Gertrude Stein: Arte, Cinema & Liberdade de Expressar-se como Mulher.
Ubiracy de Souza Braga*
“Temos sempre a mesma idade por dentro”. Gertrude Stein (1874-1946)
Gertrude
Stein era a mais nova de cinco filhos de um casal judeu de classe média alta,
Daniel e Amelia Stein. Seu pai era um empresário rico com propriedades
imobiliárias. Inglês e alemão eram falados em casa. Aos três anos de idade, ela
e sua família mudaram-se para Viena, e depois Paris. Acompanhados por
governantes e tutores, os Stein esforçaram-se para imbuir seus filhos com as
sensibilidades cultas da história e da vida europeias. Após um ano de
permanência no exterior, retornaram para os Estados Unidos em 1879,
estabelecendo-se em Oakland, Califórnia, onde seu pai tornou-se diretor da
linha de bondes de São Francisco, a Market Street Railway, em uma época em que
o transporte público era uma iniciativa privada. Nasceu em 3 de fevereiro de
1874, em Pittsburgh, Estados Unidos da América e faleceu em 27 de julho de
1946, em Paris, França. Foi uma escritora, poeta e feminista estadunidense.
Tinha um apreciável círculo de amigos, como Pablo Picasso, Matisse, Georges
Braque, Derain, Juan Gris, Apollinaire, Francis Picabia, Ezra Pound, Ernest
Hemingway e James Joyce, apenas nomes de amigos. Mrs. Stein
era realmente genial e escreveu: Autobiografia de Alice B. Toklas (2009), avant-garde dos anos 1910-30. Com estilo próprio, a narrativa descreve jovens artistas e escritores de visão pluralista que se encontram em Paris.
Abrem
novos caminhos para a arte: Picasso, da Catalunha, Joyce, da Irlanda, ela
própria da América, Nijinski, russo. Havia vários franceses: Cocteau,
Apollinaire, Matisse. Apesar do nome, o livro foi escrito por Miss Stein, tendo
como porta-voz Alice B. Toklas, sua companheira em vinte e cinco anos. Nascida
Alice Babette Toklas em São Francisco, Califórnia, numa família judia de classe
média, pois seu pai fora um oficial do exército polonês e seu avô paterno,
rabino. Seu pai, Feivel, embora reconhecido como Ferdinand Toklas, casou-se com
Emelia Levinsky. Desta união nasceu Alice e seu irmão Clarence Ferdinand
(1887-1924). Ela frequentou escolas em São Francisco e Seattle e por pouco
tempo estudou música na Universidade de Washington. Toklas conheceu Gertrude
Stein em Paris em 8 de setembro de 1907, no dia que chegou à cidade tendo
deixado São Francisco, ainda devastada pelos efeitos do sismo de 1906. Juntas
criaram um salão literário que atraiu vários escritores norte-americanos
expatriados, tais como Ernest Hemingway, Paul Bowles, Thornton Wilder e
Sherwood Anderson, assim como pintores de vanguarda, entre eles Picasso,
Matisse e Braque. Seu
significado na arte, passou per se a referir-se aos artistas que se
colocam culturalmente, por assim dizer, à frente do seu tempo e mentalidade, abrindo o caminho a novas ideias,
a novas mentalidades, a novas culturas. A arte de vanguarda, neste sentido
sociológico, procura romper com toda a conceção artística e cultural até então
vigente.
Atuando
numa relação social complexa e libertadora como confidente, amante, cozinheira,
secretária, musa, editora, crítica e organizadora de Stein, Toklas tornou-se
uma figura de bastidores, vivendo na sombra de Stein, até a publicação por
Stein das memórias de Toklas em 1933. O livro tornou-se o maior best-seller de
Stein. Em 1946, William Garland Rogers (1896-1978), colecionador de arte
norte-americano que foi uma figura proeminente na cena literária da Paris do
início do século XX, escreveu em suas memórias que Toklas “era um pouco
curvada, algo retraída e apagada. Ela não se senta em uma cadeira, ela se
esconde nela; ela não olha para você, mas para cima de você; ela sempre está
meio passo para fora do círculo. Ela dá a aparência, dizendo-se de forma
direta, não de uma serva, mas de uma relação ruim, de alguém convidado para um
casamento, mas não para a festa de casamento”. James Merrill escreveu que,
antes de se encontrar com Toklas “sabia de sua pequena estatura, das sandálias,
do bigode, dos olhos”, mas que não antecipara “o encantamento de sua voz - como
uma viola ao entardecer”. Toklas e Stein permaneceram juntas até a morte de
Stein em 1946. Ainda que Gertrude Stein quisesse destinar muito de seu
patrimônio a Toklas, inclusive a coleção conjunta de arte que contava com
alguns quadros de Picasso, abrigada em seu apartamento da 5, Rue Christine. A
relação afetiva do casal ainda não possuía, digamos na relação social entre indivíduo e Estado social qualquer reconhecimento legal.
“Paris Was a Woman” – Gertrude Stein & Alice B. Toklas. Historicamente, como muitas das pinturas eram de grande valor,
os parentes de Stein logo agiram para se “apossar elas”, retirando-as da casa de
Toklas enquanto esta viajava, pretendendo colocá-las num cofre de banco. Dali
em diante, Toklas passou a depender de ajuda dos amigos, assim como da
literatura, para conseguir se manter. Em 1954 Toklas publicou o The Alice B.
Toklas Cookbook, um livro que misturava reminiscências e receitas. A
receita mais famosa, contribuição do amigo Brion Gysin, é o Hashish fudge,
uma mistura de frutas, castanhas, temperos e Cannabis sativa, planta
herbácea da família das Canabiáceas utilizada nas versões de consumo da maconha
e cânhamo. O cultivo de cânhamo é controlado por lei, e sua legalização varia
de país para país. Seu nome mais tarde foi usado nas invencionices culinárias
com maconha denominadas “brownies Alice B. Toklas”. O livro foi traduzido para
vários idiomas. Um segundo livro de receitas foi publicado em 1958: Aromas
and Flavors of Past and Present. Entretanto, Toklas não o aprovou, posto
que foi pesadamente anotado por Poppy Cannon (1905-1975), uma Editora da
revista House Beautiful. Toklas também escreveu artigos para várias
revistas e jornais, incluindo The New Republic e o The New York Times.
Ela foi várias vezes a Editora de alimentos do Ladies Home Journal e da House
Beautiful e autora de vários livros de receitas dos anos 1950.
Particularmente foi uma das primeiras defensoras da comida de conveniência.
Seu estilo de escrita era distinto e foi descrito como implacável. Suas
receitas podem exigir medidas como “uma mancha de vinho”, “uma enxurrada de
coco”, ou “uma grande quantidade de creme de leite”. Uma vez ela aconselhou os
leitores que poderiam “preparar uma torta de limão em um piscar de olhos” com “o
novo produto maravilhoso chamado Clovernook”.
Ambas lembram-nos a vida
amorosa de Franz Kafka e a sua vida de escritor, com vínculos complexos,
dolorosos, confusos e, portanto, necessários e importantes: uma não existiria
sem a outra. Do ponto de vista de seu relacionamento
homoerótico e afetivo: - “Para Stein, Toklas fue su
confidente, amante, cocinera, secretaria, musa, editora, crítica y
administradora, pero se mantuvo fuera de los reflectores, viviendo bajo la
sombra de Stein por muchos años hasta que esta última publicó sus memorias en
1933 bajo el título La Autobiografía de
Alice B. Toklas. Este se convertiría en el mayor éxito de ventas de Stein.
Ambas pasaron el resto de sus vidas juntas, hasta que Stein murió”. Filha de um rico imigrante judeu-alemão era a caçula
de cinco irmãos e perdeu a mãe aos 14 anos. Poucos anos mais tarde, com a morte
do pai, o irmão mais velho, Michael, assumiu os negócios da família e Gertrude
passou a viver de renda. Em 1903, parte com o irmão Leo para Paris e com ele
começa a se interessar e colecionar obras de arte moderna. Teria início aí à
lenda da casa da Rue Fleurs, 27, que virou ponto de encontro de artistas e
intelectuais. Muitos deles, expatriados norte-americanos, que ela chamava “the
lost generation”, termo atribuído tradicionalmente a Gertrude Stein. Foi opularizado
por Ernest Hemingway em seu livro: O Sol Também se Levanta e em suas memórias
no livro: A Moveable Feast. A recusa machista, entretanto, do irmão em
reconhecer sua genialidade, fez com que os dois se afastassem. Indo Leo foi, Alice já havia entrado na vida de Gertrude Stein para sempre.
Vale lembrar que não era um casal estranho (cf. Cawthorne, 2004;
Malcolm, 2008; Stein, 2010). Em suas memórias, Mabel Rodge revela que “Gertrude
era prodigiosa, quilos e quilos e quilos empilhavam-se em seu esqueleto”.
Quanto a Alice, “era franzina e morena, com lindos olhos cinzentos pesados”. A
maioria dos amigos considerava Gertrude fascinante e charmosa, enquanto Alice
era considerada feia e apagada. Em suas pesquisas etnográficas, Janet descobre
uma Gertrude acostumada a “ser cuidada por pessoas que se sentiam incapazes de
agir de outro modo. E a maior de todas as abelhas operárias era Alice Toklas”.
Na relação antropológica da divisão sexual do trabalho entre elas, só aparentemente
desigual que mantinham, Gertrude se ocupava de sua ”genialidade e Alice, dos
afazeres domésticos, afinal o espaço habitado, transcende o espaço geométrico. Se
se representaram neste aspecto o “ideal masculino” de casamento de seu tempo é
mera coincidência. Enquanto Gertrude Stein deixava escorrer seus textos para o
papel, era a companheira quem os revisava e datilografava. Diferenças à parte é
certo que as duas nutriam uma grande afeição mútua.
Miss Stein adorava fazer provocações. A palavra gênio,
por exemplo, exercia mesmo um “fascínio de consciência”, para lembramos da
etnologia da solidão do antropólogo Marc Augé (1997),
uma influência considerável em sua vida. Afinal era uma escritora de estilo
bastante peculiar e engenhoso, talvez “a inventora da escrita automática”. Suas
primeiras narrativas, entre elas: “O Modo de Ser dos Americanos”, que ela
escreveu de 1906 a 1908, e “Três Vidas”, de 1909, apresentavam recursos
textuais considerados por muitos como uma “escrita automática”, a qual
inspiraria profundamente a futura prosa experimental. Ela procurava, assim,
estabelecer uma analogia entre este ritmo narrativo incessante e a jornada do
próprio Homem. Este seu estilo a levava muitas vezes a ser considerada uma
autora genial, mas também muito temperamental. Gertrude escreveu também ensaios
significativos que compuseram sua obra “O Que É a Literatura Inglesa?”, de
1935. Stein criava parágrafos completos sem nenhuma descontinuação. Na
Roma antiga, o gênio representava o espírito ou guia de uma pessoa, ou mesmo de
uma gens inteira. Um termo relacionado é genius loci, o espírito de um local
específico. Por contraste a força interior que move todas as criaturas viventes
é o animus. Um espírito específico ou daimon pode habitar uma imagem ou ícone,
dando-lhe poderes sobrenaturais. Gênios são dotados de excepcional
brilhantismo, mas frequentemente também são insensíveis às limitações da
mediocridade bem como são emocionalmente muito sensíveis, algumas vezes ambas
as coisas. O termo prodígio indica a presença de talento ou gênio
excepcional na primeira infância.
Os termos prodígio e criança prodígio são
sinônimos, sendo o último um pleonasmo. Deve-se ter em consideração que é
perigoso tomar como referência as pontuações em testes de QI quando se deseja
fazer um diagnóstico razoavelmente correto de genialidade. Há que se levar em
consideração que em todos as pontuações, e em todas as medidas, existe uma
incerteza inerente, bem como os resultados obtidos nos testes representam a
performance alcançada por uma pessoa em determinadas condições, não refletindo
necessariamente toda a capacidade da pessoa em condições ideais. É de crer que, para que o gênio se
manifeste num indivíduo, este indivíduo deve ter recebido como herança a soma
de poder cognitivo que excede em muito o que é necessário para o serviço de uma
vontade individual, segundo Schopenhauer (2001), é este excedente que, tornado
livre, serve para constituir um objeto liberto de vontade, um claro espelho do ser
do mundo. A través disto se explica a vivacidade que os homens de gênio
desenvolvem por vezes até a turbulência: o presente raramente lhes chega, visto
que ele não enche, de modo nenhum, a sua consciência; daí a sua inquietude sem
tréguas; daí a sua tendência para perseguir sem cessar objetos novos e dignos
de estudo, para desejar enfim, quase sempre sem sucesso, seres que se lhes
assemelham, que estejam à sua medida e que os possam compreender. O homem
comum, farto e satisfeito com a rotina atual, aí se absorve; em todo
lado encontra seus iguais; nessa satisfação particular que experimenta no
curso da vida e que o gênio não conhece. - Quis-se ver na imaginação um
elemento essencial do gênio, o que é legítimo; quis-se mesmo identificar
os dois, mas é um erro. O fato é que, seja em que medida for, o certo é o
incerto e o incerto é uma estrada reta.
O objeto do gênio, considerado como
tal, são as ideias eternas, as formas persistentes e essenciais do mundo e de
todos os seus fenômenos. Onde reina só a imaginação, ela empenha-se em
construir castelos no ar a lisonjear o egoísmo e o capricho pessoal, a
enganá-los momentaneamente e a diverti-los; mas neste caso, conhecemos sempre,
para falar com propriedade, apenas as relações das quimeras assim combinadas.
Talvez ponha por escrito os sonhos da sua imaginação: é daí que nos vêm esses
romances ordinários, de todos os gêneros, que fazem a alegria do grande público
e das pessoas semelhantes aos seus atores, visto que o leitor sonha que está no
lugar do herói, e acha tal representação bastante agradável.A história da matemática é uma área de estudo
dedicada à investigação sobre a origem das descobertas da matemática e, em uma
menor extensão, à investigação dos métodos matemáticos e aos registros
etnográficos ou notações matemáticas do passado. A matemática islâmica, por sua
vez, desenvolveu e expandiu a matemática conhecida destas civilizações. Muitos
textos gregos e árabes sobre matemática foram então traduzidos ao Latim, o que
contribuiu com o desenvolvimento da matemática na Europa medieval. Do ponto de vista comparativo, dos tempos
antigos à Idade Média, a eclosão da criatividade da matemática foi frequentemente
seguida por séculos de estagnação. Começando no Renascimento, novos progressos
técnicos da matemática, interagindo com as novas descobertas científicas, foram
realizados de forma crescente, continuando assim decerto sem paixão.
Assim os intelectuais de seu tempo perguntavam se ela era
mesmo gênio ou não passava de uma impostora. Ela dava o troco: “Ser gênio exige
um tempo medonho, indo de um lugar a outro sem nada fazer”. Ou então: “um gênio
é um gênio, mesmo quando nada faz”. Com o livro: “Duas Vidas: Gertrude e Alice”,
a jornalista tcheca Janet Malcom nos permite ir além dos escritos de Stein,
para conhecer mais sobre sua vida, sua personalidade e sua relação com a
companheira de décadas, Alice B. Toklas (1877-1967). Dividido em três partes, o
livro é uma reunião de ensaios originalmente publicados na revista: The New Yorker. Com seu “estilo ácido” de
escrever, Janet Malcom parte de um questionamento: “Como um casal de judias
lésbicas e idosas conseguiu sobreviver às perseguições nazistas na França,
permanecendo incólume durante toda a Segunda Guerra?”. A partir daí, por meio
de pesquisas etnográficas e entrevistas com biógrafos, amigos e especialistas
na obra de Gertrude Stein, monta o quebra-cabeça do que seria a personalidade
da escritora, que se autodenominava “um gênio”.
O inventor escocês John L. Baird apresenta uma nova
máquina capaz de transmitir imagens em movimento sem utilizar fios em janeiro
de 1926 é o passo inicial para o que viria a ser a televisão. Os norte-americanos
ficam encantados com a atriz do filme: “Tentação”, Greta Garbo. Nesse mesmo ano
nasce o chamado “pretinho básico”. A revista norte americana: “Vogue” publica a
ilustração de um modelo desenhado pela francesa Coco Chanel - primeiro entre os
vários que a triz iria produzir ao longo de sua carreira. Em 1927, a mulher
moderna pede liberdade de movimentos e a moda parisiense já demonstra as novas
roupas que reduzem os bustiês e estreitam os quadris. A silhueta esbelta faz
com que as mulheres fiquem cada vez mais parecidas com os rapazes. É acentuado
com o novo corte de cabelo “La garçonne”, ainda mais curto que os já usados. A
simplicidade é a marca do estilo. Em 6 de outubro estreia em Nova York o primeiro filme falado da história
cinematográfica.
Não
se pode negar que Woody Allen, em no fime Meia-Noite em Paris, interpretou tão bem e com magia o charme
que tantas gerações de artistas conferiram à Cidade das Luzes (cf. Benjamin, 2011).
O protagonista do filme volta, por conta de uma mágica qualquer, à Paris dos
anos vinte e passa a conviver com gente do quilate de Scott e Zelda Fitzgerald,
Ernest Hemingway, Gertrude Stein, Pablo Picasso, Salvador Dalí, Luis Buñuel,
Man Ray e Cole Porter. Vê Josephine Baker se exibindo na boate Bricktop’s e
também dança com a escritora Djuna Barnes numa festa, o que lhe permite uma
ótima piada: “Aquela era Djuna Barnes? Não me impressiona que ela quisesse
liderar”. Mas como o coração sempre desorganiza o que está organizado e, para
nos lembrarmos de Pascal, a mulher por quem Gil Pender, o personagem
interpretado por Owen Wilson, se apaixona naqueles “roaring twenties”, como
dizem os norte-americanos, prefere a belle
époque. E de novo por causa de uma espécie de magia eles rememoram ainda mais no tempo e
sentam-se a uma mesa no Moulin Rouge com Toulouse-Lautrec, Degas e Gauguin.
Woody Allen parece concluir que não há uma época de ouro. Que é preciso viver
da melhor maneira possível extraordinariamente o presente. E viver, dizia a
notável Clarice Lispector, “ultrapassa todo entendimento” (cf. Lispector, 1998).
Para o protagonista do filme “Meia noite em Paris”, do
diretor Wood Allen, Paris dos anos 1920
era a época de ouro das artes, Gil, um escritor e roteirista norte-americano fã
de Hemingway e completo saudosista, viaja a capital francesa com sua noiva e
seus sogros. Para fugir das conversas conservadoras republicanas a respeito de
assuntos diversos desprovidos de qualquer viés artístico ou intelectual, Gil
sai para conhecer as ruas da cidade. No badalar das doze horas, uma carruagem cruza
seu caminho e lhe leva a Paris dos anos 1920. Lá ele conhece Hemingway, Dali,
Man Ray, Buñuel, Gertrude Stein, entre vários outros artistas renomados. Stein
passa a aconselhar Gil sobre seu livro nas frequentes visitas que agora costuma
fazer trazido pela carruagem do tempo.
Durante uma dessas viagens ele conhece Adriana. Eis ai a grande questão
do filme, o “eterno retorno” nietzschiano no ser humano, que
teima em achar que o passado sempre é mais atraente, tendendo a ignorar as
belezas e atrativos contemplativos da dimensão humana e afetiva de seu próprio tempo. O
mundo, para Nietzsche, não é na perspectiva filosófica da vontade de potência, ordem e racionalidade, mas desordem e
irracionalidade. Seu princípio filosófico não era, portanto, Deus e razão, mas
a vida que atua sem objetivo definido, ao acaso, e, por isso, se está
dissolvendo e transformando-se em um constante devir. A única e verdadeira
realidade para Nietzsche, é a vida tomada e corroborada
pela vivência. Nietzsche era um crítico: a) das “ideias modernas”,
b) da vida social e da cultura moderna, c) do neonacionalismo alemão, e, para
sermos breves, d) Os ideais modernos rotulados como democracia, socialismo,
igualitarismo, emancipação feminina, não eram senão expressões da decadência de
determinado “tipo homem”.
Por estas razões, é, por vezes, apontado como um precursor
da concepção de pós-modernidade. A figura de Nietzsche foi particularmente
promovida na Alemanha Nazi, num processo político mediante o qual você opta,
mas não decide, tendo sua irmã, simpatizante do regime, fomentado esta
associação. Como dizia Heidegger, ele próprio nietzschiano, “na Alemanha se era
contra ou a favor de Nietzsche”. Durante toda a vida, tentou explicar o
insucesso de sua literatura, chegando à conclusão de que “nascera póstumo”,
para os leitores do porvir. O sucesso de Nietzsche, entretanto, sobreveio
quando um professor dinamarquês leu a sua obra: “Assim Falou Zaratustra”, e
tratou de difundi-la, em 1888. Em 3 de janeiro de 1889, Nietzsche sofreu um
colapso mental. Teria testemunhado o açoitamento de um cavalo no outro extremo
da Piazza Carlo Alberto. Então correu em direção ao cavalo, jogou os braços ao
redor de seu pescoço para protegê-lo e em seguida, caiu no chão. Nos dias
seguintes, Nietzsche enviou escrito breve conhecido como: “Wahnbriefe” (“Cartas da loucura”) - para um número de amigos, entre eles, Cosima Wagner,
filha do pianista húngaro Franz Liszt com a Condessa Marie d`Agout e Jacob
Burckhardt, historiador da cultura suíça. Muitas destas cartas foram
curiosamente assinadas “Dionísio”. A maioria dos comentaristas considera seu colapso alheio à sua filosofia. Georges Bataille chegou a insinuar
que sua filosofia pudesse tê-lo enlouquecido. A psicanálise “post-mortem”, de
René Girard, postula uma “rivalidade de adoração” do bravo pensador como personificação com Richard Wagner.
Durante esse tempo Miss Stein e sua companheira Alice
viveram no número 27, rue de Fleurus. Este endereço se tornaria lendário e um
importante ponto de encontro desses gênios. Gertrude Stein seria a primeira a
pendurar em sua parede pinturas de Juan Gris, Matisse e Picasso. Mais tarde romperia com muitos deles,
inclusive com Picasso, por quem manteve grande afeição. Antes, porém, posaria
noventa e três vezes para que o artista catalão desse por finalizado o seu
retrato: “Mas em nada se parece comigo, Pablo” disse ela. “Mas certamente vai
parecer, Gertrude, certamente...”, respondeu o pintor. O rompimento dos dois se
daria apenas em 1927, por ocasião da morte de Juan Gris. Gertrude acusou
Picasso de não ter estimado Gris o bastante, ele retrucou e os dois tiveram um
belo e histórico bate-boca. Foi uma década de prosperidade e liberdade, animada
pelo som das famosas “jazz-bands” e pelo charme das melindrosas, as mulheres
modernas da época, que frequentavam os salões e traduziam em seu comportamento
e modo de vestir o espírito da também chamada: Era do Jazz. Os textos experimentais de Gertrude Stein eram
considerados densos demais, o que dificultava o interesse das editoras. Segundo
Malcom, “ela não sabia inventar” e “escrevia quase que somente de suas próprias
experiências”. A aceitação pelo grande público só aconteceria aos 51 anos, com
a publicação de “Autobiografia de Alice B. Toklas”, que escreveu dando voz à
sua companheira. Com a morte de Gertrude de câncer, em 1946, Alice “cuidou do
santuário da lenda literária e pessoal de Stein com a devoção de um cachorro à
sepultura de seu dono”. Ou, como diz: “A lembrança de Gertrude é toda minha
vida” escreveu ela a Donald Gallup, em 1947. O ensaio: “Duas Vidas: Gertrude e
Alice” é um texto instigante, fruto de um jornalismo crítico,
criativo e da mais alta qualidade. Aos fãs de Gertrude Stein, deve ter
incomodado bastante. Para quem conhece pouco sobre sua vida e obra,
desperta mais a curiosidade de lê-la e tentar sutilmente interpretá-la.
Bibliografia geral consultada.
BENJAMIN, Walter, L`Opera d`Arte nell`Epoca della Riproducilità Técnica. Turim:
Einaudi, 1966; VALADIER, Paul, Nietzsche y la Crítica del Cristianismo. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1982; HEMINGWAY, Ernest, El Verano Peligroso. Barcelona: Editorial Sudamericana-Planeta, 1986; AUGÉ, Marc, La Guerre des Rêves.
Exercices d`Ethno-Fiction. Paris: Éditions du Seuil, 1997; LISPECTOR, Clarice, Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres. São Paulo: Editora Rocco, 1998; SANTOS, Maria Irene Ramalho Sousa, Literatura Norte-americana, Lisboa: Universidade Aberta, 1998; BERGSON, Henri, Ensaios sobre os Dados Imediatos da Consciência. Lisboa: Edições 70, 1988; Idem, Matéria e Memória. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001; CAWTHORNE, Nigel, A Vida Sexual dos Ídolos de Hollywood. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004; AVELAR, Mário, O Poeta no Atelier do Artista. Chamusca: Edição Cosmos, 2006; MOREIRA, Inês Cardoso Martins, Aqui Há uma Margem: Teatro e Exílio em Gertrude Stein. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Escola de Teatro. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2007; BUTLER, Judith, Cuerpos que Importan: Sobre
los Limites Materiales y Discursivos del “Sexo”. Buenos Aires: Ediciones Paidós,
2008; MALCOLM, Janet, Duas Vidas. Rio de Janeiro: Editora Paz
e Terra, 2008; ABREU, Andreia Manuela Passos de, Gertrude Stein e o Cubismo Literário. Dissertação de Mestrado em Estudos Americanos. Porto: Universidade Aberta, 2008; STEIN, Gertrude, Três Vidas. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1983; Idem, A Autobiografia de Alice B. Toklas. São Paulo: Editor Cosac Naify, 2009; Idem, Autobiografia de Todo Mundo. São Paulo: Editor Cosac Naif, 2010; AGUIAR, Daniella, Da Literatura para a Dança: A Prosa-poética de Gertrude Stein em Tradução Intersemiótica. Tese de Doutorado em Literatura Comparada. Instituto de Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2013; GERONIMO, Vanessa, A Peça-Paisagem de Gertrude Stein: Traduzindo Four Saints in Theree Acts. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Centro de Comunicação e Expressão. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2015; entre outros.
__________________
* Sociólogo (UFF),
Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e
Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado
da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual
do Ceara, 2015.
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