Capistrano de Abreu – Etnografia, Literatura & História do Brasil.
Ubiracy de Souza Braga*
“Varnhagen
continuará sendo o mestre, o guia, o senhor”. João Capistrano de Abreu
João Capistrano Honório de Abreu nasceu em 1853, no sítio de Columinjuba, situado em Maranguape, no estado do Ceará. Seu pai depois de herdar a terra de seu avô, reconstruiu a casa e se tornou, por assim dizer, um dos “homens bons” da região, pois tinha o suficiente para sustentar a família e gozar de algum prestígio social. Ele pertencia à Guarda Nacional e à burocracia provincial, tendo obtido a patente de major. Criação dos liberais de 1831 prestou relevantíssimos serviços à ordem pública. Foi um grande auxiliar do exército de linha nas nossas guerras estrangeiras, como ocorrem com os etnogenocídios de 1851 a 1852 e 1864 a 1870. Neste último período chamado pelo cineasta Silvio Back, “Guerra do Brasil” quando obteve o Prêmio Especial do Júri no III Rio-Cine Festival em 1987. De lá a guarda municipal tornou-se meramente decorativa. As origens de Maranguape retornam aos primeiros habitantes destas terras, índios de várias etnias com os: potiguaras, pitaguaris. Os quais já cultivavam mandioca, milho e sabiam da existência de minerais na região. As terras de Maranguape receberam no ano de 1649, a presença dos holandeses a Expedição em busca das minas de prata na serra da Taquara e serra de Maranguape.
Germanófilo de espírito e coração, Capistrano de Abreu foi, ao lado de Tobias Barreto, dos maiores divulgadores da cultura alemã, e, sem dúvida no campo da história, devesse-lhe a introdução de “métodos críticos que hoje alguns historiadores procuram seguir”. Admirador de Goethe de quem sempre repete ou as palavras do Wilhelm Meister “obrar é fácil, pensar é difícil, obrar segundo seu pensamento ainda mais difícil”, ou as de Fausto “de que não teria o livro lido por aqueles que mais quiseram”, Capistrano representa na história das idéias no Brasil uma das mais autênticas forças e uma das mais lúcidas consciências. Sua biografia é de interesse social, se já não é um truísmo tal assertiva, na medida em que se reconhece o lugar de análise inovador que obteve com o devido mérito na historiografia brasileira. Refugiou-se na literatura especializada, criando um mundo de palavras, frases, citações ora confusas, ora inovadoras, distanciando-se do seu passado, mas pari passu constituindo o prestígio de “homme de Lettres”. Contudo, não temos a pretensão de rever a sua posição intelectual pioneira no âmbito da historiografia, mas tão-só indicar pistas no plano das idéias daqueles que, seguindo a influência de F. A. de Varnhagen tendem a engrossar fileira dos iniciadores do pensamento histórico que, para sermos breves, “redescobrirá o Brasil”.
Na serra da Taquara, estes
ainda ergueram uma base de apoio em cima da serra. Maranguape é um município
brasileiro do estado do Ceará localizado na região metropolitana de Fortaleza.
É berço do fundador do Correio no Ceará, Álvaro da Cunha Mendes; da abolicionista
Elvira Pinho e de um dos proclamadores da República, o Tenente Coronel Jaime
Benévolo; do Matemático e General de Brigada Francisco Benévolo; do Professor e
escritor Tenente Odilon Benévolo; do historiador e jurista João Capistrano de
Abreu; do humorista Chico Anysio e da atriz Lupe Gigliotti, nome artístico de
Maria Lupicínia Viana de Paula. Formada em Direito em 1959, e em 1967 formada
na escola de Teatro Tablado a convite de Escritora e Diretora Maria Clara
Machado. Lupe começou a atuar no teatro, na televisão e no cinema na década de
1970. Foram 17 papéis no teatro e 19 em novelas e seriados. No cinema, ela
atuou em onze filmes. Irmã do ator e humorista Chico Anysio e de Zelito Viana,
era mãe da atriz e diretora Cininha de Paula, tia dos atores Nizo Neto, Bruno
Mazzeo, Lug de Paula e Marcos Palmeira e avó da atriz Maria Maya. As origens de
Maranguape retornam aos primeiros habitantes destas terras, índios de várias
etnias com os: potiguaras, pitaguaris. Os quais já cultivavam mandioca, milho e
sabiam da existência de minerais na região. As terras de Maranguape receberam
em 1649 os holandeses da expedição em busca das minas
de prata na serra da Taquara e serra de Maranguape. Na serra da Taquara, estesergueram uma base de apoio em cima da serra.
Ele estava convicto
– afirma José Honório Rodrigues - de que era preciso, pelo menos, “equilibrar a
decisiva influência francesa no Brasil com a divulgação do pensamento
anglo-germânico”. O motivo de sua vinda para o Rio de Janeiro, “constitui
episódio ainda não totalmente esclarecido em sua biografia”. Preparando o
ambiente favorável à sua admissão no jornalismo carioca, já em dezembro de
1874, escrevera Alencar uma carta ao Bruno Seabra, poeta lírico, romancista e
folhetinista que cultivava o humorismo em seus versos e prosa em que há outra
alusão à hipótese que está sendo formulada.- “Creio eu que, além de granjear
nele um prestante colaborador, teria o jornalismo fluminense a fortuna de
franquear a um homem de futuro, o caminho da glória, que lhe está obstruindo
uns acidentes mínimos”.
A Escola de Recife mantinha a distinção metodologicamente entre “natureza e
cultura”, resistindo em tese ao cientificismo sociológico. Este dominava a
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola de Minas de Ouro Preto, o
Colégio Pedro II, a Escola Normal, o Colégio e a Escola Militares, a Escola
Naval, as Faculdades de Medicina e Direito, que formavam os profissionais
liberais, políticos, intelectuais, empresários, impregnados de Comte, Spencer e
Darwin. O pensamento de Capistrano revela essa divisão e confusão da discussão
intelectual no Brasil do século XIX. Foi o estudo de documentos, o primado do
objeto de pensamento que “converteu Capistrano do cientificismo à ciência”. Sob
a influência de Leopold Von Ranke, Niebhur e Humboldt, dará ênfase aos
documentos, sem buscar “leis”, mas a compreensão. Ipso
facto a entrada de Capistrano de Abreu para a Biblioteca Nacional, em 1879,
como oficial, em vista do concurso público de provas e
títulos, que iria decidir, definitivamente, sua vocaçãono exercício virtuoso do ofício de historiador.
Até essa época, avultava em seus escritos jornalísticos a
crítica literária, iniciada ainda no Ceará, onde já o atingira o interesse pela
História do Brasil, como em carta de 21 de janeiro de 1914, relatou a José
Veríssimo. De sua colaboração na Gazeta
de Notícias, constam numerosas notas bibliográficas, que alguns
pesquisadores ainda não conseguiram identificar e reunir totalmente. Um deles
José Arimatéia Pinto do Carmo, ampliando a lista antes esboçada, ali registrou resenhas
de Capistrano referentes a obras de Félix Ferreira e Júlio Lourenço Pinto;
sobre a edição em francês da “Retirada da Laguna”, de Alfredo de Escragnolle
Taunay; sobre “Contos e Sonetos”, de Valentim Magalhães; quanto a uma reedição
da “História da América Portuguesa”, do “oco e ruidoso” Sebastião da Rocha
Pita; corrigindo “O Brasil e as Colônias Portuguesas”, de Oliveira Martins; e
outra com sérias restrições à “Crônica Geral do Brasil”, de Melo Morais – todas
de 1879 e 1880. Outras se referem ao “Compêndio de Civilidade Cristã”, de D. Antônio
de Macedo Costa; ao “provinciano” folheto “Crítica de Escada a Baixo”, de Silva
Jardim; às “Questões Sociais”, de José Leão e a outras publicações.
Incluem-se
ainda ao setor literário outros trabalhos de 1880: “Camões de Perfil”, escrito
a propósito do terceiro centenário de morte do poeta; e severa apreciação de um
livro de Sílvio Romero, “A Literatura Brasileira e a Crítica Moderna – Ensaio
de Generalização”. Notável acontecimento de nossas letras de ficção, o
aparecimento das “Memórias Póstumas de Braz Cubas”, de Machado de Assis, seu
companheiro no estudo de inglês e alemão. Outros vultos e obras continuaram
ocupando Capistrano com o ofício de jornalistas, inclusive na seção denominada
“Gravetos de História Pátria”. Assim, Tobias Barreto, a “Gramática Portuguesa”,
de Júlio Ribeiro, e Raul Pompéia, este na Gazetinha. Um ex-amigo seu,
colaborador na edição de trabalho do Padre Fernão Cardim – “Do Princípio e
Origem dos Índios do Brasil”, Batista Caetano de Almeida Nogueira, iria ocasionar
a transcrição de um necrológio seu, da Gazeta de Notícias, na prestigiosa Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Em
1880 ele reuniu em um opúsculo quatro artigos aparecidos na Gazeta de Notícias.
Era o seu primeiro volume de história do Brasil. Intitulava-se “O Brasil no
Século XVI. Estudos. I – A Armada de D. Nuno Manuel”. Dedicou-o aos colegas da
Biblioteca Nacional. Há esse tempo, porém, já estava definitivamente
encaminhada a vocação para a História: a organização na Biblioteca Nacional da
primeira Exposição de História do Brasil, em 1881, e do respectivo Catálogo
levaria este funcionário a integrar-se na especialidade. Pela colaboração
prestada aos trabalhos da Exposição, por ato imperial de 7 de janeiro de 1882
foi condecorado, com outros funcionários da Biblioteca, recebendo o grau de
Cavaleiro da Ordem da Rosa. Podemos, assim, considerar o período de 1878 a 1883
como a primeira fase de Capistrano como historiador, se tomarmos como
referência o “Necrológio” de Varnhagen. Esses trabalhos representaram o
prelúdio de outro ensaio mais sério, a Tese de concurso público de provas e
títulos à Cadeira Acadêmica de Corografia e História do Brasil do Imperial
Colégio Pedro II, vaga pela morte de Joaquim Manuel de Macedo, intitulada: “Descobrimento
do Brasil e seu Desenvolvimento no Século XVI”, de 1883.
A
Tese para o concurso ao magistério do Imperial Colégio Pedro II apresentou,
“pela primeira vez entre nós”, metodologicamente para cada capítulo, a
indicação das fontes principais e auxiliares, de que se serviu o autor, para
exposição e crítica analítica dos respectivos temas. Dando início a uma
atividade nunca mais interrompida, lembra-nos Vianna (1999: XIX), “a de
divulgar documentos inéditos de utilidade à História do Brasil, à tese
acrescentou Capistrano um deles, e do maior valor, a carta de Estêvão Fróis ao
rei D. Manuel, de 1514, alusiva a viagens de portugueses à costa Norte do
Brasil, nos primeiros anos da centúria, ou nos últimos da anterior”. Conhecendo
pela lição de F. A. de Varnhagen, o valor dos documentos guardados nos
arquivos, para o esclarecimento analítico-descritivo de numerosos episódios da
história do Brasil, ainda em 1883 começou Capistrano de Abreu a divulgá-los em
publicações isoladas. Ronaldo
Vainfas, que faz uma leitura extemporânea de Capistrano de Abreu, tendo em
vista que não desconhece a problemática da historiografia brasileira sobre o
tema, portanto, só aparentemente Capistrano pode ser considerado “rival de
Varnhagen”.
Foi, porém como ele mesmo admite, “paradoxalmente, um seguidor do
visconde de Porto Seguro em vários aspectos”. Como afirma o historiador
fluminense, a própria idéia de fazer uma “nova história” do Brasil começou a
germinar em Capistrano, de fato, não em sonho, mas a propósito de uma reedição
crítica de Varnhagen, isto é, o projeto de fazer alentadas introduções a cada
um dos volumes da História geral do Brasil. Assim surgiram alguns “Capítulos”,
ou o esboço deles, parte dos quais publicados, em versão simplificada, a partir
de 1905, na revista “Kosmos” do Rio de Janeiro, sob o título de “História
pátria”. O fato é que, para o historiador carioca “Capistrano sofreu para
concluir os Capítulos”. No
caso de Capistrano, a insistência para concluir os “Capítulos”, que deveriam
ser ampliados até o período republicano, fê-lo estender-se por meses para
concluir o livro, ficando sempre insatisfeito com os resultados, queixando-se
de tudo e de todos. - “Sou verdadeiramente um galé”, escrevia a Studart. Publicou
o livro em 1907, mas logo pensou em reescrevê-lo para uma segunda edição,
tarefa que jamais conseguiu realizar. As demais edições da obra foram todas
póstumas. Contudo, o que há de meritório desse ponto de vista, é que há
importantes inovações na estrutura da obra, em seu temário que, seguramente não
obedece a uma lógica de “história oficial”, partindo do descobrimento, seguindo
os fatos institucionais, os governos, as invasões dos colonizadores, até a
chegada de D. João ou, à própria Independência ou emancipação política do
Brasil. Capistrano
não deixa de adotar certa ordem cronológica a partir do terceiro capítulo, e
vai sumariando, em alguns capítulos, os fatos históricos ou processos dos
séculos XVI ao XVIII, das guerras holandesas do XVII, dos tratados de limites
entre portugueses e espanhóis. Mas, dentre os recortes que diríamos
convencionais de alguns capítulos, há outros verdadeiramente monográficos, como
no caso do clássico “O sertão” e no do último deles, “Três séculos depois”.
Contudo, a ambiguidade entre o convencional e o inovador que se percebe na
arquitetura da obra, isto é, o compromisso de tratar dos “grandes fatos” e ao
mesmo tempo mergulhar em assuntos desconhecidos, reaparece de vários modos na
narrativa dos onze capítulos, o que leva alguns historiadores a comentá-los,
estruturando um debate “entre a tradição e a radicalidade”.
Para
que notemos como eram mal compreendidas, entre nós, as atividades de
Capistrano, bastam repetir o que a respeito de seus estudos etnográficos
registrou o conterrâneo Rodolfo Teófilo, em 1922: - “Seu precioso tempo,
cultura e mentalidade vai gastando no estudo da língua dos índios ‘caxiuvas’;
melhor fora que o fizesse em obra de mais utilidade e relevância”. O que também
ocorrera por esta altura, 1928, quando Constâncio Alves e Alceu de Amoroso
Lima, concordou na apresentação do motivo para justificar a falta da
História do Brasil. Também um compendiógrafo, Jonatas Serrano, formava coro
dessas lamentações, passados três anos depois, em sua História do Brasil: “Pena é que
não levasse a cabo uma História do Brasil de largas proporções segundo um plano
pessoal”. Paulo Prado, colocando brilho com um pouco de exagero na pintura afirma: “foi diante dessa tarefa
gigantesca que recuou a honestidade intelectual de Capistrano de Abreu; preferiu ser o
operário minucioso e incansável a erigir em areia incerta uma catedral
disforme”.
Isto
posto entendemos que, se Capistrano não se propôs a escrever uma história do
Brasil é porque ele tinha claro que a noção de “descobrimento” do Brasil,
trazia implícito em sua historicidade uma espécie de Aufhebung sobre “as
terras descobertas [que] estavam habitadas de tribos das diversas nações até
então conhecidas pelos portugueses”. Posto que, não elas menos diversas entre
si, mas no meio de diferenças golpeantes apresentavam notáveis pontos de
profunda semelhança. Nem uma designação geral os compreendia: os estrangeiros
chamaram-lhes negros, brasis, brasilienses, e por fim, índios, último resíduo
de uma ilusão milenar, reverdecida por Colombo. E, de seu passado, histórico e
teórico e ideológico falecem monumentos. Um lado encantador do trabalho intelectual de Capistrano
de Abreu é que viveu no trabalho, no amor à história. Teve seus sofrimentos, como a demência
do amigo Alfredo Vale Cabral, colaborador em pesquisas e traduções. Doente
desde 1890 até a morte, quatro anos depois, Capistrano visitava-o emocionado. A
morte da mulher, em 1891, abalou-o com a agravante da separação dos filhos,
então com a sogra, a quem compreensivelmente dedicava grande estima. A entrada da filha para o
convento, em 1905, deu-lhe imensa tristeza.
A morte do filho Fernando – que ele
belamente chamava de Abril -, com a tragédia da epidemia de gripe espanhola de
1918, transformou-o mais ainda profundamente. Só no trabalho, assim encontrava
lenitivo para os sofrimentos e razão para viver. Revelou uma nobreza fecunda da
existência humana que abre uma fase na historiografia brasileira. Se teve
desafetos, teve mais amigos fiéis, que o veneravam. E a posteridade, tem
exaltado a sua memória. Morrendo em 1927, criou-se a Sociedade Capistrano de
Abreu, para divulgação de suas principais obras. E os juízos favoráveis
predominam. Hélio Viana, que lhe dedicou livro compreensivo, considerou-o “o
maior de nossos historiadores”. E José Honório Rodrigues, seu Editor, anotador
e admirador, disse em 1953: - “Capistrano foi a mais lúcida consciência da historiografia
brasileira”. E, reitera Iglesias - “foi o primeiro historiador moderno e
progressista do Brasil”. De fato, poucos brasileiros se dedicaram tanto à historiografia e fizeram tanto por ela sob determinadas condições sociais, inclusive de espaço e tempo. Essa formação de um “autodidata lúcido” e com o sentido da realidade, deu-lhe a visão inovadora do quadro historiográfico, permitindo-lhe a obra máxima que realizou como homem de seu tempo. Como F. A. de Varnhagen do ângulo da neutralidade axiológica deslocou-se da démarche da história política então predominante, escrevendo com liberdade de pensamento e de expressão. A vocação de historiador fez-se história a descoberta da política, mas também da história social e econômica. Ipso facto, a geografia e a antropologia que cultivou através do contrato social como tradutor certamente alargaram-lhe o horizonte da reflexão histórica e etnográfica crítica e pontual.
Em 1875 Capistrano de Abreu viaja para o Rio de Janeiro, quando sua personalidade desabrocha em plenitude. - Aqui no Rio só fiz duas aquisições: saber o alemão o bastante para lê-lo e rede, sem estar me levantando a cada instante para recorrer ao dicionário ; e através de Wappoeus, Peschel e Ratzel compreender que a geografia é tão bela ciência como difícil (...). Nossa aula de alemão, de 1883-1884, teve como professor Carlos Jansen, por alunos Ferreira de Araújo, que depois o tomou para explicador e ficou sabendo muito bem a língua, Orville Derby, Vale Cabral, Silva Araújo, Pompéia e Machado de Assis, sobre quem Capistrano escrevia a José Veríssimo, nascido no Pará em 1857 e falecido no Rio, em 1916. Veio para a capital ainda adolescente, tendo frequentado o colégio Pedro II e a Escola Politécnica. Voltou à província e cedo começa a atividade literária, tratando de sua terra, a Amazônia, que lhe deve agudas e belas páginas. Sua obra mais consistente é a série de seis volumes de Estudos da Literatura Brasileira, entre 1901 e 1907. Escreveu admirável História da Literatura Brasileira, editada postumamente, em 1916, criteriosa e contida, na qual se encontram análises de historiadores em geral corretas. Deixou escritos antropológicos, etnográficos, filológicos valiosos que datam em geral do início de sua carreira. Provavelmente, Capistrano deve ter-se iniciado no alemão antes desta data, pois em 1880 traduzia para a Gazeta de Notícias um artigo da Gazeta de Colônia. Sua aprendizagem demonstrou tirocínio, pois já em 1884 fazia sua primeira tradução, a obra de J. E. Wappoeus sobre a geografia do Brasil. Daí em diante, como disciplina para consolidar o domínio da língua cujo conhecimento julgava indispensável, traduz Geografia, Medicina, História Natural, Viagens e Direito. Em nota autobibliográfica enumera para Studart suas traduções até 1901 e logo a seguir até 1902; Wappoeus, Selin, Os Mamíferos e as Aves do Brasil, de Goeldi, Kichhoff, Biernacki, Kohler, sendo que estes três últimos fariam parte da coleção literária intitulada Biblioteca do Século XIX, que a pioneira editora Laemert publicaria sob a direção do próprio Capistrano de Abreu.
Suas traduções do alemão ampliam-se, não cessam e revelam seu intresse pela divulgação da cultura germânica. Traduz Paulo Ehrenreich, Sophus Ruge, Friedrich Katzer e novamente Goeldi. Dominada a língua, exercitada várias traduções, Capistrano que lia também as línguas românicas, como qualquer brasileiro culto, o espanhol, o francês, o italiano e as anglo-germânicas, como inglês, estudando sempre o holandês e o sueco, começou consciente ou inconscientemente a deixar crecer no seu coração uma profunda admiração pela Alemanha, a ler e divulgar no Brasil as ideias, teorias e o conhecimento histórico, geográfico e econômico alemães, a manter relações de amizade e especialmente transformou sua concepção histórica, baseada especialmente no positivismo francês ee inglês, na concepção da teoria germânica do realismo. O convívio continuado dos autores alemães, que agora frequentava desembaraçadamente, começava a produzir seus efeitos positivos. O fato é que, a partir dessa conjuntura histórica, começa a aferrar-se com todas as suas forças à realidade histórica, a missão histórica mais importante do ofício de historiador, segundo ideais alemães e, talvez, não positivistas. Os germes de suas influências novas e de seus novos caminhos surgem quando Capistrano encontrava-se imerso, ao nível ideológico, na esfera analítica do positivismo em 1881-1882.
Metodologicamente, germanófilo de espírito, Capsitrano foi, ao lado de Tobias Barreto, um dos maiores divulgadores da cultura alemã, e, sem dúvida no campos da história, deve-se-lhe a introdução de métodos críticos que hoje alguns historiadores procuram seguir. Admirador de Goethe de quem sempre repete as palavras de William Meister obrar é fácil, pensar é difícil, obrar segundo seu pensamento ainda mais difícil, ou as de Fausto de que não teria o livro lido por aqueles que mais quisera, Capitrano representa na história das ideias no Brasil uma das mais autênticas expressões e uma das mais lúcidas consciências. Ele estava convicto, afirma José Honório Rodrigues, de que era preciso, pelo menos equilibrar a decisiva influência francesa no Brasil com a divulgação do pensamento anglo-germânico. E nesse sentido seu papel foi plenamente cumprido. Na capital do país, foi bem acolhido pelo antigo professor Cônego Bezerra, pelo senador Domingos José Nogueira Jaguaribe, depois visconde de Jaguaribe, em cuja residência por algum tempo esteve hospedado, pelo negociante Paulino Nunes Melo e outros. José de Alencar o pôs em contato com diversas pessoas, inclusive Joaqium Serra, que, por sua vez, em carta de 11 de maior de 1875, apresnetou ao escritor Machado de Assis, dizendo muito recomendável seu mérito litrarário. Empregou-se provisoriamente na Livraria Garnier, e por mais tempo, de 1876 a 1880 foi professor de português e francês no Externato Aquino. Ingressou, igualmente, no jornalismo em stermbro de 1879, para o corpo redatorial da Gazeta de Notícias.
Não devemos perder de vista que os intelectuais brasileiros do final do século XIX começaram a perceber a distância social entre a realidade brasileira e o pensamento que eles próprios produziam. As ideias estavam no lugar. Havia um esforço de síntese daqueles que queriam encarar de forma nova o passado brasileiro. Tinham agora uma preocupação cientificista, tendo como principais referências o pensamento de um Comte, Buckle, Darwin e outros. No pós-guerra etnogenocida do Paraguai, essa geração quer reinterpretar a história brasileira, privilegiando não mais o Estado (ou minotauro imperial) Imperial, como F. A. de Varnhagen o fez, mas o povo e sua constituição étnica, daí a resposta subliminar por que não escreveu Capistrano de Abreu uma história do Brasil? Além disso, a formação intelectual de Capistrano se deu nesse ambiente determinista,cientificista e obviamente racista. Debatia-se, no plano das ideias condicionada através da apropriação do ideário positivista, determinista climático, o determinista biológico, do spencerismo, o comtismo, o darwinismo, as teorias raciais etc. O diferencial do ponto de vista da pesquisa historiográfica é que, Capistrano inseriu em sua análise de viajantes estrangeiros, o folclore. Realizou uma síntese admirável, pelo rigor e justeza. Ademais, não se pode negar, é bem escrita, com estilo e estrutura notáveis, não comuns na produção nacional, como se sabe. Isto porque contém visões pioneiras, julgamentos audaciosos, mas quase sempre justo do ponto de vista da análise comparada. Para sermos breves, Capítulo de História Colonial, de 1907, é considerado seu melhor livro, o mais ogãnico, trabalhado com método próprio, original e fecundo. É um dos bons livros da historiografia. Foi o primeiro grande lvro sobre a história colonial. A história seria compreendida como o universo, melhor dizendo, um mecanismo autorregulado, submetido a leis, passível de um conhecimento objetivo. A ciência passava de método a visão de mundo, desvalorizando as verdades trazidas pela tradição, pela religião, pela filosofia. Euclides da Cunha, Oliveira Vianna, Silvio Romero, Tobias Barreto, enfim, a geração de Capistrano de Abreu, discutia darwinismo social, luta pela vida, fora do sentido nietzscheano, seleção das espécies e defendia um conhecimento antimetafísico, empírico, histórico entre outros.
No Brasil do século XIX, ninguém amis que Tobias Barreto concorreu para a renovação de nossa cultura; chefiava a Escola de Recife, cujos principais expoentes foram Silvio romero, Clóvis Belilacqua, Artur Orlanbdo, José Higino, Capsitrano de Abreu, Martisn Junior, Araripe Junior e Graça Aranha. Polêmico e revolucionário de ideias teve que enfrentar uma pleiade de opositores; estes combatiam-no com ardor, sentimento comum entre os intelectuais que recusavam aceitar avanços sócio-culturais no campos das ideias, seus opositores mostravam-se arredios, tensos com a possibilidade de quaisquer mudanças sociais; reacionários, combatiam as ideias que ocorriam no espírito e pelas ideias do Realismo que influenciava as faculdades de Direito do Recife e São Paulo. A Esola de Recife mantinha a distinção metodológica entre natureza e cultura, resistindo em tese ao cientificismo sociológico. Este dominava a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola de |Minas de Ouro preto, o Colégio Pedro II, a Escola Normal, o Colégio e a Escola Militares, a Escola Naval, as Faculdades de Medicina e Direito, que formavam os profissionais liberais, políticos, intelectuais, empresários, impregnados de Comte, Spencer e Darwin. O pensamento de Capsitrano de Abreu revela essa divisão e confusão da discussão intelectual no Brasil do século XIX. Para Wehling (1999), foi o estudo de documentos, o primado do objeto, que converteu Capistrano do cientificismo á ciência. Isto porque sob a influ~encia de Ranke, Niebhur e Humboldt, ele passará a dar ênfase aos documentos, à sua interpretação sem buscar leis, mas a compreensão. Ipso facto, a entrada de Capistrano de Abreu para a Biblioteca Nacional, em 1879, como oficial, em consequência de aprovação em concurso público de provas e títulos, iria decidir, definitivamente, sua vocação de historiador. Até essa época, avultava em seus escritos jornalísticos a crítica literária, iniciada no Ceará, onde já o atingira o interesse pela História do Brasil, como em carta de 21 de janeiro de 1914, relatou a José Veríssimo. De sua colaboração na Gazeta de Notícias, constam numerosas notas bibliográficas, que alguns pesquisadores ainda não conseguiram identificar e reunir totalmente.
Bibliografia
geral consultada.
RODRIGUES, José Honório, “Capistrano e a Historiografia Brasileira”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 221, pp. 120-138, 1953; ABREU, João
Capistrano de, Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil.
Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1988; Idem, O Descobrimento do
Brasil. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999; FALCON, Francisco José Calazans, “As Ideias e Noções de Moderno e Nação nos Textos de Capistrano de Abreu. Os Ensaios e Estudos”. Disponível em: Acervo - Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro, Volume 12, números 1-2; pp. 5-26, jan./dez., 1999;WEHLING, Arno,
Estado, História, Memória. Varnhagen e a Construção da Identidade Nacional.
Tese de Teoria e Metodologia da História. Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais. Departamento de História. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio
de Janeiro, 1999; CHRISTINO, Beatriz Protti, A Rede de Capistrano de Abreu (1853-1927): Uma Análise Historiográfica do Rã-txa hu-ni-ku-~i em Face da Sul-americanística dos Anos 189--1929. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Semiótica e Linguística Geral. Departamento de Linguística. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2006; SOUSA, Ricardo Alexandre Santos de, Capistrano
de Abreu: História Pátria, Cientificismo e Cultura - A Construção da História e
do Historiador. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz,
2012; OLIVEIRA, Maria da Glória de,Crítica, Método e Escrita da História em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2006; Idem, Crítica, Método e Escrita da História em
João Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2013; GONTIJO, Rebeca, O Velho Vaqueano. Capistrano de Abreu (1853-1927):
Memória, Historiografia e Escrita de Si. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras,
2013; BATALHONE JÚNIOR, Vítor Claret, O Cavalo de Troia da Nação: Tempo, Erudição, Crítica e Método em Capistrano de Abreu (1878-1927). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2015; entre outros.
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