quarta-feira, 25 de julho de 2018

Tragédia de Santa Maria & Negligência da 4ª Região (TRF-4)

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga
 
Face à realidade, o que julgamos saber claramente ofusca o que deveríamos saber”.  Gaston Bachelard    

                                                                                              
 

Santa Maria também é denominado o município “Coração do Rio Grande” devido a sua localização geográfica. O centro geográfico do Rio Grande do Sul fica na Unidade Residencial Arenal, no bairro Passo do Verde, a 18,62 km em linha reta do marco zero da cidade, no bairro Centro. No dia 27 de janeiro de 2013, uma grande tragédia abalou a cidade de Santa Maria. Um incêndio na boate Kiss matou mais de 230 pessoas e deixou mais de 130 feridos. Na boate acontecia uma festa de universitários e “o incêndio começou devido a um show pirotécnico. Faíscas teriam atingido o teto da boate, que possuía material de isolamento acústico, que é altamente combustível. As maiorias das vítimas morreram por asfixia ou pisoteamento, devido ao grande número de pessoas dentro da boate na hora da tragédia”. Testemunhas dizem “que alguns seguranças da boate haviam impedido a saída de pessoas por não terem pagado a comanda”. Essa tragédia está sendo considerada a segunda maior tragédia do Brasil. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu que os ex-sócios da Boate Kiss, o ex-chefe de segurança e a empresa Santo Entretenimento terão que ressarcir o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) dos valores gastos com auxílio-doença e pensão por mortes de funcionários que trabalhavam na casa noturna em Santa Maria no estado do Rio Grande do Sul.

                         
 
         A tragédia ocorrida na cidade de Santa Maria no Rio Grande do Sul já repercute em todo o mundo e enquanto a TV e os principais sites do Brasil mostram o resgate dos corpos, a redação do Portal Mix buscou no Facebook e no “site oficial da boate imagens que mostram como era a boate antes do incêndio e qual festa acontecia na noite deste sábado”. A boate realizava uma festa que tinha como vendedores de ingressos alunos de várias turmas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), já Santa Maria é uma cidade universitária quando “a boate realizava várias festas para arrecadação de recursos para formatura de turmas”. O ambiente era muito fechado, pelas fotos percebe-se a quantidade de subambientes, “algo normal em boates do sul do país e a presença de muitos equipamentos eletroeletrônicos”. A escuridão também é uma característica do local que tem um teto preto, “provavelmente de espuma ou isopor acústico, paredes com acabamento de madeira e várias TVs lcs, e material de iluminação pendurados no teto, que podem ter caído em cima das pessoas com o fogo”. Dilma Rousseff que participava no Chile da reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) com a União Europeia (UE) cancelou a participação  em três reuniões bilaterais com autoridades da Argentina, Letônia e Bolívia por causa da tragédia.
A terceirização afeta os trabalhadores que em geral trabalham em condições vezes a própria empresa tomadora, que além de lidar com o embate histórico entre capital & trabalho, vê-se a braços com uma contradição inédita entre trabalho & trabalho. Ela causa aumento da rotatividade de mão de obra e os níveis de desemprego. Poder causar fraude das garantias dos trabalhadores, dificultando a criação de normas protetivas e facilitando a edição de normas que objetivam a pulverização e precarização do trabalho. Terceirização é uma forma ideológica e política de organização estrutural que permite a uma empresa, privada ou governamental, transferir às outras as suas atividades-meio razão pela qual constituem o objetivo para o qual a empresa foi criada. Com a terceirização, a empresa concentra-se no seu produto estratégico, naquilo que é capaz de fazer melhor, com competitividade e maior produtividade. As tarefas secundárias e auxiliares são realizadas por empresas que se especializaram de maneira mais racional e com menor custo. Há três propósitos básicos na mente de quem decide terceirizar: a diluição dos custos diretos e indiretos; a elevação do nível de eficiência dessa atividade, pela sua execução terceirizada; e a manutenção de um nível mínimo aceitável de lealdade à empresa, por parte dos novos executores das atividades terceirizadas. A terceirização do ponto de vista das relações de poder no trabalho ganha importância em um momento em que as empresas precisam racionalizar recursos, redefinir suas operações, funcionar com estruturas mais enxutas e flexíveis. 
O incêndio que matou pelo menos 242 pessoas na casa noturna Kiss de Santa Maria, no interior do Rio Grande do Sul, é o “terceiro mais fatal do tipo no mundo, segundo uma lista de dez incidentes semelhantes”, em locais de agremiação de público, compilada pela Associação Nacional de Proteção Contra Incêndios dos Estados Unidos (NFPA). O jornal espanhol El País deu destaque para a notícia na home-page de seu portal durante boa parte da manhã. O texto escrito pelo correspondente no Rio de Janeiro, Francho Barón, afirma que “a boate foi totalmente destruída e alerta para o risco de desabamento do local”. O incidente também está na capa do portal do jornal Le Monde, da França, e em sites de países como Reino Unido, Itália e Suíça. De acordo com a lista, a mais fatal delas ocorreu nos EUA e completou 70 anos há pouco tempo: o local foi a boate Coconut Grove, em Boston, e a data, 20 de novembro de 1942. O saldo foi de 492 mortos e mais de 600 feridos. A boite excedia a capacidade de lotação. As autoridades estimaram que o fogo tardasse apenas cinco minutos, desde o seu início, para percorrer o trajeto entre a sala onde se iniciou o Melody Lounge, e a entrada, passando pelo salão de jantar. A lista segue com o incidente ocorrido em uma boate de Luoyang, China, na noite de Natal do ano 2000, que deixou 309 mortos - o segundo acidente mais fatal da história. A contagem se baseia nos registros da própria Associação Nacional de Proteção Contra Incêndios dos Estados Unidos e, portanto, é mais útil para contextualizar, comparativamente, a escala da tragédia em Santa Maria com os impactos sociais incidentes semelhantes no resto do mundo globalizado, objeto de nossa reflexão.

       
Historicamente no Brasil, do ponto de vista da cultura e sociedade a metade do século XIX revelou-se um período de grande efervescência político-social, causado pelos movimentos sociais republicanos e abolicionistas, onde ocorreu, para o que nos interessa a fundação da Sociedade Pártenon Literário na cidade de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. Tal sociedade reuniu uma intelligentsia rio-grandense que exploraram os mais variados gêneros literários ao escreverem sobre a cultura e a história de seu Estado, sempre mesclando o discurso literário com o político, como de resto na América Latina. A partir da década de 1870, expressando “cada vez mais seu descontentamento com as políticas da Corte Imperial e seu comprometimento com o separatismo”. O Pártenon Literário cessou suas atividades literárias por volta de 1885. Autores do romance de 30 gaúchos foram Érico Veríssimo (1905-1975), Dyonélio Machado (1895-1985) e Cyro Martins (1908-1995). A obra mais importante deste período é, sem dúvida, a trilogia: O Tempo e o Vento, uma série literária do escritor  Érico Veríssimo. Dividido em “O Continente” (1949), “O Retrato” (1951) e “O Arquipélago” (1961), o romance narra uma parte da história do Brasil vista a partir do Sul - da ocupação do “Continente de São Pedro” (1745) até 1945 com o fim da ditadura do Estado Novo, através da saga das famílias Terra e Cambará. É considerada a obra definitiva do Rio Grande do Sul e uma das mais importantes do Brasil.
 Na poesia, destaca-se Carlos Nejar (1939-), um dos “imortais” da Academia Brasileira de Letras, Armindo Trevisan (nascido em 933) e Lara de Lemos (1925-2010). Quanto aos ficcionistas gaúchos, podemos citar diversos autores: Josué Guimarães (1921-1986), Luís Fernando Veríssimo (1936-), Moacyr Scliar (1937-2011), Lya Luft (1938-), José Clemente Pozenato (1938-), Tabajara Ruas (1942-), Luiz Antônio de Assis Brasil (1945-), João Gilberto Noll (1946-), Caio Fernando Abreu (1948-1996), Charles Kiefer (1958-). Lembra-nos ainda A Casa das Sete Mulheres, minissérie brasileira produzida pela Rede Globo de Televisão e exibida entre 7 de janeiro e 8 de abril de 2003. Foi escrita por Maria Adelaide Amaral e Walter Negrão, com colaboração de Lúcio Manfredi e Vincent Villari, baseada na leitura e interpretação do romance homônimo da escritora gaúcha Letícia Wierzchowski, e dirigida por Teresa Lampreia, com direção geral de Jayme Monjardim e Marcos Schechtmann, e direção de núcleo de Jayme Monjardim. A minissérie apresentou Eliane Giardini, Camila Morgado, Samara Felippo, Mariana Ximenes, Daniela Escobar, Nívea Maria e Bete Mendes como as Sete Mulheres, e ainda Thiago Lacerda, Giovanna Antonelli e Werner Schünemann: “os grandes heróis da Revolução Farroupilha, vivendo personagens históricos célebres no Brasil e no exterior”.
Na adaptação do romance de Letícia Wierzchowski para a televisão, os autores e a emissora tomaram algumas liberdades que, no entender de estudiosos da cultura gaúcha, foram excessivas, tais como: no romance, enfatiza-se o caráter conservador na educação das filhas dos estancieiros gaúchos no século XIX, assim como a pobreza e rotina de seu cotidiano, especialmente na situação de confinamento em que se encontravam. Relacionamentos amorosos eram tratados com recato. Na minissérie, o comportamento das personagens femininas pouco se diferencia do comportamento das mulheres nas novelas ambientadas no Rio de Janeiro do século XXI, e para sermos breves, o isolamento das sete mulheres é enfatizado no romance e é essencial para o desenvolvimento dramático e psicológico das respectivas personagens. Visitas eram esporádicas; os acontecimentos externos permaneciam distantes; só ficavam conhecidos evidentemente pelo meio de comunicação social por meio de cartas e mensageiros. Na minissérie, de interesse do público na vida privada, a casa é palco de encontros e festas, e as personagens se envolvem diretamente em episódios da revolução Farroupilha.
No panorama filosófico do século XX, a obra de Gaston Bachelard é uma reflexão referencial sobre a ciência e os saberes objetivos em que se revela outra direção fundamental do seu pensamento – a poética. A psicanálise vem em auxílio de uma ideia implícita na obra de Bachelard: o homem é um ser que se percebe na sua relação de habitação e familiaridade inquietante com as coisas do mundo. Essa é a condição do ser que vive num mundo constituído por saberes e verdades que ele próprio inventa. A poesia e a ciência é uma forma de compreender a relação do homem com o seu saber. O nascimento de tal categoria decorre do desdobramento de questões relativas ao tempo incluídas em obras anteriores como: “L´intuition de l`instant” (1932), e “La dialéctique de la durée”, (1936), nas quais Bachelard desenvolve as teses da instantaneidade e da descontinuidade temporais. Neste sentido da durée bergsoniana, Bachelard contrapõe a noção de descontinuidade temporal. O tempo e a instantaneidade correspondem, para ele a problemática presente no livro: “L´intuition de l`instant”, a saber, que o tempo é uma realidade fechada sobre o instante e interrompida entre dois nadas. O tempo poderá renascer, mas é necessário primeiramente que ele morra. Ele não poderá transportar do ângulo das relações sociais de comunicação o seu ser de um instante para outro instante para daí fazer uma duração dialética.   
Do ponto de vista filosófico ao propor uma Psicanálise do Fogo, Gaston Bachelard procura empreender o desvendamento das aparências do saber. Nasceu em 27 de junho de 1884, em Bar-sur-Aube, França e faleceu a 16 de outubro de 1962, em Paris, França. Foi um filósofo e poeta francês que estudou sucessivamente as ciências e a filosofia. Seu pensamento está focado principalmente em questões referentes à filosofia da ciência. Romper com o objeto imediato, a primeira observação. Como num processo de recusa sistemática, propõe-nos a tudo criticar: a sensação, o senso comum, a prática constante e a etimologia, até porque, lembra o verbo raramente coincide com o pensamento. Para tal caminho, longe do “maravilhamento”, aponta o lugar da ironia. Apondo ciência e poesia, a trilha sugerida é da complementaridade, num desempenho de união equilibrada. Para refletir sobre tais dilemas, o filósofo social articula a narrativa situando-a no âmbito do problema psicológico condicionado sobre as convicções do fogo. A filosofia é anti-tradicionalista por natureza.


 
Do ponto de vista psicanalítico no ensaio Sobre a conquista do fogo, de 1932, Freud trabalhou o mito de Prometeu. Analiticamente Freud procura interpretar no sentido do mito em lugar de criá-lo. Os mitos, diz ele, “descrevem a renovação dos apetites libidinosos depois que se extinguiram por estarem satisfeitos, ou seja, seu caráter indestrutível; e essa insistência é bem pertinente como consolo se o núcleo histórico do mito trata de uma derrota da vida pulsional, de uma renúncia do pulsional que se fez necessária”. Sem sombra de dúvida, a conquista do fogo pelo homem representa um marco para a cultura. Pois, a partir dessa aquisição, o homem não come mais o alimento cru, só cozido. Isto é, a natureza sofre um processo de negativização. É a pulsão, que domada pela cultura, retoma uma e outra vez através do mito. O debate entre crescer ou permanecer é o que levou o homem a forjar sua mitologia, assim como a criança comparativamente teorizava sobre a sexualidade movida pela pulsão de saber de que lugar vinha.
Pois que a pergunta se revela: Was ist Feuer? O fogo, essencialmente duplo, realiza, pois a síntese da conexão objetivo/subjetivo e em contrapartida comporta a marca do falso peso dos valores não discutidos. Como, pois ir de encontro à barreira da intuição primeira? O zombar de si mesmo? O fogo e o calor respeitam inicialmente às essencialidades. O bem e o mal aí se localizam. Contraditório, facilmente se presta a princípios de explicação universal. Aqui se insere o mito de Prometeu. Assim, Prometeu é outro Édipo. O complexo de Prometeu é o da vida intelectual. Do ter que escolher entre saber e fabricar (κατασκευή) sem ser necessário correlacionar tais aspectos com a “vontade de poder” (Nietzsche). No entanto, pouco se percebe ser o fogo muito mais um ser social (Marx) do que natural (Darwin). Desta forma, ensina o mito (Freud), as interdições sociais são primeiras à própria experiência natural. Em Prometeu, sabemos, estamos diante da questão da “desobediência engenhosa”. Afinal é preciso dominar o fogo, mesmo com o risco da queimadura, como os deuses, como o pai, como o patrão, ou o simulacro (cf. Baudrillard, 1981), que apresentam algumas casas para diversão.
Em “A Intuição do Instante” o autor desenvolve e amplia a ideia do historiador francês Gaston Roupnel em um de seus mais importantes estudos – chamado Siloë – que propõe o olhar sobre a história numa perspectiva de tempo descontinuada, em instantes. Em Siloë, só o amor faz com que a duração progrida à medida que nos direcionamos à fonte única e misteriosa de seu leito. A partir da demonstração de alguns dos principais conceitos da filosofia bergsoniana – duração, criação, impulso vital – ele desenvolve e alonga a tese de Roupnel refutando que “a duração não passa de um número cuja unidade é o instante”. Segue afirmando que a duração não tem força direta – já que não é em si representativa de um ato – e que o tempo real só existe verdadeiramente pelo instante isolado, esse sim, acontecendo inteiramente no presente, no ato. O autor propõe uma aproximação conceitual – comparativamente na mesma constelação de Roupnel – que os hábitos e o progresso não se dissipam na descontinuidade do tempo; eles ganham força e uma nova dimensão social.
Enfim, após ter lido os “Cantos de Maldoror” de Lautréamont, sua principal obra, escrita originalmente em francês, o filósofo Gaston Bachelard será um dos primeiros a escrever um livro acerca deste literato em 1939, cuja atualidade da abordagem pode trazer perplexidade para muitos historiadores. Primitividade poética é, para Bachelard, a agressividade do movimento criativo das imagens poéticas, que está em descompasso com as referências intelectuais, com os valores aprendidos pela tradição, em contradição com as interpretações já consolidadas. É no instante da criação poética que é possível apreender-lhe sua primitividade, alheia aos esquemas interpretativos que a tradição intelectualista lhe impõe. É, portanto, a partir de uma filosofia do ato poético – e não da ação poética – que está a riqueza da análise bachelardiana da obra de Lautréamont. Quando põe em contraposição os pensamentos de Henri Bergson e de Gaston Roupnel acerca da natureza do tempo, faz uma constatação: enquanto Bergson admite ser a duração contínua seu princípio, Roupnel afirma ser o instante sua realidade. Bachelard aprofunda esta antinomia, comparando ato e ação citando o livro “Siloë” (1927), de Roupnel, para responder esta questão.
Acredita-se que o pseudônimo Lautréamont tenha sido inspirado no nome de um romance de Eugène Sue, “Latréaumont”. Note-se que há uma leve diferença na grafia da palavra. A atribuição do título de Conde poderá ser uma referência ao Marquês de Sade ou uma forma de destacar-se da burguesia, ainda que não existam quaisquer provas destas duas teses. Mais robustas são as hipóteses apresentadas pelo romancista, dramaturgo e poeta pernambucano Ruy Câmara, no seu belíssimo livro: “Cantos de Outono - O Romance da vida de Lautréamont”. Segundo Ruy Câmara, o codinome sugere a junção de duas palavras de grande relevância na vida de Isidore Ducasse. A primeira palavra seria “lauréat”, que significa laureado ou premiado em concurso acadêmico, deslocando-se o “t” final para o meio teremos “lautréa”, que acrescida de “mont”, raiz da palavra “Montevidéu”, cidade natal do poeta, tem como resultado “Lautréamont”, denotando “o laureado de Montevidéu”. A terceira possibilidade, mais rigorosa que as duas anteriores, trabalha com a associação da palavra “l'autre”, “o outro”, mais a preposição “a” que indica lugar, mais a raiz “mont”, de Montevidéu, dando literalmente Lautréamont, cujo sentido único, exato e incontestável na semiologia representa “o outro de Montevidéu”, já que o primeiro é ele próprio.     
             O fogo representa a rápida oxidação de um material combustível liberando calor, luz e produtos de reação, tais como o dióxido de carbono e a água. O fogo é uma mistura de gases a altas temperaturas, formada em reação exotérmica de oxidação, que emite radiação eletromagnética nas faixas do infravermelho e visível. Desse modo, o fogo pode ser entendido como uma entidade gasosa emissora de radiação e decorrente da combustão. Se bastante quente, os gases podem se tornar ionizados para produzir plasma. Dependendo das substâncias presentes e de quaisquer impurezas, a cor da chama e a intensidade do fogo podem variar. O fogo em sua forma mais comum pode resultar em incêndio, como ocorreu com a tragédia da cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, que tem o potencial de causar dano físico através da queima. O fogo foi a maior conquista do ser humano na pré-história. Mas, historicamente, a partir desta conquista o homem aprendeu a utilizar a força do fogo em seu proveito, extraindo a energia dos materiais da natureza ou moldando a natureza em seu benefício. O fogo serviu como proteção aos hominídeos, afastando os predadores existentes.
Depois, o fogo começou a ser empregado na caça, usando tochas rudimentares para assustar a presa, encurralando-a. Foram inventados vários tipos de tochas, utilizando diversas madeiras e vários óleos vegetais e animais. No inverno e em épocas gélidas, o fogo protegeu o ser humano do frio mortal. O ser humano pré-histórico também aprendeu a cozinhar os alimentos em fogueiras, tornando-os mais saborosos e saudáveis, pois o calor matava muitas bactérias existentes na carne. O fogo também foi o maior responsável pela sobrevivência do ser humano e pelo grau de desenvolvimento da humanidade, apesar de que, contraditoriamente durante muitos períodos cíclicos da história, o fogo foi usado no desenvolvimento e criação de armas e como força destrutiva. Na antiguidade o fogo era visto como uma das partes fundamentais que formariam a matéria. Na Idade Média, os alquimistas acreditavam que o fogo tinha propriedades de transformação alterando as propriedades químicas das substâncias, como a transformação de minério sem valor em ouro.        
A capacidade de controle de fogo foi uma mudança dramática nos hábitos e personalidade dos primeiros seres humanos. Fazer fogo para gerar calor e luz tornou possível às pessoas cozinhar alimentos, aumentando a variedade e disponibilidade de nutrientes. O calor produzido também ajudou as pessoas a manterem-se aquecidas no frio, permitindo-lhes viver em climas mais frios. O fogo também manteve predadores noturnos afastados. Evidências de comida cozida são encontradas a partir de 1,9 milhões de anos atrás, embora o fogo provavelmente não fosse utilizado de forma controlada até há um milhão de anos. As evidências tornam-se generalizadas cerca de 50 a 100 mil anos atrás, sugerindo o uso regular a partir deste momento. Curiosamente, a resistência à poluição atmosférica começou a evoluir nas populações humanas na mesma época. O uso do fogo tornou-se progressivamente mais sofisticado, com a sua utilização para produzir carvão e controlar a vida selvagem desde dezenas de milhares de anos atrás. Politicamente o fogo também foi utilizado por séculos como um método de tortura e execução, como evidenciado pela morte na fogueira, pela Inquisição, bem como instrumentos de tortura, como a bota malaia, que poderia ser preenchida com água, óleo, ou mesmo chumbo e, aquecida em fogo aberto para agonia do que a calçava.
A maior parte das vítimas teria morrido asfixiada. Pelo menos 2 mil pessoas estavam no local no momento da tragédia. A falta de estrutura da casa para evacuar os clientes foi apontada como um dos principais motivos da catástrofe. Os jovens que estavam na boate teriam tido dificuldade em deixar o local, segundo depoimentos de amigos e familiares das vítimas, ouvidos pela RFI. Uma delas, que está em repouso depois do trauma, e preferiu não se identificar, contou que só conseguiu escapar a tempo porque conhecia a saída de emergência. Nas redes sociais, os internautas também se mobilizaram, publicando fotos, depoimentos e comentários. No Twitter, a tragédia virou destaque no Trending Topics, que reúne os assuntos mais comentados na rede. A falta de espaço no Instituto Médico Legal da cidade obrigou a prefeitura a levar os corpos para o Centro Municipal de Desportos. A presidente Dilma Rousseff, que participava da CEPAL, Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenho neste fim de semana, cancelou todos os seus compromissos e voltou ao Brasil, em Santa Maria. Antes, a presidente se emocionou ao falar da tragédia. Os corpos foram encaminhados ao Centro Desportivo Municipal da cidade. A tragédia no sul foi assunto nos principais jornais no mundo todo. O jornal El Pais deu a notícia na capa, e o Le Monde também colocou o assunto na homepage de seu site, com o título: “Brasil: Incêndio Mortal em Casa Noturna”. Jornais britânicos como Daily Mirror também abriram a edição de domingo (27/01/2013) com o assunto. 

 
Santa Maria é um município brasileiro do estado do Rio Grande do Sul. Com 262.368 habitantes, segundo o censo IBGE (2011), é considerada uma cidade média e de grande influência na região central do estado. É a 5ª cidade mais populosa do Rio Grande do Sul e, isoladamente, a maior de sua região que possui quase 1 milhão de habitantes. Santa Maria é considerada cidade universitária, graças a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), criada por José Mariano da Rocha Filho. A cidade foi criada a partir de acampamentos de uma comissão demarcadora de limites entre terras de domínio espanhol e português que passavam pela região, e montaram acampamento onde atualmente está situada a Praça Saldanha Marinho, em 1797. Durante a Revolução Farroupilha chegaram os primeiros imigrantes alemães, provenientes de São Leopoldo, buscando se afastar dos combates. Guerra dos Farrapos ou Revolução Farroupilha são os nomes pelos quais ficou reconhecida a revolução separatista ou guerra regional, de caráter republicano, contra o governo imperial do Brasil, na então província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e que resultou na declaração de independência da província como estado republicano, dando origem à República Rio-Grandense que estendeu-se autonomamente de 20 de setembro de 1835 a 1° de março de 1845.
A cidade conserva prédios históricos de valor como a Catedral de Nossa Senhora da Conceição, o Theatro Treze de Maio, a Catedral do Mediador da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, o Clube Caixeiral de Santa Maria, o Banco Nacional do Commercio, a Sociedade União dos Caixeiros Viajantes e a Vila Belga. Santa Maria sedia uma das maiores universidades públicas do Brasil, a Universidade Federal de Santa Maria. A UFSM conta atualmente com quase 27 mil alunos em seus cursos de graduação e pós-graduação. Por abrigar uma grande quantidade de instituições de ensino a cidade é conhecida como Cidade Cultura. Santa Maria é um município dividido em 10 distritos que, com exceção do 1º Distrito (Sede) - dividido em 41 bairros -, não têm subdivisões, ou seja, possui um único bairro, homônimo ao distrito a que pertence. Para fins administrativos o distrito da Sede é distribuído em Regiões Administrativas, um conjunto de bairros unidos de acordo com localização e características, e, os demais distritos, cada um, possui uma subprefeitura. Dessa forma, Santa Maria possui 50 bairros oficiais, que por sua vez contêm Unidades Residenciais - a menor unidade urbana, ou rural, de relação e convivência -, que ligam unidades habitacionais dentro de um sistema viário, identificadas por loteamento, condomínio e parque residencial, jardim residencial, vila, localidade, quilombo e cohab, etc., distribuídas dentro da unidade de vizinhança (bairro).
No sistema urbano do Rio Grande do Sul (dados do IBGE), Santa Maria é a 5ª maior cidade do estado em população, depois de Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas e Canoas. O município possui grande poder de atração populacional, que o transformou em importante centro regional e forte centro de polarização. A maior parte da população santa-mariense é pertencente à Igreja Católica Romana. Celebra-se na cidade a tradicional Romaria de Nossa Senhora Medianeira. A importância da Diocese de Santa Maria foi reconhecida pela Santa Sé, sendo esta elevada à condição de arquidiocese, em 2011. No entanto, nos últimos anos houve um considerável crescimento do número de protestantes no município, tanto do ramo tradicional, tendo destaque para a comunidade luterana, metodista e anglicana, sede da Diocese Anglicana Sul-Ocidental e do ramo pentecostal, destacando-se a Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja Assembleia de Deus, Igreja Batista, Igreja Deus é Amor, Igreja Internacional da Graça de Deus. Há representação de mórmons, adventistas, Testemunhas de Jeová e da Ciência Cristã. A doutrina espírita é difundida pelos centros ligados à Federação Espírita do Rio Grande do Sul e pela Aliança Espírita Santa-Mariense. Encontra-se a Sinagoga Yitzhak Rabin e numerosos muçulmanos descendentes de imigrantes palestinos. Nas religiões orientais destaca-se o budismo tibetano. 
Bibliografia geral consultada. 

ZILBERMAN, Regina, “O Tempo e o Vento: História, Mito, Literatura”. In: Letras de Hoje. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1986; BACHELARD, Gaston, La Poetique de L`Espace. Paris: Presses Universitaires de France, 1957; Idem, A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Editor Bertrand Brasil, 1989; Idem, Fragmentos de uma poética do fogo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990; VERÍSSIMO, Érico, O Tempo e o Vento - O Continente. Tomo I-II. São Paulo: Editor Globo, 1995; FLORES, Hilda Agnes Huber, Alemães na Guerra dos Farrapos. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1999; SILVA, Keyla Freires da, A Escrita Órfã de Luís Fernando Verissimo em Borges e os Orangotangos Eternos.  Dissertação de Mestrado.  Programa de Pós-graduação em Letras. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2012; Artigo: “La Repubblica publicou: Brasil, incêndio em discoteca: pelo menos 230 mortos. O fogo começou com fogos de artifício”. In: http://www.repubblica.it/esteri/2013/01/27; FILGUEIRAS, Vitor, “Trabalho Análogo ao Escravo e o Limite da Relação de Emprego: Natureza e Disputa na Regulação do Estado”. In: Brasiliana - Journal for Brazilian Studies. Volume 2, n° 2, outubro de 2013; PEIXE, José Carlos Mendonça Didier Silva, Terceirização no Brasil: Tendências, Dilemas e Interesses em Disputa. Dissertação de Mestrado. Departamento de Serviço Social. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2013; FAGIANI, Cílson César, Educação e Trabalho: A Formação do Jovem Trabalhador no Brasil e em Portugal a Partir da Década de 1990. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Programa de Pós-graduação em Educação. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016; ROSSATTO, Adalberto Dutra, Educação e Barbárie: Formação de Professores na Prevenção de Catástrofes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2018; PASSOS, Rachel Gouveia; NOGUEIRA, Cláudia Mazzei, “O Fenômeno da Terceirização e a Divisão Sociossexual e Racial do Trabalho”. In: R. Katál. Florianópolis, volume 21, n° 3, pp. 484-503, set./dez. 2018; MARCOLINO, Adriana, Balanço da Produção Acadêmica Brasileira sobre Condições e Relações de Trabalho dos Terceirizados. Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019; entre outros.        

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Ideologia dos Bacharéis - A Formação dos Tribunais de Exceção.

                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga

                       Supremo Tribunal Federal virou Tribunal de exceção”. Emir Sader


           
            Obter doutorado em Direito no Brasil não serve moralmente prá nada! A não ser que acreditemos que estas minorias são formadas por indivíduos que se distinguem da massa dos governados por certas qualidades que lhes dão certa superioridade material, intelectual ou mesmo moral. Bastam dois exemplos conspícuos, autoritários, mas heterogêneos: Michel Temer (PMDB) & Sérgio Moro (PSDB). O primeiro é mentor do golpe de Estado de 17 de abril de 2016 e o segundo, a partir destas condições reais, criou um Tribunal de Exceção, encarcerando, o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para impedir a redemocratização do país em outubro de 2018. As transformações políticas e a “modernização conservadora” no nível de análise social no Brasil quase sempre foram efetuadas no quadro de uma “via prussiana”, ou seja, através da conciliação entre frações das classes dominantes, de medidas aplicadas “de cima para baixo”. Com a conservação essencial das relações de produção atrasadas (o latifúndio) e com a reprodução ampliada de capital, de Marx, mas de dependência econômica ao capitalismo internacional, de FHC. Essas transformações “pelo alto” tiveram como causa e efeito principal permanente a tentativa de marginalizar as classes trabalhadoras.
Não só da vida social em geral, mas, sobretudo do processo social de formação e tomada das grandes decisões políticas nacionais. Conjunturalmente os exemplos são inúmeros, pois quem proclamou nossa Independência política foi um príncipe português, numa típica manobra “pelo alto”; a classe dominante do Império foi a mesma da época colonial, apenas envelhecida; quem terminou capitalizando os resultados da proclamação da República, também proclamada de cima para baixo, foi a velha oligarquia agrária que fez com que o povo assistisse o golpe de 89 bestializado. A transição, posta nos termos efetivos, expressa pela espada, desnuda a comédia dos espertos, que, no laço de suas astúcias, levam o pescoço para a intervenção eventual e previsível de um árbitro. O que está em causa, não é uma transição, muito menos uma transação, mas restauração de 1946, em que marcava o tempo por dois relógios, o ostensivo e o oculto. A crise de 1954, a novembrada, 1961, 1964 demonstraram extremos: os horários coincidiam, para igualmente calar a soberania popular.



          Foi na base do terrorismo de colonização, como observou José Honório Rodrigues (1982), realizado no Brasil, na Índia e no continente africano, que se impôs a paz cristã, que se sujeitou todo o gentio à lei dos colonos. Tirar o medo aos cristãos, senhorear o gentio pela guerra, amedronta-lo com grandes ameaças, domá-lo e metê-lo no jugo e sujeição, tomar suas terras e roças e reparti-las pelos colonos. Perseguições políticas e religiosas, discriminações raciais, com censura, absolutismo, falta de ensino, de imprensa, somam-se aos excessos dos castigos exemplares dados às maiorias conservadas sempre em estado de “minoridade política e civil”. Abusos das autoridades, lutas entre governadores e magistrados, a corrupção e relaxação das minorias dirigentes - os governos longos, de trinta, de vinte e cinco, de quinze anos não são exceção. A colonização portuguesa no Brasil teve como principais características: civilizar, exterminar, explorar, povoar, conquistar e dominar. Sabemos que os termos “civilizar”, “explorar”, “exterminar”, “conquistar” e “dominar” estão diretamente ligados às relações de poder de uma determinada civilização sobre outra, ou seja, os portugueses submetendo ao domínio e conquista os indígenas. Já os termos explorar, povoar remete-se à exploração e povoamento do novo território (América). A Independência se fez sem ruptura com o regime colonial, nos seus aspectos fundamentais de relações sociais e de regime de terra, sobrevivendo restos arcaicos.  
O mestre de cerimônias, arbitral, bonapartista, quando bate no chão como sabre, fala mais alto que as leis e que a Constituição. Portanto, a Revolução de 1930, apesar de tudo, não passou de uma “rearrumação” do velho bloco de poder da república das oligarquias, que cooptou - e, desse modo, neutralizou e subordinou – alguns setores mais radicais das camadas médias urbanas emancipacionistas; a burguesia industrial floresceu sob a proteção de um regime bonapartista, o Estado Novo (1937-1945), que assegurou pela repressão e demagogia a aparente neutralização da classe operária, ao mesmo tempo em que conservava quase intocado o poder do latifúndio e magistrados. Essa modalidade de “via prussiana” presente no pensamento de Lênin, mormente em Lukács ou da filosofia da práxis de Antônio Gramsci, encontrou seu ponto mais alto historicamente no regime militar golpista de 1° de abril de 1964, criando condições políticas para a implantação em nosso País de uma modalidade dependente e conciliada com o latifúndio de capitalismo monopolista de Estado, radicalizando ao extremo a tendência a excluir tanto seu progresso quanto nas decisões políticas as grandes massas da população nacional no campo e na cidade. Nada há de se estranhar que, nesse território, se encontrem, em coincidência nada surpreendente, o teórico das marchas de 1964 e alguns, embora raros oposicionistas, segundo Raymundo Faoro, no artigo: “Uma receita autoritária” (2018), entre uns e outros atores sociais e políticos, a diferença reside no que alude à doutrina, está no grau da transação e não na qualidade.
O povo, segundo a primeira versão, existe como realidade física, soma de apetites desencontrados, que se deixa manipular pelos slogans e bandeiras coloridas. Na outra encosta, o comício, as aglomerações, a multidão serve para exibir uma força potencial, nunca conversível à gerência do poder. Os Golberis do século e os populistas, por caminhos diferentes, frequentando diversas igrejas, comungam do mesmo credo. O ideal dos primeiros é a política sem povo; o dos segundos será a política na qual o povo assiste, mas se resigne weberianamente, pagas as contas, à voz do pastor, mas como no dito popular: “o pastor dá só o tambor”. O diagnóstico será o mesmo: as multidões contêm, mal dominada, a anarquia. Os remédios é que mudam: a paulada, num caso, e, em última instância, o jeito, no outro, de tal índole que se credencia, à direita, na capacidade de domar paixões de outro modo predadoras. As negociações, urdidas nas retortas simplórias do Palácio do Planalto, têm, descontraídas as irritações momentâneas. Clientes seguros, fora Paulo Maluf, hoje decrépito, no ostracismo.  


A particularidade utópica e história do Partido dos Trabalhadores (PT) é que nasceram com uma postura de crítica política ao reformismo dos partidos políticos socialdemocratas. Nas palavras descritas em seu programa original: - “As correntes socialdemocratas não apresentam, hoje, nenhuma perspectiva real de superação histórica do capitalismo imperialista”. O Partido dos Trabalhadores organizou-se, no papel, com formulações de intelectuais marxistas, que continham em seu bojo, desde o nascimento, ideologias espontâneas dos movimentos sindicalistas que constituíram o seu núcleo duro organizacional. Ideologias estas que apontavam para uma aceitação da ordem democrático-burguesa, e cuja importância social tornou-se cada vez maior na medida em que o partido adquiria bases materiais como máquina autoritária do processo burocrático-eleitoral.
         O partido se articula com diversos partidos e grupos de esquerda latino-americanos, como a Frente Ampla uruguaia, partidos comunistas de Cuba, Brasil e outros países, e movimentos sociais brasileiros, como o MST no chamado “Foro de São Paulo”, reunião de movimentos sociais e partidos políticos de esquerda latino-americanos. Luíz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou no último desses encontros: - “Precisei chegar à presidência da República para descobrir o quão importante foi criar o Foro de São Paulo”. Após o golpe político-militar de 1964, o Comando Geral dos Trabalhadores – CGT, federação de trabalhadores que desde o trabalhismo varguista reunia dirigentes sindicais tutelados pelo Ministério do Trabalho, foi dissolvido e os sindicatos passaram a sofrer intervenção do regime militar, o surgimento de movimentos organizados de trabalhadores, notabilizado pelas greves lideradas por Luiz Inácio da Silva e outros no final da década de 1970, permitiu a reorganização do movimento sindical independente do Estado, concretizado na prática, com a criação da CONCLAT - Conferência das Classes Trabalhadoras tornando-se o embrião da Central Única dos Trabalhadores.
Originalmente, este novo movimento trabalhista buscava fazer política exclusivamente na esfera sindical. No entanto, a sobrevivência de um sindicalismo controlado pelo Estado, expresso na recriação da CGT, que reunia líderes conservadores como Joaquim dos Santos Andrade, conhecido como “Joaquinzão”, e Luiz Antônio Medeiros, somado à persistente influência de partidos de esquerda, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) sobre o movimento sindical, fizeram com que os trabalhadores do ABC, conhecidas cidades operárias de Santo André, São Bernardo e São Caetano, estimulados por lideranças de esquerda, procurassem identidade própria na criação de seu próprio partido político – uma estratégia diferente à realizada pelo Solidarność, na Polônia. Enfim, nos anos 1980 um encontro político em Roma entre Lech Wałęsa e Lula demonstrou que suas visões políticas eram distintas, mas cristalizadas pela religião católica, no caso latino-americano da Teologia da Libertação e Lech Wałęsa como ativista dos Direitos Humanos e do pluralismo na política. Lula defendia a união dos sindicatos em uma central única de trabalhadores representativa. 
O Partido dos Trabalhadores surgiu, assim, curiosamente rejeitando o conservadorismo do sindicalismo oficial, embora distinto da chamada República Populista (1946-64) como também colocando em prática uma forma de socialismo, recusando modelos centralistas, mas eficazes socialmente como o soviético e o chinês. No entanto, burocraticamente os governos constituídos são em alguma medida, necessariamente centralizados. Mesmo num Estado federado, a autoridade e as prerrogativas do poder central estão acima da autoridade e prerrogativas das partes que o constituem. O PT foi oficialmente reconhecido como partido político pelo Tribunal Superior de Justiça Eleitoral no dia 11 de fevereiro de 1982. A ficha de filiação n° 1 foi assinada por Apolônio de Carvalho, seguido pelo crítico de arte Mário Pedrosa, pelo crítico literário Antonio Candido e o historiador e escritor Sérgio Buarque de Holanda.
A Constituição de 1988 é a atual Carta Magna da República Federativa do Brasil. Foi elaborada no tempo recorde de 20 meses por 558 constituintes entre deputados e senadores, e trata-se da 7ª Carta Constitucional na história social do país desde sua Independência. Promulgada no dia 5 de outubro de 1988, ganhou quase que imediatamente o apelido positivo de “constituição cidadã”, por ser considerada a mais completa entre as constituições brasileiras, com destaque para os vários aspectos que garantem o acesso à cidadania. A constituição está organizada em 9 títulos que abrigam 245 artigos dedicados a temas como os princípios fundamentais, direitos e garantias fundamentais, organização do Estado, dos poderes, defesa do Estado e das instituições, tributação e orçamento, ordem econômica, financeira e social. Entre as inovações, destacam-se o restabelecimento de eleições diretas para os cargos de presidente da República, governadores e prefeitos municipais, o direito de voto para os analfabetos, o fim à censura aos meios de comunicação, obras de arte, músicas, filmes, teatro etc. Enganava-se Faoro que “o golpe parece estar longe, condenado à nostalgia dos sinistros personagens de sempre”. O golpe de Estado de 17 de abril de 2016 contrariou sua tese.
                

 São denominadas “cláusulas pétreas” pela doutrina jurídica especializada os dispositivos elencados no parágrafo 4º do artigo 60 da Carta Magna. Assim está disposto: “Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”. As cláusulas pétreas estão inseridas na forma como são elaboradas as propostas de modificação à Constituição, sendo que as quatro hipóteses ilustradas não podem ser modificadas. Nem ao menos serem discutidas em qualquer proposta de modificação constitucional. Isso se deve aos conceitos serem fundamentais na tradução das bases em que se estabelece a República no Brasil. Para modificá-las, só anulando a atual Constituição Federativa do Brasil de 1988. Entretanto, a realidade demonstra que o país detém ainda uma reflexão política e democrática pela frente em relação a diversificar suas fontes de informação, o que poderia incluir, por exemplo, canais governamentais e comunitários. A área de comunicação social no Brasil está ancorada em uma legislação institucional que remonta à década de 1960. A propriedade de diversas empresas de mídia está nas mãos de grupos políticos, econômicos e religiosos instalados nos variados níveis dos poderes Legislativo e Executivo. A mídia brasileira é dominada pelas elites políticas regionais onde juntas controlam mais de 500 veículos de comunicação social, mas com a particularidade em que uma única rede de televisão detém 50% da audiência nacional.
A ideologia dos bacharéis nos faz sustentar a seguinte tese sobre o poder judiciário - a corte suprema - com a nova Constituição de 1988, o Brasil levou às últimas consequências a relativa independência do Poder Judiciário, na prática, assegurando autonomia administrativa como financeira (artigo 99 da Constituição) reintegrando certas atribuições de diferentes setores que integram este conjunto de práticas e saberes  políticos e sociais. O Supremo Tribunal Federal é o centro do Poder Judiciário. Surgem do artigo 92 da Constituição os órgãos que compõem o Poder Judiciário como a criação de novos órgãos (Conselho Nacional de Justiça), mas em troca, eliminando outros. No artigo 84 competem ao presidente da República que ele nomeie, depois do Senado Federal, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O novo fato político refere-se a garantia concreta de independência dos juízes inscrita no artigo 95 da Constituição. A hegemonia do judiciário está em seu continuísmo ao modelo autoritário. A oposição na campanha liderada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é inequívoca e não haveria o risco político efetivo com o eventual descrédito do próprio mecanismo judiciário que vendeu a democracia com uma fórmula de salvação pública.  
            Ipso facto o controle da constitucionalidade no Brasil é denominado misto ou híbrido que inclui o padrão concentrado convivendo em aparente harmonia com o controle difuso de constitucionalidade. Historicamente com a Constituição de 1891, surge o controle difuso. Com o golpe de estado de 1°de abril de 1964, foi criada a EC n° 16/1965, com a criação da inconstitucionalidade das leis ou atos normativos federais ou estaduais, típico exemplo de controle concentrado. Nesse caso, o Procurador-Geral da República é o único, em tese, que pode legitimamente  solicitar a inconstitucionalidade, e o foro legítimo para o julgamento é o supremo Tribunal Federal. Com a Constituição de 1988, as mudanças efetuadas tinham o objetivo de fortalecer o controle meramente abstrato de constitucionalidade da Lei. Em 1999, promulgaram-se a Lei n°9.868 e a Lei n°9882. A primeira regulamenta a Ação Direta de Inconstitucionalidade e a ação Declaratória de Constitucionalidade. A segunda está relacionada com a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Com a Emenda Constitucional n°45, de 8 de dezembro de 2004, institucionalizam-se a súmula vinculante e o instituto de repercussão geral. Em dezembro de 2006 promulgaram-se as leis n°11.417 e n°11.418, regulamentando institutos. A nova Constituição aumentou o peso qualitativo em número e grau do Poder Judiciário não se enganem, conforme o artigo 102 que define a ampliação da competência do Supremo Tribunal Federal.
            A Corte Suprema tem o direito de determinar o significado da Constituição e desta maneira solucionar os problemas de ambiguidade que favoreça a quebra de legitimidade do processo democrático em curso. Contudo, dois fatores condicionam as práticas de favoritismo da Corte suprema com relação ao presidente. Por um lado, ele escolhe todos os membros da Corte suprema, como acordo do Senado. Por outro, o segundo fator encontra-se no perfil político da separação de poderes, sob a Constituição, a Corte não tem atributos para executar suas próprias decisões, mas ela se assenta no Executivo para realiza-las. A Corte possui a faculdade de restringir o poder unilateral do presidente, e de maneira mais intensa do que o Congresso. Mas a dependência da Corte ao Poder Executivo em relação à execução de suas decisões faz com que a Corte seja em geral um respaldo à expansão presidencial, ao invés de um limite. O favoritismo significa submissão por parte do Poder Judiciário ao Poder Executivo em caso de golpe de Estado. Desde a análise de Marx, sobre o coup d`État francês identifica-se as  práticas dos membros da Corte Suprema quando os juízes se veem estimulados a incrementar suas medidas contrárias ao governo democrático e, portanto, se distancia. 
            Na composição dos membros do Supremo Tribunal Federal existe um claro continuísmo de juízes simpatizantes do regime autoritário da conjuntura 1964-1984. Com a mudança de regime político, com a redemocratização do Estado brasileiro, não existe uma reforma profunda nem extensa na composição do Supremo Tribunal Federal. Segundo a Carta de 1988, em seu artigo 101, o STF é composto por 11 membros, escolhidos entre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos. Em geral, os integrantes designados têm entre 45 e 55 anos aproximadamente. Nesse caso, os membros designados pelo vice-presidente José Sarney, que assumiu a presidência com a  morte de Tancredo Neves, e, Fernando Collor de Mello, destituído por corrupção, estariam próximo de exceder o limite de idade prescrito pela lei durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, levando em consideração sua reeleição. Com relação às nomeações de Luiz Inácio da Silva, é o fato evidente que quatro dos ministros nomeados por ele alcançariam a idade limite entre os anos 2010 e 2012. Fato exemplar de que suas nomeações não tiveram a ambição de perpetuação de maiorias após o término do seu mandato. Além disso, temos que levar em conta que o sistema partidário brasileiro, presidencialismo de coalisão, faz com que a escolha dos integrantes seja mais negociada e exija um maior  consentimento de outros partidos (ou de minorias ou de outras partes). Ou seja, os membros nomeados não são necessariamente aliados do presidente da República, o que gera e aumenta a percepção de independência relativa das instâncias de poder do Supremo Tribunal Federal brasileiro. 
Bibliografia geral consultada.

ROSSI, Nello (org.), Giudici e Democrazia: La Magistratura Progressista nel Mutamento Istituzionale. Milão: Franco Angeli Editore, 1994; BOBBIO, Norberto, Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1995; SANTOS, Boaventura de Sousa, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas: O Caso Português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1996; Idem, Para uma Revolução Democrática na Justiça. São Paulo: Cortez Editora, 2007; SADEK, Maria Tereza Aina, “Poder Judiciário: Perspectivas de Reforma”. In: Opinião Pública. Campinas, Volume X, n°1, maio de 2004; MORAES FILHO, José Filomeno, Congresso Constituinte, Constituição Dirigente e Estado de Bem-Estar. Tese de Doutorado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007; VIANNA, Luiz, “O Ativismo Judicial Mal Compreendido”. In: Boletim CEDES-Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro, julho-agosto, 2008;  SIQUEIRA, Martha Maria Guaraná Martins de, A Flexibilização do Princípio da Legalidade no Tribunal Penal Internacional. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2011; BORGES, Danilo Marques, Tribunal Penal Internacional e Direto Internacional dos Direitos Humanos. Programa Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2014; COSTA, Alexandre Araujo; COELHO, Inocêncio Martires, Teoria Dialética do Direito: A Filosofia Jurídica de Roberto Lyra Filho. Brasília: Faculdade de Direito da UnB, 2017; FAORO, Raymundo, A República em Transição. Poder e Direito no Cotidiano da Democratização Brasileira (1982 a 1988). Organizadores Joaquim Falcão e Paulo Augusto Franco. 1ª edição. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Record, 2018; entre outros.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Luiz Inácio Lula da Silva - Degredo & Punição Judiciária

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

A força do direito deve superar o direito da força”. Rui Barbosa


A ideia do modelo de três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, que forma o Estado democrático brasileiro, foi proposto pelo político e filósofo francês Montesquieu, em seu estudo sobre o Estado moderno, através da teoria da separação dos poderes. Montesquieu introduz o conceito de lei no início de sua obra fundamental, O Espírito das Leis, para escapar a uma discussão viciada na tradição jurídica que ficaria limitada a discutir as instituições e as leis quanto à legitimidade de sua origem, sua adequabilidade à ordem natural e a perfeição de seus fins. Uma discussão fadada a confundir, no plano de análise das leis, concepções de natureza política, moral e religiosa. Definindo lei como “relações necessárias que derivam da natureza das coisas”, ele estabelece uma mediação com as ciências empíricas rompendo com a tradicional submissão da política à teologia. Montesquieu está formulando, em termos de análise comparativa, que é possível encontrar uniformidade, constâncias na variação dos comportamentos e formas de organizar os homens, assim como é possível encontra-las nas relações entre os corpos físicos. Também as leis que regem os costumes e as instituições são relações necessárias que derivam da natureza das coisas que sustentam as bases da tipologia analítica na interpretação do fato à política e sociologia.
Em todo povo existem homens virtuosos, capazes de situar o bem público acima do bem próprio, mas as circunstâncias, isto é, essas famosas “relações que derivam da natureza das coisas”, nem sempre ajudam. O comércio, os costumes, o gosto pelas riquezas, o tamanho do país, as dimensões em torno da população, tudo o que contribui para diversificar o povo e aumentar a distância cultural e de interesses entre as suas classes, conspira para a prevalência do bem público. É precisamente este ser errante através de sua história, que é o objeto da sua história, que é o objeto das investigações de Montesquieu: um ser cuja conduta nem sempre obedece às leis que lhe são dadas, e que, além disso, pode ter leis particulares feitas por ele: as leis positivas, sem que isso queira dizer que as respeite. Pode-se de fato dar desta distinção da modalidade das leis duas interpretações diferentes, que representam duas tendências no próprio Montesquieu. Na primeira, poder-se-á dizer com base no princípio metodológico segundo o qual as leis de relação e variação que se podem extrair das leis humanas são distintas dessas leis, pois fora de dúvida, os erros e as oscilações dos homens relativa às suas próprias leis de nada põem em causa suas relações necessárias.   

 
Na segunda, a essência da filosofia política de Montesquieu é o liberalismo,  baseado na defesa da liberdade individual, no campo econômico, político, religioso e intelectual, contra as ingerências e atitudes coercitivas do poder estatal (cf. Cotta, 1953). Para se perder a coragem de descobrir as leis de conduta dos homens, é preciso cair na ingenuidade de tomar as leis que os homens se dão a si próprios pela necessidade absoluta que os governa. O objetivo da ordem política é assegurar a moderação do poder pelo equilíbrio dos poderes, o equilíbrio entre povo, nobreza e rei na monarquia francesa ou na monarquia inglesa; o equilíbrio entre o povo e privilegiados, entre plebe e patriciado na república romana. Esses são exemplos diversos da mesma concepção fundamental de uma sociedade, heterogênea e hierárquica, em que a moderação do poder exige o equilíbrio dos poderes. Qualquer que seja a estrutura da sociedade é sempre possível pensar assim, isto é, analisar a forma própria da heterogeneidade de uma determinada sociedade, procurando, pelo equilíbrio dos poderes em confronto, a garantia da moderação e da liberdade. Para os liberais, todo indivíduo têm direitos humanos inatos. Muitos anteviram uma filosofia do progresso inspirada por valores liberais.
Degredado é um termo tradicional legal português usado para se referir a qualquer um que estava sujeito a restrições legais ao seu movimento de ir e vir, falar, ou de trabalhar. Exílio é uma das várias formas de pena legal. Mas com o desenvolvimento do sistema português de transporte penal, o termo degredado (cf. Nepomuceno, 2001) tornou-se “sinónimo de um condenado ao exílio, em si referido como degredo”. A maioria dos degredados eram criminosos comuns, embora muitos fossem presos políticos ou religiosos, por exemplo,  os cristãos-novos, que tinham sido condenados ao exílio. A sentença nem sempre era direta, muitos eram condenados a penas longas de prisão e por vezes a morte, mas era tomada a opção de terem sentenças comutadas para um curto período de exílio no exterior, ao serviço da coroa portuguesa. Vale lembrar que os degredados desempenharam um papel político na chamada “era dos descobrimentos”. O impulso marítimo dos portugueses em se aventurar pelo mar, como meio de comunicação entre os povos, era uma necessidade não apenas de poder e busca de riquezas, mas de sobrevivência e continuidade do Estado colonialista, in statu nascendi, no estabelecimento de colônias de exploração do trabalho escravo, no continente asiático, africano, latino e caribenho.
Nos primeiros anos das invasões portuguesas, e de construção do reinado nos séculos XV e XVI, os navios levavam um pequeno número de degredados, para auxiliar em tarefas consideradas demasiado perigosas ou onerosas para tripulantes comuns. Por exemplo, ao atingir uma praia desconhecida, um degredado ou dois eram geralmente desembarcados primeiro para “testar” se os nativos eram hostis. Após o contato inicial era muitas vezes atribuído a função de passar as noites na cidade ou aldeia nativa, enquanto o restante da tripulação dormia a bordo dos navios, para construir relações de confiança (cf. Luhmann, 2005) e coletar informações. Quando as relações de fricção interétnicas se tornavam hostis, os degredados eram encarregados de negociar os termos de paz entre os navios e os governantes locais. A maioria dos degredados (cf. Carvalho, 1995; Pieroni, 1996) era deixada em uma colônia (cf. Costa, 1998; Coates, 2001), ou eram abandonados em uma praia desconhecida, onde permaneciam durante o período de duração da sua pena.


Corrente de Lula indica Gleisi Hoffmann para presidir o PT.

A muitos foram dadas instruções específicas em nome da coroa, e se eles cumprissem bem, podiam ganhar a comutação ou indulto. Instruções comuns incluíam ajudar a estabelecer pontos de aguada e armazéns, servir como trabalhadores de uma nova colónia, ou guarnecer um forte. Os degradados abandonados em costas desconhecidas reconhecidos como lançados, literalmente “os lançados” ou “os atirados” muitas vezes eram instruídos para realizar trabalhos exploratórios no interior, em busca de cidades, fazendo contato com os povos desconhecidos. Alguns degredados alcançaram fama como exploradores do interior, tornando seu nome, comparativamente, quase tão famoso como os navegadores, descobridores e capitães do mato, por exemplo, Antônio Fernandes. Enquanto muitos degredados tiveram um desempenho suficiente, com seu trabalho, para ter sua pena reduzida ou perdoada como recompensa ao instituto do degredo, provavelmente poucos ignoraram os termos pragmáticos de seu exílio.
Alguns fugiam dos navios durante a viagem, geralmente em portos relativamente seguros, em vez de deixarem-se ficar em algum lugar distante e perigoso. Outros entraram furtivamente em navios de regresso a Portugal ou algum outro país europeu. Alguns fugiram e formaram colônias de degredados sem lei, longe da supervisão de funcionários da coroa. Outros se tornaram nativos, construíram uma nova vida com os habitantes, abandonando o seu passado por completo, como por exemplo, o “bacharel de Cananéia”, Cosme Fernandes no Brasil. Nos séculos XVI e XVII os degredados formaram uma parte substancial dos colonos no início do reinado português. As cidades enclaves de Marrocos, as ilhas do Atlântico, Açores, Madeira e São Tomé e Príncipe, e as mais distantes colônias africanas como Angola, Benguela e Moçambique, foram significativamente povoadas por degredados. Muitas das colônias brasileiras também foram originalmente fundadas com colonos degredados, por exemplo, Vasco Fernandes Coutinho em 1536 transportou cerca de 70 degredados para fundar o Espírito Santo.
Historicamente foi Tomé de Sousa, militar e político português, o primeiro governador-geral do Brasil, que levou cerca de 400 a 600 degredados para estabelecer Salvador, a capital original do Brasil colonial, em 1549. João Nunes foi um cristão-novo degredado, levado por Vasco da Gama na primeira expedição à Índia. Como tinha conhecimento rudimentar do hebraico e árabe, foi o primeiro a desembarcar em Calicute, na Índia, e é Nunes, não Gama que proferiu a famosa frase: - “Nós viemos buscar os cristãos e as especiarias”. Luís de Moura foi um degredado levado por Pedro Álvares Cabral na segunda armada enviada à Índia em 1500. Deixado na África Oriental, Moura serviria por muitos anos como português fator, “agente comercial”, e representante de Portugal junto do Sultão de Melinde, um importante aliado de Portugal na África Oriental. Antônio Fernandes, carpinteiro foi exilado em Sofala em 1500 ou 1505. Fernandes realizou uma série de viagens de exploração terrestre, entre 1512 e 1515, 300 km para o interior, atingindo para as terras do Monomatapa e Matabeleland.
Durante o século XV e parte do XVI, o degredo representava uma sentença clara e aplicada em resposta “aos crimes ou pecados cometidos”, segundo o estipulado nas leis, consistindo fundamentalmente em apartar do convívio social, para o mais distante - condição propiciada pela expansão do Império - e pelo maior tempo possível, aqueles que representavam um “ônus social”, sendo esta exclusão a lógica que primava do degredo no Império português. A utilização do degredo pelo Estado português revelou-se uma prática autoritária longeva, apresentando os primeiros registros na legislação consuetudinária do século XIII e estendendo-se até meados do século XX. Não devemos perder de vista que a principal punição prevista nas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, eram aplicáveis a todos os que de alguma forma transgredissem as normas constituídas. A expansão portuguesa por terras de além-mar constituiu o marco inicial das mudanças na política de degredo, uma vez que as conquistas na África, Ásia e, posteriormente, na América ampliaram as possibilidades de locais de degredo.
Desde o final do século XVI e durante o século XVII, a pena de degredo evoluiu rapidamente no sentido do serviço militar régio em qualquer localidade onde fosse necessário potencial humano, especialmente nos momentos de crise vividos neste período. Estas ocasiões de crises, representadas principalmente por duas guerras que dominaram o mundo português, a Guerra da Restauração da Independência e as lutas constantes contra os holandeses, notadamente no Sri Lanka, Pernambuco e Angola, demandavam enormes contingente militar que foram muitas vezes reforçados por soldados/degredados. A partir deste momento, o degredo não foi mais considerado exclusivamente como uma resposta punitiva a um delito, mas passou a representar um benefício para os serviços reais por colocar à disposição do Estado os seus condenados.
Segundo Timothy Coates, depois de passados os anos de crise do século XVII e do serviço nas galés ter sido extinto e direcionado para o serviço em obras públicas, o degredo reemergiu para o reinado como instrumento colonizador, especialmente em áreas que se demonstravam incapazes de atrair suficiente imigração com mão-de-obra livre. A expansão portuguesa trouxe consigo a necessidade de proteger e colonizar variados sítios, conferindo uma especificidade à pena de degredo. que não podia se dar ao luxo de prescindir da utilização de todo e qualquer dos seus súditos, incluindo criminosos e pecadores. A Coroa portuguesa não podia ignorar a contribuição que os seus indesejáveis podiam oferecer ao projeto colonizador. Na concepção política e econômica do degredo a serviço das necessidades do Estado convergiram duas lógicas: a lógica da exclusão, que tornava imprescindível afastar os criminosos, e a lógica política e econômica, que propunha o aproveitamento destes nos ermos do reinado. Considerando somente os aspectos jurídicos do degredo, este, sem dúvida, era a expressão de espaço e lugar da exclusão, mas, pensado a partir das prioridades políticas e econômicas do império português, o afastamento não inviabilizava a incorporação.

A guerra jurídica aberta pela condição de degredo e libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva gerou uma onda em cima da qual o Partido dos Trabalhadores agora trata de trabalhar. Em meio a um cenário eleitoral ainda incerto em que alianças partidárias começam a ser costuradas quase sempre com a condicionante “sem Lula”, os holofotes se voltaram mais uma vez para o ex-presidente, que monopolizou o noticiário político. Nas redes sociais, as menções a Lula foram campeãs absolutas entre os pré-candidatos a presidente, segundo a análise da consultoria Atlas Político. Para o PT foi um fôlego em uma hora necessária. O partido distingue que vai lançar o ex-presidente ao Planalto, apesar da provável impugnação persecutória do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por causa da lei da ideológica Ficha Limpa. A disputa legal serve para tentar manter coesa uma militância com líder aparentemente ausente e minimizar as vozes que pedem, até mesmo no partido, que um plano “B” para Lula seja escolhido já. Durante entrevista na sede da legenda em São Paulo, a presidenta do Partido dos Trabalhadores, senadora Gleisi Hoffmann (PT/PR), voltou a dizer que essa possibilidade nem sequer está em discussão e prometeu que a candidatura do ex-presidente será registrada no dia 15 de agosto em meio a um grande ato – “Não vamos arredar o pé”, garantiu.
A liberdade de Lula foi novamente cerceada neste domingo (8/07/2018), de maneira arbitrária após série de manobras do juiz Sergio Moro (PSDB), de servidores da Polícia Federal e dos desembargadores João Gebran Neto e Thompson Flores contra uma decisão legítima do desembargador Rogério Favreto, que mandou libertar o ex-presidente Lula. Tamanha ilegalidade causou espanto em jornais do mundo todo, que repercutiram a guerra jurídica travada contra o ex-presidente para tentar impedir que ele seja um dos principais candidatos nas eleições de outubro. O argentino “Clarín” descreveu em reportagem a “autêntica guerra de resoluções despregada de forma desenfreada ao redor da liberdade de Lula”. O periódico também lembrou que Moro, por estar de férias, poderá sofrer sanções por agir à margem da lei. O “New York Times” chamou de “alvoroço legal” as decisões conflitantes sobre a soltura de Lula. O jornal norte-americano destacou ainda que o Brasil está em período pré-eleitoral e que a ordem de soltar Lula foi a “mais recente reviravolta na corrida presidencial de outubro”. 
A correspondente do jornal francês “Le Monde“, Claire Gatinois, lembrou que o Brasil está há três meses de uma das eleições presidenciais mais incertas de sua história, e tratou o caso como um “imbróglio em torno de uma ordem de libertação do ex-presidente Lula”, avaliando que o episódio demonstrou “uma Justiça desorientada e cada vez mais desacreditada”. A Associated Press, em reportagem publicada pelo “The Washington Post“, define a Justiça brasileira como “aberta a manobras e interpretações” e reporta que o presidente do TRF4, Carlos Eduardo Thompson Flores, derrubou a decisão do desembargador Rogério Favreto, que concedia liberdade ao ex-presidente Lula. Para especialistas em direito, a medida do desembargador teve “orientação política”. O chileno “La Tercera” também destaca o assunto na capa, avaliando que o imbróglio gera ainda mais pressão nas eleições presidenciais de outubro. O italiano “Corriere della Sera” usou o futebol para ilustrar o sentimento do povo brasileiro no momento: “num triste domingo, com a seleção eliminada da Copa e já voltando para casa, o Brasil estremeceu por algumas horas” por causa de um confronto entre juízes.



A Bloomberg, a plataforma mais poderosa e flexível para profissionais financeiros, cita a presidente da Suprema Corte, Carmen Lúcia dizendo que ela procurou assegurar os brasileiros que o sistema judicial do país “permanecia em funcionamento”. A agência norte-americana destaca, ainda, em nota emitida por analistas da XP Investimentos aos clientes em que afirma que “o PT pode celebrar uma vitória contra Sergio Moro no campo político” mesmo sem ter libertado Lula da cadeia. Foram 10 horas e 25 minutos de uma queda de braço entre magistrados pela soltura ou manutenção da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O embate, encerrado com um despacho do presidente do Tribunal Federal da 4ª Região, Carlos Eduardo Thompson Flores, evidenciou a fragilidade atual do sistema jurídico brasileiro. Depois de idas e vindas, o petista permaneceu atrás das grades:  mas até quando? Em 4 de abril, por seis votos a cinco, o Supremo rejeitou o pedido do habeas corpus de Lula e manteve o entendimento que autoriza a prisão após decisão em segunda instância.
Há a expectativa de que o assunto volte ao plenário da mais alta corte do país - mas, em relatórios anteriores, a consultoria afirmou que é improvável que isso aconteça antes das eleições de outubro. O ponto de atenção segue sendo a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa do petista entrou, no final de junho, com uma reclamação junto ao colegiado pedindo a reversão da execução da pena de Lula. Ainda não é certo se o caso será votado pela Turma. Da última vez em que um habeas corpus de Lula foi pautado para a Segunda Turma, o ministro Edson Fachin, relator do caso, remeteu o processo para o plenário da corte.  Dos cinco integrantes da Segunda Turma, quatro votaram de maneira favorável ao petista quando o plenário do Supremo discutiu se o ex-presidente poderia ser preso ou não. A partir de setembro, a hoje presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, que apoia o golpe de Estado de 2016 de forma velada, volta a compor o colegiado. Ipso facto, no julgamento do habeas corpus, ela votou a favor da prisão de Lula.  Mas, ainda assim, junto com Fachin, esse posicionamento seria minoria na Turma. A diferença é que estando Lula livre, sua capacidade de mobilização sobe como intenção de votos nos cenários em que é considerado.

Bibliografia geral consultada:

COTTA, Sergio, Montesquieu e la scienza della politica. Turin: Edizioni Ramella, 1953; CARVALHO, José Murilo, Desenvolvimiento de la Ciudadania en Brasil. México: Fondo de Cultura Económica, 1995; PIERONI, Geraldo, Les Exclus du Royaume: L` Inquisition Portugaise et le Bannissemente au Brésil. XVIIe Siècle. Tese de Doutorado. Universidade de Paris-Sorbonne (Paris IV), 1996; COSTA, Emília Viotti da, “Primeiros Povoadores do Brasil: O Problema dos Degredados”. In: Revista Textos de História, Vol. 6, n°s 1-2, 1998; NEDER, Gizlene, Iluminismo Jurídico-Penal Luso-Brasileiro: Obediência e Submissão. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 2000; COATES, Timothy, Convicts and Orphans: Forced and State-Sponsored Colonizers in the Portuguese Empire, 1550-1755. Stanford: Stanford University Press, 2001; NEPOMUCENO, Gabriela Murici, Crime e Punição no Antigo Regime Português: O Degredo Civil nas Ordenações Filipinas. Dissertação de Mestrado em História. Programa de Pós-Graduação em História. Universidade de Brasília, 2001; KNIGHT, Stephen Thomas, Robin Hood: A Mythic Biography. New York: Cornell University Press, 2003; LISPECTOR, Clarice, Revelación de un mundo. Buenos Aires: Ediciones Hidalgo, 2004; LUHMANN, Niklas, Confianza. Barcelona: Ediciones Anthropos, 2005; MORO, Sérgio Fernando, “Independência Judicial e Abuso de Autoridade”. In: Jornal O Globo, 1° de outubro de 2016; Artigo: “Guerra de decisões termina com Lula preso e Judiciário contestado”. Disponível em: https://veja.abril.com.br/brasil/10/07/2018; entre outros.