Ubiracy de Souza Braga
“O futebol é o ópio do povo e o
narcotráfico da mídia”. Millôr Fernandes
O relativismo é uma corrente social
do pensamento que problematiza as verdades do homem, tornando o conhecimento
subjetivo. O ato de relativizar pretende levar em consideração questões
cognitivas, morais e culturais sobre o que se considera verdade. O meio em que
se vive é conditio sine qua non para inferir essas concepções. A relativização
refere-se, portanto, na desconstrução das verdades pré-determinadas, buscando o
ponto de vista do outro. Aquele que relativiza suas opiniões é aquele que
acredita que existam outros tipos de verdade, de perspectivas para as mesmas
coisas, e que não há necessariamente a oposição assimétrica entre certo ou
errado. O primeiro passo do relativismo é não julgar. O estranhamento de outra
verdade ou comportamento ajuda na desconstrução do paradigma vigente, e é
importante na medida em que serve de analogia para repensar os fatores sociais
que influenciaram naquela construção. Nosso relativismo representa
diferenciações externas, de posição relativa a certos temas, problemas e
circunstâncias sociais. Elas nada têm a ver de substantivas e não são essenciais
ou estão fundadas num tempo histórico como imaginação do passado.
Tite
é um exemplo de moralidade nacional. Mas fez com que a Confederação Brasileira
de Futebol (CBF) modificasse seu Código
de Ética para que seu filho Matheus assumisse como auxiliar. Mexeu no
capítulo que trata dos “Princípios gerais de ética relacionados a vantagens
indevidas”. O item referente a nepotismo não poderia ser mais objetivo. - Contratar
parentes como seus funcionários, em qualquer modalidade. Essa restrição se
aplica também a quaisquer indivíduos com relações de parentesco de segundo grau
com outros gestores e executivos da CBF e seus conselhos e comissões. No caso
de contratação de parentes de patrocinadores, franqueados, investidores da CBF
ou de gestores e normativos do futebol, mesmo que fortemente desaconselhada, “é
permitida desde que exista aprovação institucional da CBF e, sem exceção, da
parte externa potencialmente afetada pelo conflito de interesse”. Este é mais
um elemento do ponto de vista da análise teórica que conspira em favor de que existe entre nós: a
relativização da verdade.
A
eliminação de 2014 não abalou o prestígio internacional do futebol brasileiro,
e a nossa seleção chega à Rússia como uma das mais cotadas para a conquista do
título. O time atravessa ótima fase desde que o técnico Tite assumiu seu
comando em setembro de 2016. De lá para cá,
já foram disputadas 17 partidas entre amistosos e compromissos oficiais,
e a equipe obteve 83,3% de aproveitamento, com 13 vitórias, três empates e
apenas uma derrota. O Brasil sobrou nas Eliminatórias Sul-Americanas, e
encerrou sua participação dez pontos à frente do Uruguai, o segundo colocado.
Seu único revés aconteceu na partida de estreia, diante do Chile, no já
distante ano de 2015. Contudo, o time foi pouco testado contra adversários
europeus, e quando enfrentou a Inglaterra teve muitas dificuldades. O grupo
atual é menos dependente de Neymar do que o de quatro anos atrás. No esquema
4-1-4-1 de Tite o craque do PSG atua pela esquerda, com Gabriel Jesus
centralizado no ataque. O meio de campo tem Paulinho, no auge de sua carreira
no Barcelona, e os laterais Daniel Alves e Marcelo, remanescentes da última
copa, hoje com maior protagonismo. O problema é a falta de reposição à altura.
Em caso de contusão de titulares o time pode vir a ter grandes
problemas.
O
Brasil que era considerado por muitos um “celeiro de craques”, o reconhecido mundialmente
“país do futebol” vem passando por conjunturas cíclicas de crise. A sua liga
nacional, que era considerada uma das melhores do mundo, principalmente pelo
equilíbrio, vem sofrendo com escândalos, com jogadas políticas, além de um nível
técnico comparativo abaixo da crítica. O Brasil foi derrotado por 2 a 1 pela seleção
de futebol da Bélgica nesta sexta-feira, 06/07/2018, em Kazan, e está eliminada
da Copa do Mundo Rússia 2018. Na semifinal, os belgas, invictos há 23 jogos, terão
o privilégio de enfrentar a equipe da França, que venceu o Uruguai em Nizhny
Novgorod. Na etapa inicial, apesar da seleção ter ensaiado uma pressão em
jogadas de bola na área, os belgas abriram dois gols de vantagem, demonstrando
sua supremacia O primeiro, contra, de Fernandinho, e o segundo com De Bruyne,
aproveitando contra-ataque puxado por Lukaku e a inesperada desorganização da
então melhor defesa do Mundial.
O relativismo é a recusa de qualquer proposição
filosófica ou ética de valor universal e absoluto. Tudo aquilo que transforme o
ato de pensar é relativo ao lugar e circunstâncias históricas nas quais o homem
se encontra. Não se pode pretender chegar a uma verdade objetiva, pois o humem
não reconhece a realidade como ela é, mas como o sujeito a apreende dentro dos
recursos heurísticos disponíveis sob determinada forma e expressão de pensamento.
Os valores éticos variam de acordo com a historicidade das culturas, pois há
normas e opiniões subjetivas, de tempo e espaço que o indivíduo formula em sua
geração, fazendo uso da sua liberdade, que é refreada apenas pelos limites que
os direitos consuetudinários lhe opõem. O relativismo assim descrito reconhece
um único absoluto, o ser humano em sua atividade, ou, mais precisamente, a
liberdade de cada ser humano como sobrevivência. Essa liberdade é indiscutível. Há 16 anos, a Seleção Brasileira conquistava o pentacampeonato mundial. Há 16 anos a Seleção Brasileira liderada por Ronaldo e Rivaldo derrotava a Alemanha por 2 a 0 e faturava o tão sonhado pentacampeonato mundial de futebol.
A campanha foi impecável, com sete vitórias em sete jogos e
18 gols marcados, o Brasil faturou a taça com a melhor campanha da história social
das copas do mundo de futebol. A
Canarinho, comandada por Luis Felipe Scolari, chegou no torneio desacreditada
depois de uma fraca campanha nas Eliminatórias, derrotas inesperadas e trocas
de comandante. O corte de Romário, um dos maiores atacantes do futebol
brasileiro, foi também um momento conturbado a ser administrado por Scolari.
Grande parte da imprensa e praticamente todos os torcedores não concordavam com
a escolha do treinador. Apesar disso, no Mundial, a Seleção Brasileira foi
crescendo e voltando a assustar os adversários. Na primeira fase derrotou a
Turquia, a China e a Costa Rica. Nas oitavas, encarou a Bélgica e emplacou 2 a
0, em seguida, um dos jogos mais complicados do torneio, a Seleção enfrentou a
Inglaterra de David Beckham e começou perdendo, mas no talento de Ronaldinho
Gaúcho virou a partida e além de carimbar a vaga nas semifinais conquistou de
vez a confiança da torcida brasileira. Na semi, um reencontro com a Turquia em
mais um jogo emocionante, numa partida cheia de boas oportunidades, o talento
de Ronaldo Fenômeno, o grande nome daquela Copa, decidiu colocando o Brasil na
grande decisão contra a Alemanha. No grande dia, o Brasil foi impecável, com
show do fenômeno Ronaldinho que derrubou Oliver Kahn. A Seleção derrotou o
adversário por 2 a 0 e levantou o troféu mais cobiçado do mundo.
O relativismo religioso ultrapassa o relativismo moral, e
além de questionar a formação dos conceitos de bem e mal, diretamente ligados à
religião, coloca em questão a palavra de Deus como a única verdade. Também no
que diz respeito às interpretações feitas pelos homens dos livros sagrados.
Neste sentido, o relativismo cultural que define o conjunto de hábitos, crenças
e valores de um grupo, a sua cultura, influencia no que este considera ser uma
verdade. O relativismo cultural representa de modo contrário o etnocentrismo. E
para relativizar a cultura, a pessoa deve primeiramente não julgar, para depois
compreender os traços da cultura do outro que o levaram a ter aquilo enquanto
verdade, distanciando-se do pensamento etnocêntrico que apenas leva em
consideração a moral e o conteúdo de sentido dos valores do seu próprio grupo,
e com isto acaba julgando pela sua perspectiva pessoal afetiva e moral o que é
feito por outros grupos.
Leonardo Boff chama atenção para o fato social de que o
fundamentalista está convencido de que a sua verdade é a única e que todos os
demais ou são desviantes ou fora da verdade. Para ele isso é recorrente nos
programas televisivos das várias igrejas pentecostais, incluindo setores da
Igreja Católica. Mas também no pensamento único de setores politicos. Pensam
que só a verdade tem direito, a deles. Eis a origem dos conflitos religosos e
politicos. O fascismo começa com esse modo fechado de ver as coisas. Como vamos
enfrentar esse tipo de radicalismo? Além de muitas outras formas, creio que uma
delas consiste no resgate do conceito bom do relativismo, palavra que muitos
nem querem ouvir. Mas nele há muita verdade. Ele deve ser pensado em duas
direções: quando o relativo quer expressar o fato de que todos estão de alguma
forma relacionados. Na esteira da física quântica, insiste a encíclica do Papa
Francisco “sobre como cuidar da Casa Comum: tudo está intimamente relacionad;
todas as criaturas existem na dependência uma das outras” (n.137; 86). Por esta
inter-relação todos são portadores da mesma humanidade. Somos uma espécie entre
tantas, uma família.
Em segundo lugar, importa compreender que cada um é
diferente e possui um valor em si mesmo. Mas está sempre em relação com outros
e seus modos de ser. Dai ser importante relativizar todos os modos de ser;
nenhum deles é absoluto a ponto de invalidar os demais; impõe-se também a
atitude de respeito e de acolhida da diferença porque, pelo simples fato de estar-aí, goza de direito de existir e
de coexistir. Quer dizer, nosso modo de ser, de habitar o mundo, de pensar, de
valorar e de comer não é absoluto. Há mil outras formas diferentes de sermos
humanos, desde a forma dos esquimós siberianos, passando pelos yanomamis do
Brasil, até chegarmos aos moradores das comunidades da periferia e aos
moradores de sofisticados Alphavilles, onde moram as elites opulentas e
amedrontadas. O mesmo vale para as diferenças de cultura, de língua, de
religião, de ética e de lazer. Devemos alargar a compreensão do humano para
além de nossa concretização. Vivemos na fase da geo-sociedade, socidade
mundial, una, múltipla e diferente. Todas estas manifestações são portadoras de
valor e de verdade. Mas são um valor e uma verdade relativos, vale dizer, relacionados
uns aos outros, inter-relacionados, sendo que nenhum deles, tomado em si, é
absoluto.
Em terceiro lugar, foi o sociólogo Edwin H. Sutherland
que desenvolveu uma teoria sociológica centrada no estudo da criminalidade dos
setores mais elevados da sociedade, observou o quanto estes segmentos da
sociedade acabavam por gozar de maior privilégio perante a justiça. O autor
chamou atenção para o tratamento desigualitário dos grupos sociais perante a
justiça, uma vez que a punição não os atingia. O tratamento diferenciado era
associado às suas condições específicas, seja de cunho sócio-demográfico, econômicas
ou de pertencimento a uma determinada comunidade política, econômica ou profissional.
Esta expressão exterioriza justamente o sentido ideológico, do “colarinho
branco” usado nos trajes a rigor, como um símbolo para representar o homem bem
posicionado na vida pessoal e profissional, em geral, ligado aos poderosos grupos
sociais e econômicos gozando de status, honra e prestígio não apenas político,
mas também de nível de econômica. É importante destacar que a unicidade do conceito
é dada pelas características que nos crimes econômicos tratados por Sutherland,
enfatizava aspectos comuns do sujeito de delito: crime cometido por uma pessoa
de elevada condição socioeconômica; pessoa detentora de poder, de status
econômico na sociedade. O significado do crime de “colarinho branco” não associa com a pobreza como ocorre com o Partido dos
Trabalhadores (PT).
A pós-verdade não é sinônimo de mentira, mas descreve uma situação na qual, durante a criação e
desenvolvimento da opinião pública, os fatos objetivos têm menos influência do
que os apelos às emoções e às crenças pessoais. A pós-verdade consiste
na relativização da verdade, na banalização da objetividade dos dados e na
supremacia do discurso emocional. A pós-verdade não é apenas uma prática que se
desenvolve no campo da política. O dicionário Oxford consagrou o termo “pós-verdade”
como a palavra do ano de 2016, afirmando que esta é usada para referir-se às
“circunstâncias na qual os fatos objetivos têm menos influência na formação da opinião
pública que aquelas que apelam para a emoção e à crença pessoal”. Que alcance
discursivo cabe atribuir ao surgimento do termo “pós-verdade” na atualidade? A
pós-verdade não é um fenômeno novo, mas também não é velho. O que chamamos de
pós-verdade, e antes chamávamos de propaganda, diz respeito à percepção e
funcionamento da ideologia que interpela o indivíduo constituindo-o em sujeito.
Vale lembrar que a ideologia, em um sentido amplo,
significa aquilo que seria ou é ideal.
Este termo possui diferentes significados, sendo que no “senso comum” segundo a
hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, “é uma reflexão sem juízo”, é
tido como algo ideal, que contém um
conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou “visões de mundo” de um indivíduo
(os sonhos) ou coletivamente de determinado grupo (os mitos, os ritos, os
símbolos), orientado para suas ações sociais e políticas. Diversos autores
utilizam o termo sob uma concepção crítica. Consideram que ideologia pode ser
um instrumento de dominação que age por meio de convencimento; persuasão, em
oposição assimétrica à força física, alienando a consciência humana. O termo
“ideologia” foi concebido por Destutt de Tracy e o conceito de ideologia
por Marx, que ligava a ideologia aos
sistemas teóricos, políticos, morais e sociais que interpelam os indivíduos
constituindo-os em sujeito através da visão social dominante.
Na linguagem teórica, as palavras e expressões funcionam
como conceitos teóricos. Mas em sua periodização histórica, teórica e
ideológica as palavras e expressões funcionam sempre de forma distinta, porque
se referem a concepção de uma determinada teoria da história. A dificuldade
própria da terminologia teórica consiste, pois, em que, por detrás do
significado usual da palavra, é preciso sempre discernir o seu significado
conceptual, que é sempre diferente do significado usual corrente nas fontes,
nas atas, nos documentos oficiais, no âmbito da formação discursiva. Na sua
significação mais geral deve nos permitir a compreensão que tem por efeito o
conhecimento de um objeto: a narrativa da história. É assim que a história
abstrata ou a história em geral não existem, no sentido exato do termo, mas
apenas a história real, ou “como
efetivamente ocorreu” (“essen Sie tatsächlich, es passierte”), desses objetos
concretos e singulares que enformam a experiência acumulada da humanidade.
Sociologicamente a
nação é um produto cultural, político e social que surge na Europa a partir do
fim do século XVIII e que se constitui efetivamente em uma “comunidade política
imaginada”. Nesse processo de construção histórica, a relação entre o velho e o
novo, o passado e o presente, a tradição e a modernidade é uma constante e se reveste de importância
fundamental, pois, a nação é uma comunidade de sentimento que normalmente tende
a produzir um Estado próprio, é preciso invocar antigas tradições (reais ou
inventadas) como fundamento “natural” da identidade nacional que está sendo
criada. Isso tende a obscurecer o caráter histórico e relativamente recente dos
estados nacionais. Assim como o Estado-nação procura delimitar e zelar por suas
fronteiras geopolíticas, ele também se empenha em demarcar suas fronteiras
culturais, estabelecendo o que faz e o que não faz parte da nação. Através
desse processo se constrói uma identidade nacional que procura dar uma imagem à
comunidade abrangida por ela. Nesse sentido o processo de consolidação dos
Estados-nações é extremamente recente. Mesmo em sociedades que atualmente
parecem ser bem integradas. Mas há casos em que uma mesma sociedade é
representada como se fosse dividido em duas grandes regiões antagônicas , mas complementares o que é
recorrente para o Brasil.
A família
patriarcal fornece, assim, o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida
política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos.
Uma lei moral inflexível, superior a todos os cálculos e vontades dos homens,
pode regular a boa harmonia do corpo social, e, portanto deve ser rigorosamente
respeitada e cumprida. Esse rígido paternalismo é tudo quanto se poderia
esperar de mais oposto, não já as ideias da França revolucionária. Mas
tradicionalistas e iconoclastas que se movem, em realidade, na mesma órbita de
ideias. Estes, não menos do que aqueles, mostram-se fiéis preservadores do
legado colonial, e as diferenças que os separam entre si são unicamente de
forma e superfície. O caráter puramente exterior, epidérmico, de numerosas
agitações ocorridas entre nós durante os anos que antecederam e sucederam à
Independência, mostra o quanto era difícil ultrapassarem-se os limites que à
nossa vida política tinham traçado certas condições específicas geradas pela
colonização.
A família patriarcal fornece, assim, o grande modelo por
onde se hão de calcar, na vida política, as relações entre governantes e
governados, entre monarcas e súditos. Uma lei moral inflexível, superior a
todos os cálculos e vontades dos homens, pode regular a boa harmonia do corpo
social, e, portanto deve ser rigorosamente respeitada e cumprida. Esse rígido
paternalismo é tudo quanto se poderia esperar de mais oposto, não já as ideias
da França revolucionária. Mas tradicionalistas e iconoclastas que se movem, em
realidade, na mesma órbita de ideias. Estes, não menos do que aqueles,
mostram-se fiéis preservadores do legado colonial, e as diferenças que os
separam entre si são unicamente de forma e superfície. O caráter puramente
exterior, epidérmico, de numerosas agitações ocorridas entre nós durante os
anos que antecederam e sucederam à Independência, mostra o quanto era difícil
ultrapassarem-se os limites que à nossa vida política tinham traçado certas
condições específicas geradas pela colonização.
É neste sentido que se insere o romance político de Chico
Buarque de Hollanda, Leite Derramado
(2013). Um homem muito velho está num leito de hospital. Membro de uma
tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido à filha, às
enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história social de sua linhagem desde os
ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador das Oligarquias
até o descendente “garotão”, um tipo social da cidade do Rio de Janeiro. Uma
saga familiar caracterizada pela decadência social e econômica, tendo como pano
de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos. A weltanschauung que o autor narra da sociedade brasileira é pessimista: relações de compadrios,
preconceitos de classe e de raça, machismo, oportunismo, corrupção, destruição
da natureza, delinquência. A saga familiar da decadência é um gênero consagrado
no romance ocidental contemporâneo.
Há, com efeito, duas definições que não coincidem
exatamente ou a propósito das quais seria preciso demonstrar, ao menos, que
remetem a realidades idênticas: de um lado, a objetividade é apreendida como
aquilo que se mostra – tò fainómenon –
na percepção; de outro é considerada causa eficiente do ato de perceber. Sem
dúvida, o mundo percebido é horizonte da consciência e se ergue diante dela sua
opacidade e seus impactos sociais específicos. Esse mundo é vivido tanto quanto
é percebido. Sua objetividade é uma objetividade de ser a de algo irredutível
que está aí exterior a mim, mas sempre diante de mim, e, de certo modo, por
mim. Mas decerto, há o mundo estudado experimentalmente e quantificado,
reconhecido pela ciência como o mais rico desenvolvimento, mais profundo que a
apreensão perceptiva e que o mundo percebido se explica pelo conhecimento
conceitual que dele nos dão as ciências positivas, exterior à subjetividade pelo seu caráter próprio, de
ser dado justificando objetivamente o dado. Sem dúvida, é justo dizer que um enunciado é
verdadeiro quando é adequado ao seu objeto. Está implícita a noção de
verificabilidade ou de legitimidade pelo qual a verdade do conceito advém - poder
esse que não pode ser senão o próprio sujeito de conhecer.
Ipso facto a tradição
autoritária do pensamento político burguês concebe o Estado como um aparelho
repressivo, uma máquina de repressão, ou, “comitê executivo da classe
dominante” que permite às classes dominantes assegurar a sua dominação sobre a
classe operária, extorquindo desta última a mais-valia. O Estado é, antes de
tudo, o aparelho de Estado, que compreende não somente o “aparelho
especializado”, mas também o exército que intervém como força repressiva, o
Chefe de Estado bonachão, o governo e a administração, definindo o Estado como
força de execução e de intervenção repressiva a serviço das frações da classe
dominante. A rejeição hegeliana parte da própria negação de estruturas
hegelianas onde a totalidade expressiva de Hegel cede lugar, na análise crítica
ao todo-estruturado. Na configuração social das esferas de ação há, diferente
da lógica dialética sem prioridade de um centro. No marxismo opera-se a
rejeição da unicausalidade econômica das lutas sociais e políticas
atribuindo-se as instâncias, então condicionantes do discurso político e
ideológico, o peso de instâncias decisivas, dominantes na esfera de ação
política desde o coup d`État..
A natureza, em si mesma, limita-se a um eterno presente,
pois cada um de seus estados, embora ligados a outros, não poderia ser
apreendido como sequência do estado precedente e como anúncio do estado
seguinte. Assim, afirmar que existe uma temporalidade da natureza, é projetar
sobre o dado uma propriedade que só pertence à consciência. De fato, o tempo
das coisas só pode ser o tempo de uma consciência ques e acha em face das
coisas e as temporaliza. Paras convencer-se disso, basta voltarmos à
experiência de si, que chamamos de temporalidade,
no sentido originário, senão essa mudança que experimentamos precisamente porque
guardamos a memória treinada da situação que não é mais e sentimos abrir-se
diante de nós o abismo do futuro. O exercício da memória e a estrutura da
temporalidade conduz o tempo das coisas
ao tempo da consciência e, daí, à
consciência temporalizante única que se apresenta como real. Como o tempo
remete à consciência, assim também a história remete ao homem. Para que haja
história, é preciso que haja um desejo ou uma vontade. Um homem que realize
este ato econômico ou político, elucidando a religação entre historicidade e
temporalidade e que se apresentam como horizonte do conhecimento e da ação
humana.
Enfim, no Brasil onde impera desde tempos imemoriais o
tipo antropológico primitivo da família patriarcal, o desenvolvimento da
urbanização, que resulta unicamente
no crescimento das cidades, mas não da memória e da sociabilidade como dos
meios de comunicação, iria acarretar um desequilíbrio político e social, cujos
efeitos permanecem vivos até hoje. Já se disse alhures, numa expressão infeliz,
que a contribuição brasileira para a civilização será a de cordialidade – “daremos
ao mundo o homem cordial”. A lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade,
virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito,
um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, que permanece
ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano,
informados no meio rural e patriarcal. É engano supor que essas virtudes possam
significar civilidade. São antes de tudo expressões legítimas do lado emotivo extremamente
autoritário. Nenhum povo está mais distante dessa ritualista autoritária que o
brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente a
violência e a estupidez, o contrário da polidez. Não queremos perder de vista
que não somos mais 90 milhões em ação. Ou que de repente é aquela corrente “pra
frente”, parece que todo o Brasil deu a mão! O golpe de Estado de 17 de Abril de 2016 está desconfigurando
a nação do futebol como relativização da verdade da nação.
Bibliografia geral consultada.
ALLPORT, Gordon Willard e POSTMAN, Leo, Psicología
del Rumor. Buenos Aires: Editorial Psiquê, 1953; GADAMER, Hans Georg, Il problema della conoscenza storica.
Nápoles: Edizione Guida, 1969; DORFMAN, Ariel & MATTELART, Armand, Para leer al Pato Donald. Valparaíso:
Ediciones Universitarias, 1972; BARILE, Giuseppe, “et alli”, Economia e Politica dei Mass Media. Tra
produzione di merci e produzione di senso. Milano: Franco Angeli Editore,
1979; ABRUZZE, Alberto, “et alli”, Un
Quotidiano “Populare”? Milano: Angeli Editore, 1980; CIPRIANI, Roberto. “Al
di là della secolarizzazione”. In: Studi di Sociologia, 26, 3-4: 1988: 271-288; DAMATTA, Roberto, Carnivals, Rogues, and Heroes. An Interpretation of the Brazilian Dilemma.
Indiana: University Notre Dame, 1991; ALEXANDER,
Jeffrey, “Modern, Anti, Post, and Neo: How Intellectuals Have Coded, Narrated,
and Explained the New World of Our Time”. In: New
Left Review, I/210, Mach-April, 1995; BASTIAN, Jean-Pierre, La Mutación Religiosa de América Latina
(Para una sociología del cambio social en la modernidad periférica). México:
Fondo de Cultura Económica, 1997; MANZALI DE SÁ, Ione, Da Verdade como Abertura Existencial ao Acontecimento Poético da Verdade.
Dissertação de Mestrado em Filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro, 2010; BUARQUE, Chico, Vergossene
Milch. Tradução Karin von Schweder-Schreiner. Frankfurt am Main: Samuel
Fischer Editor, 2013; GUIMARÃES, Carlos Nunes, Maquiavel: Realismo Político e Ética Republicana. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Doutorado Integrado - UFPB/UFPE/UFRN, João Pessoa, 2013; entre outros.
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