quinta-feira, 30 de abril de 2015

Redução da Maioridade Penal: sem fraude nem favor.

Fernando Átila Freitas de Oliveira Filho*

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Paulo Freire.
Assim como muitas das nossas leis, a PEC 171/93 é apenas mais uma que certamente não resolverá um de nossos maiores problemas: criminalidade e (in) segurança pública. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) tem como objetivo reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal. Isso certamente será um retrocesso para nosso país e, mais especificamente, para os nossos jovens, visto que as cadeias são verdadeiras escolas do crime - e as pessoas hão de concordar, pois é um fato.  O jovem, ou qualquer pessoa, que entra no sistema carcerário sai “pior” do que antes. Certamente, aprovar a PEC é mandar a vida de muitos jovens para o lixo, assim como o Estado já faz há séculos, e muito bem.
Todos os dias somos bombardeados, seja nas redes sociais ou programas policiais dirigidos por verdadeiros fanáticos, que se utilizam da fragilidade do povo desamparado pelo Estado e pelas condições sociais para praticar a sua arte da sedução, por meio da demagogia, e a concordarmos cada vez mais com esse mecanismo de captação em massa. Com seus discursos cheios de palavras complexas, que muitas vezes nem eles mesmos compreendem o significado ou o adequam ao discurso com coerência, fazendo uso de uma gesticulação excessiva, ou seja, puro paralogismo. Surge aí O Guia, O Salvador, O Fuhrer; mas que, na verdade, fala o que queremos ouvir. Isto não é em todo desconhecido, sabemos disso, mas gostamos de ficar no conforto da inércia, esperando a solução cair do céu. Falam muito, não dizem nada. 



          
Antes de tudo devemos considerar que um ser humano em qualquer lugar ou condição em que esteja é singular, porém quando o olhamos em sociedade devemos fugir desta regra – talvez por isso nos baseamos tanto em estatísticas. Portanto, devemos interpretar a lei não desvinculada do cenário social no qual ela foi criada, desenvolvida e sancionada. Como já foi dito, o jovem que entra no presídio - e quando falo jovem não me limito apenas aos menores de idade -, é reeducado para o crime, apreendendo o que ainda não sabia e mais um pouco. Este mesmo indivíduo, tempos mais tarde, voltará a viver em sociedade, mas como a cadeia não cumpriu seu papel, o de reeducar, ele volta trazendo maiores problemas para o ambiente social. Aquele que furtava agora comente latrocínios, etc.
O homem é o seu meio, é claro que existem as exceções. Já os citados “guias do povo” utilizam discursos deterministas, ora, se afirmo que tal pessoa “não tem mais jeito”, ela é uma abominação da natureza, ou como já ouvi de uma pessoa que, “todo pobre é um ladrão em potencial”, estou afirmando que tal ser é guiado por seu psíquico (determinismo psíquico). Ninguém nasce criminoso, se torna, a partir dessa lógica e que também é um fato, tiro a conclusão de que a educação é o melhor caminho – não confundam educação com falta de punição. Já começamos com o conceito errado de cadeia (punição), quando alguém comete um erro devemos ensina-la a não cometer esse mesmo erro , e outros erros se possível, novamente; quando uma criança, por exemplo, fala uma palavra feia não chegamos para ela e apenas a mandamos sentar-se durante meia hora em uma cadeira no canto mais isolado da sala de aula para ser motivo de chacotas, pode-se até fazer isso, por mais errado que seja, mas o adulto sempre a explica o porquê daquela punição e a manda refletir; e a cadeia é isso, lugar de autocrítica, de reeducar, pelo menos deveria ser assim.
“Embora a divisão da sociedade em classes e os conflitos sociais sejam evidentes, a sociedade constantemente nos é apresentada como uma unidade. Na atividade política institucional que se manifesta em discursos ou ações de políticos ou do Estado, interesses de uma classe social são apresentados como interesses de toda a sociedade. Na sociedade civil, os meios de comunicação de massa, a escola, as igrejas, as empresas e a família veiculam uma interpretação parcial da realidade, em que o indivíduo, isolado, é responsabilizado pela situação em que se encontra, como se ela dependesse apenas de sua vontade, de suas características individuais (esforço, preguiça, perseverança, etc.) ou das chances que a sorte lhe oferece. As explicações para os acontecimentos baseiam-se na natureza humana e não nas desigualdades e conflitos que caracterizam a estrutura social. Nesse contexto, fica difícil compreender e assumir nossa responsabilidade para com a coletividade.” (CORDI, SANTOS, BÓRIO, CORREA, VOLPE, LAPORTE, ARAÚJO, SCHLESENER, RIBEIRO, FLORIANI e JUSTINO, 2000).
Essa lógica da redução é falha em todos os sentidos, visto que, quase todos os problemas em nosso país, senão todos, provém antes de tudo da ausência de educação, em casa e na escola. Novamente volto à educação, pois é a sua falta a geradora dos males sociais, e não há educação de qualidade para o detento antes e depois do crime cometido. Antes de falarmos em mudar uma lei ou qualquer coisa que mexa com a vida dos cidadãos é preciso analisar se antes da mudança tal coisa estava cumprindo seu papel, e a cadeia, penitenciária ou presídio não cumpre de forma alguma esse papel, pelo contrário. Continuaremos, dessa maneira, rodando infinitamente na mesma lógica da redução, até chegar o dia em que um feto poderá ser preso. Não podemos deixar de citar também as influências que isso irá gerar e gera em nossa economia, uma vez que, estamos “desperdiçando” uma massa de trabalhadores em potencial e consumidores, os quais poderiam estar produzindo e movimentando a economia. Mas estamos perdendo e jogando essa massa para o crime.
No capitalismo é quase uma regra alguém descer para outro subir, simbolizando o funcionamento de uma balança, chegando a parecer cômico se não fosse trágico –Themis. Platão já dizia que o Estado Ideal seria aquele baseado na justiça, ou melhor, o Estado Ideal é a justiça; digo que a educação deve ser o princípio de todas as coisas, até mesmo antes da justiça. Esta não seria justiça se não fosse baseada na educação; a igualdade provém desse fator. Não concordo em muitas coisas com o filósofo, mas existe uma regra em especial que todos os tipos de governos devem possuir em comum: ou a cidade é justa e seus cidadãos consequentemente, ou o contrário. Depois disso deixo uma pergunta: O povo é reflexo de seus governantes ou seus governantes são o reflexo de seu povo? Não irei continuar essa reflexão agora, pois fugiria muito o tema, quero tentar entender e explicar as origens das condições atuais. 
Há milênios os que governam e querem se manter no poder utilizam uma tática bastante eficaz, nada prende mais o homem do que o amor ou o medo, e a técnica se utiliza da segunda opção. Criam os inimigos públicos, conduzindo o povo para onde quiserem, pregando o medo, o ódio; a política de guerra às drogas é um ótimo exemplo disso, onde se utilizam de falsas afirmações para tocar o povo – no sentido de gado. Esses sofismas os ajudam a se manterem no poder, criando um fantasma social para depois falar o que os cidadãos querem ouvir, confortando-os e se elegendo. Creio que não precisarei escrever muito mais do que já escrevi para entendermos as causas das condições atuais já que a lógica é a mesma do exemplo dado. A visão está totalmente direcionada para o lado errado, arisco-me a dizer até mesmo que para o lado oposto; quando criança, por exemplo, somos vacinados por um único motivo, não ficarmos doentes, adquirir imunidade, e assim devem ser as leis, elas precisam agir antes do problema.
Ainda vou mais fundo, quando pegamos uma virose normalmente tomamos um remédio específico para tratar daquele mal, mas se por acaso não concluímos o tratamento ou se o fazemos de forma errada a virose vai obedecer à uma regra da natureza, a seleção natural, onde o vírus mais forte vai sobreviver e se reproduzi entre seus semelhantes, desse modo trazendo mais tarde piores problemas para o enfermo. Da mesma maneira acontece na sociedade, na política ou na economia, não tratamos do mal de maneira correta, apenas remediando, como é o caso agora, até que um dia não tem mais jeito, porque, além de não termos prevenido o deixamos crescer. Então qual seria a vacina? Acredito como já disse, e com plena convicção de que o único remédio está na educação, porque se há educação mais tarde não haverá necessidade de punição, porque não haverá crime; isso que estou falando pode ser considerado utopia pura, mas prefiro viver em minhas utopias particulares a viver nesse mundo conformista, onde o ser tomou lugar do estar no pensamento até dos mais renomados pensadores, ou se esses também não caíram nas armadilhas dos Guias do povo, ou quem sabe o são também.

Quem sabe a moral está se sobrepondo sobre a ética. Quero dizer que não existe um conceito definitivo para ética, é relativo, mas tenta-se chegar a um cosenso universal sobre a mesma, um exemplo é a Declaração universal dos direitos humanos, onde se destaca a preservação da vida - um conceito ético universal. A ética se baseia na razão, de modo que ao passar do tempo vai se inserindo na moral de determinado povo, vale resaltar que a moral sim é relativa em cada cultura, a ética é pessoal, mas tentamos chegar à uma consenso. Por exemplo, quando um casal fazia sexo antes do casamento até meados do século XX a mulher era vista como uma imoral, ou seja, não tinha moral, e de fato ela não tinha, porque a moral é estabelecida pela sociedade. Já a ética é diferente, a ética é o certo ou o errado, não socialmente, mas julgando-se em cima daquilo que eu já falei, da preservação da vida, e ao passar dos anos ela vai se enraizando no social, e finalmente tida como parte do valor moral em determinado assunto.
Então, a sociedade não estava agindo de maneira ética, porque aquela atitude de desprezo age de forma negativa sobre a mulher em questão, mas moralmente estava; assim como posso agir de maneira ética sendo imoral, vou citar uma desobediência à lei, porque esta é a maior referência de moral em um Estado. Por exemplo, quando cruzo o sinal vermelho em alta velocidade com uma pessoa tendo um ataque cardíaco no banco traseiro, isso para chegar ao hospital o mais rápido possível, estou sendo imoral porque estou desobedecendo a lei, porém ético, porque estou colocando a vida dessa pessoa acima dos julgamentos sociais e prezando por sua vida. Para finalizar essa parte do assunto deixo uma afirmação do filósofo Mário Sérgio Cortella, onde ele diz que, a ética é um conjunto de valores e princípios que usamos para decidir as três grandes questões da vida: Quero, devo e posso. Os princípios são usados da seguinte maneira: Tem coisa que eu quero mas não devo, devo mas não posso e posso mas não quero. Você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é aquilo que você pode e deve.
Mas disse tudo isso porque, além da finalidade de tentar explicar o conceito entre ética e moral foi para concluir que, o que vem acontecendo com a sociedade é que estamos transformando em moral aquilo que não é ético. Sendo desumanizados pelas ações sociais e individuais, mas que são reflexos de nossa política da lei do mais forte. Assim volto, inevitavelmente, à pergunta: “O povo é reflexo de seus governantes ou seus governantes são o reflexo de seu povo?”. A primeira vista isso seria como perguntar se quem veio primeiro foi o ovo ou foi a galinha, ou seja, ficaríamos debatendo infinitamente sem nunca chegar à uma conclusão, mas se porventura decidirmos estudar as ciências biológicas, a evolução e qualquer coisa que tenha ligação com o assunto em pouco tempo chegaríamos a um acordo. Assim deve ser feito. A primeira afirmação é que, as ações dos governantes refletem na sociedade, e consequentemente no indivíduo. Na eleição o candidato, ou seja, aquele que possivelmente governará, mostra uma face totalmente distorcida da realidade, tão distorcida que chega a ser bonita, então o povo em sua inocência - dissimulada em muitos - o faz ascender ao poder.
Resumindo, não posso culpar inteiramente a sociedade, pois nem todos sabiam da verdadeira face de quem levantaram, mas também não posso culpar totalmente o político, é certo que ele agiu de má fé, mas foi eleito democraticamente. O problema é quando a falta de vergonha, de angustia, começa a se enraizar na sociedade, quando sabemos plenamente que aquele que estamos elegendo é um imoral, que vai desviar dinheiro público e dessa maneira matar indiretamente pessoas, aí devemos nos preocupar, porque aquela pergunta terminou em, um sendo o outro, mas de modo negativo, a sociedade entrou em vício, ela tornou-se autodestrutiva. Não digo que isso seja uma previsão certa, mas uma possibilidade real. Creio, portanto, que todo esse texto se resume a uma frase de Pitágoras onde ele diz: “Eduquem as crianças e não será necessário castigar os homens”.
            
 Bibliografia geral consultada. 

ARISTÓTELES, A Política. Escala. São Paulo. 2007; CORDI,SANTOS,BÓRIO, CORREA, VOLPE, LAPORTE, ARAÚJO, SCHLESENER, RIBEIRO, FLORIANI e JUSTINO, Para filosofar (Cidadania e Política). São Paulo: Editor Scipione. 2000; PLATÃO, A República. São Paulo: Edipro, 2006; Café Filosófico - Ética no Cotidiano, com Mario Sérgio Cortella e Clóvis de Barros Filho, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eE9J4oHop0E; O que é ética, Jó Soares entrevista M. S. Cortella, disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=vjKaWlEvyvU; Entrevista com Mário Sérgio Cortella - Parte 6: Ética: quais perguntas devemos nos fazer, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BWR0NUHJS3I; Mário Sérgio Cortella | Se você não existisse, que falta faria? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3rzvOqrtWIc&list=WL&index=3; Cooper IHARA – Aula 01 – Moral e Ética com Professor Clóvis de Barros, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k89BQtorSo4.

* Estudante do curso de Ciências Sociais. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará e músico. 

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