sexta-feira, 31 de março de 2017

Wim Wenders - As Palavras e o Olhar Cinematográfico.

                                                                                       Ubiracy de Souza Braga

                                                               “Olhos não se compram”. Wim Wenders (cf. Buchka, 1987)
 

                        
Ernst Wilhelm Wenders, pseudônimo de Wim Wenders nasceu em Düsseldorf em 14 de agosto de 1945. É um cineasta, dramaturgo, fotógrafo e produtor de cinema, além de uma das mais importantes figuras do chamado “Novo Cinema Alemão”. Desde 1996, Wim Wenders é presidente da Academia de Cinema Europeu em Berlim. Seu pai, Heinrich Wenders, era um cirurgião. O uso do nome holandês, “Wim”, um diminutivo do nome de batismo “Wilhelm/Willem”, condiciona a proveniência holandesa de sua mãe. A versão holandesa do nome foi rejeitada pelas autoridades de registro civil em 1945, por não ser considerada alemã. Wim Wenders graduou-se no colégio em Oberhausen, no Vale do Ruhr. Ele, então, estudou medicina (1963-64) e filosofia (1964-65) na Universidade de Freiburg e Düsseldorf. Entretanto, Wenders desistiu dos estudos universitários e se mudou para Paris em outubro de 1966 para tornar-se um pintor. Ele fracassara em seu exame de admissão para escola nacional de cinema da França IDHEC (“La Fémis”), e, como alternativa, tornou-se um gravurista no estúdio de Johnny Friedlander, um artista norte-americano, em Montparnasse. Fascinado via cinco filmes por dia na sala de cinema.

Uma sala de cinema ou simplesmente o ambiente de um cinema é qualquer sala onde ocorrem projeções de filmes cinematográficos. Mas especialmente uma sala de espetáculos de caráter comercial construída e equipada para esta finalidade. Nas salas comerciais, cada espectador compra um bilhete para ter acesso ao filme a que irá assistir. Cinema representa a técnica e a arte de fixar e de reproduzir imagens que suscitam a interpretação de tempo e movimento, assim como a indústria cultural que reproduz estas imagens. As obras cinematográficas reconhecidas como filmes são produzidas através da gravação de imagens do mundo com câmeras adequadas. Ou na modernidade intrínseca ao cinema pela sua criação utilizando técnicas de animação ou efeitos visuais. Os filmes, no cinema, são projetados em uma grande tela que fica diante do auditório, através de um projetor. Os filmes são assim constituídos por uma série ininterrupta de imagens impressas em determinado suporte, alinhadas em sequência, chamadas fotogramas. Essas imagens são projetadas de forma rápida, sucessiva. O espectador tem a ilusão de observar movimento. A cintilação entre os fotogramas não é percebida devido a um efeito conhecido como “persistência da visão”. O olho humano retém a imagem numa fração de segundo após a sua fonte ter saído do campo da visão.
              As mudanças tecnológicas sempre trazem novas possibilidades de se ter acesso a produtos audiovisuais, mas a sala de cinema conserva-se como o “templo de uma experiência” só vivenciada nesse local. Aparentemente não há nada de especial numa sala de cinema. Mas em verdade, tudo o que existe é minuciosamente estudado e calculado pragmaticamente para proporcionar conexão de sentido e experiência imediata ao espectador. O cinema serve para que se vivencie a experiência proposta pelo realizador da obra cinematográfica exibida. A sala de cinema é analogamente como um cubo fechado. Já dizia Le Corbusier em sua obra “Por uma arquitetura” que o cubo é uma das formas primárias que se revela à perfeição diante da luz. Conhecido por ter sido o criador da “Unité d`Habitation”, conceito sobre o qual começou a trabalhar na década de 1920. E em suas próprias palavras, era talvez o mais belo já que não aceitava ambiguidade. O cubo é um “espaço interior” cujo simbolismo e sentido metafórico são reforçados ao ser um habitáculo minimalista, repetitivo e insensível. São os protagonistas os que têm que preencher esses “vazios” com suas próprias ideias e personalidades. Apesar de ser fortemente metafórico, também possui um forte lado físico. Sua forma, materiais e composição correspondem à arquitetura moderna e contemporânea. Massificado e repetitivo resulta agressivo para o ser humano que o habita. Portanto, na realidade expressa contradição presente em habitações apertadas e carentes de sentido estético e humanista destes dias.
A Cinemateca de Paris é considerada pelo cineasta como uma das casas de sua infância, onde ele pôde penetrar na história do cinema com um sentimento de segurança que somente a cinemateca poderia lhe oferecer. Wim Wenders se inscreveu para uma vaga no Institute des Hautes Etudes Cinematographiques de Paris, porém a sua candidatura não foi aceita, o que fez com que ele decidisse retornar para a Alemanha. Antes mesmo de ingressar nos estudos de cinema, Wim Wenders trabalhou por três meses como auxiliar de escritório no Departamento Administrativo da filial da United Artist Corporation, em Düsseldorf, onde apreendeu o sistema de distribuição e exibição dos filmes. Em 1969, ele escreveu uma crítica para a revista Filmkritk com o título “Despising what you sell”, na qual relata parte das suas descobertas do universo do mercado cinematográfico das produtoras de cinema. Curiosamente, ele iniciou a crítica analítica com um suposto diálogo entre o filósofo Karl Marx e o cineasta David W. Griffith (1875-1948): - “Movies are not made by blind people. But it is only blind people who sell, deal with and distribute them. So films are treated worse than Chiquita bananas or rental-cars” (cf. Karl Marx, in conversation with David Griffith).

Na prática Les Beaux Jours d’Aranjuez (2016), de Wim Wenders, dá forma às folhas e ao céu, dá forma à peça de Peter Handke, um exemplo sóbrio de como se pode oferecer densidade ao texto.  O desejo de ver e de tornar visível, bem como o seu fundamento – a crença na possibilidade de que a imagem possa servir como irremediável prova da existência – é um motivo fabuloso recorrente em outros filmes de Wenders, tais como em suas formas: “Alice in den Städten” (1974), que tira um retrato a Philip Winter (Rüdiger Vogler) e que lhe oferece, para que Philip saiba “como é que se parece”. Ou do périplo de Sam Farber (William Hurt), em: “Bis ans Ende der Welt” (1991), para demonstrar caras e lugares do mundo inteiro à mãe cega. Poder entrever numa tela a luz de uma estação, como se aquele dia estivesse diante de nós, é algo apreciável, pelo menos para aqueles que às vezes, não se contêm e dizem de um filme que “é muito bonito”. Belos eram os dias de Aranjuez e belas são as cores deste filme – o vestido vermelho da mulher (Sophie Semin), a túnica azul do homem (Reda Kateb). Belas são as suas faces, os seus olhos e belo é o verde das folhas visíveis.
As origens do Palácio Real de Aranjuez remontam ao reinado de Filipe II. Foi este monarca quem o mandou edificar, em 1561, sendo os planos definitivos da autoria de Juan Bautista de Toledo, o arquiteto do El Escorial. Quando Toledo faleceu, em 1567, o seu discípulo Juan de Herrera foi encarregado de rematar a obra. Depois da conclusão de uma parte do palácio, o projeto foi abandonado até ao reinado de Filipe V, o primeiro rei da Casa de Bourbon. Poucos anos depois de se concluir o projeto segundo os planos originais, o palácio sofreu um incêndio. Foi então que o filho de Filipe V, Fernando VI, encarregou o arquiteto Santiago Bonavía da sua reconstrução, o qual respeitou a estética do edifício, embora tenha introduzido algumas alterações que ainda hoje são visíveis. Com Carlos III o palácio teve a última grande intervenção. Este rei encarregou Sabatini de ampliar o palácio, tendo este construído duas novas alas na fachada principal, criando assim um amplo pátio de armas semelhante à do Palácio Real de Madrid. O palácio adquiriu, assim, o aspecto que se pode observar na atualidade. O Palácio Real de Aranjuez é uma das residências do Rei de Espanha. Fica situado no Real Sítio e Vila de Aranjuez, na Comunidade de Madrid, aproximadamente em torno de 20 km da capital espanhola, e como tal é gerido e mantido pelo Patrimônio Nacional.

         O complexo é constituído, para além do palácio, por um vasto conjunto complexo de parques integrados na cidade que se desenvolvem em volta dele. Está situado nas margens do rio Tejo. Em 2001 este ambiente foi declarado Paisagem Cultural do Patrimônio da Humanidade pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO, integrado no sítio Paisagem Cultural de Aranjuez. Numas das alas mandadas construir por Carlos III foi instalada a capela, com afrescos de Francisco Bayeu y Subias, enquanto na outra foi disposto um grande salão de baile. Nos interiores, merece destaque o Salão do Trono, decorado com veludo encarnado. Próximo dele encontra-se o exuberante Gabinete de Porcelana, um prodígio das artes decorativas. A totalidade das paredes e dos tetos apresenta uma riquíssima ornamentação de porcelana em relevo, mistura de estilo rococó e chinês. Foi realizada por Giuseppe Gricci entre 1763 e 1765 por encomenda de Carlos III, representando a obra cimeira da Real Fábrica de Porcelanas do Bom Retiro, atualmente desaparecida. Bonavia foi também o autor da magnífica escadaria de estilo imperial, com uma formosa balaustrada rococó em ferraria e dourados, a qual é um verdadeiro labirinto com múltiplas rampas de acesso. Outras são a de Jantar de Gala, o Salão de Baile, o Quarto da Rainha, o Oratório, coberto por afrescos, a Sala China e a Sala dos Espelhos, as quais intervieram pintores como Jacopo Amigoni  ou Giacomo Amiconi, Francisco Bayeu e Luca Giordano, para citarmos os mais célebres.  
Historicamente essa técnica era utilizada por gregos e romanos para representar grandes temas; antigas crônicas informam sobre decorações em afresco na Pinacoteca da Acrópole de Atenas, executadas por Polignoto de Tasos (século V a. C.), tendo como tema os afrescos de Lesche. São ainda conhecidos os pintores Apeles e Antifilo (século IV a. C.) que se utilizaram da mesma técnica. Estas pinturas são somente conhecidas por informações escritas. As pinturas remanescentes de afrescos antigos são as de Pompeia e Herculano, que estiveram muito tempo sob a lava do Vesúvio. Sobre estes afrescos, crê-se ter havido retoques feitos a seco, em “fresco seco” e encáustica. Afrescos de todas as épocas podem ser admirados na Itália e vários deles são obras primas da arte ocidental. Mestres da arte medieval, renascentista e barroca empregaram este meio. Os mais célebres são Giotto di Bondone (1266/7-1337), Tommaso di Ser Giovanni di Sinune, conhecido por Masaccio (1401-1428), Giovanni da Fiesole, nascido Guido di Pietro conhecido como Fra Angelico (1387-1455), Piero della Francesca (1410/20-1492), pinto italiano do Quattrocento, Luca Signorelli (1441/50-1523), um dos mestres da Escola de Umbria, Miguel Ângelo, Michelangelo di Lodovico Buonaroti Simoni (1475-1564), Rafael Sânzio (1483-1520), Pietro da Cortona, conhecido como Pietro Berettini, artista e arquiteto (1596-1669) e Giovanni Battista Tiepolo (1696-1770). As etapas do afresco são a preparação do suporte, a preparação e a colocação do arriciatto e do intonaco, os métodos de transferência do estudo para o intonaco, a pintura do afresco e criação da camada de cristalização.
Metodologicamente Benedito de Espinoza foi o primeiro em todos os tempos a suscitar o problema do ler, e, por conseguinte do escrever, tenha sido também o primeiro no mundo a propor simultaneamente uma teoria da história e uma filosofia da opacidade do imediato. Que nele pela primeira vez no mundo ocidental um homem tenha ligado a essência do ler e a essência da história numa teoria da diferença entre o imaginário e o verdadeiro - eis o que nos faz compreender por que é por uma razão necessária que Marx só pôde se tornar Marx fundando uma teoria da história e uma filosofia da distinção histórica entre a ideologia e a ciência e que em última análise essa fundação se tenha consumado na dissipação do que se chama “mito religioso da leitura”.  Não é à psicologia que devemos estes conceitos perturbadores, mas a homens perspicazes como Marx, Nietzsche e Freud. Depois de Freud é que começamos a suspeitar do quer-dizer o escutar, e, portanto o falar (e o calar) e o que quer-dizer do falar e do escutar  que na interpretação revela, sob a inocência do falar e do escutar, a fala inteiramente diversa, a fala do inconsciente. 
 A visão já não é então o fato de uma pessoa individual, dotada da faculdade de “ver” a qual é exercida quer da atenção, quer da distração; a vista é o fato de suas condições estruturais, a vista é a relação de reflexão imanente do campo da problemática sobre seus objetos e seus problemas. A visão perde então seus privilégios religiosos da “leitura sagrada”: ela nada mais é que a reflexão da necessidade imanente que liga o objeto ou o problema às suas condições de existência, que têm a ver com as condições de sua produção. A rigor, não é mais o olho (olho do espírito) de uma pessoa isoladamente que vê o que existe no campo definido por uma problemática teórica, em seu nível de análise teórica: é esse próprio campo de visibilidade que se vê nos objetos ou nos problemas reais ou imaginários que ele define, sendo a visão apenas a reflexão necessária do campo em seus objetos.
Na linguagem teórica, academicamente entendemos que as palavras e expressões funcionam como representação de conceitos teóricos, mas em sua periodização histórica as palavras e expressões funcionam sempre de forma invariavelmente distinta, porque se referem a concepção pontual de uma teoria de interpretação da história social e política. A dificuldade própria da terminologia teórica consiste, pois, neste sentido em que, por detrás do significado usual da palavra, é preciso sempre discernir o seu significado conceptual, que é sempre diferente do significado usual nas fontes, nas atas, nos documentos oficiais etc. Na sua significação mais geral deve nos permitir a compreensão sociológica que tem por efeito social o conhecimento de um objeto: a narrativa da história. É assim que a história abstrata ou a história em geral não existem, lido no sentido exato do termo, mas apenas a história real, ou “como efetivamente ocorreu” (“essen Sie tatsächlich, es passierte”), desses objetos concretos e singulares que enformam a experiência viva e acumulada da humanidade.
O ponto de partida para a constituição do sujeito é o desejo, mas não um desejo dirigido a uma coisa qualquer no mundo. O homem se torna humano quando deseja outro desejo. Abre-se assim, ao homem, um novo espaço de liberdade, que se manifesta antes de tudo como um desejo de reconhecimento e produz uma luta de morte por puro prestígio – o ato fundante da história, o ato antropogênico por excelência. Mas para que haja história, é preciso que haja relação social entre homens vivos. A luta não pode terminar com a aniquilação de um dos lados. Um deles, provavelmente, deve abdicar do combate, colocar a liberdade acima de sua vida, fora da relação entre “senhor-escravo”. Nela se concentrando outra atividade essencial ao projeto do homem: o trabalho intelectual como princípio de liberdade. A dialética é um poderoso instrumento de análise que assim se estabelece, e além um dos pontos culminantes do pensamento humano em todas as épocas, e sua conclusão é surpreendente: o homem integral, livre, satisfeito com o que é; o homem que se aperfeiçoa, não é o senhor nem o escravo, mas o que consegue suprimir sua sujeição. 

Em determinado momento uma das personagens diz, perante uma inesperada e curta corrida do seu parceiro, “que nenhuma ação estava prevista” – nada deveria existir além da conversa, contrariando o subtítulo da peça: “Um diálogo de Verão”. O que se pretende insinuar é que a ação central do filme, talvez até a única, é a da palavra. Um homem e uma mulher falam sobre coisas que viveram ou que inventaram e esse é a única fonte dos acontecimentos, a única fonte da ação, num sentido particular de desenvolvimento dramático. O filme: “Les Beaux Jours d’Aranjuez” demonstra-nos um escritor que, pela mediação complexa do seu trabalho, faz com que um mundo social se desenrole à nossa frente. Sentado à máquina de escrever, avista através da janela as personagens que cria e que vão ganhando corpo no interior profundo de seu jardim. É a essa capacidade materializadora, também própria dos mágicos, que Wim Wenders presta o seu tributo.  O filme narra um escritor (Jens Harzer) que, pela ação do seu trabalho, faz com que um mundo se desenrole e desencante à nossa frente. Sentado à máquina de escrever, avista através da janela as personagens que cria e que vão ganhando corpo no seu jardim, assim tornado uma espécie de Éden, aonde um sorrateiro jardineiro (Handke, nem de propósito) vem, às tantas, dar um jeito. O escritor  movimenta personagens, insere palavras na sua boca, muda a cor da sua roupa, como o deus “intervencionista” de que Nick Cave fala na sua canção – também Nick Cave é literalmente gerado pela sua música, que toca no jukebox como se decorresse dela.
A ocasião não é simples: um casal conversa à beira de uma mesa no jardim, num perfeito, saudável e alegre dia de verão. Ele questiona-a e fala da natureza. Ela responde e revela pormenores da sua vida sentimental, sonhos e devaneios, eventuais arrependimentos e motivações. As metáforas são expressivas, como a da expansão selvagem da horta real em Aranjuez, uma pequena cidade, sede do município homônimo na Espanha, no sul da província e comunidade autônoma de Madrid. Em debate, sem pruridos, estão temas não menos importantes que o amor, a condição humana, e em particular a condição feminina, a intimidade sentimental e sexual, as barreiras construídas entre nós e os outros. Wim Wenders constitui as relações entre palavras e imagens em camadas: dentro da casa está o escritor – presumivelmente Handke – que observa as personagens que constrói e  debate com o ato criativo. Suas obras cinematográficas transigem para um equilíbrio entre a atenção do olhar às mudanças-mundo. Com uma percepção renovadora capaz de compreender a representação e o significado destas transformações e o processo disciplinar de manter o ponto próprio de ancoragem, ideia e genialidade que misturam o talento no cinema e suas temáticas com a própria carreira significativa do surpreendente diretor em três décadas.
Bibliografia geral consultada.
SAMBRICIO, Valentin de, Francisco Bayeu. Madrid: Editor Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1956; FOUCAULT, Michel, Las Palabras y Las Cosas. Una Arqueología de las Ciencias Humanas. Buenos Aires: Siglo Veintiuno Editores Argentina, 1968; WITKER, Alejandro, Los Trabajos y los Días de Recabarren. México: Ediciones Nuestro Tiempo, 1977; MORALES y MARÍN, José Luís, Los Bayeu, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Zaragoza, Aragón y Rioja: Ibercaja, Obra Social y Cultural, 1979; AZCÁRATE RISTORI,  José María y otros, Historia del Arte. Madrid: Ediciones Anaya, 1986; CHAPEAU, Gabriel, La Mise en Valeur d’une Région de Montagne: Les Vallées d’Andorre, Nancy-Metz. Madrid: Centre Regionaux de Documentation Pedagogique, 1986; BUCHKA, Peter, Olhos Não Se Compram - Wim Wenders e Seus Filmes. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1987; FERREIRA NETTO, Geraldino Alves, Wim Wenders: Psicanálise e Cinema. São Paulo: Editor Unimarco, 2001; WANNMACHER, Eduardo, “Os Caminhos de Wim Wenders”. In: Famecos./Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, n° 20, dezembro de 2008; BOUJUT, Michel, Wim Wenders: un viaje a través de sus películas. México: Editorial Tesseract Pages, 2012; DUTRA, Sara Rocha Rangel, Memória e Experiência no Cinema de Wim Wenders - Evidências de um Diálogo com a Filosofia de Walter Benjamin: Cenas para uma Educação dos Sentidos. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, 2014; MARTINS, Pablo Gonçalo Pires de Campos, O Cinema como Refúgio da Escrita: Ekphrasis e Roteiro, Peter Handke e Wim Wenders, Paisagens e Arquivos. Tese de Doutorado em Comunicação. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2015; WOSNIAK, Cristiane, O Filme Documental Pina (2011) de Wim Wenders e a Flexão da Voz do corpo Dançante como Ícone Cinético. In: XXXVIII Congresso de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 4 a 7 de setembro de 2015;  MORAIS, Pedro Henrique Viana de, “Wim Wenders e Saramago: Desejo e Individualização dos Seres Místicos”. In: Revista Porto das Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras da UFT do Campus de Porto Nacional. Volume 3, n° 2, 2017; MCLENNAN, Gloria Crespo, Wim Wenders: quando as fotografias eram objeto. In: brasil.elpais.com.br/brasil/2017/10/12; Artigo: Os anjos de Wim Wenders pairam sobre Berlim. In: palavrasdecinema.com/2017/06/03; entre outros. 

quarta-feira, 29 de março de 2017

Filme Faroeste Caboclo - Política & Cinema Brasileiro

                                                                                          Ubiracy de Souza Braga

Só para sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu”. Renato Russo - Faroeste Caboclo (1979).

                    
            A canção “Faroeste Caboclo” foi composta por Renato Russo em 1979 e lançada por seu grupo, Legião Urbana, no álbum: “Que País É Este 1978/1987”, de 1987. Ganhou repercussão nacional quando do lançamento do álbum e, por isso, foi lançada como o terceiro single do mercado promocional em 1988. Por motivo de censura, houve a necessidade de editar a canção para a aprovação pela censura federal. Em 2013, a canção ganhou uma adaptação cinematográfica, dirigida por René Sampaio e com roteiro de Victor Atherino. A canção foi composta em 1979, na chamada fase “Trovador Solitário” de Renato Russo. Em entrevista para Leoni, Renato Russo revela que escreveu a música em duas tardes e que o roteiro foi improvisado, escrevendo-se os versos tomando em consideração as rimas a serem feitas com os versos anteriores. Essa opção por uma etnografia menos singular do que a letra da música é um dos acertos do diretor estreante René Sampaio. João, o sertanejo da cidade de Santo Cristo que no fim dos anos 1970 encontra em Brasília o amor e a morte, não tem como dividir com os outros sua sombria predestinação. É herói solitário como os tipos condenados dos westerns, e ao tornar mais introspectiva essa jornada, ao negar a audiência da “via crúcis que virou circo”, o filme dramatiza o contexto de Faroeste Caboclo.
O genial Renato Russo entende que o enredo tem falhas, “como não explicar por que João aceita ir ao lugar do boiadeiro para Brasília ou porque a Maria Lúcia se casou com Jeremias”. A inspiração segundo o próprio autor foi Hurricane, canção de Bob Dylan presente no álbum Desire, de 1976, e que narra a complacente história do boxeador Rubin Carter. Ainda sobre suas inspirações, o compositor cita “Domingo no Parque” (1968), de Gilberto Gil, Raul Seixas e a tradição oral presente do povo brasileiro. A canção contém 168 versos. Segundo o jornalista e historiador Marcelo Fróes, no manuscrito original com a letra de “Faroeste Caboclo” havia uma anotação de Renato dizendo que imaginava a música como baião cantado por Luiz Gonzaga. Com 9'03, a canção tem uma duração longa e aparentemente incomum, porém, outras duas composições de Renato Russo são mais extensas: “Metal Contra as Nuvens” (11`22) e “Clarisse” (10`32). Na gravação original, a canção tem andamento moderado, com tempo de 180 bpm e é executada estilisticamente em dó maior.

Em 2004, Renato Russo foi condecorado in memoriam com a Ordem do Mérito Cultural, em uma cerimônia realizada no Palácio do Planalto. A entrega da insígnia foi feita pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da Cultura Gilberto Gil. Em 2006, artistas de variados estilos fizeram uma homenagem ao ícone no CD Renato Russo - Uma Celebração. Já em 2013, trechos de suas composições mais famosas foram usadas durante os protestos que mobilizaram o país entre junho e julho, uma prova de que os conceitos que ajudou a criar se tornaram referência e pretendem ser seguidos pelas novas gerações.  Em 2016, o filho Giuliano Manfredini organizou um novo tributo, intitulado Viva Renato Russo. O álbum conta com versões de músicas da Legião Urbana, interpretadas por novas bandas do rock nacional, como Vespas Mandarinas, Selvagens à Procura de Lei, Far From Alaska, entre outros. Renato foi homenageado “pelo conjunto de sua obra” e pela influência no cinema brasileiro na 8ª Edição do LABRFF - Los Angeles Brazilian Film Festival, importante festival do cinema brasileiro fora do Brasil. No dia 20 de julho de 2012, uma estátua foi inaugurada, na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, bairro onde nasceu o músico, na Estrada do Galeão, altura do número 2 275, com a presença de amigos e familiares do artista. O monumento de bronze está instalado sobre um palco de granito de dois metros de diâmetro e é assinado pelo artista Ique, sob encomenda da prefeitura. A peça pesa 250 quilos e tem 1,75 metros. Em 18 de fevereiro de 2017, Renato Russo foi homenageado no Museu da Imagem e do Som. Mais de mil itens da coleção particular do artista entraram em exposição.



               
Tido como uma canção inadaptável, “Faroeste Caboclo” penetra muito bem no cinema, oferecendo ação, representação da violência urbana, amor, romance e suspense. Tudo isso sem ser pudico ou esconder a realidade daquela juventude, desregrada à sexo, drogas e violência urbana. A canção foi inutilmente censurada, comparativamente ao contexto de “Conexão Amazônica”, do mesmo disco. No ideário político do censor, no caso de “Faroeste Caboclo” pelos palavrões, enquanto “Conexão Amazônica” por causa da temática, já que falava sobre o tráfico de drogas. Trata-se de censura prévia à arte em qualquer parte. Porém, em “Faroeste Caboclo”, foi realizada uma edição idiotizada “onde se colocou um sinal sonoro sobre os palavrões”. Com isso, a música foi “liberada” para radiodifusão em nível nacional. Outras mídias optaram por fazer edições, como a 89 FM, que reproduz uma edição de 8`49” para concordar com a “retirada” dos palavrões. Apesar disto, a música representou um grande sucesso massivo de público e de consumo, tendo sido a 24ª mais reproduzida durante a temporada corrente de 1988. A canção é bem rememorada da banda, estando em todas as coletâneas e álbuns gravados ao vivo desta composição. Foi regravada, por exemplo, recentemente por Toni Platão no álbum “Renato Russo - Uma Celebração”, de 2006, e pela banda Tianastácia no álbum “Tianastácia no País das Maravilhas”, de 2009.
O primeiro trabalho artístico profissional de Fabrício Boliveira ocorreu na peça teatral baiana “Capitães da Areia”, produção da Companhia Baiana de Patifaria, dirigida por Lelo Filho e Fernanda Paquelet em 2002, quando ainda era estudante da UFBA. Na adaptação teatral do romance de Jorge Amado, o ator deu vida a João Grande, o segundo na hierarquia da gangue de rua liderada por Pedro Bala. Vista por cerca de 40 mil pessoas, em duas temporadas em Salvador e viagens pelo interior e por outros estados, o espetáculo ofereceu o terreno fértil para o começo de Fabrício Boliveira. Além de “Capitães da Areia”, Fabrício Boliveira esteve no elenco das peças teatrais: “A Invasão” (2004); “A Farsa da Boa Preguiça” (2004); “Cinderela Black Power” e “Antonio, Meu Santo”. No cinema, além de alguns curtas-metragens, Fabrício Boliveira havia participado do longa-metragem “A Máquina”, de João Falcão. Antônio mora em Nordestina, uma cidadezinha que nem existe no mapa, e é apaixonado por Karina, que não vê a hora de ir embora para tentar ser atriz de TV. Apaixonado, Antônio promete trazer o mundo até sua amada para que ela não precise partir. A estreia de Fabrício Boliveira na televisão ocorreu nesta sequência em 2006, com o escravo Bastião, da extraordinária novela “Sinhá Moça” (2006), que chamou atenção pelo tom de dissimulação do personagem e pela desenvoltura do novato no vídeo. Pelo papel, ganhou o Prêmio Contigo de ator revelação em 2007. 
O ator, que tinha terminado há pouco tempo o curso de Interpretação na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, havia se cadastrado no banco de atores da emissora Rede Globo. Depois, participou de um episódio da série “Cidade dos Homens” sobre criminalidade urbana na cidade do Rio de Janeiro e participou ainda do papel do personagem literário Saci no “Sítio do Picapau Amarelo”. Antes, em 2004, havia atuado em “O Bêbado em Cama Alheia”, do Polo de Teledramaturgia da Bahia (Pote). A paixão do ator pela televisão curiosamente ocorreu através da publicidade. Bem antes de se tornar ator profissional, Fabrício Boliveira pôde ser visto na Bahia fazendo várias campanhas publicitárias, seja para produtos comerciais, eventos, políticos e governos. Entre 2003 e 2005 foi Apresentador do programa “Tô Chegando” do governo da Bahia. Em 2008, o ator participa da novela “A Favorita”, da Rede Globo. No final de 2009, atuou na peça teatral “Quebramar”, de Tarcísio Lara Puiati, com Letícia Cannavale e Brisa Caleri, com direção de Renato Farias. Fabrício Boliveira participou  no elenco do extraordinário filme “400 contra 1” que estreou em agosto de 2010. O filme é ambientado nos anos 1970, quando um grupo de presos resolve se unir para lutar por direitos civis. William da Silva é um dos líderes deste grupo. Ele cumpriu pena no presídio da Ilha Grande, no Instituto Penal Cândido Mendes, anteriormente chamado Colônia Penal de Dois Rios, foi um presídio localizado na Ilha Grande, no Rio de Janeiro, onde presos comuns eram colocados lado a lado com presos políticos, convivendo de forma pouco amigável. Com a mente transformada, William cria uma aliança político-ideológica onde a amizade se fortalece entre conflitos e assaltos, um dos grandes articuladores daquilo que viria a se tornar o chamado Comando Vermelho, reconhecido como CV.

Em “Faroeste Caboclo”, objeto de reflexão nestas notas, a adaptação ao cinema da música da Legião Urbana, Fabrício Boliveira faz o protagonista João de Santo Cristo, junto de Ísis Valverde que vive Maria Lúcia e Felipe Abib como Jeremias. A saga retratada na música foi escrita por Renato Russo em 1979, como vimos, apesar de ter sido incluída apenas no álbum de 1987 da Legião, “Que País É Este”. Faroeste Caboclo acompanha a história dramática de João de Santo Cristo, que sai de Salvador e vai para Brasília, “capital da solidão”, onde começa a traficar drogas. Em Brasília, ele se apaixona por Maria Lucia e se envolve em uma disputa com Jeremias, outro traficante. Provisoriamente podemos dizer: vingança é a perseguição que resiste, opõe-se e subestima. E terá esta perseguição suportada e conduzida à reflexão até hoje vigente. Quando procede a mencionada dimensão atribuída ao espírito de vingança? Então é preciso que tal dimensão seja vista desde a sua constituição íntima. Para que tal olhar venha a ter em certa medida algum sucesso, consideremos em que configuração essencial se manifesta modernamente. Esta estruturação essencial do ser vem à fala numa forma clássica, segundo a palavra de Nietzsche, no pensamento até hoje vigente determinado pelo “espírito de vingança”. Como pensa Nietzsche a essência da vingança, se for possível expressar-se na vontade de potência, posto que ele a pensa metafisicamente? Podemos pensar à medida que temos a possibilidade para tal. Porém, ainda não nos garante que o possamos na possibilidade.
Na narrativa o personagem João chega a Brasília em busca de um emprego. Neste momento aparece a primeira alusão às cidades do Distrito Federal, Taguatinga. O personagem admira-se com a modernidade da cidade e Renato Russo põe na voz de seu personagem a admiração que ele próprio tinha pela cidade. O qualificador para dizer como João ficou quando conhece Brasília é “bestificado”, mais uma vez o campo semântico de besta, fera, terror, mas que pode ser entendido como "bestializado", na tradição da história política brasileira: - “E João aceitou sua proposta. E num ônibus entrou no Planalto Central. Ele ficou bestificado com a cidade Saindo da rodoviária, viu as luzes de Natal - Meu Deus, mas que cidade linda. No Ano Novo eu começo a trabalhar. Cortar madeira, aprendiz de carpinteiro. Ganhava cem mil por mês em Taguatinga”. Temos a apresentação de mais um personagem de origem obscura, o que se comprova pelo uso do adjetivo “bastardo”.
Parente de Santo Cristo, Pablo, tem importante função na trama, ele é o fornecedor de drogas e armas para João: Na sexta-feira ia pra zona da cidade Gastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhador E conhecia muita gente interessante Até um neto bastardo do seu bisavô. Um peruano que vivia na Bolívia E muitas coisas trazia de lá Seu nome era Pablo e ele dizia Que um negócio ele ia começar. Na quinta aparição do “não”, na estrofe que se segue, há a presença textual do signo linguístico “morte” no uso de um superlativo do verbo “trabalhar”. Pouco era o dinheiro honesto que ganhava ao trabalhar, o que cutuca as falácias do governo, e decide embarcar no crime, que desde pequeno o acompanhava. Renato Russo trabalha as questões do nome de João, etimologicamente na relação cristã, o que se vê por meio das marcas “plano santo” e “ser crucificado”, etc.
O filme narra a história social de João de Santo Cristo, que, ao ver toda sua família morta, se rebela e vai para jesus Salvador. Lá chegando, encontra um boiadeiro que vai para Brasília, mas que pede para João ir em seu lugar. Ele pretende começar uma nova vida. Porém, diante de dificuldades econômicas, vira traficante de drogas, seguindo os passos de um peruano chamado Pablo. Posteriormente, ele tenta se redimir ao apaixonar-se pela jovem mulher chamada Maria Lúcia. Ao ver-se, porém, ameaçado por um homem rico e influente, decide trabalhar no contrabando de produtos de consumo alucinógenos da cultura quéchua para se armar, se distanciando e Maria Lúcia e passando a morar em Planaltina. Ao voltar a ver sua amada, percebe que um traficante rival, Jeremias, casou e engravidou Maria Lúcia; João, então, decide marcar um duelo com ele em Ceilândia, comparativamente como ocorre na balada de Renato Russo e acaba morrendo levando um tiro pelas costas. Ainda agonizando, ele recebe sua arma de Maria Lúcia e dá cinco tiros em Jeremias. Maria Lúcia, arrependida, se mata.
Desnecessário dizer que um dos campos de observação mais ricos para o analista social refere-se à relação entre ideologia e linguagem, tendo em vista que as pesquisas desenvolvidas acerca da atividade legislativa brasileira têm questionado o conteúdo das leis apresentadas e aprovadas no âmbito do Congresso Nacional. A principal preocupação compartilhada pela maioria desses estudos é se as leis concentram ou difundem benefícios, caracterizada pela apresentação de matérias que difundem benefícios a toda a sociedade (leis nacionais) ou pela apresentação de proposições com benefícios territorialmente concentrados. As palavras, as inflexões, o modo de construir as frases, cada uma dessas coisas tem sua própria história. Tanto em sua gênese como em seu emprego, seus desejos subterrâneos, os termos da linguagem põem a nu os valores das sociedades que os criaram e os mantêm vivos. Não são necessárias as formas mais abstratas de representação da teoria e as construções filosóficas da modernidade para compreendermos as distorções ideológicas em suas manifestações individuais (os sonhos) e coletivas (os mitos, os ritos, os símbolos).
O termo discurso pode também ser definido do ponto de vista lógico. Quando pretendemos significar algo a outro é porque temos a intenção de lhe transmitir um conjunto de informações coerentes - essa coerência é uma condição essencial para que o discurso seja entendido. São as mesmas regras gramaticais utilizadas para dar uma estrutura compreensível ao discurso que simultaneamente funcionam com regras lógicas para estruturar o pensamento. Um discurso político, por exemplo, tem uma estrutura e finalidade muito diferente do discurso econômico. Mas politicamente pode operar a dimensão econômica produzindo efeitos sociais específicos em termos de persuasão. Como poucas obras da Antiguidade, descoberta em 1820 na ilha de Milo, a Vênus de Milo, sobreviveu relativamente incólume à crítica romântica e modernista, vendo sua fama crescer indefinidamente. Têm sido objeto de muitos estudos especializados e adquiriu o status de ícone popular, reproduzida vezes incontáveis como estatueta, em estampas, filmes, literatura, souvenires turísticos e outros itens para o consumo de massa. É hoje uma das estátuas antigas mais conhecidas do mundo. Sua autoria e datação permanecem controversas, mas formou-se um consenso de que seja realmente uma obra helenística que recupera elementos clássicos, é atribuída a Alexandros de Antioquia. Apesar de conter uma representação de Vênus, deusa da beleza e do amor, tampouco essa identificação é absolutamente segura. 

Há discursos no filme hic et nunc que proporciona uma brecha que permite que o espectador perceba os fatores sociais que tornam Brasília uma capital da política alienante - a cidade do modernismo fantástico de Oscar Niemeyer cujos espaços de exclusão social consumam o isolamento de João. A quadra onde mora Maria Lúcia (Ísis Valverde) é um desses lugares, e João com algum malabarismo consegue com a escalada do prédio, burlar a distância social que o separa dela. Mas basta voltarmos à Ceilândia, bairro da periferia do Plano Piloto, consegue emular bem - para entender que João não pertence a Brasília, porque ninguém pertence a Brasília de fato. O cineasta René Sampaio faz com mérito essas escolhas que potencializam a história de João, e filma o esperado duelo com a gramática visual que se tornou regra nos faroestes. O grande trunfo de “Faroeste Caboclo”, porém, é a escolha de Fabrício Boliveira para interpretar o protagonista. Como a canção não precisa a etnia, pois diz que João sofria preconceito de cor, seria muito fácil, e até lógico do ponto de vista do mercado, colocar um ator mulato como herói, uma forma de atingir um público maior da nação negra brasileira.           
Os caboclos formam o mais numeroso grupo populacional da região Norte do Brasil (Amazônia) e de alguns estados da região Nordeste como Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Alagoas, Ceará e Paraíba. Contudo, a quantificação do número de pessoas consideradas caboclas no Brasil não é tarefa difícil, segundo os métodos usados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seus recenseamentos. Os caboclos entram na contagem dos 44,2% de pessoas erroneamente consideradas “pardas”, grupo que também inclui mulatos, cafuzos, e várias outras combinações da miscigenação de negros ou índios com outras raças, como negro e oriental, índio e oriental, negro, índio e branco, negro, índio e oriental etc. Os atributos que definem a categoria social caboclo são econômicos, políticos e culturais. O termo refere-se aos pequenos produtores familiares da Amazônia que vivem da exploração dos recursos da floresta. Os principais atributos culturais que distinguem os caboclos dos pequenos produtores de imigração são o conhecimento da floresta, para lembrarmo-nos de Chico Mendes, os hábitos alimentares e de moradia. Devido a seus atributos, os dois, caboclo e imigrante, podem ser alocados na categoria social mais ampla de camponeses
Para a felicidade dos fãs clubes da banda Legião Urbana, o resultado do filme “Faroeste Caboclo” é extraordinário. Trata-se de um cinema de altíssima qualidade, com bela fotografia de Gustavo Hadba, direção de arte e ótimas atuações de um elenco só aparentemente formado por desconhecidos. Fabrício Boliveira surge com muita dedicação demonstrando seu talento em cena como João de Santo Cristo, um sujeito que se muda para Brasília à procura de uma nova vida. Lá, encontra seu primo Pablo (César Troncoso), um traficante que logo lhe oferece “um espaço em seu negócio”. Ao lado do parente, ele começa a se envolver na venda de drogas na ala Sul da Capital Federal, incomodando um bandido local chamado Jeremias (Felipe Abib). Neste meio social, João conhece Maria Lúcia (Ísis Valverde), com quem começa a viver um grande amor. O elenco conta com as participações de Flavio Bauraqui, Antonio Calloni e Marcos Paulo. Bauraqui se sai melhor do trio veterano em poucos flashbacks como o pai de João, o suficiente para representar uma grande dramaticidade. Calloni representa um personagem mais caricato, como o policial corrupto que persegue João. Marcos Paulo tem uma atuação discreta do senador que é pai de Maria Lúcia. Este foi o último papel do ator nas telonas. Ele faleceu no final de 2012, vítima de uma embolia pulmonar.  
Bibliografia geral consultada.

FERNANDES, Florestan, A Integração do Negro à Sociedade de Classes. Tese de Livre Docência. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 1964. 3ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1978; RIBEIRO, Darcy, O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; Idem, Mestiço é que é bom. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1996; CABRAL, Muniz Sodré de Araújo, Antropologia do Espelho. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2002; SILVA, Luiz Henrique de Castro, O Revolucionário da Convicção: Joaquim Câmara Ferreira, o velho Zinho. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008; PEREIRA, Amílcar Araújo, O Mundo Negro: Constituição do Movimento Negro Contemporâneo no Brasil (1970-1995). Tese de Doutorado em História. Departamento de História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2010; SOUZA, José Paulo de Morais, A Construção da Memória dos Funcionários em suas Relações com o Trabalho no Antigo Instituto Penasl Cândido Mendes em Ilha Grande. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Memória Social. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2012; GÜNTHER, Wesley Rosa, A Urbs brasiliense nas letras do álbum Que País é Este 1978/1987 da banda Legião Urbana. Dissertação de Mestrado em Literatura e Práticas Sociais. Programa de Pós-Graduação em Literatura do Departamento de Teoria Literária e Literaturas do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, 2013; ALBUQUERQUE, Carolina Barbosa de, Faz tempo que dizem caboclos é lugar de doidos. Uma Etnografia sobre Processos de Estigmatização no Município de Barra de Santana - PB. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2016; entre outros.  

sábado, 25 de março de 2017

Conselheiros do CNPq - Carreira & Normalização da Ciência.

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

    “Se os pensamentos não são entes, então o ente não é pensado”. Górgias

 
            
Do ponto de vista histórico e pontual o conceito de “carreira” deriva da palavra latina “carraria” e passou por diversas transformações no decorrer de sua aplicabilidade teórica e historicamente determinada. Por volta de 1530, no período renascentista, simplificadamente, “carreira” identificava um caminho, ou o “curso do sol através dos céus”. Nas disputas de Justa, em 1590, a palavra “carreira” estava inserida no seguinte contexto: o cavalo que, durante o combate, passava uma “carreira” em seu oponente. A partir de 1803, o significado contemporâneo da palavra “carreira” passou a se relacionar ao mundo perigoso dos negócios, quando o termo foi associado à ideia de “caminho na vida profissional”. Nos dias atuais, comumente entende-se “carreira” como a soma de “todos os cargos” ou “posições” ocupadas por uma pessoa durante sua vida profissional. Este entendimento contraria a raiz etimológica do termo e impede que o conceito real da palavra seja plenamente assimilado no mercado, inclusive por alguns profissionais de renome em nível globalizado. Não está associado a restrições temporais, mas sim espaciais. Não revela um histórico profissional, propriamente dito, mas um caminho particular rumo a um objetivo institucional.
No sentido pontual é um termo disciplinar que designa um determinado campo do conhecimento.  Como campos específicos de saber, as disciplinas se referem aos mais diversos âmbitos de produção de conhecimento técnico e científico. Tem como representação a produção social através de instâncias ou níveis de análises sobre a realidade social, a constituição de uma linguagem aparentemente comum entre os seus praticantes, a definição e constante redefinição de seus objetos de estudo, uma singularidade que as diferencia de outros saberes, uma complexidade interna que termina por gerar novas modalidades no interior da disciplina. Enfim, a rede de conexão humana de conhecimentos que constitui determinado campo de saber, com a formação progressiva da chamada “comunidade científica” compartilhada pelos diversos praticantes do campo disciplinar. Há de fato um processo de trabalho, com a fundação e manutenção de revistas científicas especializadas, a ocorrência constante de congressos frequentados pelos praticantes do campo disciplinar, a criação de instituições científicas que representam os profissionais do campo de saber vinculando seu nome, seu cargo no âmbito do processo de trabalho e de pesquisa nas instituições e assim por diante.


Neste aspecto, vale lembrar que Thomas Kuhn (1962) ocupou-se principalmente do estudo da história da ciência, no qual demonstra um contraste entre duas concepções da ciência: por um lado entendida como uma atividade completamente racional e controlada, e por outro, a ciência enquanto uma atividade concreta que se dá ao longo do tempo e que em cada época histórica apresenta peculiaridades e características próprias. Decorre daí que e noção de “paradigma” resulta fundamental na perspectiva historicista e não é mais que uma macroteoria, um marco ou perspectiva que se aceita de forma geral por toda a chamada “comunidade científica” que compartilham um mesmo paradigma e realizam a mesma atividade científica e a partir do qual se realiza a atividade científica, cujo objetivo é esclarecer as possíveis falhas do paradigma ou extrair todas as suas consequências. No ensaio: “Estrutura das Revoluções Científicas” (1962), o termo paradigma causou interpretações errôneas a uma série de estudiosos. Kuhn esclareceria posteriormente que o termo pode ser utilizado num sentido geral e num sentido restrito. O primeiro diz respeito à noção de matriz disciplinar, significando “o conjunto de compromissos de pesquisa de uma comunidade científica”. O segundo sentido denota os paradigmas exemplares, decerto positivistas/tecnicistas que são a base da “formação científica”, uma vez que o pesquisador passa a dominar o conteúdo cognitivo da ciência através da experimentação dos exemplos compartilhados.
Thomas Kuhn é um dos principais pensadores que entende e procura demonstrar que a ciência é uma atividade intrinsecamente comunitária. O indivíduo continua fazendo ciência, mas ele necessita estar vinculado a uma comunidade científica de pesquisa. Seu trabalho individual feito de forma independente, fora da comunidade científica não adquire reconhecimento, pois o “campo fértil” para o desenvolvimento científico está na estrutura comunitária. A comunidade científica passa a ser a fonte de solidariedade necessária para a resolução de um determinado problema de ordem científica. Uma “comunidade científica”, ipso facto, passa a ser entendida como uma instituição, ou seja, é mais do que uma simples união ou junção de cientistas. Para definir o que seja uma comunidade científica, não basta enumerar os indivíduos que dela fazem parte. Uma comunidade científica representa um grupo de praticantes de uma especialidade científica que se encontram unidos por elementos comuns que foram incorporados através da iniciação da prática científica. É nos ambientes oferecidos pela comunidade científica que os cientistas veem-se a si mesmos e são vistos pelos outros como os responsáveis pela resolução de um conjunto de problemas de ordem social.      
O engenheiro eletricista Mário Neto Borges é nomeado o novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele substitui o químico Hernan Chaimovich, que “deixa o cargo por motivos de saúde”, segundo nota divulgada no site do Ministério da Ciência e Tecnologia. A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (20/10/2016). Mário Neto Borges ocupou os cargos de diretor científico e de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), além de ter comandado o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP) entre 2009 e 2013. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) é mestre em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em IA aplicada à educação pela Universidade de Huddersfield da Inglaterra. É professor titular da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).

Fundado em 15 de janeiro de 1951 pela Lei nº 1.310, o Conselho Nacional de Pesquisas e posteriormente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, cuja sigla se manteve, é um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para incentivo à pesquisa no Brasil. É considerada uma das instituições mais sólidas na área de pesquisa entre os chamados “países em desenvolvimento”, seu objetivo principal. O período de perplexidade internacional do pós-guerra (1949-1954), também marcado por contradições do nacionalismo desenvolvimentista, ampliou o interesse do CNPq em sua iniciativa de capacitar pesquisadores. Porém, seu papel institucional intensificou-se historicamente em termos de espaço/tempo para o financiamento de pesquisas científicas e tecnológicas nas diversas áreas do conhecimento, com subvenção de bolsas e auxílios. Com sede em Brasília, o CNPq centralizava a coordenação da política nacional de C & T até a criação do ministério em 1985, com órgãos federais e agências de fomento estrangeiras como parceiros. O CNPq é presidido pelo engenheiro eletricista Mário Neto Borges.
Atualmente, a gestão administrativa do CNPq é de responsabilidade de uma diretoria executiva, enquanto o conselho deliberativo é responsável pela política institucional. Por meio de “comitês de assessoramento”, a comunidade científica e tecnológica contribui na gestão e na política do CNPq que oferece “bolsas” e auxilio à pesquisa em diferentes modalidades. As “bolsas” são destinadas a pesquisadores experientes, a indivíduos recém-doutorados, a alunos de pós-graduação, graduação e ensino médio. Os valores das bolsas são variados. Existem duas categorias de bolsas: bolsas individuais no Brasil ou no exterior, ou bolsa por “quotas”. As bolsas individuais, tanto no país, como no exterior, são de fomento científico ou tecnológico. O auxilio oferecido pelo CNPq pode ser destinado a instituições, a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), a pesquisadores e a Fundações de apoio à pesquisa. São várias modalidades de auxílio, como financiamento para publicação científica, promoção de congressos, intercâmbios científicos para capacitação de pesquisadores e projetos de pesquisa. O relatório de “prestação de contas” é obrigatório para bolsistas.
            A base do conceito de carreira é expressa no curriculum Lattes, elaborado nos padrões da “plataforma” gerida pelo CNPq, tendo como resultado a experiência individual cumulativa na integração de bases de dados de currículos, de grupos de pesquisa e de instituições em um único sistema de informação, “tornando-se um padrão nacional no registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores do Brasil”. Atualmente é adotado pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país. A “riqueza” do controle de informações, a abrangência e confiabilidade são elementos indispensáveis aos pleitos de financiamentos na área de ciência e tecnologia. O curriculum Lattes é mais abrangente que o curriculum vitae, sendo esta a principal diferença entre os dois. Além disso, é mais longo, pois deve mencionar detalhadamente tudo o que está relacionado com a carreira do profissional.
            Pode-se entender carreira como uma série de estágios que variam conforme forças de trabalho exercido sobre o indivíduo. Tem-se a relação entre a organização e o profissional, como fator de conciliação das expectativas entre ambas a partes. A carreira é um dos termos das ciências sociais que não é ambígua e está relacionada a uma gama ampla de definições. Pode significar, ao mesmo tempo, emprego assalariado ou atividade não remunerada, profissão, vocação, ocupação, estágio, posição em uma organização, trajetória de um indivíduo que trabalha, uma fonte de informação para as empresas alocarem recursos humanos, ou até “um roteiro pessoal para a realização dos próprios desejos”. Carreira inclui os estudos ou a preparação acadêmica e integram as capacidades laborais, as novas aprendizagens, as mudanças pessoais sobre a própria imagem, as metas e os valores, assim como a resposta para as novas oportunidades e mudanças tanto sociais como políticas. A carreira é um caminho de maturação, de crescimento em conhecimentos, habilidades e responsabilidades sobre a própria vida.
            É neste sentido que a carreira profissional está indissociavelmente ligada ao  positivismo, corrente filosófica que Auguste Comte fundou com o objetivo de reorganizar o conhecimento humano, seu caráter e que tem grande influência no Brasil e de resto no mundo ocidental. O positivismo é, enquanto sistema, simultaneamente, uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento do iluminismo. Das crises sociais e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como marco a revolução clássica francesa. Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica. O positivismo comtiano associa uma interpretação positiva das ciências; uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical. Defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. Com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada empiricamente através de métodos científicos válidos. O progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.
            Uma organização observa Marilena Chauí (2003), difere de uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe.
            Do ponto de vista do trabalho a gestão de carreira envolve duas partes principais: a da organização e a concepção do indivíduo. Diferentemente de décadas passadas, quando as organizações definiam as carreiras de seus empregados, na modernidade o papel do indivíduo na gestão da carreira se torna relevante e assume um papel progressivamente mais atípico. Os empregados assumem, na atualidade, o papel de planejar sua própria carreira, sendo estimulados a acumular conhecimentos científicos e administrar suas carreiras para garantir mobilidade no mercado de trabalho. No início  indivíduos buscam desafios, salários atrativos e responsabilidades, após amadurecerem, passam a se interessar por trabalhos que demandem: autonomia e independência, segurança e estabilidade, competência técnica e funcional, competência gerencial, criatividade intelectual, serviço e dedicação a uma causa, desafio político, estilo de vida.
A instituição social aspira à universalidade. A organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de sua particularidade. Isso significa que a instituição tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares. Em outras palavras, a instituição se percebe inserida na divisão social e política e pretende definir uma universalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições, impostas pela divisão. Ao contrário, a organização busca gerir seu espaço e tempo particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos polos da divisão social, e seu alvo não é responder às contradições, e sim vencer a competição com seus supostos iguais. A questão nevrálgica refere-se à pergunta: Como foi possível passar da ideia da universidade como instituição à definição como organização prestadora de serviços?
            Em primeiro lugar através da passagem da produção de massa e da economia de mercado para as sociedades de conhecimento baseadas na informação e comunicação. Na esfera de ação política é regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças sociais, violência em última análise. Só que a produção dos processos políticos, baseados em instituições sociais como esfera de poder, em segundo lugar, se diferencia radicalmente da produção econômica porque usam eventualmente suportes materiais, como armas, livros, processos, papéis onde se inscrevem as ordens, os atos de gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma produção material no sentido marxista do termo.  

Imagens: Portal CNPq.
Porque consiste em decisões imperativas, decisões que podem mudar o plano de vida individual (os sonhos) e da coletividade (os mitos, os ritos, os símbolos). É também diferente da produção simbólica porque se exercita sobre o interesse dos agentes sociais, quando não sobre os próprios tabus do corpo. Corresponde a atos de vontade que regulam atividades coletivas; disciplina práticas sociais. Não produzem mensagens, discursos; produzem isto sim: obediências, obrigações, submissões, direitos, deveres, controles. Poder, para sermos breves, é uma relação social de mando e obediência. As decisões tomadas politicamente se impõem a todos num dado território ou numa dada unidade social. Convertem-se em atividades coercitivas (esfera da segurança), administrativas (esfera da administração), jurídico-judiciárias (esfera da justiça) e legislativas (esfera da deliberação). Simplificadamente, processo político diz respeito à pergunta: Quem pode o quê sobre quem? Eis a grande questão do processo político, do confronto entre forças sociais, da sujeição de vontades a outras vontades.
O anúncio foi feito no início de agosto, com a divulgação, pelo CNPq, do resultado das Chamadas 2016-2018 das bolsas de iniciação científica. Serão 26.169 bolsas concedidas neste ano - 20% a menos do que em 2015. A Iniciação Científica (IC) é importante para despertar o interesse dos alunos para a ciência. Trata-se, nas palavras do CNPq, de uma forma de “integração do aluno de graduação à cultura científica e/ou tecnológica, por meio do desenvolvimento de atividades de pesquisa sob a supervisão de um orientador qualificado”. O “orientador qualificado”, que trabalha com o jovem estudante em uma pesquisa de Iniciação Científica, acaba fazendo também um trabalho de supervisão e de mentoria, atividade que tem ganhado cada vez mais espaço nas instituições de ensino superior de ponta no mundo. Aqui, entende-se como “mentor” um professor com o qual o aluno trabalhou de maneira bem próxima durante a graduação, que auxiliou nos estudos, na definição de quais disciplinas cursarem e que deu alguma orientação em termos de carreira. No cenário acadêmico brasileiro, reduzir o número de bolsas no começo da carreira científica pode significar menos cientistas qualificados no país no futuro. - “O problema é que sem ciência não dá para fazer nada, nem exportar soja”, diz Nader, da SBPC. Ligado ao MCTIC, “o CNPq tem sofrido cortes juntamente com a pasta de ciência, que deve receber cerca de R$3,5 bilhões neste ano”. É uma ideia do que isso significa: “o orçamento do ex-MCTI em 2014 tinha mais do que o dobro desse valor  - antes de todas as pastas começarem a sofrer cortes”.
Bibliografia geral consultada.
BRAVERMAN, Harry, Travail et Capitalisme Monopoliste. La Degradation du Travail au XXe Siêcle. Paris: Éditions François Maspéro, 1976; OLIVEIRA, Marlene de, A Investigação Científica na Ciência da Informação: Análise da Pesquisa Financiada pelo CNPq. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Faculdade de Estudos Sociais Aplicados. Departamento de Ciência da Informação e Documentação. Brasília: Universidade de Bradília, 1998; LOMBARDI, Maria Rosa, Perseverança e Resistência: A Engenharia como Profissão Feminina. Tese de Doutorado em Ciências. Campinas: Faculdade de Educação da Universidade de Campinas, 2005; CABRAL, Carla, O Conhecimento Dialogicamente Situado: Histórias de Vida, Valores Humanistas e Consciência Crítica de Professoras do Centro Tecnológico da UFSC. Tese de Doutorado em Educação Científica e Tecnológica. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2006; CHAUI, Marilena, “A Universidade Pública sob Nova Perspectiva”. In: Revista Brasileira de Educação, n° 24, 2003; HENNING, Paula Corrêa, Efeitos de Sentido em Discursos Educacionais Contemporâneos: Produção de Saber e Moral nas Ciências Humanas. Tese Doutorado em Educação. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2008; BLAY, Eva Alterman, “Mulheres Cientistas: Aspectos da Vida e Obra de Khäte Schwarz”. In: Revista Estudos Feministas (18:2). Florianópolis-SC, 2010, pp.473-489; GONTIJO, Aldriana Azevedo, O Lugar do Currículo no Conselho de Classe. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE-UnB). Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), 2015; RIGHETTI, Sabine, “CNPq Corta 20% das Bolsas Nacionais de Pesquisa na Graduação”. Disponível em: http://www.adufg.org.br/noticias/08/08/2016FREITAS, Leandro Alexandre, Programação de Espaços Inteligentes Utilizando Modelos em Tempo de Execução. Tese de Doutorado.  Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação em Rede UFG/UFMS. Instituto de Informática. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017; Artigo: “Confira 10 Bancos de Dados para Auxiliar Pesquisas e Aprovação em Mestrado e Doutorado”. In: https://www2.ufjf.br/noticias/2017/03/30/entre outros.