Carlos Marighella - Estado Autoritário, Guerrilha & Anistia Post Mortem.
Ubiracy de Souza Braga*
“É preciso não
ter medo. É preciso ter a coragem de dizer”. Carlos Marighella
Em primeiro lugar, a Nouvelle Histoire é corrente historiográfica surgida nos anos 1970 e correspondente à terceira geração da chamada Escola dos Annales. Seu nome derivou da publicação da obra “Fazer a História”, organizada pelos historiadores Jacques Le Goff e Pierre Nora, seus principais expoentes na França. A nova história refere-se à história das soberanias: trata-se de estabelecer uma história killer das formas de representação coletivas e da formação das estruturas mentais das sociedades, cabendo ao historiador a análise e interpretação dos dados. São analisados globalmente os eventos de “longa duração”, os grandes conjuntos coerentes na sua organização social e econômica articulada através de representações aparentemente homogêneas. Em segundo lugar, a anistia “post mortem” representa um aspecto nevrálgico na história da anistia no Brasil que tem uma longa e severa tradição. Por um lado, de fora para dentro, origina-se nos Anos de Chumbo do Brasil.
Por outro, confere em sua dinâmica metodológica ao “crime letal de Estado”, quando temos como escopo de análise o reconhecimento da Anistia “post mortem”, com o assassinato de Carlos Marighela em l978, quando são criados os primeiros Comitês Brasileiros de Anistia, congregando opositores da ditadura militar como o movimento estudantil da UNE, criada por decisão do II Congresso Nacional dos Estudantes, realizado em dezembro de 1938, em plena ditadura do Estado Novo (1937-1946), no Rio de Janeiro, tendo como próceres, artistas, intelectuais, familiares de presos políticos, com apoio decisivo de setores da igreja católica progressista e de parlamentares no Congresso Nacional. Logo, o tempo histórico da chamada nouvelle histoire não pretendia ser uma cronologia astronômica coincidente e tampouco um conhecimento espiritual da sociedade. Em terceiro lugar, as tendências autoritárias têm sido uma constante na História do Brasil, em particular
no período republicano. Ao analisar um período de inegável autoritarismo no
Brasil como foi o Estado Novo (1937-1945), verifica-se que a partir do golpe de
1930, reconhecido como Revolução de 1930, houve um processo de constituição de
um aparato burocrático civil e militar de caráter político autoritário,
centralizado, nacionalista e corporativista, cujo primeiro momento importante
de consolidação foi o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937, quando se
estabeleceu esse regime político autoritário.
Revolução de 1930 decorreu do movimento armado, liderado pelos estados
de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, que culminou com o golpe de
Estado, também reconhecido como Golpe de 1930, que depôs o presidente da República
Washington Luís em 24 de outubro de 1930, impediu a posse do presidente eleito
Júlio Prestes e pôs fim à República Velha. A burocracia civil e militar
contaria com expressão e autonomia suficientes para levar adiante um projeto
político, baseado no processo intensivo de industrialização, que viria a
favorecer prioritariamente o empresariado industrial. Os demais setores das
classes dominantes - principalmente as oligarquias agrárias - perderiam
paulatinamente o poderio anterior, de que haviam desfrutado durante a 1ª
República com o funcionamento do pacto oligárquico. Esse projeto político consagrou
as concepções que, desde 1920, vinham sendo formuladas pelo general Pedro
Aurélio Góis Monteiro. O regime ditatorial do Estado Novo propiciou o
aceleramento do ingresso do Brasil numa nova etapa do desenvolvimento
capitalista da chamada industrialização restrita, segundo a conceituação
metodológica proposta de alguns estudiosos da cultura e da história social e política do período. Desta forma, ficaria
consagrado o distanciamento crescente do novo grupo civil e militar no poder,
formado em torno de Getúlio Vargas, dos interesses das tradicionais oligarquias
agrárias.
Faixa do álbum Abraçaço, de Caetano Veloso, dedicada ao guerrilheiro Carlos Marighella. Para o que nos interessa historicamente falando sobre
a violência política da colônia à República em várias conjunturas de nossa
história nacional, a anistia tem estado presente. Restrito, como é o caso, por
exemplo, do movimento social contra a
Companhia do Comércio do Estado do Maranhão em l684, que terminou com a
repressão, prisão e a subsequente anistia
aos envolvidos e a rebelião conhecida como Emboabas (1708-1709). Outros
tiveram um caráter mais amplo, como é o caso da Insurreição Pernambucana de
l654 contra a invasão holandesa em domínio que se estendia de Sergipe ao
Maranhão, que terminou com a expulsão dos colonizadores depois de muitos anos
de lutas. Com a assinatura de um acordo de paz, em 26 de janeiro de l654, é concedida
anistia aos derrotados num gesto paternalista que ficou conhecido como de
profunda generosidade. Salvo engano, temos in
statu nascendi o decoro seboso da história social sobre o paternalismo
brasileiro.
Até a Independência política do Brasil, em l822,
ocorreram várias outras rebeliões e conflitos sociais e políticos, como a
Guerra dos Mascates em Pernambuco (1711/1714), a Revolta de Vila Rica (1720) a
Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração Baiana (l798) e a Revolução Pernambucana
de l817. Em todos esses movimentos sociais, denominados “rebeliões” (cf.
Albuquerque, 1978; 1986) a dura repressão e exceto os implicados na
Inconfidência Mineira e na Conjuração Baiana, foram perdoados depois. Mas, é
com a mobilização em torno da Independência em 1822, em especial com a Constituição outorgada de 1824,
que a Anistia passa a se configurar no imaginário coletivo como Instituto Constitucional, cabendo ao
Imperador concedê-la. Os exemplos da história colonial se espraiam durante o
Reinado, em que ocorreram diversas rebeliões, como nos dias atuais.
A primeira e talvez mais importante seja aquela rebelião
que ficou conhecida com a Confederação do Equador. Ocorrida em l824 em
Pernambuco, visava à constituição de uma federação republicana que abrangeria
os estados do Norte e Nordeste. Inspirada no ideário republicano tinha entre
suas principais lideranças o revolucionário Cipriano Barata e o frei Caneca. A
repressão por parte das tropas do Imperador foi violenta, milhares de presos e
muitos executados e entre eles o frei Caneca. Depois vieram várias rebeliões no
período regencial (1831-1840), com características muito distintas onde se
destacam: a Cabanagem (Grão-Pará, l835-l840), Balaiada (Maranhão, l838-l840),
Sabinada (Bahia, l837-l838), Farroupilha (Rio Grande do Sul, l835-l845). Todas
essas rebeliões foram reprimidas violentamente pelo Exército Imperial. Em todas
elas, houve milhares de mortos, presos, condenados e, em todas, são concedidas
anistia pelo Imperador. Em 1835, na Regência, é concedida anistia a “todas as
pessoas envolvidas em crimes políticos até 1834 nas províncias de Minas Gerais
e Rio de Janeiro”.
Em 1836 era concedida anistia a “todos os insurretos
que tivessem se submetido à ordem legal e cooperado com sua manutenção. E, no
final do período Regencial, em 22 de agosto de l840, antecipando-se ao golpe da
Maioridade que derrubou Feijó e levou ao trono, com apenas 15 anos de idade, o
imperador Pedro II, baixava-se um decreto de anistia geral. Geral, sim, porém
condicional: era concedida apenas aos envolvidos em quaisquer das rebeliões
provinciais que alcançavam: a Cabanagem, a Revolução Farroupilha, a Sabinada e
a Balaiada, mas havia rígidas condições para os anistiados se beneficiarem do
decreto: deviam se apresentar em 60 dias às autoridades, que lhes fixariam
local de residência” (cf. Albuquerque, 1978; 1986).
No segundo Reinado (l840-l889) também ocorreram
diversas rebeliões. Entre elas, destaca-se a Revolução Praieira em l848
(Pernambuco), “o último movimento do ciclo de revoltas de caráter democrático e
popular que sacudiram o Império” (cf. Martins, 1978: 43). Com a derrota da
rebelião, seus principais líderes, Felix Peixoto de Brito e Melo, Borges da
Fonseca e Pedro Ivo, foram presos e condenados e embora o Imperador prometesse
anistia, não foi concedida. As anistias neste período foram as de l842, quando
um decreto assinado pelo Imperador anistiava os envolvidos em crimes políticos
“cometidos em l842 nas províncias de São Paulo e Minas Gerais” e a outra, em
l875, envolvendo os bispos e padres de Olinda e do Pará, que foram incursos em
crimes de desobediência ao Monarca, episódio que ficou conhecido como “Questão
Religiosa”.
Desde
a implantação da República no Brasil foram concedidas várias anistias. A
primeira delas, em l895, pelo primeiro presidente civil Prudente de Morais. Anistiou
basicamente os militares oficiais do Exército e da Armada que haviam
participado de conflitos que ocorreram durante os primeiros anos da República
no Brasil. No entanto, ela é limitada e por isso foi alvo de críticas de
juristas. Em especial de um dos intelectuais mais respeitados, Rui Barbosa. A
próxima ocorrera em l906, que anistia os que haviam participado dos episódios
que ficaram conhecidos como “Revolta Popular da Vacina Obrigatória” (cf.
Sevcenko. 2010). Em l910 são anistiados os que haviam participado da revolta da
Chibata. Depois veio a anistia de l916 que fora decretada pelo Congresso em
outubro e que alcançava todos os revoltosos de l889 a l915. Naquele momento,
dois anos após o início da guerra que envolvia diversos países do mundo, episódio
conhecido como 1ª grande guerra (1914-18) e com a entrada do país na guerra,
mesmo que de forma secundária, era necessário mobilizar tropas e, nesse sentido,
foi concedida anistia que atingiu militares punidos por
insubordinações de variados motivos políticos.
Depois virá a anistia de 1918 para os participantes da
rebelião dos camponeses de Contestado e os participantes da greve geral de l917
em São Paulo. É a última anistia concedida durante a chamada Primeira República
ou República Velha. Em outubro de 1930 ocorre o episódio que ficou conhecido
como a chamada Revolução de l930, um golpe civil-militar liderado por Getúlio Vargas.
Assumindo provisoriamente o poder, dias após sua posse, ele vai conceder
anistia a “todos os civis e militares que direta ou indiretamente se envolveram
nos movimentos revolucionários do país”. Em l934, quando é promulgada a segunda
Constituição Republicana (julho) é concedida anistia aos que haviam “participado
de surtos revolucionários verificado em São Paulo e em suas ramificações em
outros estados”, ou seja, aos revoltosos insurgentes da chamada “Revolução
Constitucionalista” de l932.
A anistia que segue é de abril de l945, quando o
presidente Getúlio Vargas a concede, significando a libertação de 565 presos
políticos, entre eles o líder da Insurreição comunista de novembro de l935,
Luís Carlos Prestes que estava preso desde março de l936, já colimando com o
início da ditadura do Estado Novo (1937-46). No entanto, essa anistia tem
caráter parcial. Vai beneficiar apenas os que haviam cometidos crimes políticos
ou “conexos” julgados pelo Tribunal de Segurança Nacional. Os militares que
participaram das rebeliões de l935, por exemplo, muitos dos quais indiciados e
presos, quando julgados, foram absolvidos pelo TSN, mas não foram reintegrados
às forças armadas, o que demonstra exclusão e punição do Estado.
Depois da redemocratização de 1945, a primeira anistia
é concedida em l956, no governo Juscelino Kubistchek, uma anistia ampla e
irrestrita a todos os civis e militares que “haviam se envolvido nos movimentos
de rebelião ocorridos a partir de 10 de novembro de l955 e 1º de março de
l956”. Depois virá a anistia de l961 com o Decreto Legislativo n°18, de caráter
mais amplo. São anistiados todos os que “participaram, direta ou indiretamente
dos fatos ocorridos no território nacional, desde 16 de julho de l934 (...) e
que constituem crimes políticos definidos em lei”. Essa anistia abrange os que
haviam sido punidos em l952 pela participação política na campanha do petróleo,
além dos implicados nos casos de Jacareacanga e Aragarças pouco conhecidos.
Em 1º de abril
de l964 ocorre o golpe político-militar (cf. Comblin, 1976; Dreifuss, 1981) e a
instauração de uma ditadura que irá durar até l985. Durante os 21 anos de
ditadura são concedidos uma anistia, em 18 de agosto de l979. AI-5 é a ditadura
sem disfarces. Os Atos Institucionais e as cassações continuam. Há um controle
rígido da imprensa, com a censura, não apenas a imprensa como às manifestações
culturais de uma maneira geral. E será em função do regime que diversas
organizações democráticas decidem pelo enfrentamento armado à ditadura. Os
resultados são conhecidos: a) violenta repressão, com a institucionalização da
tortura; b) centenas foram mortos pela repressão, milhares foram presos e, os
que conseguiram escapar, vão para o exílio; d) Sucede Médici, o general Ernesto
Geisel, que assume em l5 de março de l974. Prometendo uma “lenta, segura e
gradual” distensão, continua cassando parlamentares, condenando padres com base
na Lei de Segurança Nacional, como foi o caso do padre Jentel, edita o pacote
de abril em l977 que, entre outras coisas, cria a figura do maldito e idiota senador
biônico com o objetivo de dar maioria
ao governo no Senado.
Carlos Marighella (cf. Teixeira, 1991; José, 1997;
Nova e Nóvoa, 1999; Saccheta; Camargo, 1999; Fico, 2001; 2004; Martins Filho,
2006; Resende, 2010) nasceu em Salvador, em 5 de dezembro de 1911 e foi
assassinado em São Paulo, em 4 de novembro de 1969. Foi um político,
guerrilheiro, e poeta brasileiro, um dos principais organizadores da
resistência contra o regime militar golpista de 1º de abril de 1964. Chegou a
ser considerado o inimigo N° 1 no regime militar. Foi um dos sete filhos de uma
família pobre de Salvador. Seu pai era o operário Augusto Marighella, imigrante
italiano da região da Emília, terra de destacados líderes italianos, e da
baiana Maria Rita do Nascimento, negra e filha de escravos africanos trazidos
do Sudão (cf. Braga, 2012), etnograficamente
negros hauçás.
Nasceu na capital baiana, residindo na Rua do Desterro
9, Baixa do Sapateiro, onde concluiu o seu curso primário e o secundário e, em
1934 abandonou o curso de Engenharia Civil da Escola Politécnica da Bahia para
ingressar no PCB – Partido Comunista Brasileiro. Tornou-se então, militante
profissional do partido e se mudou para o Rio de Janeiro, trabalhando na
reorganização do PCB.Fundado em 25 de março de 1922, seu símbolo, segundo
seus estatutos, “é uma foice e um martelo, cruzados, simbolizando a aliança
operário-camponesa, que está escrita a legenda: “Partido Comunista
Brasileiro”, reconhecido como “Partidão”, é o partido mais antigo
do país em atividade.
Conheceu a prisão pela primeira vez em 1932 após
escrever um poema contendo críticas ao Interventor Juracy Magalhães. Libertado,
prosseguiria na militância política interrompendo os estudos universitários no
terceiro ano, em 1932, quando se deslocou para o Rio de Janeiro. Em 1º de maio
de 1936, durante a ditadura na Era Vargas, foi preso por subversão e torturado
pela polícia do fascista Filinto Müller. Permaneceu encarcerado por um ano. Foi
solto pela “macedada”, que politicamente era o nome da medida que libertou os presos
políticos sem condenação. Ao sair da prisão entrou para a clandestinidade, até
ser recapturado em 1939. Novamente foi torturado e ficou na prisão até 1945,
quando foi beneficiado com a anistia pelo processo de redemocratização do país.
Elegeu-se deputado federal constituinte pelo PCB baiano em 1946. Nesse período
teve um breve relacionamento com Elza Sento Sé, operária da Light, com quem
acabou tendo um filho, Carlos Augusto Marighella, nascido a 22 de maio de 1948
no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano Marighella voltou a perder o mandato, em
virtude da nova proscrição fascista do partido político.
Voltou para a clandestinidade e ocupou diversos cargos
na direção partidária. Convidado pelo Comitê Central passou os anos de 1953 e
1954 na China, a fim de conhecer a Revolução Chinesa. Em maio de 1964, após o
golpe militar, foi baleado e preso por agentes do DOPS dentro de um cinema, no
Rio de Janeiro. Libertado em 1965 por decisão judicial, no ano seguinte optou
pela luta armada contra a ditadura, escrevendo “A Crise Brasileira”. Em
dezembro de 1966, renunciou à Comissão Executiva Nacional do PCB. Em agosto de
1967, participou da I Conferência da Organização
Latino-Americana de Solidariedade, realizada em Havana, Cuba, a despeito da
orientação contrária do PCB. Aproveitando a estada em Havana, redigiu “Algumas
questões sobre a guerrilha no Brasil”, dedicado à memória do guerrilheiro Ernesto
Che Guevara e tornado público pelo Jornal
do Brasil em 5 de setembro de 1968. Foi expulso do partido em 1967. Em
fevereiro de 1968 fundou o grupo armado Ação
Libertadora Nacional. Em setembro de 1969, a ALN participou com sucesso do
sequestro do Embaixador norte-americano Charles Elbrick, numa ação coordenada com
o Movimento Revolucionário 8 de Outubro
(MR-8).
Com o recrudescimento do regime militar, os órgãos de
repressão estatal concentraram esforços em sua captura. Na noite de 4 de
novembro de 1969 Marighella foi surpreendido por uma emboscada na alameda Casa
Branca, na capital paulista. Ele foi morto a tiros por agentes do DOPS, em uma
ação coordenada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. A ALN continuou em
atividade política até o ano de 1974. O sucessor de Marighella no comando da
ALN foi Joaquim Câmara Ferreira, que também foi morto por Fleury no ano
seguinte. Os militantes mais atuantes em São Paulo eram Yuri Xavier Ferreira,
Ana Maria Nacinovic Correa, Marco Antônio Valmont e Gian Mercer que continuaram
fazendo panfletagem contra a ditadura militar até meados de 1972, quando também
foram assassinados numa emboscada no bairro da Mooca, ao saírem do restaurante
Varela. Dezoito de seus militantes foram mortos, mas “cinco foram considerados
desaparecidos”. O último líder da ALN foi Carlos Eugênio Sarmento da Paz, “que
sobreviveu auto exilando-se na França, voltando ao Brasil após a Anistia”.
E é no seu governo que ocorrem duas mortes que tiveram
enorme repercussão de dentro para fora do Brasil: a do jornalista Vladimir
Herzog e a do operário Manoel Fiel Filho em janeiro de l976. Na ridícula versão
oficial ambos haviam se enforcado. No primeiro caso, o general Geisel aceitou a
versão de enforcamento, mas no segundo, exonera o comandante do II Exército,
general Ednardo D’Avila. De qualquer forma, os responsáveis pelos assassinatos
não foram punidos. Em dezembro de l976 (dia 16) ocorre “o último ataque de
vulto da repressão contra as organizações de esquerda”: o assassinato de
dirigentes do Partido Comunista do Brasil no episódio que ficou conhecido como
“chacina da Lapa”. Em l974 ocorreram eleições para deputados estaduais,
federais e senadores. Mas continuavam indiretas eleições para presidente,
governadores e prefeitos de capitais e significou a primeira derrota eleitoral
do regime militar. O Movimento Democrático Brasileiro elege 16 dos 23 senadores e 4 milhões de votos a mais
do que a ARENA e, pela primeira vez, desde l966, quando o bipartidarismo foi
criado, o MDB ficava com maioria dos votos para o Senado. Na Câmara dos
Deputados, que nas eleições de l970 elegera 87 deputados, contra 233 da ARENA,
conquista em l974, praticamente o dobro: 161 deputados eleitos, enquanto a
ARENA diminui para 203. As explicações para a derrota eleitoral da ditadura são
muitas, mas, essencialmente, expressão das insatisfações populares.
A oposição política cresce, a sociedade civil se
fortalece e pouco a pouco vai se reorganizando. Em l978 é criado o “Movimento
Feminista pela Anistia”, tendo à frente Terezinha Zerbini. Nos anos seguintes,
diversas organizações da sociedade civil têm um papel fundamental na denúncia
às arbitrariedades da ditadura golpista, mas duas se destacam: a Ordem dos
Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa. Em l978, depois de
violenta repressão política, o movimento estudantil e operário sai às ruas e surge
especialmente no ABC paulista, o que ficou conhecido como “novo sindicalismo”,
sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva. É nesse contexto social e
político, que surgem os Comitês Brasileiros de Anistia. Como neste ano
contabilizava-se 4.877 o número de punidos pela ditadura militar com atos
discricionários. Neste ano também que entra em vigor uma nova Lei de Segurança
Nacional em 17 de dezembro (cf. Comblin, 1978). Neste
período o cientista político Francisco Correia Weffort perguntou-se: qual democracia?
Em l978 são
criados de fato os primeiros Comitês
Brasileiros de Anistia, congregando opositores da ditadura como estudantes,
artistas, intelectuais, etc. e familiares de presos políticos, com apoio
decisivo de setores da igreja católica e de diversos parlamentares no Congresso
Nacional. Com a criação de comitês em várias capitais, são organizadas diversas
manifestações públicas, sempre sob a ameaça de forte aparato policial, debates,
panfletos, cartazes, abaixo-assinados, lançamento de livros e visitas aos
presos políticos. No final do ano, é realizado em São Paulo o 1º Congresso Nacional da Anistia, com a
presença e participação de milhares de pessoas. Nesse congresso, de grande
importância para o movimento, lança-se a palavra de ordem chave: “Anistia,
ampla, geral e irrestrita”. Ampla, porque deveria alcançar todos os punidos com
base nos Atos Institucionais, geral e irrestrita, porque não deveriam impor
qualquer condição aos seus beneficiários e sem o exame de mérito dos atos
praticados.
A luta ganha as ruas e tira os presos políticos, em
torno de 200 parlamentares do Movimento Democrático Brasileiro dá uma contribuição fundamental na luta pela
anistia. O governo recua e encaminha ao Congresso Nacional uma Lei de Anistia.
Este Projeto, parcial, com exclusões e restrições não foi aceito. Nem pelos
parlamentares, nem tampouco pelos Comitês de Anistia. É neste momento sabendo
já contar com o apoio de parlamentares, Comitês de Anistia e parcelas da
opinião pública, que os presos políticos do Rio de Janeiro, em apoio à “anistia
ampla, geral e irrestrita” e em repúdio ao projeto do governo, iniciam uma
greve de fome, em 22 de julho de l979. Essa greve teve uma importância
extraordinária. Os presos políticos já haviam feito outras greves, denunciando
torturas, condições carcerárias, punições arbitrárias, cerceamento de visitas,
etc. Mas, em geral, ficaram restritas às paredes das celas, sem repercussão na
sociedade. Com a greve, conseguem ter maior visibilidade junto à imprensa,
parlamentares, intelectuais etc., e assim, chegar à opinião pública. Até então
a situação dos presos eram conhecidas basicamente pelos familiares e militantes
dos comitês de anistia, mas que saem do isolamento e repercutem no Congresso
Nacional.
O ano de l985 significou o fim da ditadura militar.
Depois de 21 anos de regime discricionário e de um longo processo de negociação
com lideranças civis, com Tancredo Neves à frente, tem início o ciclo de
governos civis. A Constituição de l988, nos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias, determina, no seu artigo 8º: “É concedida anistia aos que, no
período de l8 de setembro de l946 até a data da promulgação da Constituição,
foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos
de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo
Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº
864 de 12/09/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego,
posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo,
obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis,
regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das
carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos
regimes jurídicos”.
Essas duas leis, que ampliam a anistia concedida em
l979, ensejam diversas ações indenizatórias, na qual os atingidos pediam a
concessão da anistia, tendo em conta a relação que se estabeleceu entre o clima
de perseguições políticas e as demissões. No entanto, não eram beneficiados,
entre outras exclusões da lei, por exemplo, os familiares de desaparecidos
políticos. É só em l996, que foi aprovada uma lei que concede indenizações às
famílias dos desaparecidos políticos, conhecida como “Lei dos Mortos e
Desaparecidos Políticos” (Lei 9.140/96). No entanto, não atingiu todos os Estados
ficando restrita a São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Depois
de l996, a mais ampla anistia concedida, veio quase 13 anos depois da
promulgação da Constituição de l988. Veio através da chamada “Medida Provisória”,
a de nº 2.151 de 31 de maio de 2001, que regulamenta o artigo 8º das Disposições
Constitucionais Transitórias. A anistia é importante porque é definido o regime jurídico do anistiado. Constituído do direito à declaração
de anistiado político. Inclui a reparação econômica de caráter indenizatório,
contagem de tempo de afastamento das atividades profissionais e funcionais para
todos os efeitos. Possibilita ainda a conclusão do curso aos estudantes por
atos discricionários.
Bibliografia geral consultada.
Artigo:
“Marighella Morre Metralhado em São Paulo”. In: Jornal do Brasil, 5 de
novembro de 1969; Artigo: “Morto o Chefe Terrorista Marighella”. In: Folha
de S. Paulo, 5 de novembro de 1969; COMBLIN, Joseph, A Ideologia da Segurança Nacional - O Poder Militar na América Latina. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1978; LACLAU,
Ernesto, Política e Ideología en la Teoría Marxista: Capitalismo, Fascismo,
Populismo. México: Siglo Veintiuno Editores, 1978; MARIGHELLA, Carlos, Por
que resisti à prisão. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1994. 1ª edição.
Rio de Janeiro: Edições Contemporâneas, 1965; Idem, Escritos de Marighella.
São Paulo: Editora Livramento, 1979; VINHAS, Moises, O Partidão: A Luta por uma Partido
de Massas 1922-1974. São Paulo: Editora Hucitec, 1982; BARRETO, Anna Flávia Arruda Lanna, O Movimento Feminino pela Anistia: A Esperança do Retorno à Democracia. Dissertação de Mestrado em História. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em História. Belo Horizonte: Universidade Federald e Minas Gerais, 1996; JOSÉ, Emiliano, Carlos
Marighella: O Inimigo Número Um da Ditadura Militar. São Paulo: Editora Sol
Chuva, 1997; BASTOS, Paulo de Mello, Nos Bastidores da Anistia. Rio de Janeiro: Editora Ferreira Botelho, 1999; GRECO, Heloisa Amélia, Dimensões Fundacionais da Luta pela Anistia. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de História. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2003; BETTO, Frei,Batismo de Sangue: Os Dominicanos e a Morte de Carlos Marighela. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1982; Idem, Batismo de
Sangue: Guerrilha e Morte de Carlos Marighella. 14ª ed. rev. e ampliada.
Rio de Janeiro: Rocco, 2006; SENA JÚNIOR, Carlos Zacarias Figueirôa, Os
Impasses da Estratégia: Os Comunistas e os Dilemas da União Nacional na
Revolução (Im)possível - 1936-1948. Tese de Doutorado. Programa de
Pós-Graduação em História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2007;
REZENDE, Claudinei Cássio, Suicídio Revolucionário: A Luta Armada e a
Herança da Quimérica Revolução em Etapas. São Paulo: Editora Universidade
Estadual Paulista, 2010; MAGALHÃES, Mário, Marighella: O Guerrilheiro Que
Incendiou o Mundo.1ª edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2012;
AMBONI, Vanderlei, A Escola do Acampamento do MST: Institucionalização e
Gestão Estatal da Escola Itinerante Carlos Marighella. Tese de Doutorado.
São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015; entre outros.
_________________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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