotidiano de sua história social, destacam-se além dos fundadores Paulo da Portela e Antônio Rufino, os sambistas Aniceto da Portela, Mijinha, Manacéa, Argemiro, Alberto Lonato, Chico Santana, Casquinha, Alcides Dias Lopes, Alvaiade, Colombo, Picolino, Candeia, Waldir 59, Zé Ketti, Wilson Moreira, Monarco, Noca da Portela, Paulinho da Viola, e outros - sem deixar de mencionar  importantes instrumentistas, como Jair do Cavaquinho e Jorge do Violão, a Escola de Samba Portela tem uma participação social importante na vida cultural do Rio de Janeiro. Prova desse reconhecimento foi a escola ser contemplada, em 2001, com a Ordem do Mérito CulturalDada a personalidades brasileiras e estrangeiras como forma de reconhecimento de suas contribuições à cultura do Brasil. É uma cruz de São Tiago da Espada, é uma ordem honorífica portuguesa criada em 5 de julho de 1175, esmaltada de branco perfilada de ouro. No centro, um livro aberto lavrado de ouro sobre uma coroa de louros circundado pela legenda Ordem do Mérito Cultural.
       Embora o pai não desejasse que o filho se tornasse músico, este, contudo, o convenceu a lhe dar um violão, instrumento que começou a aprender a tocar sozinho, aos 15 anos e, logo depois com o violinista Zé Maria, amigo da família, que o instruiu com o método analítico de Matteo Carcassi. Ao mesmo tempo, começou a se envolver com carnaval e organizou com um grupo de amigos o bloco carnavalesco “Foliões da Rua Anália Franco”, para representar a rua onde morava sua tia Trindade, no bairro de Vila Valqueire, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, onde costumava visitar aos fins de semana e tinha mais liberdade para sair à noite que na vida nos ensina as mais sublimes lições. Por essa ocasião, ingressou na ala de compositores da escola de samba União de Jacarepaguá. Lá conheceram sambistas como Catoni e Jorge Mexeu e, atuando como cavaquista, compôs em 1962 “Pode Ser Ilusão”, um de seus primeiros sambas. Ludwig Wittgenstein oferece um novo ponto de vista: que o significado das palavras  não depende daquilo a que elas se referem, mas de como elas são usadas. A linguagem, dizia ele, “é um tipo de jogo, um conjunto de peças” ou “equipamentos” (palavras) que são usadas de acordo com um conjunto de regras que são convenções linguísticas. Como anteviu no ensaio “Tractatus”, o mundo é construído a partir de proposições, ou proposições potenciais. Mas agora a ênfase recai menos no que as afirmações “significam” (denotam) do que em como elas se desenvolvem dentro de um contexto e um conjunto de regras. Segue-se disso que o conhecimento não consiste em descobrir (ou inventar) alguma realidade que corresponda ao que falamos, mas sim em estudar o modo como a fala funciona. A linguagem é o sujeito apropriado da filosofia. 
Problemas filosóficos tradicionais, relativos a conceitos tais como “ser” e “verdade”, são meramente distorções que surgem a partir do jargão filosófico e a tentativa equivocada de descobrir a realidade que ele supostamente representa. A razão do nome desse bairro tem duas vertentes: a primeira é que, no passado, foi o belo engenho denominado V alqueire (V = 5 em Romano), ou seja, 5° Alqueire, depois que se tornou Vila Valqueire. O Engenho do “V alqueire” teve como um dos seus últimos ocupantes, Francisco Teles - avô materno de Geremário Dantas nascido naquele original engenho. Os herdeiros de Francisco, em 1927, lotearam e arruaram, por intermédio de uma imobiliária, as terras dessa situação, dando nomes de flores às suas ruas. O bairro, em que veio a ser transformado, continuou com o título do engenho: Valqueire. Colocou-se o indicativo “Vila”, mas que na atualidade, está começando a perder seu significado etnográfico porque muitas pessoas dizem apenas, Valqueire. A segunda vertente encontra a origem no nome, justamente, no âmbito do processo civilizatório do original proprietário do engenho que foi de Antonio Fernandes Valqueire, e se chamava Engenho Valqueire, desmembrado das terras do antigo Engenho de Fora, e datado do século XVIII. A sede do engenho Valqueire ainda existe em ruínas, e sua mais antiga construção é a Igreja São Roque, próximos a atual Rua Quiririm. O Engenho do Valqueire teve como ocupante, Francisco Teles, avô de Geremário Dantas (nascido no local) e os herdeiros de Francisco em 1927, o lotearam abrindo as ruas, por intermédio da Companhia Predial, dando o nome de Vila Valqueire ao novo bairro, em homenagem tanto ao ancestral Antonio Fernandes quanto ao próprio Engenho Valqueire.

A Estrada Intendente Magalhães, que é a sua principal “artéria”, apenas para usar a ligação metafórica da medicina ou propriamente biologia, e que marcam seus limites com os bairros de Osvaldo Cruz, Bento Ribeiro e Marechal Hermes, já foram chamados de Real de Santa Cruz, porque fazia a ligação do palácio de São Cristóvão - no tempo histórico do II Reinado (1840-1889) - à Fazenda Real de Santa Cruz. Também denominada, durante longo período de tempo, de Rio-São Paulo. Por sua demarcação muitas vezes, passou Tiradentes quando vinha de Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Em “As sesmarias de Jacarepaguá”, de Raul Telles Rudge, encontramos uma possível explicação para seu nome: O dono das terras, chamada de Vila Valqueire, nos meados do século XVIII, era Antônio Fernandes Valqueire. Além da sede do engenho ainda existente - totalmente arruinada - a mais antiga construção é a Igreja de São Roque, próxima à Rua Quiririm que era denominada Estrada do Macaco. Atravessando as terras do engenho do mesmo nome, o caminhante encurtava o caminho para o do Valqueire.
Pouco antes, logo após ter completado 19 anos, Paulinho da Viola conseguiu seu primeiro emprego como contador em uma agência bancária do centro do Rio de Janeiro e estudava economia. Em um dia de trabalho, viu Hermínio Bello de Carvalho, a quem conhecia de vista dos saraus musicais na casa de Jacob do Bandolim, entrar no banco para pagar uma conta e - depois de uma rápida conversa - lhe aconselhou a abandonar a carreira enquanto era jovem. Paulinho atendeu um convite para visitar o apartamento do poeta no bairro do Catete, que já era bastante frequentado por músicos, intelectuais e artistas diversos. Lá, pôde ouvir pela primeira vez gravações de compositores como Anescar do Salgueiro, Carlos Cachaça, Cartola, Elton Medeiros, Nelson Cavaquinho e Zé Ketti e também a ensaiar composições originais com Hermínio, um de seus primeiros parceiros musicais e grande incentivador de sua carreira. Ora, a linguagem está sempre em relação social ao mundo e a validade deste só ocorre quando fundamentado nos fatos empíricos, os quais têm como correspondentes às proposições. 
           As proposições têm a função de expressar os nossos pensamentos sobre os fatos que por nós são percebidos. Com isso, o filósofo quer significar que o mundo não é constituído apenas dos fatos atuais, mas de todos os fatos possíveis. Pelas proposições é possível expressar a respeito do mundo, dizendo como os fatos podem figurar. Assim, o estado de coisas faz parte da categoria dos fatos, por isso não fazem parte da categoria das coisas singulares e atributos. Ou seja, temos a representação de um estado de coisa que é apenas algo que possivelmente ocorre, ao passo que o fato é o que realmente ocorre. Sobre a referência etnográfica: “Meu mundo é hoje”, na composição de Paulinho da Viola, é possível perceber através da filosofia da linguagem de Wittgenstein que se refere à realidade como a existência de estado de coisas possíveis, mas também como inexistências de estados de coisas possíveis. Pois, o que pode ser expresso pela proposição corresponde ao fato social, intrínseco ao domínio da realidade e sendo assim, é aquilo que existe e está na existência propria da realidade. Ao passo que, o modo pelo qual codifico o mundo é pessoal. O mundo não sou eu, mas conheço-o por meio do meu pensamento, representando-o. Assim, quando dizemos que o mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes, referimo-nos a representação que se projeta na realidade a partir da experiência pessoal de vida. Cada pessoa pode ter uma representação do mundo, mas sem cair no relativismo. Essa representação da realidade é um perspectivismo que depende do ponto de vista da pessoa. 

Ainda em 1963, Hermínio levou Paulinho da Viola para conhecer o Zicartola, bar e restaurante fundado por Cartola e a Dona Zica na Rua da Carioca que se convertera em um reduto de sambistas, chorões artistas, intelectuais e jornalistas. Quando aparecia por lá, o jovem Paulinho acompanhava, no cavaquinho ou no violão, compositores e intérpretes e também se apresentando cantando músicas de outros autores e, após fazer um show com o compositor Zé Ketti,  incentivado pelo mesmo a cantar suas próprias músicas no Zicartola.  No ano seguinte, após ter acompanhado o cantor Ciro Monteiro em uma canja no Zicartola, decidiu abandonar seu posto de trabalho bancário para se dedicar exclusivamente à música. Também em 1964, seu primo Oscar Bigode, que era diretor de bateria da Portela, o convenceu a mudar de escola de samba e o apresentou para a ala de compositores da agremiação de Oswaldo Cruz, onde Paulinho mostrou a primeira parte de um samba e que Casquinha, um dos compositores portelenses, havia gostado e completado com a segunda parte, criando-se assim o samba “Recado”.
Já em 1965, participou do musical “Rosa de Ouro”, montado por Kléber Santos e Hermínio Bello de Carvalho, que marcou o retorno de Araci Cortes e lançou Clementina de Jesus, e que culminou na gravação do LP “Rosa De Ouro” Vol.1, pela gravadora Odeon. Ainda naquele ano, o nome de Paulinho da Viola apareceu no LP “Roda de Samba”, da Musidisc. Essa gravadora, a mesma onde Paulinho estava registrando seus sambas, pediu para Zé Ketti organizar o conjunto “A Voz do Morro”, composto por integrantes do conjunto “Rosa de Ouro” - Anescar do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Nelson Sargento e Paulinho - e acrescidos de Oscar Bigode, Zé Cruz e o próprio Ketti. No processo de finalização desse álbum, um funcionário da Musidic não gostou do nome “Paulo César” e, tendo conhecimento da anedota, o jornalista Sérgio Cabral e o compositor Zé Ketti inventaram o nome artístico Paulinho da Viola. Nesse primeiro disco, temos a representação de seu mundo, como nas composições “Coração vulgar”, “Conversa de malandro” e “Jurar com lágrimas”.
 
Bibliografia geral consultada.

CERTEAU, Michel de, La Culture au Pluriel. Paris: Union General d’Éditions, 1974; NOAD, Frederick, Matteo Carcassi, Three Sonatinas, Opus 1. New York: Ariel Publications, 1977; ADORNO, Theodor W. “O Fetichismo na Música”. In: Os Pensadores. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1980; GILARDINO, Ângelo, La Técnica Della Chitarra: Fondamenti Meccanici. Ancona: Bérben, 1981; BROUWER, Leo, La Musica, Lo Cubano e La Innovación. Havana: Letras Cubanas, 1989; TATIT, Luiz, “Canção, Estúdio e Tensividade”.  In: Revista USP. Dossiê Música Brasileira, n° 4. São Paulo: CCS-USP, dez./89-fev./1990; pp. 41-44; AGIER, Michel, L`Invention de Ville. Paris: Editeur Archives Contemporaines, 1999; FERNANDES, Nélson da Nóbrega, Escolas de Samba: Sujeitos Celebrantes e Objetos Celebrados. Rio de Janeiro: Coleção Memória Carioca, vol. 3, 2001; SILVA, Walter, Vou te Contar: Histórias de Música Popular Brasileira. São Paulo: Editora Conex, 2002; CABRAL, Muniz Sodré de Araújo, Antropologia do Espelho. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2002; ORTEGA Y GASSET, José, A Desumanização da Arte. São Paulo: Cortez Editor, 2005; SOUZA, Tárik, Tem Mais Samba: Das Raízes à Eletrônica. São Paulo: Editora 34, 2008; OLIVEIRA, Alfredo César Tavares de, O Bairro de Marechal Hermes: Da Morada Operária à Habitação Social (1910-1956). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009; MARIA, Júlio, Elis Regina - Nada Será Como Antes. São Paulo: Editora Master Books, 2015; MOTTA, Nelson, “Hermínio Bello de Carvalho descobriu Paulinho da Viola”. In: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/2015/08/01; GURGEL, Felipe, “50 anos de um outro tempo – O sambista Paulinho da Viola se apresenta em Fortaleza”. In: Diário do Nordeste, 30.10.2015; RIBAS, Zilméa Ferreira, Cotidiano, Comunicação e Imaginário no Bairro Carioca de Marechal Hermes. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Em Torno das Raízes Anarcafeministas Brasil-Rússia.

                                                Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

Le pouvoir  est maudit, c`est pour cela que je suis anarchiste”. Louise Michel

                                                                                                                                                              
            O termo “anarca”, em desacordo com a gramática, usa o sufixo “a” para denotar o feminino, ou seja, uma pessoa com cromossomos xx geralmente tem órgãos sexuais e reprodutivos feminisnos e, portanto, geralmente é designada como do sexo feminino. O prefixo anarco é de raiz grega e não tem gênero. A terminologia feminina é defendida por surgir em oposição ao dominante androcentrismo, fato que se exprime pela cultura linguística sexista que toma como neutro o uso generalizado do masculino. O uso de um sufixo feminino não sugeriria, assim, uma dominância feminina. Mas antes chamaria a atenção para um grupo marginalizado, colocando também a mulher no papel de protagonista que ela tem na luta de libertação feminista. Anarquia originalmente significa ausência de coerção e não a ausência de ordem. A noção equivocada de que anarquia é sinônimo de caos, ou mesmo de bagunça, se popularizaram entre o fim do século XIX e o início do século XX, através dos aparelhos de Estado de comunicação de massa patronais, mantidos por instituições políticas e religiosas atreladas ao Estado.
Neste período, em razão do grau elevado de organização dos segmentos operários, de fundo libertário, surgiram inúmeras campanhas antianarquistas. Outro equívoco é considerar anarquia, como sendo a ausência de laços de solidariedade entre os homens, quando em realidade, um dos laços mais valorizados pelos anarquistas é o auxílio mútuo.   Há diversas escolas de pensamento e tradições de anarquismo, as quais não são mutuamente exclusivas. Cada vertente do anarquismo tem uma vertente de compreensão, análise, ação e edificação política específica, embora todas vinculadas pelos ideais bases do anarquismo. Correntes do anarquismo têm sido divididas em anarquismo social e anarquismo individualista, ou em classificações semelhantes. A maioria dos anarquistas é apartidária. Opõe-se ao Estado nacional e a qualquer regime ditatorial, apoiando a autodefesa ou a não violência. Outros apoiam o uso de diversos meios, como a revolução violenta. Outro conceito, a propaganda pelo ato, apesar de ter tido um início violento, incorporou diversos tipos de ações não violentas.         
              

            Nascido na Ucrânia, o movimento “Femen” gerou mais do que dor de cabeça entre as autoridades do mundo por suas ações para denunciar a discriminação contra as mulheres. O grupo é visto como um dos soldados da luta contra a sociedade patriarcal. Muitos apontam que o seu modo de ação baseia-se nos movimentos feministas dos anos 1960. A Gazeta Russa revelou, no entanto, que a origem dessas ações também encontra paralelo na antiga URSS, em específico a partir de 1925, quando mulheres soviéticas se despiram em público com uma faixa no peito com a frase: “Dolói stid!-Eto buryuazni predrassudok” (“Não à  vergonha – Isso é uma preconceito burguês”). Elas entravam em qualquer meio de transporte público sem roupas para sublinhar sua feminilidade e o espírito anti-burguês. Para entender como funcionava esse movimento político é necessário contextualizá-lo no período pós-revolucionário de então, de efervescência cultural e destruição do modelo tradicional burguês e de criação de uma nova sociedade.
O poeta soviético Vladimir Maiakovski, por exemplo, se recusou a seguir a métrica clássica decadente considerada chata. Os arquitetos criaram uma nova forma de construir, mais útil e funcional para a sociedade, lançando o movimento construtivista. Todos procuraram novas soluções para problemas eternos, inclusive a questão feminina. Em 1923, em sua obra: “O novo curso, os problemas da vida cotidiana”, Leon Trotsky explicava como o Estado socialista deveria agir para garantir a libertação das mulheres e a transformação da vida cotidiana. Para isso, era preciso liberar as mulheres da escravidão doméstica, socializar o acolhimento de crianças, construir cozinhas, lavanderias, permitir às mulheres entrar no mercado de trabalho e na política. Cartazes de propaganda soviética com esse lema poderiam ser encontrados em todas as cidades com um desenho de uma mulher na cozinha abrindo as portas para a nova vida, com a inscrição: “Não à escravidão da cozinha, sim a uma nova vida”. Foi criada uma seção feminina chamada “Jenotdel do Partido Comunista”, dirigida por própria Aleksandra Kollontai (1971; 1977), uma das fundadoras do movimento internacional “Dia das Mulheres”, celebrado na Rússia em 8 de março, como de resto no mundo ocidental e no Brasil. Ainda em 1913, Kollontai começou a luta para a igualdade salarial, legalização de abortos, socialização do trabalho doméstico e proclamou “a necessidade de renovação psicológica da humanidade”.

O significado e o sentido de “anarcafeminismo” como o de anarquismo, se opõe a todos os tipos de hierarquia. Entretanto, anarcafeministas dedicam maior atenção à desigualdade existente entre os sexos. Acreditam que as mulheres são exploradas pelo capitalismo, por ele difundir o sexismo em suas instituições e desvalorizar economicamente o seu trabalho doméstico e reprodutivo. Também acreditam que não haverá a destruição do patriarcado, o qual é o principal alvo do ativismo, sem a destruição do capitalismo. O anarcafeminismo se diferencia do “feminismo liberal” por considerar que direitos civis conquistados dentro da sociedade capitalista serão sempre superficiais, visto que só poderão ser desfrutados pelas frações da classe dominante. O termo anarcafeminismo foi criado durante a chamada “segunda onda” do movimento feminista, iniciada no final dos anos 1860. Entretanto, o movimento social é mais comumente associado a autoras do início do século XX, como Emma Goldman e Voltairine de Cleyre, bem como algumas autoras da “primeira onda”, como Mary Wollstonecraft. Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939), o grupo “Mujeres Libres” defendia ideias anarquistas e feministas. No Brasil, a anarquista feminista mais conhecida foi Maria Lacerda de Moura (1887-1945).
Vera Ivanovna Zasulitch foi uma revolucionária niilista russa depois adepta das ideias marxistas, tal como expressão de uma nova identidade religiosa, ou uma mudança de uma identidade religiosa para outra. Isto envolve tipicamente o devotamento sincero a um novo sistema político de crença, mas também pode ser concebido de outras maneiras, como a adoção em uma identidade de grupo político-ideológica. Nascida numa família nobre empobrecida de Mikhailovka, Rússia, frequentou durante os seus estudos preparatórios em Petrogrado os ambientes revolucionários estudantis. Foi detida e encarcerada em 1869, por manter correspondência com o líder niilista e anarquista Sergei Netchaev. Após o seu encarceramento em 1871, estabeleceu-se em Kiev, onde contatou com “Insurgentes de Kiev”, um grupo revolucionário de simpatizantes de Mikhail Bakunin, tornando-se uma líder extraordinariamente respeitada. Netchaiev já tinha desenvolvido uma consciência crítica sobre a desigualdade social e um ressentimento do local em que morava em sua juventude quando participou de aulas na Universidade de São Petersburgo, mesmo sem ser oficialmente matriculado quando absorveu a literatura de crítica política russa dos grupos radicais “Decembrists”, o “Petrashevsky Circle”, e Mikhail Bakunin, entre outros, com toda a agitação marcadamente estudantil na universidade. Netchaiev participou de um grupo ativista estudantil em 1868-1869, liderando uma minoria radical com Petr Tkachev e outros.
Ele viu a imoralidade implacável na perseguição do controle total pela Igreja e o Estado, e acreditava que o esforço contra os dois deveria ser realizado por todos os meios políticos necessários, sempre focando a destruições dos mesmos. A personalidade individual tem de ser abandonada pelo grande propósito num tipo de ascetismo espiritual no qual Netchaiev avançou mais que um simples teórico, guiando princípios pelo qual ele viveu praticamente sua vida. Também formulou do ponto de vista da ação algumas estratégias e táticas: - “A revolutionary must infiltrate all social formations including the police. He must exploit rich and influential people, subordinating them to himself. He must aggravate the miseries of the common people, so as to exhaust their patience and incite them to rebel. And, finally, he must ally himself with the savage word of the violent criminal, the only true revolutionary in Russia”.
Tendo deixado a Rússia ilegalmente, Netchaiev teve que voltar para Moscou em 1869 com a ajuda dos contatos de Bakunin. Lá ele viveu uma vida severa, gastando dinheiro apenas nas atividades políticas. Ele fingiu ser um representante do departamento russo da “Rede de União Revolucionária” (na qual não existia) e criou uma afiliada da sociedade secreta chamada “Narodnaya Rasprava” (“Represália do Povo”), na qual, ele dizia existir por bastante tempo em cada esquina da Rússia. Ele discursava apaixonadamente para estudantes sobre a necessidade de se organizar. Vera Zasulich, escritora marxista, fala que quando ela encontrou Netchaiev pela primeira vez, ele imediatamente tentou recrutá-la: - “Netchaiev começou a me contar seus planos para organizar uma revolução na Rússia num futuro próximo. Eu me senti terrível: foi realmente doloroso para eu dizer'. Isso é pouco provável, Eu não sei sobre isso'. Eu podia ver que ele estava realmente sério, que isso era uma conversa séria sobre revolução. Ele podia e iria agir – ele não era o líder dos estudantes?... Eu não podia imaginar maior prazer do que servir a revolução. Eu tinha vivido somente para sonhar isso, e agora ele estava dizendo que ele queria me recrutar... E o que eu conhecia sobre ´o povo`? Eu conhecia somente as senzalas de Biakolovo e os membros do meu coletivo tecelão, enquanto ele era um trabalhador desde que nasceu”.
Em 1878, Zasulitch e a revolucionária social Maria Kolenkina planejaram assassinar Vladislav Zhelekhovski, um promotor ultraconservador reconhecido pelos seus processos ideológicos contra a militância revolucionária e o coronel Teodor Trepov, governador de Petrogrado, que era igualmente conhecido “por ter banido as rebeliões polacas em 1830 e 1863”. O atentado contra Zhelekhovski resultou fracassado, mas Vera Zasulitch conseguiu ferir gravemente Trepov. Foi atralhoada, mas no seu amplamente difundido processo, um júri popular favorável a ela declarou-a inocente. Após a anulação do processo, Zasulitch viajou a Suíça, onde contatou com grupos marxistas, vindo a colaborar na fundação do grupo “Emancipação do Trabalho” (“Освобождение труда”) com Georgi Plekhanov e Pavel Akselrod em 1883.
O grupo encarregou Zasulitch a tradução de diversos trabalhos de Marx para o russo, o que contribuiu para ampliar e amplificar a influência do marxismo entre a intelligentsia russa ao ponto de tornar-se fundamental para criação do Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR) em 1898. Em meados de 1900, os líderes da ala radical Julius Martov, Vladimir Lenin e Aleksandr Potresov uniram-se a Zasulitch, Plekhanov e Akselrod na Suíça. Devido às tensões entre as duas alas do Partido, os seis membros fundaram o jornal revolucionário Iskra, e formaram seu conselho editorial, que se opunham aos marxistas moderados, conhecidos como “os economistas” e também aos que eram considerados ex-marxistas como Sergei Bulgakov e Piotr Struve. Porém, durante o II Congresso do POSDR, o marxismo verificou uma ruptura entre os mencheviques de Julius Martov e bolcheviques de Lenin. Zasulitch situou-se do lado de Martov, tornando-se uma líder do menchevismo, a principal corrente reformista pequeno-burguesa na socialdemocracia da Rússia. O menchevismo se formou em 1903, no II Congresso do Partido Operário Socialdemocrata da Rússia (POSDR), unificando adversários do princípio leninista de estruturação do partido de “novo tipo”, que ao serem eleitos os organismos centrais do partido, resultaram em minoria, pois vale lembrar que o nome menchevismo decorre deste fato: “menchevismo” em russo significa minoria. O menchevismo foi organicamente entrelaçado com o “marxismo legal” e o economicismo, assim como com o “bernsteinianismo” considerando que a burguesia era a principal força motriz da revolução democrática burguesa, e o campesinato, uma classe reacionária, o menchevismo refutava a hegemonia do proletariado naquela revolução e incitavam a classe operária a submeter-se à burguesia liberal. Talvez por esse motivo o seu interesse na política tenha decaído rapidamente. Regressou à Rússia após a Revolução de 1905. Lá, contraditoriamente apoiou a facção política de participação da Rússia na 1ª grande guerra (1914-18) e opôs-se à histórico-sociológica Revolução de Outubro de 1917 dirigida pelos comunistas bolcheviques.

Na Revolução Russa de 1917, Nestor Makhno tenta implantar o anarquismo na Ucrânia, com apoio de várias comunidades camponesas, mas que acabam derrotadas pela formação do Estado bolchevique de Lênin. Quinze anos depois, anarquistas organizados em torno de uma confederação anarcossindicalista impedem que um golpe político-militar fascista seja bem sucedido na Catalunha (Espanha), e são os primeiros a organizar milícias para impedir o avanço destes na consequente Guerra Civil Espanhola (1936-39). Durante o curso dessa guerra civil, os anarquistas controlaram um grande território que compreendia a Catalunha e Aragão, onde se incluía a região mais industrializada de Espanha, sendo que a maior parte da economia industrial passou a ser compartilhada de forma autogestionada. Na “weltanschaaung” anarquista, a revolução social consistiria na quebra drástica, rápida e efetiva do Estado e de todas as estruturas, materiais e não materiais, que o regiam ou a ele sustentavam com a sua racionalidade.
Este princípio é primordial na diferenciação da vertente de pensamentos libertária em relação a qualquer outra corrente idealista. É a diferença básica entre o dilema “socialismo libertário” versus o “socialismo autoritário”. Nos meios anarquistas, de forma geral, rejeita-se a hipótese de que o governo ou o Estado sejam necessários ou mesmo inevitáveis para a sociedade humana. Os grupos humanos seriam naturalmente capazes de se auto-organizarem: a) de forma igualitária e não hierárquica; b) mediante os progressos originados pela educação libertária. A presença de hierarquias baseadas na força, ao invés de contribuírem para a organização social, antes a corrompem, por inibirem essa capacidade inata de auto-organização dando origem à desigualdade. Desta forma, a partir da conscientização, aceitação e internalização da sua essência humana, ideia suprimida anteriormente pelo Estado, emerge naturalmente na sociedade humana o anseio pela ascensão da ideia-base de qualquer forma de vida real: a Liberdade.
 
Bibliografia geral consultada.

 
KOLLONTAI, Alexandra, The Autobiography of a Sexually Emancipated Communist Woman. New York: Herder and Herder, 1971; Idem, Women Workers Struggle for their Rights. Bristol: Falling Wall Press, 1973; Idem, International Women`s Day. Highland Park, MI: International Socialist Publishing Co., 1974; Idem, Selected Writings of Alexandra Kollontai. Alix Holt, trans. New York: W.W. Norton & Co., 1977; BARROS, Mônica Siqueira Leite de, As Mulheres Trabalhadoras e o Anarquismo no Brasil. Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade de Campinas, 1979; BOBROFF, Anne, “Alexandra Kollontai: Feminism, Workers` Democracy, and Internationalism”. In: Radical America, volume 13, número 6, nov.-dec. 1979; pp. 50-75; MIRANDA, Jussara Valéria de, Recuso-me! Ditos e Escritos de Maria Lacerda de Moura. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2006; BIAJOLI, Maria Clara Pinto, Narrar Utopias Vividas: Memória e Construção de Si nas Mulheres Livres da Espanha. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Capinas: Universidade Estadual de Campinas, 2007; MALCOLM, Janet, Duas Vidas. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2008; MENDES, Samanta Colhado, As Mulheres Anarquistas na Cidade de São Paulo: 1889-1930. Dissertação de Mestrado. Faculdade de História, Direito e Serviço Social. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 2010; BADINTER, Elisabeth, Le Conflit: La Femme et la Mère. Paris: Éditions Flammarion, 2011; CLEMENTS, Barbara Evans, A History of Women in Russia: From Earliest Times to the Present. Indiana University Press, 2012; LEITE, Flávia Lucchesi de Carvalho, Riot Grrril: Capturas e Metamorfoses de uma Máquina de Guerra. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015; entre outros.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Jiang Qing – Mulher & Revolução na China Comunista

                                   Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

                        Jiang Qing foi a única mulher entre os principais líderes da Revolução Chinesa”. Andrea Longobardi
 
      
Historicamente entre a derrota chinesa para os ingleses na 1ª Guerra do Ópio, em 1842, e o advento da Revolução Chinesa, em 1949, a China esteve envolvida em seguidos conflitos internos e externos de grandes proporções, que redundaram em elevadas perdas humanas e materiais e significativa instabilidade política no país. Segundo a tradição cultural, este intervalo é conhecido como o “Século da Humilhação”, período que representou o eclipse da milenar civilização chinesa frente ao poderio econômico e militar dos países capitalistas industrializados, os quais inclusive dominaram, em diferentes conjunturas políticas, regiões significativas do território chinês. A vitória dos comunistas e a consolidação do poder com a constituição da República Popular da China (RPC) em 1949, foi o marco de uma nova era para as mulheres chinesas. A despeito de não ter sido a primeira vez que foram chamadas a estar à frente do processo revolucionário, foi a primeira vez que, de fato, tiveram um papel ativo e visível globalmente na construção da RPC moderna. 
A luta das mulheres chinesas não começou apenas com o Partido Comunista Chinês (PCC). Muitas foram, ao longo da história, as que fizeram frente ao modelo hegemônico socialmente sobre o que deve ser o papel e responsabilidade social da mulher. Não obstante, encontraram muita resistência e foram extremamente reprimidas. Com a fundação da RPC que o movimento de emancipação da mulher ganhou força e a sua imagem começou a mudar historicamente. Desde a década de 1930, a condição de rival mais importante da China coube ao Japão, país que alcançou rápido desenvolvimento econômico e social dentro da Ásia, tornando-se a mais importante potência econômica e militar deste continente antes do final do século XIX. As relações entre as duas nações tem sido relativamente cordiais desde 12 de setembro de 1979 quando houve o estabelecimento das relações diplomáticas entre Pequim e Tóquio. Após mais de um século de embates internos e invasões estrangeiras, o triunfo dos comunistas em outubro de 1949, por ocasião da Revolução Chinesa, encerrou o governo republicano burguês no país conduzido pelo Partido Nacionalista Chinês que se refugiou na ilha de Taiwan, dando continuidade à República da China. 
Em contrapartida, no continente, sob o comando do Partido Comunista Chinês (PCC), tinha início a RPC. Acenava-se não apenas mediante a possibilidade de transformações sociais profundas no país na direção de uma sociedade igualitária, mas, também, com o compromisso em enfrentar os desafios relacionados ao desenvolvimento da sua base material, nitidamente atrasada em relação às nações industrializadas, e a preservação da integridade territorial do país após quase um século de invasões estrangeiras. O chamado Período Maoísta (1949-1978), demarca as três primeiras décadas da República Popular da China (RPC), em que Mao Tsé-tung, será a principal liderança política até a sua morte, em setembro de 1946. Uma vez que até a ascensão de Deng Xiaoping, em dezembro de 1978, o PCC, sob o comando de Hua Guofeng, manteve as mesmas diretrizes, optou-se por este intervalo como parte do Período Maoísta. O maoísmo também chamado de pensamento de Mao Tsé-Tung e de marxismo-leninismo-maoísmo, é uma corrente do comunismo baseada nos ensinamentos de Mao Tsé-Tung (1893-1976). Na República Popular da China, o Pensamento de Mao Tsé- Tung é a doutrina oficial do Partido Comunista da China. Através das reformas iniciadas por Deng Xiaoping em 1978, a definição e o papel da ideologia de Mao na China mudou de modo radical e tem hoje um papel histórico que não é meramente decorativo.

                                  
Uma das características políticas do maoísmo que o distancia do leninismo é o voluntarismo. Portanto, as condições sociais objetivas da sociedade não são muito importantes para a revolução social se as condições subjetivas, isto é, a vontade revolucionária do povo está presente. Isso leva os maoístas “a defender a insurreição armada como método de tomar o poder em todas as sociedades, e não só nas agrárias”. O maoísmo segue sendo um movimento de grande importância em alguns países, como na Índia, Filipinas, e no Nepal, aonde partidos maoístas lideram guerrilhas e atuam nos governos. Em alguns países ocidentais, o maoísmo teve forte influência durante o século XX. O “Sendero Luminoso” liderou uma guerrilha por muitas décadas no Peru. A teoria maoísta representou um instrumental na formação do grupo “Panteras Negras” nos Estados Unidos. Assim como no movimento comunista na França e no norte da África, com teóricos como Charles Bettelheim, Jacques Ranciere, e Alain Badiou. Depois de Friedrich Engels, foi sem dúvida Mao Tsé-Tung que trouxe a contribuição mais importante para a teoria da guerra revolucionária moderna.
Ele procede com muita liberdade, recusando-se a se deixar aprisionar pelos esquemas tirados da experiência da guerra civil na Rússia no início da Revolução de 1917. Os acontecimentos políticos ocorridos na luta contra a invasão japonesa, bem como a fraqueza original do exército chinês, levaram Mao Tsé-Tung a desenvolver a “teoria da guerra de libertação” em duas direções: a guerra revolucionária na China, e a guerra anti-japonesa dos partizans. Na análise das condições desta dupla guerra ele utiliza a teoria das contradições tal como a desenvolvera em diversas ocasiões. Seu estudo se orienta em três sentidos: “as leis gerais da guerra, as leis gerais da guerra revolucionária, e as leis da guerra revolucionária na China”. Convencido de que a guerra é um fenômeno social ligado à divisão da sociedade em classes antagonistas, e persuadido de que, com o desenvolvimento da humanidade, um dia a guerra desaparecerá, Mao Tsé-Tung designa como fim das guerras a supressão das guerras da seguinte forma. – “Para suprimir a guerra só existe um meio: lutar pela guerra contra a guerra, pela guerra revolucionária contra a guerra contrarrevolucionária de classe. Todas as guerras da história dividem-se em duas categorias: as guerras justas e as guerras injustas. Todas as guerras contrarrevolucionárias são injustas, todas as guerras revolucionárias são justas. Somos nós mesmos que, com as nossas próprias mãos, pomos fim á época de guerras na história da humanidade, e a guerra que fazemos é, sem dúvida nenhuma, parte da última guerra” (cf. Chambre, 1963: 226-227).   
A diferença que tradicionalmente se tem considerado definitiva entre o maoísmo e o resto do marxismo, nomeadamente o marxismo-leninismo, está por volta da defesa voluntarista da luta armada. Porém, a defesa da violência como fórmula revolucionária está presente desde Marx e Engels, tal como Lenin mostrou em obras como “O Estado e a Revolução” ou “A revolução proletária e o renegado Kautsky”. As particularidades essenciais do maoísmo, neste contexto, são as seguintes. A ideia de que a tomada violenta do poder pode ser realizada não por uma insurreição armada de base operária que tome o poder de Estado e depois o consolide mediante a guerra civil, como sucedeu na Rússia. Mas sim por uma inversão da ordem das coisas: primeiro a guerra civil, de base camponesa e prolongada, que acabe por cercar e conquistar as cidades e finalmente tomar o poder de Estado. Mao defendeu a ideia de que o campesinato é uma força revolucionária que poderia ser mobilizada pelo Partido Comunista. Considerava a base da revolução os  sobreviventes nas relações feudais, enquanto o proletariado devia ser a força diretriz.                      
Jiang Qing, também reconhecida no Ocidente como Chiang Ching, nascida em Zhucheng, na província chinesa de Shandong, foi uma atriz com o nome Lan Ping. Em 1933, ingressou no Partido Comunista da China, trabalhando como atriz a partir daquele ano até 1937, na cidade de Shanghai. Dois anos depois, em 1939, é apresentada a Mao Tsé-Tung, a quem viria a se casar. Em 1949 se torna Ministra da Cultura. Em 1966 foi eleita como diretora da Revolução Cultural. Em 1969, entra no Birô Político. Neste ponto, é associada como responsável por defender o pragmatismo comunista maoísta.  Jiang Qing tinha estreitas relações com as Guardas Vermelhas e seus combatentes. Inúmeras vezes se reuniam em locais públicos e semelhantes, os criticava, incentivava-os e lhes dava sugestões, ideias, enfim, buscando sempre se unir politicamente aos Guardas. Durante a Revolução Cultural poderia ter ido além se a linha proletária não tivesse sido golpeada e o Estado e partido comunista chineses usurpados pelos revisionistas com a morte do Presidente Mao. Demonizada pelos revisionistas, preconceituosamente como “bruxa”, em artigos oficiais chineses, foi sentenciada a pena capital, depois transformada em prisão perpétua. Morreu em 1991 “com chuva de fogos de artifício pelos revisionistas, tendo até comemorado sua morte nos órgãos oficiais”. 
  Jiang Qing também reconhecida como Madame Mao (1914-1991), foi uma atriz chinesa que desempenhou grande papel político durante a Revolução Cultural Chinesa. Nos palcos, adotava o nome de Lan Ping. Foi a quarta esposa de Mao Tsé-Tung, casando-se com ele em Yan`an, em novembro de 1938, tendo sido a primeira Primeira-dama da China pós-revolução. É reconhecida outrossim por formar uma aliança política radical legítima como o Bando dos Quatro. No entanto, foi presa um mês depois da morte de Mao (1976), por suas tendências radicais. Foi a pessoa mais poderosa nos últimos anos do regime maoísta. Foi secretária pessoal de Mao nos anos de 1940 e chefe da Seção de Filmagens do Departamento de Propaganda do Partido Comunista, nos anos 1950. Foi uma importante emissária de Mao nos primeiros estágios da Revolução Cultural.

Em 1966, foi indicada como diretora do Grupo Central de Revolucionários. Colaborou com Lin Biao para o avanço da ideologia de Maoista, bem como o culto à personalidade de Mao. Sua influência foi grande durante o ápice da revolução, em assuntos de Estado, em especial os que tangiam arte e cultura, tendo idealizado os pôsteres característicos da revolução. Em 1969, ganhou um assento no Politburo chinês. Antes da morte de Mao, o Bando dos Quatro controlava muitas instituições políticas chinesas, incluindo mídia e propaganda. No entanto, Jiang Qing, derivando a maior parte de sua legitimidade política de Mao, muitas vezes se viu em desacordo com outros líderes. A morte de Mao, em 1976, tirou boa parte de seu poder político. Jiang foi presa em outubro de 1976, por Hua Guofeng e seus aliados, sendo condenada por outros membros do partido. Desde então, Jiang Qing foi oficialmente marcada negativamente como tendo sido parte do “Grupo Contrarrevolucionário de Lin Biao e Jiang Qing” e devastação causada pela Revolução Cultural foi atribuído. Embora ela tenha sido inicialmente condenada à morte, sua sentença foi comutada para prisão perpétua em 1983.

 A biografia de Madame Mao ficaria estereotipada principalmente pela fúria vingativa e assassina com que tratou seus inimigos durante a tumultuada Revolução Cultural (1965-1976), o que lhe valeu a alcunha de “Demônio dos Ossos Brancos”. A filha indesejada de uma concubina que se recusou a ter os pés amarrados, como mandava a autoritária tradição milenar chinesa, a atriz voluntariosa e rebelde que se tornaria companheira do líder revolucionário Mao Tsé-tung no final dos anos 1930, foi praticamente varrida na poeira da história, como aquelas bonecas que ela autografava, esquecidas para sempre no armário de brinquedos de alguma criança. O resgate dessa figura trágica e complexa é feita no livro: “A construção de Madame Mao” (2002), de Anchee Min, uma talentosa escritora chinesa radicada nos Estados Unidos desde 1984.
A narrativa cativante de Anchee revela uma mulher ambiciosa, valorosa, mas também carente, que tentava se libertar da opressiva herança familiar buscando segurança em seus companheiros – ela teve três antes de Mao. Com este último, que encontrou nas montanhas de Yan’an, quando ele liderava a guerrilha comunista contra o governo de Chiang Kai-chek, Jiang Qing viveu uma intensa paixão. Madame Mao era odiada pelo entourage maoísta e, apesar de reivindicar, jamais teve nenhum cargo político. Apenas quando o Grande Timoneiro se viu ameaçado pelos seus inimigos dentro do Partido Comunista, no início dos anos 60, Jiang Qing se transformou numa das principais inspiradoras da Revolução Cultural, um movimento anárquico, mobilizador de milhões de estudantes que Mao manipulou contra a liderança comunista. A ex-atriz finalmente encontrava o papel e o palco de sua vida, que terminariam com a morte do imperador vermelho, em 1976. A construção de Madame Mao mostra, a personagem demasiadamente humana, muito além dos estereótipos machistas costumeiros.
A linha de massas deu ao maoísmo comparativamente uma natureza sempre distinta do bolchevismo e das experiências socialistas típicas dos países europeus. De um modo geral, as execuções de inimigos do povo eram precedidas de julgamentos com grande participação popular. Com um intuito pedagógico muito diferente do dos métodos aplicados pela Tcheka, caracterizados, após a guerra, pelo desaparecimento silencioso dos opositores. Os militares do exército branco que se rendiam eram em regra integrados no Exército Vermelho, e muitos oficiais e patrões foram também aceitos, desde que concordassem honestamente com a direção do partido. De um modo geral, pode-se dizer que o comunismo maoísta nunca teve semelhanças com a experiência socialista da União Soviética ou dos países do Leste europeu. O melhor exemplo dessa diferença seja o destino dado ao monarca do regime deposto na Rússia e na China. Na primeira ele foi fuzilado, bem como toda a sua família e criadagem, sem julgamento. O imperador foi ressocializado, na falta de melhor expressão e mais tarde “empregado como cicerone do palácio que outrora fora dele e que depois passou a ser aberto ao povo”. 
Segundo Mao Tsé-Tung, as classes sociais permanecem depois da tomada de poder pelos revolucionários, de modo que também deve continuar a luta de classes durante o governo socialista, já que a burguesia mantém, após a revolução, a capacidade de restaurar o capitalismo. Evitar que isso acontecesse na China foi o principal motivo para organizar a Grande Revolução Cultural Proletária. Além dos pontos essenciais que diferenciariam o maoísmo do marxismo-leninismo, o pensamento de Mao contém uma doutrina militar integral que liga explicitamente a ideologia política com a estratégia militar. Para o maoísmo, “o poder nasce do fuzil”, e por essa via era possível que os camponeses participassem numa guerra popular configurada como guerra de guerrilhas marxistas em três fases: Primeira: mobilização de camponeses e estabelecimento da organização. Segunda: estabelecimento das bases rurais e incremento de coordenação entre guerrilhas. E terceira, refere-se à transição em face de uma guerra convencional.
A partir dos finais do século XIX, sob a influência das várias igrejas cristãs, e, especialmente dos missionários protestantes, os intelectuais chineses começaram a despertar para a necessidade de repensar o estatuto da mulher na sociedade chinesa. Com a chegada da república, a luta pela emancipação da mulher é assumida pelo poder político. O movimento feminista inicial, por transplante da influência ocidental, que desde cedo começou também a evidenciar características chinesas. Assim, a libertação das mulheres, desenvolveu-se, por um lado, seguindo os padrões ocidentais, que valorizavam, sobretudo, a educação e a aquisição de direitos cívicos e econômicos para as mulheres. Mas, por outro lado deu origem as tentativas de libertação de contornos mais revolucionários e nacionalistas. Para muitas feministas chinesas, a emancipação da mulher só faria sentido se fosse integrada no movimento político mais vasto de libertação do país, leia-se das influências, querem dinásticas, querem estrangeiras. Esta segunda vertente do movimento social feminista acabou por se integrar necessariamente no partido comunista chinês.
As mulheres, desde 1949, na nova China revolucionária, passaram, a ocupar metade do Céu, para tal deviam corresponder ao que a nova ideologia política representava para elas, em princípio deviam libertar-se, sobretudo economicamente. Passariam a serem as forças produtivas modelares da China vermelha. A mulher chinesa do mundo é agora figura de algum peso, sobretudo, nas cidades. Masculiniza-se, endurece e tem tendência a isolar-se, numa reação, por ventura natural, a um passado de sofrimento e dor. No campo, porém, a sua situação não melhora grandemente, sobrecarregada e dividida através da divisão social do trabalho entre as tarefas de casa e trabalho, continua a encontrar no suicídio uma resposta confortante para os males que a afligem. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam as relações das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas reparadoras sem caráter expiatório. Do ponto de vista do trabalho a gestão de carreira envolve duas partes principais: a da organização e a concepção do indivíduo. Diferentemente de décadas passadas, quando as organizações definiam as carreiras de seus empregados, na modernidade o papel do indivíduo na gestão da carreira se torna relevante e assume um papel progressivamente mais atípico. 
Em relação ao período anterior a Revolução Chinesa, o avanço econômico chinês durante o Período Maoísta é inequívoco. Neste dado período, a China cresceu a uma taxa anual média de 4,4% a.a., muito superior ao verificado entre 1820 e 1952, quando esta taxa foi de 0,22% a.a. Entretanto, apesar do PIB chinês triplicar entre 1952 e 1978, em termos internacionais, sua participação na economia mundial, manteve-se em torno de 5%. Por outro lado, se entre 1700 e 1820, o PIB per capita chinês permaneceu essencialmente o mesmo e, entre 1820 e 1952, declinou a uma taxa anual média de 0,1% a.a., no período posterior, entre 1952 e 1978 esta tendência foi invertida, com a taxa anual média de crescimento sendo de 2,33 a.a., contudo, abaixo da média Por seu turno, a estatização dos meios de produção e a planificação da economia alcançaram importantes avanços na industrialização pesada e na infraestrutura com a duplicação das ferrovias e da área irrigada. Entre 1952 e 1978, o setor secundário aumentou sua participação no PIB de 10 % para 36,8%, enquanto o setor primário caiu de 59,7% para 34,4%, comparativamente no mesmo período. Por outro lado, a população rural manteve-se estável, próxima a 80%, o que sinaliza a importância da industrialização realizada nas comunas. Assim, em 1978, a China caracterizava-se por ser um país significativamente industrializado, embora geograficamente não urbanizado.
Enfim, para sermos breves, no que diz respeito à economia e as contas externas, houve um pequeno aumento do comércio exterior chinês, sobretudo, até a década de 1960, momento a partir do qual o país se encontrou praticamente isolado internacionalmente, fruto não apenas da estratégia de autossuficiência, mas, fundamentalmente, devido aos embargos comerciais imperialistas ocidentais impostos ao país até a década de 1970.  Demograficamente, contudo, a China cresceu rapidamente no Período Maoísta. Enquanto entre 1820 e 1948, a população chinesa crescera 49%, apenas nos 26 anos decorridos entre 1952 e 1978, o país passou de 569 milhões de habitantes para 956 milhões, um aumento de 68%. Este extraordinário aumento populacional levaria as autoridades chinesas, já em 1972, a adotarem um conjunto de medidas com o objetivo de controlar a natalidade, sendo sancionada em 1978 a chamada “política de filho único”. O acentuado aumento populacional relaciona-se ao fim dos conflitos armados e às melhorias verificadas na saúde básica, com sensível diminuição da taxa de mortalidade infantil, de 37 para 18,2 mortes a cada 100 mil recém-nascidos e no aumento da expectativa de vida de 38 para 64 anos. Paralelamente, houve um aumento expressivo da escolaridade da população chinesa medido pela média dos anos dedicados ao ensino entre pessoas com mais de 15 anos, aumentando consideravelmente de 1,7, em 1952, para 5,33, em 1978.
Outra diferença capital comparativamente com a época de Mao Tsé-Tung nos anos seguintes à sua morte foi o final do poder unipessoal. Deng apoiou um sistema de liderança coletivo e uma sucessão organizada após sua morte em 1997. Jiang Zemin foi presidente durante dois mandatos de cinco anos e seu sucessor, Hu Jintao, cumpriu com a nova tradição. Mas Xi voltou aos velhos tempos revolucionários para se tornar o líder mais poderoso desde Mao. Como Mao, Xi se “beneficiou” do culto à personalidade desenhado por veículos estatais. Guardadas as proporções o fundador do país teve o pensamento e a radicalização política de Mao Tsé-Tung. O atual líder consagrou na Constituição o pensamento Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma Nova Era. Mao teve seu Livro Vermelho. Xi tem sua versão do século XXI, um aplicativo ideológico pró-governo chamado “Study Xi, Strong Country”, em seus ensinamentos. Xi Jinping supervisou a chamada “linha dura” contra a corrupção que castigou mais de 1,5 milhão de responsáveis do partido, uma medida popular entre os cidadãos comuns, mas observada pelos analistas como uma possibilidade de expurgar rivais. A “abertura” da economia não foi acompanhada de reformas políticas. Os opositores temem que as autoridades utilizem o desenvolvimento tecnológico da China, como o reconhecimento facial, para vigiar mais seus cidadãos. Na região de Xinjiang, no Noroeste, a maioria da etnia uigur sofreu na própria carne o alto custo de estar enfrentado com o governo. Os defensores dos direitos humanos suspeitam que o governo chinês tenha internado em acampamentos de reeducação a um (01) milhão de pessoas, principalmente desta minoria e da kazaja, ambas muçulmanas. 
Bibliografia geral consultada.

BÈRGERE, Marie-Claire, A Economia da China Popular. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980; BETTELHEIM, Charles, A China Depois de Mao. Lisboa: Edições 70, 1981; MEYER, Charles, Histoire de la Femme Chinoise. 4000 ans de Pouvoir. Paris: Editeur Jean Claude Lattès, 1986; DENG Xiaoping, Selected works (Vol. I: 1938-1965). Beijing: People’s Press Editors, 1993; GRANET, Marcel, O Pensamento Chinês. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 1997; MIN, Anchee, Construção de Madame Mao. São Paulo: Editora Rocco, 2002; SUKUP, Viktor, A China frente à Globalização: Desafios e Oportunidade. In: Rev. Bras. Polit. Int. 45 (2): 82-113; 2002; NAVES, Márcio, Mao – O Processo da Revolução. São Paulo: Editora Brasiliense, 2005; FAIRBABK, John King & GOLDMAN, Merle, China: Uma Nova História. Porto Alegre: LP&M Editores, 2006; QING, Jiang, “From Mind Confucianism to Political Confucianism” in Fan, Ruiping (ed.) The Renaissance of Confucianism in Contemporary China. Hong Kong: City University of Hong Kong, 2011; pp. 17-32; MITTER, Rana, China Moderna. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2011; CARVALHO, Miguel Henriques, A Economia Política do Sistema Financeiro Chinês (1978-2008). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2013; RAMOS, Marcelo Maciel; ROCHA, Rafael Machado, O Confucionismo Político e os Caminhos para o Constitucionalismo Chinês. In: Rev. Fac. Direito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, n° 67, pp. 421-452. jul./dez., 2015; SILVA, Athos Munhoz Moreira da, A  Ascensão da China e os seus Impactos para o Leste Asiático. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais. Faculdade de Ciências Econômicas. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015;  entre outros.