quinta-feira, 30 de abril de 2015

Paco de Lucía – Guitarra Flamenca & Cinema de Carlos Saura.

Ubiracy de Souza Braga*

La guitarra me ha ofrecido la capacidad de expresarme... sin utilizar la palabra”. Paco de Lucía (1947-2014)

A guitarra flamenca ou violão flamenco é um violão similar a um violão clássico. Ele é utilizado para acompanhamento do canto flamenco e para solos. Os luthiers da Andaluzia fazem instrumentos em uma ampla gama de preços, em grande parte pelos materiais utilizados e sua decoração. é um profissional especializado na construção e no reparo de instrumentos de cordas, com caixa de ressonância. Isto inclui o violão, violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, violas da gamba e todo tipo de guitarras acústica, elétrica, clássica, alaúdes, archilaúdes, tiorbas e bandolins. Os violões mais baratos eram muitas vezes simples, feitos a partir de madeiras locais mais baratas, tais como cipreste, em vez de jacarandás importados. Antonio de Torres, um dos luthiers mais renomados, não diferenciava entre o violão flamenco e o clássico. Só mais tarde, depois de Andrés Segovia e outros popularizarem a música de violão clássico, fez surgir esta distinção. No século XIX desenvolveram-se núcleos de produção com intensa atividade em várias cidades cobrindo as principais regiões do país, dando origem a verdadeiras “escolas” de violaria, geralmente reconhecidas como a “escola” do Porto, a de Coimbra e a de Lisboa.

Originalmente, em português, o nome mais usual para designar o ofício de construtor de violas é o de “violeiro”, existindo também a forma “guitarreiro” desde os séculos XV e XVI, pela simples razão de que a palavra Guitarra designava nessa época uma das variantes da viola de mão. Todos os documentos oficiais mencionando artesãos que constroem ou reparam instrumentos de cordas desde o século XVI até o início do século XIX no Brasil Colônia e em Portugal, e depois em Portugal, nos Palop, em Macau e em Timor, adoptam a forma “Violeiro” até ao início do século XXI, insistindo ainda em 2016 Antônio Luciano, violeiro famoso do Porto que exporta para todos os continentes, em usar o qualificativo português “violeiro”, e não luthier, que é a mesma coisa “mas para quem é francês”.  A palavra Luthier é de grande ocorrência no Brasil contemporâneo, mas é de introdução mais recente nos dicionários especializados da língua portuguesa, e ainda não sistemática devido ao seu caráter contido de galicismo, havendo termo vernáculo equivalente em língua portuguesa. Em contrapartida, no Brasil a palavra “Violeiro” é frequentemente empregada para designar o próprio tocador dum instrumento de cordas, sendo essa variação de léxico específica ao português brasileiro pelo menos desde fins do século XIX, e admitida pelos dicionários. Em Portugal o tocador de viola é chamado de “Violista”, ou “Guitarrista”. No entanto historicamente não é raro que jornais quotidianos brasileiros tradicionais como ocorre com a Folha de S. Paulo empregarem também a palavra “Violista”.  

        Sobre a história social e a tragédia registrada na música flamenca, ninguém é maior, dinâmico e mais atual do que Francisco Sánchez Gómez, o famoso violonista flamenco Paco de Lucía, nascido na cidade de Algeciras, comunidade autônoma de Cádiz, Espanha. – “Cuando compongo pienso en los guitarristas, ellos son el termómetro, soy quien soy porque ellos me han puesto donde estoy. Se han criado oyendo mi música”. O nome artístico foi herdado ainda criança em seu bairro em Algeciras. Como havia diversos “Pacos” e “Pepes”, apelidos comuns para crianças, a população da região costumava acrescentar o nome da mãe ao apelido. “Paco, el de Lucía” – de Lucía Gómez “La Portuguesa”, sua mãe. O nome que lhe deu a fama. Notadamente existe guitarras clássicas e guitarras flamencas em vários lugares e espaços do mundo ocidental, em várias fábricas de violão/guitarra e até mesmo luthieres diferenciando a tradição técnica e cultural dos modelos. No caso de Paco o gosto pela guitarra flamenca veio de seu pai e irmãos, todos estes músicos flamencos. Em verdade em sua formação desde criança já tomava aulas de violão, denominada guitarra em espanhol, disciplinarmente durante muitas horas por dia. Seus irmãos, o cantor flamenco Pepe de Lucía e o guitarrista Ramón de Algeciras tocaram na banda durante algum tempo. 
                                            
                                      
         
          O moderno porto de Algeciras é o 24º mais movimentado do mundo (5º da Europa e 1º do Mar Mediterrâneo e da Espanha), com bastante tráfego de e para África. Ainda existe uma linha regular de navios porta-contêiners para a América do Sul: Santos, Montevidéu, Buenos Aires. Existe um serviço regular de ferry-boats para Tânger (Marrocos) e para o enclave espanhol de Ceuta. Devido a esses transportes, existem bastantes hotéis e estalagens. Uma importante indústria é a refinaria da CEPSA que fornece tanques na baía de Algeciras, tanques esses que uma vez cheios se deslocam para as águas de Gibraltar para venderem o combustível com taxas mais baratas. A cidade foi palco da Conferência de Algeciras, em 1906. A área da cidade foi povoada desde a pré-história, e os primeiros vestígios pertencem a populações neandertais da era paleolítica. Devido à sua posição estratégica foi um importante porto sob os fenícios, e foi o local do importante porto romano de Portus Albus (“Porto Branco”), com duas cidades próximas chamadas Caetaria (possivelmente fundada pelos ibéricos) e Iulia Traducta, fundada pelos romanos. Recentemente, foi proposto que o local de Iulia Transducta fosse a Villa Vieja de Algeciras.

Depois de ser destruído pelos godos e seus aliados vândalos, Tarik desembarcou em Algeciras e Tarifa em abril de 711. No ano de 859 d.C., as tropas vikings a bordo de 62 drekars e comandadas pelos líderes Hastein e Björn Ironside cercaram a cidade por três dias e, posteriormente, devastaram grande parte dela. Depois de saquear as casas dos ricos, queimaram a mesquita de Aljama e a mesquita de Banderas. Reorganizados perto da medina, os habitantes conseguiram recuperar a cidade e fazer os invasores fugirem, capturando dois barcos. Gozou de um breve período de independência como um estado taifa de 1035 a 1058. Foi nomeado al-Jazirah al-Khadra' ("Ilha Verde") após o offshore Isla Verde; o nome moderno é derivado deste nome árabe original (compare também Argel e Al Jazeera). Em 1055, o emir Al-Mutadid de Sevilha expulsou os berberes de Algeciras, reivindicando-a para os árabes. Prometendo combater a expansão castelhana iniciada em 1265, Granada Nasrida exigiu assistência de Fez no final de 1274 e cedeu o lugar de Algeciras (junto com Tarifa) aos Marinidas.

Em 1278, Algeciras foi sitiada pelas forças do Reino de Castela sob o comando de Afonso X de Castela e seu filho, Sancho. Este cerco foi o primeiro de uma série de tentativas de tomada da cidade e terminou em fracasso para as forças castelhanas. Uma armada enviada por Castela também foi aniquilada enquanto tentava bloquear o porto da cidade. O domínio marinida sobre a cidade aumentou ainda mais nas décadas seguintes, e o local se transformou em uma fortaleza marinida a partir da qual razzias foram lançadas nos assentamentos cristãos ainda incipientes no baixo Guadalquivir e na área de Guadalete. Em julho de 1309, Fernando IV de Castela sitiou Algeciras e Gibraltar. Este último caiu nas mãos dos cristãos, mas o muçulmano Algeciras manteve-se nas três décadas seguintes, até que Afonso XI de Castela retomou o cerco. Juan Núñez de Lara, Juan Manuel, Pedro Fernández de Castro, Juan Alfonso de la Cerda, senhor de Gibraleón, todos participaram do cerco, assim como cavaleiros da França, Inglaterra e Alemanha, e até o rei Filipe III de Navarra, rei consorte de Navarra, que veio acompanhado por 100 cavaleiros e 300 infantes. Em março de 1344, após vários de cerco, Algeciras rendeu-se.

Ao conquistar a cidade, Afonso XI fez dela a sede de uma nova diocese, estabelecida pela bula Gaudemus et exultamus do Papa Clemente VI, de 30 de abril de 1344, e confiada ao governo do bispo de Cádiz. Os bispos de Cádiz continuaram a deter o título de Aliezira, como era chamado, até 1851, quando, de acordo com uma concordata entre a Espanha e a Santa Sé, seu território foi incorporado à diocese de Cádiz. Não mais um bispado residencial, Aliezira é hoje listado pela Igreja Católica como sé titular. Deixada relativamente desprotegida durante a Guerra Civil Castelhana, a cidade foi facilmente tomada em 1369 pelos Nasridas de Granada com a ajuda de uma frota Marinid. Foi destruído por ordem de Muhammed V de Granada. Enquanto a tradição afirma que foi demolido imediatamente após a ocupação de 1369, a política de terra arrasada de Nasrid também foi datada de 1375, uma vez que os esforços de repovoamento de Granada deveriam ter falhado. A guarnição foi assim transferida para Gibraltar, com um porto pior, mas mais facilmente defensável, no controle de Nasrid após a retirada Marinid da Península Ibérica. Embora a jurisdição tenha sido cedida a Gibraltar em 1462 após a conquista castelhana deste último lugar, há indícios sobre a continuação da existência de assentamentos informais de agricultores e sepherds na área, pelo menos depois de 1466.

Algeciras foi refundada após 1704 por refugiados de Gibraltar após a captura do território pelas forças anglo-holandesas na Guerra da Sucessão Espanhola. Já em 1705, o local era descrito como ... um monte de pedras,... apenas alguns casebres espalhados aqui e ali, em meio a uma infinidade de ruínas". A sensação de provisoriedade entre a população deslocada e as esperanças de um retorno a Gibraltar foram destruídas pelo Tratado de Utrecht de 1713. Além dos gibraltinos, ao longo do século XVIII o repovoamento contou também com a participação de colonos do resto da Península Ibérica e de outras partes, destacando-se os italianos neste último aspecto. A população aumentou rapidamente de 1.845 em 1725 para 6.241 em 1787. A estrutura social dos Algeciras apresentava um número comparativamente pequeno de nobres e um peso comparativamente maior do clero. Tal como no resto do Campo de Gibraltar, a pecuária (o gado em particular) desempenhou um papel importante na economia durante o século XVIII graças às pastagens ricas. Dada a abundância de conflitos internacionais na área do Estreito durante o século 18, as atividades de corsários contra navios beligerantes com a Espanha ou navios neutros que abastecem o inimigo também se tornaram uma parte importante da economia. Foi fortificado para se proteger contra ataques britânicos com instalações como o Fuerte de Isla Verde construído para guardar pontos-chave. A cidade foi reconstruída em seu plano retangular atual por Carlos III em 1760.

Em julho de 1801, as marinhas francesa e espanhola lutaram contra a Marinha Real Britânica na Batalha de Algeciras, que terminou com uma vitória britânica. A cidade tornou-se palco de uma grande crise internacional ao sediar a Conferência de Algeciras, em 1906. O fórum internacional para discutir o futuro do Marrocos, realizado na Casa Consistorial. Confirmou a independência do Marrocos contra ameaças da Alemanha e deu à França o controle dos interesses bancários e policiais. Em julho de 1942, homens-rãs italianos se estabeleceram em uma base secreta no navio-tanque italiano Olterra, que foi internado em Algeciras, para atacar o transporte marítimo em Gibraltar. Durante a era Franco, Algeciras passou por um desenvolvimento industrial substancial, criando muitos novos empregos para os trabalhadores locais desempregados quando a fronteira entre Gibraltar e Espanha foi selada por Franco entre 1969 e 1982. Em 1982, houve um plano fracassado com o codinome Operação Algeciras, concebido pelos militares argentinos tendo como objetivo sabotar as instalações militares britânicas em Gibraltar durante a Guerra das Malvinas. As autoridades espanholas intervieram pouco antes do ataque e deportaram os dois argentinos Montoneros e o oficial de ligação militar envolvidos.

O guitarrista e biógrafo de flamenco Donn Pohren (1929-2007) e o produtor musical José Torregrosa (1927-2005) compararam o relacionamento de Paco com seu pai ao relacionamento de Wolfgang Amadeus Mozart e Leopold Mozart na maneira como ambos os pais “moldaram seus filhos” para se tornarem músicos de classe mundial, e ambos continuaram a ditar mesmo depois que este último se tornou famoso. O irmão de Paco, Ramón, idolatrava Niño Ricardo, e ensinava suas complexas falsetas ao irmão mais novo, que as aprendia com relativa facilidade e as modificava ao seu gosto e as embelezava. Isso inicialmente irritou Ramón, que considerava as obras de Ricardo sagradas e achava que seu irmão estava se exibindo; mas logo começou a respeitar imensamente o irmão e percebeu que ele era um talento prodigioso, fora de série. Assim como Ramón, Ricardo foi a influência mais importante de Paco e seu primeiro herói da guitarra; Paco disse que “todos nós, jovens, o admiraríamos, tentando aprender com ele e copiá-lo”. Em 1958, aos 11 anos, Paco fez sua primeira aparição pública na Rádio Algeciras. Nesse ano, conheceu Sabicas pela primeira vez em Málaga. Um ano depois obteve o prêmio especial no Festival Concurso Internacional Flamenco de Jerez de la Frontera competição de flamenco. 

Jerez da Fronteira é um município da província de Cádis, na comunidade autónoma da Andaluzia, na Espanha. Possui área de 1 188,23 km², uma população de 212 876 habitantes (2015) e densidade populacional de 178,61 habitantes por quilómetro quadrado. O município é famoso pelo xerez, pelos cavalos, pelo flamenco e pelo motociclismo. A região apresenta ocupação humana desde a Idade do Cobre, quando o Lacus Ligustinus, antiga enseada marítima formada com as águas do rio Guadalquivir, era uma grande riqueza natural e poderoso fator de atração para os seres humanos. A primeira grande civilização que se estabeleceu na região foi a dos tartessos, por volta de 3000 a.C. Os tartessos fundaram, por volta de 1200 a.C., no atual bairro rural de Mesas de Asta, a oito quilômetros do atual centro do município, a cidade de Asta Regia, cuja economia se baseava no comércio de metais. Na época, a região era chamada pelos fenícios de “Xera”. Em 241 a.C., a região foi invadida pelos cartagineses. Com a Segunda Guerra Púnica (218-201 a.C.), a região foi conquistada pelos romanos.

Na história romana, destacou-se a zona agrícola de Ager Ceretanus, que se localizava no território do atual município de Jerez de la Frontera. Em Ager Ceretanus, se localizava o núcleo urbano de Ceret (ou Seret). Tanto Ceret quanto Ager Ceretanus eram dedicados a Ceres, a deusa romana das colheitas. Com a queda do Império Romano do Ocidente (476), a região passou para domínio visigodo, interrompido por um período de domínio bizantino nos séculos VI e VII. Os visigodos chamavam a região de Seritium ou Xeritium. Em 711, após a batalha de Guadalete, a região foi conquistada pelos muçulmanos. Durante o período muçulmano, a cidade foi reconhecida como Sherish. Em 1231, ocorreu a Batalha de Jerez, na qual as forças cristãs beligerantes da Coroa de Castela sobrepujaram as tropas muçulmanas do Reino de Múrcia. A partir de 1248, com a conquista cristã de Sevilha, a região passou a um protetorado cristão. Em 1264, a região foi incorporada ao reino de Sevilha e, consequentemente, à Coroa de Castela. No entanto, investigações recentes sugerem que a incorporação ocorreu somente no ano de 1266. Com a conquista cristã, Sherish foi alterado para Xeres ou Xerez. Posteriormente, foi acrescentado o “da Fronteira”, em referência à fronteira com o Reino nasrida de Granada.

A partir de 1492, com a descoberta da América, a região se tornou muito próspera devido à proximidade com os portos de Cádiz e Sevilha. Mas em verdade chama-se “descobrimento da América” a chegada e ocupação da América pelo navegador Cristóvão Colombo (1452-1516) em 12 de outubro de 1492. No século XVI, a pronúncia do topônimo Xerez foi alterada para sua pronúncia atual, com o som de “r”. No século XVIII, com a reforma ortográfica da Academia Real, o topônimo adquiriu sua grafia atual: Jerez. A partir do século XVIII, a região se tornou famosa devido à produção de xerez. Durante a Guerra Peninsular (1807-1814), a cidade foi saqueada. Os séculos XVIII e XIX foram marcados pela industrialização da cidade e pela chegada da primeira linha de trens da Espanha, que uniu Jerez a El Puerto de Santa María em 1854 e à zona do Trocadero, no município de Puerto Real, em 1856. O século XIX também foi marcado por grandes tensões sociais entre a classe rica dos grandes proprietários, exportadores de vinhos e boa parte da nobreza, e a classe proletária urbana e rural. Essas tensões levaram a vários levantes camponeses, que o governo reprimiu baseando-se na suposta existência da sociedade anarquista chamada La Mano Negra que estaria promovendo assassinatos e incêndios de colheitas e edifícios. Durante os séculos XIX e XX, grandes músicos flamencos cresceram na cidade, tornando-a o berço do flamenco. No início do século XX, a cidade teve que lutar contra a filoxera, a praga que destroçou as vinhas europeias.

Os danos provocados pela filoxera nas vinhas dependem da susceptibilidade da espécie ou casta de videira utilizada. Para medir essa susceptibilidade foi criada uma escala de 20 pontos, denominada índice de Ravaz. Em geral, as espécies americanas de vide, que coevoluíram com a filoxera, mas cujos frutos em geral não são adequados para a produção de vinho, são as que apresentam maior índice, revelando uma menor susceptibilidade. A escala vai desde a resistência total (20 pontos) apresentada pelos cultivares da Vitis rotundifolia, até à resistência nula (0 pontos) da Vitis vinifera europeia. A infestação com a filoxera de uma videira com índice de Ravaz inferior a 12 pontos leva em geral à morte da planta em cerca de três anos. São as gerações radícolas do inseto aquelas que mais dano provocam à planta, já que as tuberosidades formadas pelo intumescimento dos tecidos atacados são em geral infectadas por fungos, levando à morte da zona apical da raiz, provocando a redução do seu crescimento e a perda da capacidade de absorção de água e nutrientes, o que, por sua vez leva, à rápida deterioração do estado vegetativo da planta. As infestações galícolas, embora possam levar a uma drástica redução da área foliar, ao amarelecimento e à perda de capacidade fotossintética, em geral não são fatais, embora reduzam grandemente a produtividade das videiras e a qualidade das uvas produzidas. Nas situações mais graves, as gavinhas e os caules mais tenros são afetados, podendo morrer ou impedir o crescimento da planta. As vinhas susceptíveis infestadas perdem rapidamente capacidade produtiva, com a morte de muitas videiras, em geral não podem ser recuperadas sem o arranque e replantio com plantas resistentes, o que implica perda de rendimento durante anos. 

Do ponto de vista da música flamenca seguiram suas carreiras como solista, tocando com outros músicos. Mas ao fim da década de 1960 ele conhece a voz de seu flamenco: o cantor Camarón de la isla. Paco de Lucía morreu na madrugada do dia 25 de fevereiro no México, aos 66 anos. Analogamente costuma-se dizer que a música e sonoridade “do flamenco capta a alma da Espanha como o fado, a de Portugal e o samba, a do Brasil”. Como ele mesmo apareceu em “Carmem”, na adaptação da tragédia clássica do ciúme, baseada na obra de Prosper Merimée adaptada por Carlos Saura no cinema. Mérimée gostava do misticismo, da história e das coisas incomuns. Influenciado diretamente pela ficção histórica de Sir Walter Scott (1771-1832) e pelo drama psicológico e cruel de Pushkin, seu estilo, porém era conciso, bastante objetivo - apesar de marcadamente dramático. Muitas de suas obras fictícias retratam lugares de forma bastante exótica - dedicando-se particularmente à Espanha e à Rússia.  Antes, já tocara em “Bodas de Sangue”, também do extraordinário Carlos Saura, baseado na literatura de Federico Garcia Lorca (1898-1936). Ainda colaboraria no cinema com o diretor em “Sevillanas”, que podem ser ouvidas no Sul de Espanha, em feiras comunitárias e festivais, incluindo na famosa La Feria de Sevilla. Há uma dança associada à música, intitulada: Baile de Sevilhanas, que na exposição consiste em quatro partes distintas. 
          Antropologicamente, concordamos com a démarche registrada em tempos e rituais em que a música flamenca começou só cantada, depois sim, acompanhada com o violão ou guitarra e, finalmente, no ambiente formal da dança concebido como baile. Esses três movimentos – “cante, toque e baile” - podem, eventualmente, ser dissociados. Existe flamenco “sem cante”, mas, “sem toque e baile é difícil”. É tudo muito cinematográfico. E o cinema muitas vezes faz apelo da consciência à Paco de Lucía como ocorre no filme: “Paco de Lucia - flamenco Carlos Saura”. A inserção melancólica do cinema espanhol se confirmaria em parte de seus filmes pela narrativa alegórica, traduzidas nas tensões dos quase 40 anos de ditadura do General Franco. As inquietudes e sofrimentos, que se traduzem em profunda melancolia, revelam ao mesmo tempo as vicissitudes da condição humana em seu contexto sócio-histórico – a Espanha devastada pelo regime franquista. O roteiro do filme “Elisa, vida mía” (1977), escrito após o fim da guerra, desvelaria os resquícios da guerra civil na população espanhola. O romance, escrito 27 anos depois, mantém a história e a melancolia dos personagens do filme. Embora Carlos Saura faça menção à guerra civil (1936) e à Espanha pós-franquista (1939), ele escreveu o romance em um período em que já não existia mais a tensão política em que o filme foi rodado. No romance de 2004, Saura inserem aspectos da contemporaneidade, próprios da Espanha moderna. A mesma melancolia do filme de 1977, permeia o romance de 2004, ersatz da melancolia que  se cristaliza na cultura espanhola desde o chamado “Século de Ouro Espanhol” (cf. Bartra, 2001; 2004; Bongestab, 2011: 54).
Devemos levar em consideração que a guerra civil espanhola foi interpretada como o episódio mais cruel e sangrento do processo de modernização espanhol. Identificamos essas marcas da guerra civil no texto de Saura. Às vezes, elas aparecem explicitamente, outras de maneira implícita, mas o fato é que estão presentes em toda a narrativa do filme e do romance. Para que pudéssemos esclarecer essas marcas da guerra civil no filme: “Elisa, vida mía”, tomamos por base as contribuições de Josep M. Buades, que demonstra o papel dos artistas espanhóis e trata dos desafios da Espanha de hoje quando dedica um capítulo exclusivamente para retratar o trauma da guerra civil. Assim como no que tange à articulação entre a perspectiva de Carlos Saura e a guerra civil, como se refere ainda Antony Beevor (2007), no ensaio intitulado: “A batalha pela Espanha: A guerra civil espanhola 1936-1939”. Neste texto, descreve as atrocidades da guerra civil, as esperanças e os medos diante do conflito que levou ao caos a Espanha. Identificado com a região de Andaluzia, o flamenco não é só uma música, mas uma dança. A sua capital é a cidade de Sevilha, onde tem, a sua sede, a Junta de Andaluzia, enquanto que o Tribunal Superior de Justiça de Andaluzia tem a sua sede na cidade de Granada.
O seu nome provém de Al-Andalus, palavra que os muçulmanos davam à Península Ibérica no século VIII. É a segunda maior comunidade autônoma espanhola e a mais populosa. Tornou-se comunidade autônoma em 1982. Segundo o qeu estabelece seu estatuto autonômico, possui a condição de “nacionalidade histórica”. Suas origens remontam a diferentes culturas - cigana, mourisca, árabe e judaica. Mas é um produto impuro, fruto da feliz miscigenação, do “mestiço é que bom”, na interpretação de Darcy  Ribeiro, o “antropólogo das civilizações”. Dançarinos de flamenco são especiais – “os homens são másculos, as mulheres exalam sensualidade. E as mãos - elas executam uma dança própria no ar”. Esteticamente pode-se ficar magnetizado só com os movimentos das mãos, enquanto a dança é executada em corpo e alma. A cultura do flamenco é associada principalmente à região da Andaluzia na Espanha, assim como Múrcia e Estremadura, e tornou-se um dos símbolos da cultura espanhola. Mais recentemente outros instrumentos como o “cajón”, ou “adufe”, foram também introduzidos. Muitos dos detalhes do desenvolvimento do flamenco foram perdidos na história social da Espanha e existem várias razões para essa aparente falta de evidências históricas, ou mesmo indiciárias (cf. Ginzburg e Poni, 1979), entre elas, o fato social, mas, sobretudo cultural, de que o flamenco não foi considerado uma forma de arte, sobre a qual valesse a pena escrever durante muito tempo. Em sua existência, histórica e melancólica,  esteve dentro e fora de moda por diversos períodos, até que o cinema o capturou de forma definitiva a tragédia clássica com o filme Carmen que  representa a trajetória de um grupo de dançarinos flamencos que prepara uma versão da ópera “Carmen”, do compositor francês Georges Bizet.
 A trama é construída durante os ensaios da ópera, tendo como background a Espanha da década dos anos 1980. A jovem dançarina Carmen (Laura Del Sol) disputa com Cristina (Cristina Hoyos) o papel principal do espetáculo, mas durante os ensaios, o coreógrafo (Antônio Gades) se apaixona por Carmen e começa a agir de forma obcecada, como o personagem que interpreta na adaptação, misturando ficção e realidade como arquétipo do realismo fantástico. Ipso facto o romance do casal se confunde com a história original de Bizet. Os acontecimentos da peça, o amor, ciúme, ódio e tragédia, vão se transformando em realidade concreta nas vidas dos dançarinos. Seu nome de batismo era Francisco Sánchez Gómez, mas virou através do apelo Paco. Era o mais novo de cinco irmãos, filhos do também guitarrista de flamenco Antônio Sánchez. Os seus irmãos Pepe de Lucía e Ramón de Algeciras também são músicos de flamenco. Pepe é cantor e Ramón é também guitarrista.
Em Algeciras, e de uma forma geral na maior parte da região da Andaluzia, é costume os rapazes adotarem o nome da mãe por tradição de serem corretamente identificados como, por exemplo: “Paco de (la) Carmen”, ou “Paco de (la) María”, deste modo, o seu nome artístico foi adotado em honra de sua mãe Luzia, de origem portuguesa, que por sua vez adotou o nome de Lucía Gómez. Mas obteve a técnica e o domínio do instrumento guitarra, com seu pai e seu irmão Ramón quando aprendeu, obtendo o dom de tocar guitarra. Em 1958, com apenas onze anos de idade, fez a sua primeira aparição pública na Rádio Algeciras, e no ano seguinte recebeu “um prêmio especial numa competição de flamenco em Jerez de la Frontera”, acompanhado pelo seu irmão Pepe num “duo” que se chamava “Los chiquitos de Algecira”. Como consequência do êxito entrou para a trupe de José Greco em 1961, com o qual realizou uma digressão. Entre 1968 e 1977 participou de uma frutuosa colaboração com Camarón de la Isla, outro músico inovador do chamado “novo flamenco”; juntos gravaram nove discos. Em 1991 gravou o “Concierto de Aranjuez”, de Joaquin Rodrigo com a Orquestra de Cadaques. Nas gravações, teria dito que “nadie había tocado su obra con tanta pasión e intensidad como Paco de Lucía”.
Escrito no início de 1939, em Paris, longe da atmosfera tensa da última fase da Guerra Civil na Espanha e o presságio da 2ª guerra mundial, sua estreia ocorreu em 9 de novembro de 1940 e o solista foi o guitarrista Regino Sainz de la Maza, acompanhado pela Orquestra Filarmônica de Barcelona, dirigida por César Mensoza Lasalle, no “Palau de la Musica Catalana”, em Barcelona, sendo o primeiro concerto de guitarra e orquestra da história da música. Este concerto é dividido em três movimentos: “Allegro con spirito”, “Adagio” e “Allegro gentile”. O segundo movimento – “Adagio”, o mais conhecido dos três - é marcado pelo seu ritmo lento e melodia calma, com um acompanhamento suave de guitarra e cordas. Apesar de uma sensação de calma que permeia a peça, desde o começo acordes são adicionados gradualmente à melodia e um trinado da guitarra e cordas cria as primeiras sementes de tensão, que vão crescendo com o acompanhamento dos instrumentos de sopro, mas gradualmente relaxando para a melodia com arpejos de calma da guitarra. 

As origens do Palácio Real de Aranjuez remontam ao reinado de Filipe II. Foi este monarca quem o mandou edificar, em 1561, sendo os planos definitivos da autoria de Juan Bautista de Toledo, o arquiteto do El Escorial. Quando Toledo faleceu, em 1567, o seu discípulo Juan de Herrera foi encarregado de rematar a obra. Depois da conclusão de uma parte do palácio, o projeto foi abandonado até ao reinado de Filipe V, o primeiro rei da Casa de Bourbon. Poucos anos depois de se concluir o projeto segundo os planos originais, o palácio sofreu um incêndio. Foi então que o filho de Filipe V, Fernando VI, encarregou o arquiteto Santiago Bonavía da sua reconstrução, o qual respeitou a estética do edifício, embora tenha introduzido algumas alterações que ainda hoje são visíveis. Com Carlos III o palácio teve a última grande intervenção. Este rei encarregou Sabatini de ampliar o palácio, tendo este construído duas novas alas na fachada principal, criando assim um amplo pátio de armas semelhante à do Palácio Real de Madrid. O palácio adquiriu, assim, o aspecto que se pode observar na atualidade. O Palácio Real de Aranjuez é uma das residências do Rei de Espanha. Fica situado no Real Sítio e Vila de Aranjuez, na Comunidade de Madrid, aproximadamente em torno de 20 km da capital espanhola, e como tal é gerido e mantido pelo Patrimônio Nacional.

  O complexo é constituído, para além do palácio, por um vasto conjunto complexo de parques integrados na cidade que se desenvolvem em volta dele. Está situado nas margens do rio Tejo. Em 2001 este ambiente foi declarado Paisagem Cultural do Patrimônio da Humanidade pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO, integrado no sítio Paisagem Cultural de Aranjuez. Numas das alas mandadas construir por Carlos III foi instalada a capela, com afrescos de Francisco Bayeu y Subias, enquanto na outra foi disposto um grande salão de baile. Nos interiores, merece destaque o Salão do Trono, decorado com veludo encarnado. Próximo dele encontra-se o exuberante Gabinete de Porcelana, um prodígio das artes decorativas. A totalidade das paredes e dos tetos apresenta uma riquíssima ornamentação de porcelana em relevo, mistura de estilo rococó e chinês. Foi realizada por Giuseppe Gricci entre 1763 e 1765 por encomenda de Carlos III, representando a obra cimeira da Real Fábrica de Porcelanas do Bom Retiro, atualmente desaparecida. Bonavia foi também o autor da magnífica escadaria de estilo imperial, com uma formosa balaustrada rococó em ferraria e dourados, a qual é um verdadeiro labirinto com múltiplas rampas de acesso. Outras são a de Jantar de Gala, o Salão de Baile, o Quarto da Rainha, o Oratório, coberto por afrescos, a Sala China e a Sala dos Espelhos, as quais intervieram pintores como Jacopo Amigoni  ou Giacomo Amiconi, Francisco Bayeu e Luca Giordano, para citarmos os mais célebres.   

O Concerto de Aranjuez foi composto para descrever os jardins do Palácio Real  de Aranjuez, a residência do Rei Felipe II na primavera na segunda metade do século XVI, e mais tarde reconstruído em meados do século XVIII por Fernando VI. Segundo o compositor, o segundo movimento “representa um diálogo entre a guitarra e instrumentos de solo, como o corne inglês, fagote, oboé, trompa”.  Ele descreve etnograficamente o concerto como a captura “da fragrância das magnólias, cantos dos pássaros e um fluxo de fontes” dos jardins de Aranjuez. As origens do Palácio Real de Aranjuez remontam ao reinado de Filipe II. Foi este monarca quem o mandou edificar, em 1561, sendo da autoria de Juan Bautista de Toledo, o arquiteto do El Escorial.
Quando Toledo faleceu, em 1567, o seu discípulo Juan de Herrera foi encarregado de rematar a obra. Depois da conclusão de uma parte do palácio, o projeto foi abandonado até ao reinado de Filipe V, o primeiro rei da Casa de Bourbon. Poucos anos depois de se concluir o projeto segundo os planos originais, o palácio sofreu um incêndio. Foi então que o filho de Filipe V, Fernando VI, encarregou o arquiteto Santiago Bonavía da sua reconstrução, o qual respeitou a estética do edifício, embora tenha introduzido algumas alterações que ainda hoje são visíveis. Com Carlos III o palácio passou por reforma, tendo assim a última grande intervenção. Este rei encarregou Sabatini de ampliar o palácio, tendo este construído duas novas alas na fachada principal, criando assim um amplo pátio de armas semelhante à do Palácio Real de Madrid. O palácio adquiriu, o aspecto que se pode observar. Quando Francisco Sánchez Gomes tinha 20 anos foi fazer uma apresentação na TV sendo assim “afiançado” aos espectadores: “ele possui todos os segredos da grande guitarra espanhola” (“tiene todos los secretos de la gran guitarra española”). Sentado num banquinho com o violão no colo ritmou sua interpretação flamenca do chorinho: “Tico-tico no fubá”.  Nas quatro décadas seguintes de sua prestigiada carreira, aperfeiçoaria novos segredos ao instrumento e se tornaria solista de reconhecimento no mundo inteiro.  
Em 2010 se tornou “doutor honoris causa” pelo Berklee College de Boston, abrindo as portas da música flamenca para o mundo. Antes dos 30 anos já era um artista revolucionário, como músico do flamenco ao lado de cantores como: Camarón de la Isla e Tomatito. Ao final da década já começava a esticar suas cordas para além da Espanha, tocando com talentosos artistas como Carlos Santana, Larry Coryell, John Mac Laughlin, Al Di Meola e outros guitarristas de jazz e rock. Foram muitas trilhas: para Stephen Frears (“The Hit”), um dos mais respeitáveis diretores de cinema da Hollywood, e tem em seu currículo realizações diversas e premiadas. Foi dele o score de Vicky Cristina Barcelona (2008), o filme de Woody Allen e ele também tocou a música “Malagueña Salerosa” em “Kill Bill, vol. 1”, do magnânimo Quentin Tarantino. O enredo gira em torno de duas mulheres norte-americanas, Vicky e Cristina, que passam um verão em Barcelona, onde encontram um artista, Juan Antonio, que se sente atraído por ambas, ainda enamorado de sua ex-mulher mentalmente e emocionalmente instável, María Elena. O filme foi rodado na Espanha em Barcelona, Avilés e Oviedo, e foi o quarto filme consecutivo de Allen filmado fora dos Estados Unidos da América.
Em 2004, Paco de Lucía recebeu o prêmio Príncipe de Astúrias por sua contribuição à arte da Espanha. São prêmios anuais atribuídos pela Fundación Príncipe de Asturias, a indivíduos ou instituições de todo o mundo que tenham produzido contribuições notáveis no campo das artes, ciência e literatura. Como artista permanecia enraizado na tradição, mas buscava novos campos e territorialidades. Em 2010, o estilo e a marca flamenca foram declarados patrimônio da humanidade pela Organización de las Naciones Unidas para la Educación, la Ciencia y la Cultura. Na tela com o cinema e no tablado, com a dança, Paco de Lucía contribuiu para esse nível de reconhecimento pelo seu extraordinário talento e como pessoa humana. Tradição é seguida conservadoramente e com respeito através das seguidas gerações. Seu representante, José Emilio Navarro, relatou à Agence France-Presse, considerada mais prestigiadas do mundo, fundada em 1835, que o músico sofreu um ataque cardíaco em praia próxima de Playa del Caramen, onde passava férias. O artista começou a passar mal “quando jogava futebol com seu filho de 8 anos”, informou Navarro. – “Paco de Lucía estava morando em Cuba, mas tinha viajado com sua esposa e dois filhos para passar suas férias na Playa del Carmen”. A prefeitura de Alegeciras confirmou o falecimento decorrente de infarto, e anunciou luto oficial de três dias. – “A morte do músico representa uma perda irreparável para o mundo da cultura, para a Andaluzia”, declarou o prefeito de Algeciras, José Ignacio Landaluce.
Bibliografia geral consultada. 
REGUERRA, Rogelio, Historia y Tecnica de la Guitarra Flamenca. Madrid: Editorial Alpuerto, 1990; LAVERNIA, Joaquim García, El Livro del Cante Flamenco. Madrid: Editorial Rialt, 1991; CANCLINI, Nestor Garcia, Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997; GARCÍA, Francisco, Flamenco, Tecnología y Cultura de Massas: Impulsos y Aversiones Contitutivas. Sevilla: Editor Arte/Facto, 2004; BARTRA, Roger, Cultura y Melancolía: Las Enfermedades del Alma en la España del Siglo de Oro. Barcelona: Editorial Anagrama, 2001; Idem, El Duelo de los Ángeles: Locura Sublime, Tedio y Melancolía en el Pensamento Moderno. Valencia: Ediciones Pré-textos, 2004; ESTEBAN, José María, Breve Enciclopedia del Flamenco. Madrid: Libsa, 2007; BEEVOR, Antony, A Batalha pela Espanha: A Guerra Civil Espanhola (1936-1939). 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2007; ALONSO, Chefia, Improvisacion Livre. La Composición em Movimiento. Baiona: Espanha: Editor Dos Acordes, 2008; FRAYSSINET SAVY, Corinne, Danser le Silence. Une Antropologie Historique de la Danse Flamenca. París: Actes Sud, 2009; BONGESTAB, Cristina, Memória e Melancolia na Obra de Carlos Saura. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011; SARDO, Fábio, A Utilização da Improvisação como Estratégia no Ensino da Guitarra Flamenca. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012;  Artigo: “Morreu o Mito da Guitarra Flamenca Paco de Lucía”. In: http://www.rtp.pt/noticias/; Artigo: “Morte de Paco de Lucía Rouba Atenções em Espanha ao Debate do Estado da Nação”. In: http://www.rtp.pt/noticias/; Artigo: “Morre o Violonista Paco de Lucia, Ícone do Flamenco”. In: https://epoca.globo.com//2014/02/26SILVA, Luciano Augusto Câmara da, Di Menor e Cepa Andaluza: Tradição e Construção de Conhecimento Musical em Guinga e Paco de Lucia. Dissertação de Mestrado em Música.  Programa de Pós-Graduação em Música. Centro de Letras e Artes. Rio de Janeiro:  Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2015;  entre outros.   
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Redução da Maioridade Penal: sem fraude nem favor.

Fernando Átila Freitas de Oliveira Filho*

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Paulo Freire.
Assim como muitas das nossas leis, a PEC 171/93 é apenas mais uma que certamente não resolverá um de nossos maiores problemas: criminalidade e (in) segurança pública. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tem como objetivo reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal. Isso certamente será um retrocesso para nosso país e, mais especificamente, para os nossos jovens, visto que as cadeias são verdadeiras escolas do crime - e as pessoas hão de concordar, pois é um fato.  O jovem, ou qualquer pessoa, que entra no sistema carcerário sai “pior” do que antes. Certamente, aprovar a PEC é mandar a vida de muitos jovens para o lixo, assim como o Estado já faz há séculos, e muito bem.
Todos os dias somos bombardeados, seja nas redes sociais ou programas policiais dirigidos por verdadeiros fanáticos, que se utilizam da fragilidade do povo desamparado pelo Estado e pelas condições sociais para praticar a sua arte da sedução, por meio da demagogia, e a concordarmos cada vez mais com esse mecanismo de captação em massa. Com seus discursos cheios de palavras complexas, que muitas vezes nem eles mesmos compreendem o significado ou o adequam ao discurso com coerência, fazendo uso de uma gesticulação excessiva, ou seja, puro paralogismo. Surge aí O Guia, O Salvador, O Fuhrer; mas que, na verdade, fala o que queremos ouvir. Isto não é em todo desconhecido, sabemos disso, mas gostamos de ficar no conforto da inércia, esperando a solução cair do céu. Falam muito, não dizem nada. 



          
Antes de tudo devemos considerar que um ser humano em qualquer lugar ou condição em que esteja é singular, porém quando o olhamos em sociedade devemos fugir desta regra – talvez por isso nos baseamos tanto em estatísticas. Portanto, devemos interpretar a lei não desvinculada do cenário social no qual ela foi criada, desenvolvida e sancionada. Como já foi dito, o jovem que entra no presídio - e quando falo jovem não me limito apenas aos menores de idade -, é reeducado para o crime, apreendendo o que ainda não sabia e mais um pouco. Este mesmo indivíduo, tempos mais tarde, voltará a viver em sociedade, mas como a cadeia não cumpriu seu papel, o de reeducar, ele volta trazendo maiores problemas para o ambiente social. Aquele que furtava agora comente latrocínios, etc.
O homem é o seu meio, é claro que existem as exceções. Já os citados “guias do povo” utilizam discursos deterministas, ora, se afirmo que tal pessoa “não tem mais jeito”, ela é uma abominação da natureza, ou como já ouvi de uma pessoa que, “todo pobre é um ladrão em potencial”, estou afirmando que tal ser é guiado por seu psíquico (determinismo psíquico). Ninguém nasce criminoso, se torna, a partir dessa lógica e que também é um fato, tiro a conclusão de que a educação é o melhor caminho – não confundam educação com falta de punição. Já começamos com o conceito errado de cadeia (punição), quando alguém comete um erro devemos ensina-la a não cometer esse mesmo erro , e outros erros se possível, novamente; quando uma criança, por exemplo, fala uma palavra feia não chegamos para ela e apenas a mandamos sentar-se durante meia hora em uma cadeira no canto mais isolado da sala de aula para ser motivo de chacotas, pode-se até fazer isso, por mais errado que seja, mas o adulto sempre a explica o porquê daquela punição e a manda refletir; e a cadeia é isso, lugar de autocrítica, de reeducar, pelo menos deveria ser assim.
“Embora a divisão da sociedade em classes e os conflitos sociais sejam evidentes, a sociedade constantemente nos é apresentada como uma unidade. Na atividade política institucional que se manifesta em discursos ou ações de políticos ou do Estado, interesses de uma classe social são apresentados como interesses de toda a sociedade. Na sociedade civil, os meios de comunicação de massa, a escola, as igrejas, as empresas e a família veiculam uma interpretação parcial da realidade, em que o indivíduo, isolado, é responsabilizado pela situação em que se encontra, como se ela dependesse apenas de sua vontade, de suas características individuais (esforço, preguiça, perseverança, etc.) ou das chances que a sorte lhe oferece. As explicações para os acontecimentos baseiam-se na natureza humana e não nas desigualdades e conflitos que caracterizam a estrutura social. Nesse contexto, fica difícil compreender e assumir nossa responsabilidade para com a coletividade.” (CORDI, SANTOS, BÓRIO, CORREA, VOLPE, LAPORTE, ARAÚJO, SCHLESENER, RIBEIRO, FLORIANI e JUSTINO, 2000).
Essa lógica da redução é falha em todos os sentidos, visto que, quase todos os problemas em nosso país, senão todos, provém antes de tudo da ausência de educação, em casa e na escola. Novamente volto à educação, pois é a sua falta a geradora dos males sociais, e não há educação de qualidade para o detento antes e depois do crime cometido. Antes de falarmos em mudar uma lei ou qualquer coisa que mexa com a vida dos cidadãos é preciso analisar se antes da mudança tal coisa estava cumprindo seu papel, e a cadeia, penitenciária ou presídio não cumpre de forma alguma esse papel, pelo contrário. Continuaremos, dessa maneira, rodando infinitamente na mesma lógica da redução, até chegar o dia em que um feto poderá ser preso. Não podemos deixar de citar também as influências que isso irá gerar e gera em nossa economia, uma vez que, estamos “desperdiçando” uma massa de trabalhadores em potencial e consumidores, os quais poderiam estar produzindo e movimentando a economia. Mas estamos perdendo e jogando essa massa para o crime.
No capitalismo é quase uma regra alguém descer para outro subir, simbolizando o funcionamento de uma balança, chegando a parecer cômico se não fosse trágico –Themis. Platão já dizia que o Estado Ideal seria aquele baseado na justiça, ou melhor, o Estado Ideal é a justiça; digo que a educação deve ser o princípio de todas as coisas, até mesmo antes da justiça. Esta não seria justiça se não fosse baseada na educação; a igualdade provém desse fator. Não concordo em muitas coisas com o filósofo, mas existe uma regra em especial que todos os tipos de governos devem possuir em comum: ou a cidade é justa e seus cidadãos consequentemente, ou o contrário. Depois disso deixo uma pergunta: O povo é reflexo de seus governantes ou seus governantes são o reflexo de seu povo? Não irei continuar essa reflexão agora, pois fugiria muito o tema, quero tentar entender e explicar as origens das condições atuais. 
Há milênios os que governam e querem se manter no poder utilizam uma tática bastante eficaz, nada prende mais o homem do que o amor ou o medo, e a técnica se utiliza da segunda opção. Criam os inimigos públicos, conduzindo o povo para onde quiserem, pregando o medo, o ódio; a política de guerra às drogas é um ótimo exemplo disso, onde se utilizam de falsas afirmações para tocar o povo – no sentido de gado. Esses sofismas os ajudam a se manterem no poder, criando um fantasma social para depois falar o que os cidadãos querem ouvir, confortando-os e se elegendo. Creio que não precisarei escrever muito mais do que já escrevi para entendermos as causas das condições atuais já que a lógica é a mesma do exemplo dado. A visão está totalmente direcionada para o lado errado, arisco-me a dizer até mesmo que para o lado oposto; quando criança, por exemplo, somos vacinados por um único motivo, não ficarmos doentes, adquirir imunidade, e assim devem ser as leis, elas precisam agir antes do problema.
Ainda vou mais fundo, quando pegamos uma virose normalmente tomamos um remédio específico para tratar daquele mal, mas se por acaso não concluímos o tratamento ou se o fazemos de forma errada a virose vai obedecer à uma regra da natureza, a seleção natural, onde o vírus mais forte vai sobreviver e se reproduzi entre seus semelhantes, desse modo trazendo mais tarde piores problemas para o enfermo. Da mesma maneira acontece na sociedade, na política ou na economia, não tratamos do mal de maneira correta, apenas remediando, como é o caso agora, até que um dia não tem mais jeito, porque, além de não termos prevenido o deixamos crescer. Então qual seria a vacina? Acredito como já disse, e com plena convicção de que o único remédio está na educação, porque se há educação mais tarde não haverá necessidade de punição, porque não haverá crime; isso que estou falando pode ser considerado utopia pura, mas prefiro viver em minhas utopias particulares a viver nesse mundo conformista, onde o ser tomou lugar do estar no pensamento até dos mais renomados pensadores, ou se esses também não caíram nas armadilhas dos Guias do povo, ou quem sabe o são também.

Quem sabe a moral está se sobrepondo sobre a ética. Quero dizer que não existe um conceito definitivo para ética, é relativo, mas tenta-se chegar a um cosenso universal sobre a mesma, um exemplo é a Declaração universal dos direitos humanos, onde se destaca a preservação da vida - um conceito ético universal. A ética se baseia na razão, de modo que ao passar do tempo vai se inserindo na moral de determinado povo, vale resaltar que a moral sim é relativa em cada cultura, a ética é pessoal, mas tentamos chegar à uma consenso. Por exemplo, quando um casal fazia sexo antes do casamento até meados do século XX a mulher era vista como uma imoral, ou seja, não tinha moral, e de fato ela não tinha, porque a moral é estabelecida pela sociedade. Já a ética é diferente, a ética é o certo ou o errado, não socialmente, mas julgando-se em cima daquilo que eu já falei, da preservação da vida, e ao passar dos anos ela vai se enraizando no social, e finalmente tida como parte do valor moral em determinado assunto.
Então, a sociedade não estava agindo de maneira ética, porque aquela atitude de desprezo age de forma negativa sobre a mulher em questão, mas moralmente estava; assim como posso agir de maneira ética sendo imoral, vou citar uma desobediência à lei, porque esta é a maior referência de moral em um Estado. Por exemplo, quando cruzo o sinal vermelho em alta velocidade com uma pessoa tendo um ataque cardíaco no banco traseiro, isso para chegar ao hospital o mais rápido possível, estou sendo imoral porque estou desobedecendo a lei, porém ético, porque estou colocando a vida dessa pessoa acima dos julgamentos sociais e prezando por sua vida. Para finalizar essa parte do assunto deixo uma afirmação do filósofo Mário Sérgio Cortella, onde ele diz que, a ética é um conjunto de valores e princípios que usamos para decidir as três grandes questões da vida: Quero, devo e posso. Os princípios são usados da seguinte maneira: Tem coisa que eu quero mas não devo, devo mas não posso e posso mas não quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é aquilo que você pode e deve.
Mas disse tudo isso porque, além da finalidade de tentar explicar o conceito entre ética e moral foi para concluir que, o que vem acontecendo com a sociedade é que estamos transformando em moral aquilo que não é ético. Sendo desumanizados pelas ações sociais e individuais, mas que são reflexos de nossa política da lei do mais forte. Assim volto, inevitavelmente, à pergunta: “O povo é reflexo de seus governantes ou seus governantes são o reflexo de seu povo?”. A primeira vista isso seria como perguntar se quem veio primeiro foi o ovo ou foi a galinha, ou seja, ficaríamos debatendo infinitamente sem nunca chegar à uma conclusão, mas se porventura decidirmos estudar as ciências biológicas, a evolução e qualquer coisa que tenha ligação com o assunto em pouco tempo chegaríamos a um acordo. Assim deve ser feito. A primeira afirmação é que, as ações dos governantes refletem na sociedade, e consequentemente no indivíduo. Na eleição o candidato, ou seja, aquele que possivelmente governará, mostra uma face totalmente distorcida da realidade, tão distorcida que chega a ser bonita, então o povo em sua inocência - dissimulada em muitos - o faz ascender ao poder.
Resumindo, não posso culpar inteiramente a sociedade, pois nem todos sabiam da verdadeira face de quem levantaram, mas também não posso culpar totalmente o político, é certo que ele agiu de má fé, mas foi eleito democraticamente. O problema é quando a falta de vergonha, de angustia, começa a se enraizar na sociedade, quando sabemos plenamente que aquele que estamos elegendo é um imoral, que vai desviar dinheiro público e dessa maneira matar indiretamente pessoas, aí devemos nos preocupar, porque aquela pergunta terminou em, um sendo o outro, mas de modo negativo, a sociedade entrou em vício, ela tornou-se autodestrutiva. Não digo que isso seja uma previsão certa, mas uma possibilidade real. Creio, portanto, que todo esse texto se resume a uma frase de Pitágoras onde ele diz: “Eduquem as crianças e não será necessário castigar os homens”.
            
 Bibliografia geral consultada. 

ARISTÓTELES, A Política. Escala. São Paulo. 2007; CORDI,SANTOS,BÓRIO, CORREA, VOLPE, LAPORTE, ARAÚJO, SCHLESENER, RIBEIRO, FLORIANI e JUSTINO, Para filosofar (Cidadania e Política). São Paulo: Editor Scipione. 2000; PLATÃO, A República. São Paulo: Edipro, 2006; Café Filosófico - Ética no Cotidiano, com Mario Sérgio Cortella e Clóvis de Barros Filho, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eE9J4oHop0E; O que é ética, Jó Soares entrevista M. S. Cortella, disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=vjKaWlEvyvU; Entrevista com Mário Sérgio Cortella - Parte 6: Ética: quais perguntas devemos nos fazer, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BWR0NUHJS3I; Mário Sérgio Cortella | Se você não existisse, que falta faria? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3rzvOqrtWIc&list=WL&index=3; Cooper IHARA – Aula 01 – Moral e Ética com Professor Clóvis de Barros, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k89BQtorSo4.

* Estudante do curso de Ciências Sociais. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará e músico. 

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Revolução dos Cravos - 40 Anos Depois dos Eventos.

     Ubiracy de Souza Braga*

    O poder tem sempre razão contra a razão dos que não têm poder”. Boaventura de Sousa Santos


           O cravo vermelho tornou-se o símbolo da Revolução de abril de 1974 (cf. Santos, 1985). Segundo a narrativa, foi uma florista de Lisboa que iniciou a distribuição dos cravos vermelhos pelos populares que os ofereceram aos soldados. Estes os colocaram nos canos das espingardas. Por isso se chama ao dia 25 de abril de 1974 a “Revolução dos Cravos”. Há 40 anos, na noite de 24 de abril, os ouvintes de rádio em Lisboa nada suspeitaram, quando uma emissora executou a canção: “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, vencedora do Festival RTP da Canção de 1974. Mal sabiam que era uma “senha”, pela qual os membros do Movimento das Forças Armadas (MFA), davam início a um golpe político contra uma ditadura militar que duravam 48 anos.
Fora fundada por Oliveira Salazar e chefiada, depois da doença e morte do líder, pelo professor Marcelo Caetano. A segunda parte da operação também fora divulgada por uma canção executada na Rádio Renascença, exatamente aos 20 minutos da madrugada de 25 de abril. Esta segunda senha diz respeito à canção “Grândola, Vila Morena”. Ao contrário da primeira, estava proibida sob a acusação de “fazer propaganda comunista”. A transmissão tinha como significado  que as tropas sob o comando do capitão Salgueiro Maia estavam ocupando o Terreiro do Paço e logo a seguir cercando o quartel do Carmo, onde se abrigavam Marcelo Caetano e alguns ministros de Estado. Melhor dizendo, a canção “E depois do Adeus” de autoria de Paulo de Carvalho, representou o primeiro sinal para o inicio da ação militar golpista. A canção “Grandola Vila Morena” de José Afonso concorreu para a confirmação da “guerra de posições”.
Dentro da estratégia de “guerra de posições” Antônio Gramsci anunciou a tese segundo a qual “um grupo social pode e mesmo deve ser dirigente antes de conquistar o poder governamental”. Esta é a condição para a conquista do próprio poder. Em seguida, “quando ele exerce o poder e o mantém solidamente em suas mãos ele se torna dominante, mas também continua a ser dirigente”. Em outra passagem reitera que a  supremacia de um grupo social se manifesta de duas formas, como “dominação” e como “direção intelectual e moral”. O grupo social é dominante sobre os grupos contrários, os quais tende a “liquidar” ou submeter pela força das armas, e “dirige os grupos que lhe são próximos ou aliados”. Deixou claro, o caráter de classe do Estado e sua função repressiva sobre as classes adversárias e/ou inimigas. Assim, distinguiu conceitualmente “direção” e “hegemonia” no âmbito das classes subalternas, e “dominação”, sobre o conjunto da sociedade de classes (cf. Gramsci, 1975; 1980). 


          
            Vejamos em versos a radicalização política apresentada na música E Depois do Adeus, vencedora do festival da canção em Portugal no ano de 1974:
Quis saber quem sou/O que faço aqui/Quem me abandonou/De quem me esqueci/Perguntei por mim/Quis saber de nós/Mas o mar/Não me traz/Tua voz./Em silêncio, amor/Em tristeza e fim/Eu te sinto, em flor/Eu te sofro, em mim/Eu te lembro, assim/Partir é morrer/Como amar/É ganhar/E perder/Tu vieste em flor/Eu te desfolhei/Tu te deste em amor/Eu nada te dei/Em teu corpo, amor/Eu adormeci/Morri nele/E ao morrer/Renasci/E depois do amor/E depois de nós/O dizer adeus/O ficarmos sós/Teu lugar a mais/Tua ausência em mim/Tua paz/Que perdi/Minha dor que aprendi/De novo vieste em flor/Te desfolhei.../E depois do amor/E depois de nós/O adeus/O ficarmos sós”.
            Ora, como sabemos um golpe de Estado, histórica e etimologicamente também conhecido internacionalmente como coup d’État e Putsch que são respectivamente:
ações políticas em grande estilo, como greves gerais ou ações armadas, podem ter sucesso somente se envolvem as regiões econômicas mais importantes do país. Ações menores com objetivos políticos que visam à conquista do poder político por parte do proletariado são putsch” (cf. Hobsbawm, 1985a: 93 e ss.).
            Ou ainda, Staatsstreich, para designar “uma mudança de governo súbita, imposta por uma minoria que age com o elemento surpresa” (cf. Hobsbawm, 1985). Têm este nome de golpe porque se caracteriza por “uma ruptura institucional violenta”, contrariando a normalidade lei & ordem de tipo americanista submetendo o controle do Estado. Ou seja, sociedade civil e sociedade política, aqui no sentido do termo que emprega Antônio Gramsci, a pessoas que não haviam sido legalmente designadas seja por eleição, hereditariedade ou outro processo de transição legalista. Na teoria política, o conceito de golpe de Estado surge apenas com a modernidade após a quebra de paradigmas causada pela Revolução clássica Francesa e pela doutrina Iluminista. Antes, as rupturas bruscas da ordem institucional eram chamadas genericamente de Revolução, como as tomadas de poder em 1648 e 1688 na Inglaterra. A Revolução Inglesa do século XVII representou a primeira manifestação de crise do sistema político moderno, identificado com o Absolutismo. O poder monárquico, severamente limitado, cedeu a parte de suas prerrogativas instaurando o regime parlamentarista que permanece até hoje.           
O golpe de Estado conhecido pelos portugueses como 25 de abril foi conduzido pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), composto por oficiais intermédios da hierarquia militar, na sua maior parte capitães que tinham participado na Guerra Colonial e que foram apoiados por oficiais milicianos, estudantes recrutados, muitos deles universitários. Este movimento nasceu por volta de 1973, baseado inicialmente em reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabando por se estender ao regime político em vigor. Sem apoios militares, e com a adesão em massa da população ao golpe de Estado, a resistência do regime foi praticamente inexistente, registando-se apenas quatro mortos em Lisboa pelas balas da DGS.

            Após o golpe foi criada a Junta de Salvação Nacional, responsável pela nomeação do Presidente da República, pelo programa do Governo Provisório e respectiva orgânica. Assim, a 15 de maio de 1974 o General Antônio de Spínola foi nomeado Presidente da República. O cargo de primeiro-ministro atribuído a Adelino da Palma Carlos. Seguiu-se um período de grande agitação social, política e militar conhecido como o Processo Revolucionário Em Curso, doravante PREC, marcado por manifestações, ocupações, governos provisórios, nacionalizações e confrontos militar, apenas concluído no dia 25 de novembro de 1975. Estabilizada a conjuntura política, prosseguiram os trabalhos da Assembleia Constituinte para a nova Constituição democrática, que entrou em vigor no dia 25 de Abril de 1976, o mesmo dia das primeiras eleições legislativas da nova República. Na sequência destes eventos foi instituído em Portugal um feriado nacional no dia 25 de Abril, denominado “Dia da Liberdade”.
            No início da década de 1970 mantinha-se vivo o ideário autoritário salazarista. Continuavam os ideólogos do regime a alimentar o mito considerado “orgulhosamente só”, como todos entendiam, num país periférico e pequeno, marcado pelo isolamento rural: estar ali e ter-se orgulho nisso representavam valores, como merecedor de respeito. Mesmo em plena “Primavera Marcelista”, com Marcelo Caetano, que sucedeu a Salazar no início da década de 1970, coincidindo com o ano da morte do ditador, não destoa. Sentindo o mesmo, age a seu modo, governa em isolamento, faz o que pode, mas um dia virá em que já nada pode fazer. Qualquer tentativa de reforma política era impedida pela própria inércia do regime político e pelo poder da sua polícia política (PIDE).
Nos finais de década de 1960, o regime exilava-se, envelhecido, num ocidente de países em plena efervescência social e intelectual. Em Portugal cultivam-se outros ideais: defender o Império pela força das armas. O contexto internacional era cada vez mais desfavorável ao regime salazarista/marcelista. No auge da chamada “Guerra Fria”, as nações dos blocos capitalista e comunistas começavam a apoiar e financiar as guerras de guerrilhas das colônias portuguesas, numa tentativa de atraí-las para a influência norte-americana ou da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – U. R. S. S. A intransigência do regime e mesmo o desejo de muitos colonos de continuarem sob o domínio português, atrasaram o processo de descolonização, como ocorre no caso de Angola e Moçambique, um atraso forçado de quase 20 anos.
Do ponto de vista da economia Portugal mantinha laços fortes e duradouros com as suas colônias africanas, quer como mercado para os produtos manufaturados portugueses quer como produtoras de matérias primas para a indústria portuguesa. Muitos portugueses concordavam com a existência de um império colonial como necessária para o país ter poder e influência contínua. Mas o peso da guerra, o contexto político e os interesses estratégicos de certas potências estrangeiras inviabilizariam essa ideia. Apesar das constantes objeções em fóruns internacionais, como a ONU – Organização das Nações Unidas, Portugal mantinha as colônias considerando-as parte integral de Portugal e defendendo-as militarmente. O problema surge com a ocupação unilateral e forçada dos enclaves portugueses de Goa, Damão e Diu, em 1961, quando tropas da união indiana  ocuparam tais territórios portugueses pondo fim ao Estado português na Índia.
A guerra colonial, guerra do ultramar, é designação oficial portuguesa do conflito até ao dia 25 de abril, ou guerra de libertação nacional (cf. Braga, 2011a; 2011b), sendo esta designação mais utilizada pelos povos africanos independentistas, o período de confrontos entre as forças armadas portuguesas e as forças organizadas pelos movimentos de libertação nacional das antigas províncias ultramarinas de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique, entre 1961 e 1975. Na época, era também referida vulgarmente em Portugal como Guerra de África. Contudo, a batalha de Cuito Cuanavale representou o maior confronto militar da guerra civil Angolana, ocorrido entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988. O local da batalha foi o sul de Angola na região do Cuito Cuanavale na província de Cuando-Cubango, onde se confrontaram os exércitos de Angola FAPLA - Forças Armadas Populares de Libertação de Angola - e Cuba (FAR) contra a UNITA - União Nacional para a Independência Total de Angola- e o exército sul-africano. Foi a batalha mais prolongada que teve lugar no continente africano desde a 2ª guerra mundial.


 Nesta batalha, o “mito da invencibilidade” do exército da África do Sul foi quebrado, alterando dessa forma, por um lado, a correlação de forças sociais e políticas na região austral do continente, tornando-se o ponto decisivo na guerra que se arrastava há longos anos. Por outro lado, a superioridade demonstrada pelas FAPLA no campo de batalha fez com que o regime Apartheid, aceitasse a assinatura dos acordos de Nova Iorque, que deram origem à implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU, levando à Independência da Namíbia e ao fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul. Em sua progênie, temos o início deste episódio da história militar portuguesa ocorrendo em Angola, a 4 de fevereiro de 1961, na região que viria a designar-se por Zona Sublevada do Norte, que corresponde aos distritos do Zaire, Uíje e Quanza-Norte. A Revolução dos Cravos em Portugal, a 25 de Abril de 1974, determinou o seu fim. Com a mudança do rumo político do país, o empenhamento político-militar das forças armadas portuguesas deixou de fazer sentido. Os novos dirigentes anunciavam a democratização do país e predispunham-se a aceitar as reivindicações de Independência das colónias - pelo que se passou a negociar as fases de transição com os movimentos políticos de libertação nacional empenhados na luta armada.
 Em quase todas as colônias portuguesas africanas - Moçambique, Angola, Guiné, São Tomé e Príncipe e Cabo Verde - surgiam, entretanto movimentos independentistas, que acabariam por se manifestar sob a forma de guerrilhas armadas. Estas não foram facilmente contidas, tendo conseguido controlar uma parte importante do território, apesar da presença de um grande número de tropas portuguesas que, mais tarde, seriam em parte significativas recrutadas nas próprias colônias. Os vários conflitos forçavam Salazar e o seu sucessor Caetano a gastar uma grande parte do orçamento de Estado na administração colonial e nas despesas militares. A administração das colônias custava a Portugal um pesado aumento percentual anual no seu orçamento e tal empreendimento contribuiu para o empobrecimento da economia portuguesa, pois como sabemos, o dinheiro era desviado de investimentos infraestruturais na metrópole. Até 1960 o país continuou relativamente frágil em termos econômicos, o que aumentou a emigração para países em rápido crescimento e de escassa mão-de-obra da Europa ocidental, como França ou Alemanha. O processo iniciava-se no fim da 2ª guerra mundial.
A primeira reunião clandestina de capitães foi realizada em Bissau, em 21 de agosto de 1973. Uma nova reunião, em 9 de setembro de 1973 no Monte Sobral (Alcáçovas) dá origem ao Movimento das Forças Armadas. No dia 5 de março de 1974 é aprovado o primeiro documento do movimento: “Os Militares, as Forças Armadas e a Nação”. Este documento é posto a circular clandestinamente. No dia 14 de março o governo demite os generais Spínola e Costa Gomes dos cargos de Vice-Chefe e Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, alegadamente por estes se terem recusado a participar numa cerimónia de apoio ao regime. No entanto, a verdadeira causa da expulsão dos dois Generais foi o fato do primeiro ter escrito, com a cobertura do segundo, um livro, “Portugal e o Futuro”, no qual, pela primeira vez uma alta patente advogava a necessidade de uma solução política para as revoltas separatistas nas colônias e não uma solução militar. No dia 24 de março, a última reunião clandestina dos capitães revoltosos decide o derrube do regime pela força. Prossegue a movimentação secreta dos capitães até ao dia 25 de abril. A mudança de regime político acaba por ser feita através da força bruta por estratégia militar de ação armada.

O golpe militar do dia 25 de abril tem a colaboração de vários regimentos militares que desenvolvem uma ação concertada. No Norte, uma força do CICA liderada pelo Tenente-Coronel Carlos de Azeredo toma o Quartel-General da Região Militar do Porto. Estas forças são reforçadas por tropas vindas de Lamego. Forças do BC9 de Viana do Castelo tomam o Aeroporto de Pedras Rubras. Forças do CIOE tomam a RTP e o RCP no Porto. O regime reage, e o ministro da Defesa ordena as forças sediadas em Braga para avançarem sobre o Porto, no que não é obedecido, dado que estas já tinham aderido ao golpe político-militar.
À Escola Prática de Cavalaria, que parte de Santarém, cabe o papel mais importante: a ocupação do Terreiro do Paço. As forças da Escola Prática de Cavalaria são comandadas pelo Capitão Salgueiro Maia. O Terreiro do Paço é ocupado às primeiras horas da manhã. Salgueiro Maia move, mais tarde, parte das suas forças para o Quartel do Carmo onde se encontra o chefe do governo, Marcelo Caetano, que ao final do dia se rende, exigindo, contudo, que o poder seja entregue ao General Antônio de Spínola, que não fazia parte do MFA, para que o “poder não caísse na rua” Marcelo Caetano parte, depois, para a Madeira, rumo ao exílio no Brasil. No rescaldo dos confrontos morrem quatro pessoas, quando elementos da polícia política (DGS) disparam sobre um grupo que se manifesta à porta das suas instalações na Rua Antônio Maria Cardoso, em Lisboa.
Portugal passará por um período conturbado de cerca de dois anos, comumente designado por PREC, como vimos, em que se confrontam facções políticas de esquerda e direita, por vezes com alguma violência, sobretudo em ações organizadas no Norte do país. São nacionalizadas grandes empresas, “saneados quadros importantes e levadas ao exílio personalidades identificadas com o Estado Novo” (cf. Rojas e Brito, 1996), gente que não partilha da visão política que a revolução prescreve. Consumam-se várias conquistas da revolução. Acabada a guerra colonial e durante o PREC, as colônias africanas e de Timor-Leste tornam-se independentes. Finalmente, no dia 25 de abril de 1975, têm lugar as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, ganhas pelo Partido Socialista. Na sequência dos trabalhos desta assembleia é elaborada uma nova Constituição, de forte pendor socialista, e estabelecida uma democracia parlamentar de tipo ocidental. A constituição é aprovada em 1976 pela maioria dos deputados, abstendo-se apenas o CDS.
 Forma-se o I Governo Constitucional de Portugal, chefiado por Mário Soares em 23 de setembro de 1976. Ramalho Eanes, militar em Angola no dia 25 de abril, o sisudo oficial que adere ao MFA fora de horas, o extemporâneo general que na televisão se esconde por trás de uns óculos de sol, ganha as presidenciais de 27 de junho de 1976. Segue-se o fim do PREC e um período de estabilização política. Eanes impõe-se como chefe militar e Mário Soares, desvinculado dos fundamentos marxistas do ideário socialista, “proclama as virtudes do pluralismo, a inevitabilidade do liberalismo, e lidera, dominando o partido e o país”. Com o seu talento político, ergue a voz e faz-se ouvir: com ele, a democracia em Portugal está garantida e o país aparentemente livre da “ameaça comunista”. Com a sua habitual persistência, mantendo durante anos o mesmo discurso político sempre que fala, acaba por ganhar terreno e isolar a esquerda.
A Revolução dos Cravos continua a dividir a sociedade portuguesa, sobretudo nos estratos mais velhos da população que viveram os acontecimentos, nas facções extremas do espectro político e nas pessoas politicamente mais empenhadas. A análise que se segue refere-se apenas às divisões entre estes estratos sociais. Extremam-se entre eles os pontos de vista dominantes na sociedade portuguesa em relação ao dia 25 de abril. Quase todos reconhecem, de uma forma ou de outra, que a revolução de abril representou um grande salto no desenvolvimento político-social do país. À esquerda, pensa-se que o espírito inicial da revolução se perdeu. O PCP (cf. Varela, 2011) lamenta que não se tenha ido mais longe e que muitas das chamadas “conquistas da revolução” se tenham perdido. Os setores mais conservadores de direita tendem a lamentar o que se passou. De uma forma geral, uns e outros lamentam a forma como a descolonização foi feita. A direita lamenta as nacionalizações no período imediato ao dia 25 de abril de 1974, afirmando que a revolução agravou o crescimento de uma economia já então fraca. A esquerda defende que a o agravamento da situação econômica do país é consequente de medidas então programadas que não foram aplicadas ou que foram desfeitas pelos governos posteriores a 1975, e com isso, desfeitas as utopias da construção de um socialismo democrático.
Ao golpe político-militar seguiu-se o chamado PREC, caracterizado por fortes embates entre as diferentes correntes de esquerda que assumiram o poder, e envolveram-se na formulação da Constituição aprovada em 1976. Houve muitas ocupações de terras e de edifícios privados, nacionalizações de bancos, seguradoras, indústrias químicas e de papel, e outras atividades que poderiam interessar ao Estado. Também se promoveu uma “limpeza” ideológica na mídia, com demissão de jornalistas conservadores ou ligados ao antigo regime. Em reação às medidas mais radicais, grupos clandestinos de direita, alguns com participação e apoio de setores da Igreja, praticavam atos terroristas, explosões e assassinatos, principalmente na região central do país e na área do Porto, ao norte.
 Lembra-nos Boaventura de Sousa Santos que,
A morte no último dia 10 de Maria de Lurdes Pintasilgo (primeira-ministra de Portugal após a Revolução dos Cravos, em 1974) ocorreu num momento sombrio da democracia portuguesa. No momento em que os interesses econômicos e políticos dos poderosos confiscam a participação democrática antes que esta se vire contra eles; no momento em que os zeladores das instituições democráticas as esvaziam sob o pretexto de assegurar o seu regular funcionamento; no momento em que a violência da injustiça social, do desemprego, da pobreza, da destruição do serviço nacional de saúde entra na casa de milhões de portugueses, enquanto uns milhares de compradores de decisões políticas enchem os bolsos de dividendos e fazem esgotar os bens de luxo no mercado; no momento em que um discurso político patético do mais alto magistrado da nação transmite uma mensagem de medíocre resignação, exigindo a continuação de políticas que os portugueses afirmaram democraticamente serem ruinosas e impedindo a ruptura com elas, por supor, obviamente, que, se a houver, será para pior; no momento, enfim, em que o poder tem sempre razão contra a razão dos que não têm poder” (cf. Santos, 2004).
            Ipso facto, para  Santos (1981; 1985a; 1985b; 1996; 2010) a sociedade portuguesa ainda transita sob a turbulência das rupturas e das continuidades, quanto os portugueses estão divididos “entre a vontade de navegar e a vontade de ancorar”. Navegar, metaforicamente, significa “viajar para onde o quotidiano não dói”. Ancorar significa “ter a certeza da segurança contra as tempestades do risco”. A vontade de navegar apela à sociedade de consumo, sobretudo dos consumos culturais. A vontade de ancorar apela à sociedade dos direitos civis. Quanto à vontade de navegar, é evidente a tendência para o crescimento dos consumos culturais e das práticas de lazer em Portugal. Opinião associada ao crescimento das classes médias, ao aumento dos níveis médios de escolarização e à intensificação destas práticas entre os jovens. É manifesto, ao longo dos últimos trinta anos, o domínio das práticas culturais realizadas na esfera doméstica e, portanto, a sua prevalência relativamente às que se dirigem para o espaço público. Entre as “práticas domésticas”, destaca-se claramente o uso da televisão que é, a uma distância muito grande de todas as outras, a atividade cultural que maiores taxas de consumo revela. A televisão apresenta-se, de resto, como o produto cultural de consumo socialmente mais transversal. O peso esmagador que os consumos televisivos ocupam nos consumos culturais dos portugueses enuncia um traço importante da cultura de massas em Portugal. 

É que embora, do lado da oferta, seja visível a expansão crescente de outras expressões da cultura de massas como cinema, imprensa, livro, música, a verdade é que elas são hoje muito pouco massificadas entre os portugueses. Do lado dos consumos massivos, só a televisão parece constituir-se como um campo de inequívoca afirmação da cultura de massas em Portugal. Melhor dizendo, a continuar, esta discrepância chocante entre o país oficial dos direitos e o país real da denegação impune dos direitos civis consegue tirar aos portugueses a âncora das expectativas fundadas e, com o tempo, pode mesmo aniquilar-lhes a “vontade de ancorar”. E como sem âncora não se navega, a sociedade portuguesa poderá ficar bloqueada no cais de embarque. Atulhada de equipamentos para viagens vertiginosas, mas, em verdade, apenas vertiginosamente parada. Para que tal não aconteça, os portugueses terão de saber que na Europa de que fazem parte os direitos de cidadania não foram historicamente uma concessão desinteressada das classes dominantes ou das elites políticas. Foi antes uma conquista difícil, se já não é um truísmo, resultado de lutas sociais e políticas frequentemente consideradas, desde seu início, criminosas ou utópicas. A “vontade da viagem”, para a análise política e conjuntural de Boaventura de Sousa Santos, deve se manter intacta e forte para que não desistamos da “vontade de ter âncora”.
Do ponto de vista da 7ª Arte após o dia 25 de abril de 1974 e com o fim da censura política, a produção cinematográfica alterava substancialmente o teor das produções, agora mais voltado para a exposição do pós-guerra. Produzido para a RTP, Adeus, até ao Meu Regresso (1974), dirigido por Antônio-Pedro Vasconcelos narrava alguns casos significativos entre os milhares de soldados que combatiam na Guiné, a propósito das mensagens de Natal para as famílias. Incompleto ficou O Último Soldado (1979), dirigido Jorge Alves da Silva, sobre as dificuldades de readaptação conjugal e social de um oficial paraquedista (João Perry) de regresso a Portugal. O filme: La Vitta e Bella (1979), dirigido por Grigori Tchoukrai, é uma coprodução luso-ítalo-soviética, filmada em Lisboa, sobre um taxista, ex-aviador militar que, durante a guerra de Angola, recusara abrir fogo e afundar um barco com mulheres e crianças.
Do ponto de vista da colonização o filme: Actos dos Feitos da Guiné (1980), dirigido por Fernando Matos Silva argumenta com Margarida Gouveia Fernandes, mas que encena, em forma de teatro de crítica, a relação histórica do colonialismo português e seus heróis, com excertos filmados na Guiné, em 1969-70. No caso do filme: A Culpa (1980), dirigido por Antônio Vitorino d`Almeida, narra a obsessão de um ex-combatentes da guerra da Guiné (Sinde Filipe). Analogamente Em Gestos & Fragmentos - Ensaios sobre os Militares e o Poder (1982), dirigido por Alberto Seixas Santos e Otelo Saraiva de Carvalho descreve o percurso, seu e dos seus camaradas do chamado “Movimento dos Capitães”, que levou o país da guerra colonial ao golpe de Estado do 25 de abril. Enfim, Um Adeus Português (1985), dirigido por João Botelho e Leonor Pinhão evocam um incidente com uma patrulha militar que se perde no mato, com a morte de um furriel. Em Era Uma Vez um Alferes (1987), dirigido por Luís Filipe Rocha, baseado na obra de Mário de Carvalho, produzido para a RTP, reconstitui um episódio em África, em que um alferes português pisa numa mina, que explodirá quando ele levantar o pé. Finalmente, em Non ou a Vã Glória de Mandar (1990), dirigido por Manoel de Oliveira, uma reflexão sobre a identidade da pátria por parte de alguns soldados, no final da guerra, pouco antes do golpe de 25 de abril, ilustrada desde o início de Portugal como nação Independente.

Bibliografia geral consultada.

JANOWITZ, Morris, O Soldado Profissional: Um Estudo Social e Político. Rio de Janeiro: Edições G. R. D., 1967; GINZBURG, Carlo, “Spie – Radici di un Paradigma Indiziario”.  In: Miti, Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1986; CANFORA, Luciano, Togliatti e i Dilemmi della Politica. Bari: Edizione Laterza, 1989; BRAGA, Ubiracy de Souza, Das Caravelas aos Ônibus Espaciais. A Trajetória da Informação no Capitalismo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Escola de Comunicação e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995; LEIRNER, Piero de Camargo, Meia Volta Volver: Um Estudo Antropológico da Hierarquia Militar. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997; ANCIÃES, Silvia Lemgruber Julianele, A Revolução dos Cravos e a Adoção da Opção Europeia da Política Portuguesa. Dissertação de Mestrado. Programa de Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2004; SECCO, Lincol, 25 de abril de 1974: a Revolução dos Cravos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005; REZOLA, Maria Inácia, Os Militares na Revolução de Abril: o Conselho da Revolução e a Transição para a Democracia em Portugal. Lisboa: Campo da Comunicação, 2006; SANTOS, Boaventura de Sousa, “A Crise e a Reconstituição do Estado em Portugal (1974 - 1984)”. In: Pensamiento Iberoamericano, 5, 499-520; Idem, “A Crise e a Reconstituição do Estado em Portugal (1974 - 1984)”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 14, 7-29; Idem, (1985a), “Os Três Tempos Simbólicos da Relação entre as Forças Armadas e a Sociedade em Portugal”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 15/16/17, 11-45; Idem, (1985b), “O Estado e o Direito na Transição Pós-Moderna”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 30, 13-44; Idem, & Maria Manuel Leitão; Pedroso, João (1999), “Les Tribunaux dans les Sociétés Contemporaines: Le Cas Portugais”. In: Droit et Société, 42-43, 311-331; ABADIA, Danúbia Mendes, O Jornal Combate e as Lutas Sociais Autonomistas em Portugal durante a Revolução dos Cravos (1974-1978). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2010; VARELA, Raquel, História do PCP na Revolução dos Cravos. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 2011; ALMEIDA, Fábio Change de, A Direita Radical em Portugal: da Revolução dos Cravos à Era da Internet. In: Dossiê: Laços Sociais, Laços Transnacionais - da Construção de Vínculos na História. Estudos Ibero-Americanos, vol. 41,  1 (2015);   entre outros. 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).