segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Edgar Morin - Ideias Complexas, Abstratas e Excurso Sociológico.


                                                                                         Ubiracy de Souza Braga

          A experiência da opressão alimenta a ideia de liberdade”. Edgar Morin

         
                                   
           Edgar Morin, pseudônimo de Edgar Nahoum nasceu em Paris, em 8 de julho de 1921. - Muito cedo, minha vida orientou-se para o que deveria ser seu próprio trabalho. E tudo começa na madrugada quente de 8 de julho de 1921, perto das 4h, nasce Morin, o primeiro menino neto, filho de Vidal e Luna que receberam a missão familiar de unir os prenomes dos dois avós, porém, no intuito de não reforçarem a concorrência familiar optam por chamá-lo de Edgar Nahum. Em hebraico Nahum significa “consolação para os judeus expulsos da Espanha no final do século XV”. Nascido em Paris, filho único de uma família judia sefardita, seu pai, Vidal Nahoum, era um comerciante originário de Salônica, a segunda maior cidade da Grécia e a principal cidade da região grega da Macedônia. Sua mãe, Luna Beressi, faleceu quando ele tinha 10 anos. Ateu declarado, descreve-se como um neo-marrano, porque estes foram obrigados a abandonar a Lei judaica e a converterem-se ao cristianismo. Contra a sua vontade, para escapar às perseguições da Inquisição espanhola. É talentoso filósofo francês judeu de origem sefardita. Termo para se referir aos descendentes originários de Portugal e Espanha.     
         Os sefarditas, muito provavelmente, se estabeleceram na Península Ibérica durante a Era das Navegações Fenícias, embora a sua presença só possa ser atestada a partir do Império Romano. Os fenícios, grandes navegadores, foram a força predominante no mar Mediterrâneo e outros mares e oceanos. Conseguiram desenvolver habilidades de navegação e a construção naval, mais avançada que os de todas as culturas que cercam o Mediterrâneo. Migraram da Península Arábica, chegaram à costa do que representa o Líbano, uma das regiões de antigas civilizações, como fenícios, assírios, persas, gregos, bizantinos e turcos otomanos, sendo que sua rica história formou a identidade cultural única em diversidade étnica e religiosa do país. São territórios costeiros deste país, Síria e Norte de Israel, a Canaã da Antiguidade, estabelecendo grandes cidades em Beirute,  Byblos, Tiro, Sidon e Baalbek. Eram considerados a maior potência naval. Fenícios não conheciam a bússola ou nenhum outro instrumento de navegação, mas baseavam-se em características técnicas de Antropologia Física, que estuda o homem como animal biológico: suas origens; a evolução do ser humano primitivo ao moderno, destacando as diferenças raciais. É o estudo da biologia humana dentro da evolução, com ênfase na interação entre a biologia e cultura, e portanto, naturais do litoral. Usavam as estrelas, o sol, os marcos da costa e os ventos, a experiência do capitão sobre as marés, correntes e ventos da rota.



               Eles sobreviveram ao processo de cristianização, invasão visigótica e moura, mas sucumbiram na fase final da Reconquista. Os judeus fugiram das perseguições que lhes foram movidas na Península Ibérica na Inquisição Espanhola (cf. Touboul-Tardieu, 2009), dirigindo-se a vários territórios. Uma grande parte fugiu para o norte de África, onde viveram durante séculos. Milhares se refugiaram no Novo Mundo, principalmente o Brasil onde foi construída a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Zur Israel, queremos dizer, a Congregação Rochedo de Israel. Ela funcionou em Pernambuco durante o período colonização e de dominação holandesa (1630-57). Durante esse período emigraram para o Recife milhares de judeus sefarditas de origem portuguesa, refugiados nos Países Baixos, que vieram para a colônia holandesa atraída pela liberdade religiosa. Seu primeiro rabino foi o luso-holandês Isaac Aboab da Fonseca (1605-1693) que chegou ao Recife em 1641 se estabelecendo nestas terras durante 13 anos.
            Derrotados na Batalha dos Guararapes, fruto da Insurreição Pernambucana (1648-1649), as famílias judias retornaram para a Holanda a bordo do navio Valk, também referida como Guerra da Luz Divina, representou um movimento social contra o domínio holandês na Capitania de Pernambuco. Ele ocorreu durante a segunda invasão holandesa culminando com a expulsão dos holandeses da região Nordeste do país, devolvendo-a à coroa portuguesa. O desembarque ocorreu em Nova Amsterdã, atual Nova York, onde os judeus formaram a Congregação Shearith Israel, de 1654, que é a congregação mais antiga dos Estados Unidos da América (EUA), ou a primeira comunidade judaica da América do Norte. Também no México, onde nos dias atuais se concentram milhares de descendentes dos judeus reconhecidos como marranos. Os sefarditas são divididos hoje em ocidentais e orientais. Os ocidentais são os chamados judeus da nação portuguesa, enquanto os orientais são os sefardim que viveram no Império Otomano. O material arqueológico datado do século XVII foi identificado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e pela ação conjunta de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco. Como comprovação da existência e funcionamento da Congregação, foi identificada a construção de uma piscina com sete degraus - um mikvê - utilizada em rituais de banho de purificação. A fachada do prédio do século XIX abriga o Centro Cultural Judaico de Pernambuco.
Formado em Direito, História e Geografia, Edgar Morin realizou estudos de aprofundamento em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. Engajado politicamente durante a 2ª guerra mundial participou da organização La Résistance que na França designa o conjunto de movimentos e redes que durante a guerra prosseguiu a luta contra o Eixo e os seus delegados colaboracionistas desde o armistício de 22 de junho de 1940 até à Liberação em 1944. O Eixo dizia-se parte de um processo revolucionário que visava quebrar a hegemonia plutocrática-capitalista do ocidente e defender a civilização contra o comunismo. O Eixo surgiu no Pacto Anticomintern, um tratado anticomunista assinado pela Alemanha e Japão em 1936. A Itália aderiu ao pacto em 1937. O Eixo Roma-Berlim tornou-se uma aliança político-militar em 1939 com o Pacto de Aço e integrou seus objetivos militares em 1940, com o Pacto Tripartite. O Eixo atingiu o seu auge durante a 2ª guerra mundial (1941), ocupando grande parte da Europa, África, Ásia e ilhas do oceano Pacífico. A guerra terminou em 1945, com a derrota do Eixo e dissolução da aliança. Assim como no caso dos Aliados, a constituição do Eixo foi fluída, com nações lutando nas batalhas de caráter político- ideológico.
         Durante a ocupação nazista, encontrou a sua segunda família. Entrou nas forças de combate da Resistência, na facção liderada por François Mitterrand. Foi assim que Edgar Nahoum soçobrou para o registro civil e tornou-se Edgar Morin, nome de batalha que manterá também depois da guerra. Aprendeu a se esconder, a comprar as informações, a antecipar os movimentos da polícia. Um dia, estava chegando a Lyon para um encontro. Teve um pressentimento, decidiu não ir. O amigo que o esperava foi capturado, torturado e morto. Edgar Morin anteviu o medo, a nova ideologia que interpela o indivíduo constrangendo-o. Um sentimento que paralisa consciências, a doença deste século. Da união com Viollete Chapellaubeau nasceram duas filhas: em 1947, Irene Chapellaubeau Nahoun e, em 1948, Veronique Nahoum, primeira mulher de casamento e mãe das duas filhas deste casamento. No dia da Libertação, entrou em Paris a bordo, na falta de melhor expressão, de um automóvel militar, hasteando a bandeira com a amiga escritora Marguerite Duras. Nasceu em Gia Định, atual distrito de Bình Thạnh em Saigon, posteriormente Cidade de Ho Chi Minh, na colônia francesa da Cochinchina, Sul do Vietnã. 
Sua família retornou à França, onde estudou Direito e também se tornou escritora. Decidiu mudar o sobrenome de Donnadieu para Duras, nome de uma vila do departamento francês de Lot-et-Garonne onde se situava a casa de seu pai. É autora de diversas peças de teatro, novelas, filmes e narrativas curtas. Seu trabalho foi associado com o movimento chamado Nouveau Roman e com o Existencialismo. Entre algumas de suas obras estão: O Amante, A Dor, O Amante da China do Norte e O Deslumbramento. Também reconhecida como a roteirista do filme “Hiroshima, meu amor”, dirigido por Alain Resnais, premiado cineasta do movimento Nouvelle Vague, Duras também dirigiu filmes próprios, inclusive o conceituado “Índia Song” (1976), mas a carreira cinematográfica não atinge o reconhecimento entre intelectuais e acadêmicos. Outras obras suas foram adaptadas por diretores de cinema como O Amante de Jean-Jacques Annaud, de 1992. Edgar Morin decidiu partir para Baden-Baden, uma cidade alemã situada na região administrativa de Karlsruhe, no estado (Land) de Baden-Württemberg. Era reconhecida   como Aurelia Aquensis, ou apenas, Aquae (Águas) durante o período romano. Baden-Baden é uma cidade independente (Kreisfreie Stadt) ou distrito urbano (Stadtkreis), ou seja, possui estatuto de distrito (Kreis). Em 1946, dois anos antes do filme de Roberto Rossellini, Morin escreveu L`An zéro de l`Allemagne um conto sobre o país em ruínas. É uma tentativa de compreender como a nação de Goethe e Beethoven pôde provocar a barbárie do nazismo. Até os 30 anos, diz Morin “fui um comunista de guerra, porque dei prioridade à luta contra o nazismo, ignorando, porém, os defeitos do stalinismo. Mas em tempos de paz, assim que começaram os processos e as purgas, rasguei a minha carteirinha”. Em 1951, foi definitiva a expulsão da direção do Partido Comunista Francês  (PCF) por ter criticado analiticamente, em um artigo, o Grande Timoneiro Mao Tsé Tung. – “O partido era como uma igreja, um ambiente sagrado - lembra -, algo inimaginável para os jovens de hoje”.
Poucos dentre os resistentes não se tornam, mais cedo ou mais tarde durante a guerra, clandestinos. Largam atrás de si nomes, profissões, endereços, amigos, parentes. Aprendem até a exaustão a perder o passado, a memória e a si mesmos. A profissão, a família, os laços sociais não importam mais! Vivem exclusivamente em função dos seus fins ético-políticos. A Resistência foi uma ação relativamente voluntária de poucos homens, por isso só aparentemente tornados exemplares. Configura um modelo de comportamento singular e de atitude individual, festejado, celebrado e idealizado de cima a baixo por toda a sociedade, das elites sociais ao proletariado, próximo da abnegação heroica. A dedicação à causa coletiva desdobra-se nas medidas de um apaixonado e exaltado “esquecimento de si”. Um modo político de viver foi alcançado que serve de espelho moral. Mas que designa a dimensão bela, justa e verdadeira do dever cívico, ato simples, ao alcance de todos e próprio do sentimento de ser francês.
Riscos existem, vale advertir, nestas formas-limites do agir. Recusar a existência na qual cada um se inscreve por filiação, por pertencimento social, pode equivaler a uma espécie de denegação do passado e de suas marcas. Filhos de ninguém, a quem não há diferença entre sexo, a nação, as idades, as aptidões, as circunstâncias individuais e coletivas. Negar elos de pertencimento incide no risco de desacreditar das raízes humanas e arrancá-las. Há perigos, bem se sabe, no gosto da utopia: considerar brancas as páginas humanas pode levar a políticas de terra arrasada. Há nas dimensões éticas e políticas, com certeza, uma prudência antropológica a adquirir (cf. Kolleritz, 1999). A 2ª guerra global (1941-1945) é também reconhecida pelas numerosas atrocidades contra civis cometidas pelos combatentes em plena era moderna. Calcula-se um total de 85 milhões de mortos, onde mais de 50 milhões foram civis. Um dos pilares da ideologia nazista era o antissemitismo, que culminou com o etnocídio de cerca de 6 milhões de judeus que anteriormente tiveram seus maiores bens confiscados e foram aprisionados para desempenhar trabalho escravo no âmbito dos Konzentrationslager.
       Além disso, eslavos prisioneiros de guerra, cidadãos poloneses, deficientes, homossexuais e ciganos também foram escravizados e executados. Estima-se que cerca de 11 milhões de civis, em sua maioria eslava, tenham sido intencionalmente assassinados pelos nazistas. O primeiro grande campo de extermínio alemão comandado pela SS foi descoberto em 1944 por tropas soviéticas e desde então foram sendo gradativamente descobertos e tendo seus prisioneiros libertados por tropas norte-americanas, britânicas e soviéticas entre 1944 e 1945. Após a guerra, abriu-se um tribunal militar onde membros influentes do nazismo foram julgados por diversos crimes, inclusive aqueles contra a humanidade e de guerra, no evento reconhecido como Julgamento de Nuremberg. Uma série de tribunais militares, organizados pelos Aliados, depois da  2ª guerra global, e referentes aos processos contra 24 proeminentes membros da liderança política, militar e econômica da Alemanha nazista. Os julgamentos, a cargo do International Military Tribunal (IMT), ocorreram na cidade de Nuremberg, Alemanha, entre 20 de novembro de 1945 e 1º de outubro de 1946. Esse tribunal serviu como base para a criação do Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade de Haia, nos Países Baixos. Posteriormente, entre 1946 e 1949, foram julgados os Processos de Guerra de Nuremberg, em 12 outros tribunais militares. Esses processos referiam-se a 117 acusações por crimes de guerra contra outros membros da liderança nazista. Na Ásia, o Japão Imperial foi responsável por crimes letais de Estado contra chineses, como o Massacre de Nanquim e experiências clínicas secretas com seres humanos vivos.   
            O Massacre de Nanquim, também reconhecido como o Estupro de Nanquim, foi um episódio de assassinato em massa e estupros em massa cometidos por tropas do Império do Japão contra a cidade de Nanquim, na China, durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa, na Segunda Guerra Mundial. O massacre ocorreu durante um período de seis semanas a partir de 13 de dezembro de 1937, o dia em que os japoneses tomaram Nanquim, que na época era a capital chinesa. Durante este período, dezenas de milhares, se não centenas de milhares de civis chineses e combatentes desarmados foram mortos por soldados do Exército Imperial Japonês. Estupros e saques também ocorreram. Vários dos principais perpetradores das atrocidades, na altura rotulados como crime de guerra, mais tarde foram julgados e considerados culpados pelo Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente e pelo Tribunal de Crimes de Guerra de Nanquim, e executados. Outro autor chave, o príncipe Asaka, um membro da Família Imperial, escapou da acusação por ter imunidade,  anteriormente concedida pelos Aliados. O número de mortos no massacre não pode ser estimado com precisão porque a maioria dos registros militares japoneses sobre os assassinatos foram deliberadamente destruídos ou mantidos em segredo logo após a rendição do Japão, em 1945.

         O Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente estimou, em 1948, que mais de 200 mil chineses foram mortos no incidente. A estimativa oficial da China é de mais de 300 mil mortos, com base na avaliação do Tribunal de Crimes de Guerra de Nanquim em 1947. O número de mortos tem sido ativamente contestado entre os estudiosos desde a década de 1980, com estimativas que variam de 40 mil a mais de 300 mil seres humanos mortos.  Edgar Morin é um dos principais representantes contemporâneos da análise de estudos da complexidade, que inclui perspectivas anglo-saxônicas e de origem latinas. Sua abordagem é reconhecida dubiamente como pensamento complexo ou paradigma da complexidade. Mas o filósofo não se identifica como analista “teórico da complexidade”. Nem pretende limitar suas pesquisas às chamadas concepções de “ciências da complexidade”. Pois, menos se distingue entre perspectivas restritas, limitadas, e amplas ou mesmo generalizadas da reflexão sobre a complexidade. Em 1941, adere ao Partido Comunista, “num momento em que se sentia, pela primeira vez, que uma força poderia resistir à Alemanha nazista”. Entre 1942 e 1944, como tenente das forças combatentes francesas, adotou o codinome Morin, que conservaria em diante. Durante a Libération, é transferido para a Alemanha ocupada, como adido ao Estado Maior do Primeiro Exército Francês na Alemanha (1945), e como chefe do Departamento de Propaganda do governo militar francês (1946).

Escreve seu primeiro livro, L`An Zéro de l`Allemagne, publicado em 1946, no qual descreve a condição do povo alemão no pós-guerra, sendo apreciado por Maurice Thorez, que o convida a escrever para a revista Lettres françaises. A partir de 1949, distancia-se do PCF, do qual será excluído em 1951, por suas posições críticas. Aconselhado por Georges Friedmann, que conheceu durante a ocupação e com o apoio de Maurice Merleau-Ponty, de Vladimir Jankélévitch e Pierre George, entra para o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) em 1950. Começa a escrever L`Homme et la Mort que será editado a seguir, em 1951. Em 1955 coordena um comitê político contra a guerra da Argélia e defende particularmente Messali Hadj, pioneiro da luta anticolonial e um dos próceres da Independência da Argélia. Em 1960, funda, na École des Hautes Études en Sciences Sociales - Sociologie, Anthropologie, Histoire (EHESS), o Centro de Estudos de Comunicação de Massa (CECMAS), com Georges Friedmann e Roland Barthes, com a intenção de adotar uma abordagem transdisciplinar do tema, e criam a revista Communications.  Edgar Morin é também fundador da revista Arguments (1957-1963). Em 1963, casa-se com a artista plástica de origem quebecoise-caribenha Joahnne, com quem viaja ao Brasil diversas vezes. De 1978 a 1975, integrou  “Grupo dos Dez”, onde absorveu contato com as três teorias que viriam fundamentar as suas ideias sobre a teoria da complexidade: cibernética, teoria da informação e teoria dos sistemas.
Em 1973, publica o livro L`Paradigme Perdu: La Nature Humaine. Este livro foi o ponto de partida para a construção do Método, série de livros, onde Edgar Morin explica minuciosamente a sua teoria da complexidade. Nomeado diretor de pesquisa do CNRS em 1970, será entre 1973 e 1989, um dos dirigentes do Centro de Estudos Transdisciplinares da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), sucessor do Centro de Estudos de Comunicação de Massa (CECMAS). A principal obra de Edgar Morin é a constituída por seis volumes, mas é em particular em La Méthode que o pensador propõe o conceito de complexidade, a ideia-chave do método, que em seus volumes foi escrita durante três décadas e meia. Trata-se de uma das maiores obras de epistemologia. Inicia seus primeiros manuscritos de La Méthode, em 1973, com a publicação do livro: O Paradigma Perdido: a Natureza Humana, uma transformação epistemológica por questionar o fechamento ideológico e paradigmático das ciências, além de apresentar uma alternativa à concepção de paradigma encontrada no pensamento de Thomas Kuhn. A razão cartesiana impôs um paradigma. Ela nos ensinou a separar a razão da des-razão. Temos que religar o que a ciência cartesiana e as universidades através da divisão técnica do trabalho separou. Ainda que as condições socioculturais sejam distintas das condições biocerebrais, estão ligadas por um nó górdio: as sociedades existem e as culturas só se formam, conservam, transmitem e desenvolvem através das interações cerebrais ou espirituais entre os indivíduos.
A cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada/organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir, segundo Morin, do “capital cognitivo coletivo” dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. Estas regras geram processos sociais e regenera globalmente a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. Isso facto, cultura e sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual, “se a cultura contém um saber coletivo acumulado em uma memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva”. 
É neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem, métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, tabus, o seu etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua ignorância de ignorância. Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento, constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um contínuo, o outro descontínuo (binário).
As aptidões individuais organizadoras do cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo o todo enquanto todo. Falar em complexidade é falar em relação de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas essa complexidade que permite compreender a possível autonomia relativa do espírito  (faculdades intelectuais) e no sentido técnico do cérebro individual.

      Mas é assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação á sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais. Em relação  à determinação cultural utilizando sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, pela via da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é, ipso facto, um  elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual.
As nossas percepções ou mesmo concepções estão sob um controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas. A percepção é submetida a categorizações, conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento intelectual organiza-se em função de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias sociais e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias. Assim se opera a “construção social da realidade”, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais, em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (ficção), que constitui a visão de mundo,  que concretiza-se em verdade, em erro, na mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário, segundo Edgar Morin, conceber não só o enraizamento do conhecimento na sociedade e a interação social do conhecimento/na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão propria cognitiva.         
Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento. A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de libertá-lo. Mas isso seria, sobretudo, ignorar as potencialidades de autonomia relativa, no interior de todas aquelas culturas, dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde tira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. Assim, o conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica. Sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico.  
Sobre a aquisição do conhecimento pesa um formidável determinismo. Ele nos impõe o que se precisa conhecer, como se deve conhecer, o que não se pode conhecer. Comanda, proíbe, traça os rumos, estabelece os limites, ergue cercas de arame farpado e conduz-nos ao ponto onde devemos ir. E também que conjunto prodigioso de terminações sociais, culturais e históricas é necessário para o nascimento da menos ideia, da menor teoria. Não bastaria limitarmo-nos a essas determinações que pesam do exterior sobre o conhecimento. É necessário considerar, também, os determinismos intrínsecos ao conhecimento, que são, segundo Morin, muito mais implacáveis. Em primeiro lugar, princípios iniciais, comandam esquemas e modelos explicativos, os quais impõem uma visão de mundo e das coisas quee governam/e controlam de modo imperativo e proibitivo a lógica dos discursos, pensamentos, teorias. Ao organizar os paradigmas e modelos explicativos associa-se o determinismo organizado dos sistemas de convicção e de crença que, quando reinam em uma sociedade, impõem a todos a força imperativa do sagrado, a força normalizadora do dogma, a força proibitiva do tabu. As doutrinas e ideologias dominantes dispõem também da força imperativa e coercitiva que leva a evidência aos convictos e o temor inibitório aos desalmados.
Há, assim, sob o conformismo cognitivo, muito mais do que mero conformismo. Há um imprinting cultural, matriz que estrutura o conformismo, e há uma normalização que o impõe. O imprinting é um termo que Konrad Lorentz propôs para dar conta da marca incontornável imposta pelas primeiras experiências do jovem animal, como o passarinho que, ao sair do ovo, segue como se fosse sua mãe, o primeiro ser vivo ao seu alcance. Ora, há um imprinting cultural que marca os humanos, desde o nascimento, com o selo da cultura, primeiro familiar e depois escola, prosseguindo na universidade ou na profissão. Contrariamente à orgulhosa pretensão dos intelectuais e cientistas, o conformismo cognitivo não é de modo algum uma marca de sub-cultura que afeta principalmente as camadas subalternas da sociedade. Ao contrário, os subcultivados sofrem um imprinting e uma normalização atenuados e há mais opiniões pessoais diante do balcão de café do que num coquetel literário. Embora contrariados em  contradição com seu desenvolvimento liberal intelectual que permite a expressão de desvios e de ideias e formas escandalosas, o imprinting e a normalização crescem em paralelo com a cultura.
O imprinting cultural determina à desatenção seletiva, que nos faz desconsiderar tudo aquilo que não concorde com as nossas crenças, e o recalque eliminatório, que nos faz recusar toda informação inadequada às nossas convicções, ou toda objeção vinda de fonte técnica considerada má. A normalização manifesta-se de maneira repressiva ou intimidatória. Cala os que teriam a tentação de duvidar ou de contestar. A normalização, portanto, com seus subaspectos de conformismo, exerce uma prevenção contra o desvio e elimina-o, se ele se manifesta. Mantém, impõe a norma do que é importante, válido, inadmissível, verdadeiro, errôneo, imbecil, perverso. Indica os limites a não ultrapassar. As palavras a não proferir. Os conceitos a desdenhar, as teorias a desprezar. O imprinting assimila a perpetuação dos modos de conhecimento e verdades estabelecidas. Obedece a processos de tribunais: uma cultura produz modos de conhecimento entre os homens dessa cultura. Através do seu modo de conhecimento, reproduzem a legitimidade que produz esse conhecimento. As crenças que se impõem são fortalecidas pela fé que suscitaram. Se reproduzem não somente os conhecimentos, mas as  estruturas e os modos reguladores que determinam a invariância desses conhecimentos.
As ideias movem-se, mudam de lugar, ganham força na história, apesar das formidáveis determinações internas e externas globais. O conhecimento transforma-se, progride, regride. Crenças e teorias renascem; outras, antigas, morrem. A primeira condição de uma dialógica cultural é a pluralidade e diversidade de pontos de vista. Essa diversidade cultural é potencial e está em toda parte. Toda sociedade comporta indivíduos genética, intelectual, psicológica e afetivamente muito diverso, apto, portanto, a outros pontos de vista cognitivamente muito variados. São, justamente, essas diversidades de pontos de vista culturais e políticos que inibem e a normalização reprime. Do mesmo modo, as condições ou acontecimentos aptos a enfraquecerem o imprinting e a normalização permitirão às diferenças individuais exprimirem-se no domínio cognitivo. Essas condições aparecem nas sociedades que permitem o encontro, a comunicação e o debate de ideias. A dialógica cultural supõe o comércio, constituído de trocas múltiplas de informações, ideias, opiniões, teorias; o comércio das ideias é tanto mais estimulado quanto mais se realizar com ideias de outras culturas do passado. O intercâmbio das ideias produz o enfraquecimento dos dogmatismos e intolerâncias, o que resulta no seu próprio crescimento. Comporta a competição, a concorrência, o antagonismo, o conflito social e político, e portanto, entre ideias, concepções e visões de mundo.

Quando a sociedade é demasiada complexa, isto é, policultural, e um mesmo indivíduo experimentam várias inserções, seja familiar, de casta ou clã, étnica, nacional, política, filosófica, religiosa, e assim por diante, então, todo o conflito entre essas dependências e crenças pode tornar-se fonte de debates, problemas, crises internas, o que segundo a perspectiva de Morin, “instala a dialógica no seio do próprio espírito individual”. Mas quando ideias contrárias se enfrentam no espírito de um mesmo indivíduo, elas podem então: - seja se anular reciprocamente, dando lugar ao ceticismo, ele mesmo fermento de atividade crítica e motos do debate de ideias; seja, provocar um ligação dupla (double bind), contradição pessoal gerando na mente uma crise espiritual, que estimula a autorreflexão e suscita eventualmente uma busca de nova solução; - seja suscitar uma hibridização ou, melhor, uma síntese criadora entre ideias contrárias. O encontro de ideias antagônicas cria uma zona de turbulência que abre uma brecha no determinismo. Mas pode  estimular, entre indivíduos na formação de grupos, interrogações, dúvidas, reticências, buscas.
O processo social de formação de uma tendência é, ao mesmo tempo, da legitimação dessa tendência: eludindo a nova concepção social torna-se respeitável e respeitada. Institucionaliza-se, estabelece a regra, ou seu princípio de normalização, na sua esfera de influência.  Portanto, “a mentalidade científica”, inicialmente marginal e desviante, muito prudente, até mesmo astuciosa em relação aos poderes coligados do espiritual e do temporal, progressivamente, autonomizou-se e enraizou-se no interior da sociedade, criando suas associações e instituições e, em dois séculos, tornou-se a nova ortodoxia no conhecimento do mundo. Mas uma ortodoxia de novo tipo, pois comporta o debate e o conflito de ideias. Existem situações nas quais o desvio é reconhecido (saudado) como “originalidade”. Mas embora fuja da norma, beneficia-se de um estatuto elitista que o eleva acima da norma de um determinado regimento sindical ou escolar. Para que este seja não apenas tolerado, mas considerado como originalidade e não mais como desvio, e pluralismo cultural com autonomização dos estatutos dos artistas, autores, pensadores e produtores sociais. 
É com a grande explosão cultural que atravessa o Renascimento, de forma extraordinária o Iluminismo e a Modernidade contemporânea que, realçando a ideia constituem o ideário de que foram reconhecidos, protegidos, admirados, nas cortes e depois pelas elites burguesas, promovendo a genialidade nas artes, nas letras, nas ciências e no pensamento filosófico com a reprodutibilidade técnica das artes e das ciências. Mais tarde, mecenas, fundações privadas e instituições republicanas passaram a ajudar os criadores, fetichistas sociais e cientistas, enquanto que um estatuto de elite privilegiava a originalidade oficialmente descoberta nas artes, nas letras e na gênese das ideias. A oficialização da ideia de criação e de originalidade apaga o desvio da marginalidade, da ordem discursiva ante legalidade e ilegalidade. O estatuto oficial produz uma cadeia interligada na constituição das normas, nova conformidade que apesar do seu conformismo, constitui um terreno favorável à expressão de talentos. Produtores, cientistas, juízes, novos credos, uma nova fantasmagoria real. O caráter da farsa, da ilegibilidade e da corrupção dos juízos. A noção de talento profissional, nunca é demais repetir, está relacionado à aptidão ou à inteligência. 

Bibliografia geral consultada.

MORIN, Edgar, As Estrelas. Mito e Sedução no Cinema1ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1972; Idem, Introducción al Pensamiento Complejo. Barcelona: Editorial Gedisa, 1998; Idem, Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. 9ª edição. São Paulo: Cortez, 2004; Idem, O Método 4 – As Ideias. Habitat, Vida, Costumes, Organização. 4ª edição. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008; Idem, Edwige, L`Inséparable. Paris: Éditions Fayard, 2009; Idem, Rumo ao Abismo: Ensaios sobre o Destino da Humanidade. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2011; A Cabeça Bem-feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. 20ª edição. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2012; Idem, Ciência com Consciência. 15ª edição. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2013; KOLLERITZ, Fernando, “A Apostasia Comunista: A Subjetividade como Política”. In: Rev. Bras. Hist. Volume 19, n° 38. São Paulo, 1999; AÏT ABDELMALEK, Ali, “Edgar Morin, Sociologue et Théoricien de la Complexité: Des Cultures Nationales à la Civilisation Européenne”. In: Sociétés, (4) 2004, n° 86, pp. 99-117; GONÇALVES, Joanisval Brito, Tribunal de Nuremberg (1945-1946) - A Gênese de uma Nova Ordem no Direito Internacional. Rio de Janeiro: Editor Renovar, 2004; ALLEGRO, Luís Guilherme Vieira, A Reabilitação dos Afetos: Uma Incursão no Pensamento Complexo de Edgar Morin. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007; WAKABAYASHI, Bob Tadashi (Ed.), The Nanking Atrocity, 1937–38: Complicating the Picture. Tóquio: Editor Berghahn Books, 2008; TOUBOUL-TARDIEU, Eva, Séphardisme et Hispanité. París: Presses de l`Université Paris-Sorbonne, 2009; GOMES, Valdemarin Coelho, Pensamento Complexo e Educação para o Futuro: Entrelaçamentos na Teia Ideológica do Capital. Tese de Doutorado em Educação. Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2010; STIGAR, Robson, As Aberturas do Complexo: Uma Análise da Religiosidade no Pensamento de Edgar Morin. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciência da Religião. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018; PASSOS, Úrsula, “Seguimos como Sonâmbulos e Estamos indo Rumo ao Desastre, diz Edgar Morin”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/24/06/2019; entre outros. 

sábado, 10 de agosto de 2019

Walter Casagrande - Futebol, Sociedade & Democracia Corinthiana.


                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga

Foi sensacional ter vivido a Democracia Corintiana e participado da fundação do PT”. Walter Casagrande

                                                 
               Em 1° de setembro de 1910, um grupo de cinco operários: Joaquim Ambrósio, Antônio Pereira, Rafael Perrone, Anselmo Correa e Carlos Silva do bairro paulistano Bom Retiro, sob a luz de um lampião, às oito e meia da noite, decidiram criar um novo time de futebol, além de mais oito pessoas que contribuíram com 20 mil réis e também foram considerados sócio-fundadores. A ideia surgiu depois de assistirem à atuação do Corinthian FC, equipe inglesa de futebol fundada em 1882, que excursionava pelo Brasil. O Corinthian nasceu numa época em que a Escócia tinha grande expressão no futebol. Os clubes mais tradicionais da Escócia são o Celtic Football Club e o Rangers Football Club, ambos da cidade de Glasgow. O derby entre eles, um dos clássicos de maior rivalidade no mundo, é conhecido como Old Firm. Surgiu para competir com os escoceses. Curiosamente seus atletas vestiam-se inteirinho de branco. O nome Corinthian tem como representação social e significado sociológico “o homem da moda e do prazer”, que capta toda a essência dos membros de jogo e sua ideologia desportiva.  
             Na sétima divisão inglesa, o clube que inspirou o nome do Timão em 1910 é formado por jogadores amadores, que além de jogarem futebol possuem outros empregos. Mesmo assim, o crescimento foi tão grande que, em apenas 4 anos, 9 jogadores do Corinthian foram convocados pela seleção inglesa inclusive um incrível jogador chamado Luke Daves, meio campo com muita agilidade raciocínio rápido e dribles desconcertantes. Eram ingleses chamados pela imprensa social de “Corinthian`s Team”, mas o time brasileiro só seria batizado “Sport Club Corinthians Paulista” depois de discussões e algumas reuniões. O presidente escolhido foi o alfaiate Miguel Battaglia, que já no primeiro momento afirmou: “O Corinthians vai ser o time do povo e o povo é quem vai fazer o time”. Da primeira arrecadação de recursos à compra da primeira bola se passou apenas uma semana. Um terreno no subúrbio paulista foi alugado na Rua José Paulino, aplainado e virou campo de futebol. Foi lá que, no dia 14 de setembro, o primeiro treino foi realizado diante de uma plateia que garantiu: - “Este veio para ficar”. O time foi se tornando famoso, mas era ainda um time de várzea, quer dizer, por serem terrenos cultiváveis junto aos rios e ribeirões.



                Em 1913, uma dissidência entre três clubes que disputavam o Campeonato Paulista abriu a oportunidade para que clubes de origem popular, reconhecidos como “varzeanos”, disputassem a competição organizada pela Liga Paulista de Futebol, e o Corinthians ganhou o direito de disputar pela primeira vez essa competição após vencer uma seletiva contra o rival, Minas Gerais, representante do bairro do Brás, e o Futebol Clube São Paulo, no bairro central do Bixiga. A temporada seguinte seria marcante para a história Corinthiana. Com apenas quatro anos de existência, o time conquistou seu primeiro título, o Campeonato Paulista de 1914 organizado pela Liga Paulista de Futebol - LPF. O Corinthians sagrou-se campeão sensacionalmente de forma invicta, com 10 vitórias em 10 partidas, 37 gols marcados e 9 gols tomados. Com 12 gols, Neco foi o artilheiro da competição. A equipe Corinthiana que conquistou o 1° título era representada pelos craques: Sebastião, Fúlvio, Casimiro II, Police, Bianco, César, Américo, Peres, Amílcar, Aparício, Neco, e outros. Naquele ano, o Corinthians realizou sua primeira partida contra estrangeiros, o Torino Football Club, com sede em Turim, capital do Piemonte. Os italianos venceram pelo escore de 3 x 0.
            Fausto Silva iniciou sua carreira aos 14 anos, como repórter da rádio Centenário de Araras, no interior de São Paulo. Logo depois, mudou-se para Campinas e trabalhou durante cinco anos na Rádio Cultura, na qual comandou o musical New Pop International. Em 1970, foi contratado pela Rádio Record, na capital paulista, para apresentar o jornal da noite, do qual era também redator, e se iniciou no mundo do esporte, passando a trabalhar como repórter de campo na Jovem Pan - Rádio Panamericana. Além do rádio, Faustão também se dedicou ao jornalismo, tendo sido contratado pelo jornal O Estado de S. Paulo, como repórter esportivo. Foi nessa função que foi levado para a Rádio Globo em 1977, convidado por Osmar Santos que estava cursando a faculdade de Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e tinha aulas com nomes destacados da política como Eduardo Matarazzo Suplicy, professor universitário, administrador de empresas e político brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), do qual é um dos fundadores. Foi Senador pelo estado de São Paulo durante longos 24 anos.  Atualmente é vereador do Município de São Paulo. E André Franco Montoro, um jurista e político brasileiro. Entre outros cargos, foi governador de São Paulo, senador, deputado federal e ministro do Trabalho. Publicou diversas obras jurídicas e de teoria política, voltadas principalmente ao tema caro entre nós da concepção de “justiça social”.
             Naquela mesma noite, haveria um show do Corinthians, denominado Estrelas no parque, com a participação de diversos artistas para levantar fundos para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo de São Paulo. Noutro documento preparado pelo famigerado Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), estiveram presentes Raimundo Fagner, considerado um dos maiores astros da música popular brasileira (MPB), o cartunista Henfil que em 1981 ganhou o Prêmio Vladimir Herzog na categoria Artes,  Antônio Carlos Belchior, Tetê Spindola, uma das mais belas e exóticas vozes nacionais, Beth Mendes e Gonzaguinha, além dos jogadores Sócrates, Wladimir e Casagrande. – “Elis Regina foi muito lembrada pelos presentes, que inúmeras vezes gritavam euforicamente o  nome do Partido e de seu candidato ao governo de São Paulo”, relatou o agente da repressão. O centroavante acabou aceitando a tarefa. Depois de subir ao palco para anunciar Fagner, o primeiro astro a se apresentar naquela noite no ginásio do parque São Jorge, ele partiu sozinho em direção ao Tuca – “Cheguei a tempo de pegar a última música do show. Em seguida fui ao camarim. Como já sabia, Gonzaguinha tentou resistir à ideia. Não queria se vincular a qualquer partido político. Mas argumentei que vivíamos um momento de transição política e seu apoio a um partido novo, com princípios democráticos, seria muito importante. Ele acabou concordando e fomos rapidamente para o Corinthians” (cf. Casagrande & Ribeiro, 2013: 153).

      Mas logo ao entrar no palco, Luiz Gonzaga surpreendeu a todos com um discurso: - “Aqui no ginásio há um garoto de 19 anos que está lutando para ser alguma coisa na vida, começando a carreira no futebol, e já se tornou vítima da repressão neste país, disse Gonzagão, referindo-se à prisão de Casagrande no mês anterior, sob a acusação de porte de cocaína. Enquanto isso, um canhão de luz o procurava na plateia. Ao ser localizado, ainda atônito e ofuscado pela luminosidade, Casão tinha os olhos marejados. – “Uma coisa fodida! Não era qualquer um, era o Luiz Gonzaga saindo em minha defesa. Isso ajudou muito a deixar a opinião pública ao meu lado”. Depois disso, seguiram-se muitos outros encontros com Gonzaguinha. Durant a preparação para a Copa do Mundo de 1986, na Toca da Raposa, em Belo Horizonte, o encontro se tornou praticamente diário. – “Ele ia quase todos os dias, de bicicleta, ver o treino. Um cara inteligente prá caralho, gente fina, alegre e divertido. Bem diferente daquela sua imagem pública, mais fechada. O Gonzaguinha se tornou um irmão para mim e  acrescentou muito na minha vida”. O estreito envolvimento com os shows de cunho político realizados no parque São Jorge, assim como seu papel de destaque no  movimento “Democracia Corinthiana”, o levou a ser monitorado pelos órgãos de repressão do Estado autoritário dali em diante. Outros “atos suspeitos” do atacante, como a assinatura de um Manifesto contra o racismo, também foram registrados pelos representantes da ditadura civil-militar.
              Walter Casagrande se filiou ao Partido dos Trabalhadores numa época em que o novo partido simbolizava a esperança de mudança na política do país, e sente grande orgulho por ter ajudado a legenda a se estabelecer como força nacional. – “Naquela época, andava muito com os jornalistas Gilson Ribeiro, então na TV Globo, e Ari Borges, da Folha de S. Paulo, que compartilhavam os mesmos ideais de liberdade. Nós frequentávamos o bar Spazio Pirandello, reduto de intelectuais e artistas de esquerda. Ficava na Rua Augusta, e até algumas reuniões do PT eram feitas lá”. Ele chega a se emocionar toda vez que olha para uma foto histórica, na qual aparece sentado ao lado de Lula, juntamente com Wladimir e Pita, ex-jogadores do Corinthians, em cima de uma mesa na primeira sede da legenda em São Paulo. – “Nunca votei em outro partido e sempre acreditei no Lula. Quando ele virou presidente, me senti orgulhoso, realizado. Afinal, foi uma aposta minha juntamente com muitas outras pessoas, que acabou dando certo. Ele se tornou um dos melhores presidentes da história do país. Entre erros e acertos, o saldo é muito positivo”. Casagrande relativiza as críticas feitas à Lula e ao PT pelas composições com amigos da política nacional. – “A maioria dos políticos, assim que chega lá, no Palácio do Planalto, entra completamente no jogo das velhas raposas”.
Fausto Silva usa camisa com propaganda política.
              Revelado como jogador no Corinthians, Casagrande iniciou sua carreira em 1980. Porém, logo após ter se profissionalizado, o jogador, aos 18 anos, teve um desentendimento com Oswaldo Brandão, então técnico do Corinthians. Por esse motivo, Casagrande foi cedido à Caldense, de Poços de Caldas. A Associação Atlética Caldense é uma agremiação esportiva de Poços de Caldas, no estado de Minas Gerais fundada a 7 de setembro de 1925. O ex-zagueiro do Corinthians na década de 1960 Ditão era um grande amigo da família de Walter Casagrande. Retornou ao Corinthians em 1982 quando fez parte da “Democracia Corintiana”, movimento social que dizia respeito simultâneo tanto ao esporte quanto à política. Sem dúvida, o jogador Sócrates influenciou politicamente Casagrande e outros amigos. Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Sócrates nasceu em Belém do Pará a 19 de fevereiro de 1954 e se criou na Ribeirão Preto, onde aos 16 anos atuava no Botafogo Futebol Clube. Mas engana-se quem pensa que esse interesse surgiu por causa exclusiva do amigo. De índole libertária, incomodava-se com a opressão social cotidiana imposta pelos milicos golpistas. Os jogadores se revoltaram e iniciaram uma rebelião no estádio. Walter Casagrande viveu sua melhor fase de atleta, jogando ao lado de craques com o brilho de Zenon, Biro-Biro e Sócrates.
            Todas as decisões do Departamento de Futebol passaram a ser feitas no voto. Os eleitores? Jogadores, integrantes da comissão técnica composta desde técnicos a massagistas, roupeiros e diversos diretores. Por esse colegiado, passavam contratações, dispensas, concentração, premiações. Em 2013, um novo movimento de jogadores, o chamado Bom Senso F. C. é gestado reunindo craques de diversos clubes interessados em organizar melhor o novo calendário. - O grande lance da conjuntura daquilo, que é algo que devia possuir mais valor, “é você botar no mesmo patamar de decisão coletiva pessoas de classes sociais distintas. Auxiliar de roupeiro com o mesmo peso de dirigentes. Isso é o mais belo, o mais bonito e o mais rico” - analisou Sócrates, pouco antes de morrer, em 4 de dezembro de 2011, aos 57 anos. A Democracia Corinthiana começou a ser gestada ainda em 1981, quando se iniciava um processo global de transformações na ordem política, econômica e social, mesmo com as campanhas moderadas da corporação nos campeonatos Paulista e campeonato Brasileiro. A saída de Matheus deu renovação técnica ao grupo. Washington Olivetto, responsável por algumas campanhas mais importantes no país, engendrou uma estratégia ousada e feliz de marketing político: os jogadores passaram a entrar em campo nos grandes estádios de futebol com as seguintes frases políticas: Diretas Já! e Eu quero votar para presidente (cf. Fantinatti, 2004).                                                                          
              O ex-jogador de futebol Sócrates faleceu em consequência a um choque séptico, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Faustão prestou uma homenagem ao vivo ao médico que brilhou nos gramados. - “Convivi muito com o Sócrates, mas sei da ligação dele com Walter Casagrande Jr.”, comentou Faustão, que conversou ao vivo com o comentarista de futebol da TV Globo. - “Estou muito triste, mas o que me conforta é que há um mês tive a oportunidade de falar nos olhos dele tudo que o eu sentia. Hoje não é um dia fácil para ninguém que está envolvido com o futebol”, disse Casagrande. Em nome da equipe do programa, Faustão mandou uma mensagem de carinho para a família e fãs de Sócrates. O eterno craque corintiano morreu aos 57 anos, era casado e tinha seis filhos. Como futebolista, Sócrates é considerado como um dos maiores do futebol brasileiro e, segundo a FIFA, um dos maiores do futebol mundial. Maior ídolo do Corinthians ao lado dos companheiros Luisinho, Cláudio, Roberto Rivellino, Marcelinho Carioca, Neto, Baltazar, Cássio e do Botafogo de Ribeirão Preto, ao lado de seu irmão Raí e Zé Mario. Sócrates notabilizou-se também por sua militância política, particularmente na década de 1980, quando liderou um movimento pela democratização do futebol e participou do reconhecido movimento pelas Diretas Já!
              Historicamente Diretas Já! representou um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido entre 1983 e 1984. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil se concretizaria com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso. Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. A ideia de criar um movimento social a favor de eleições diretas foi lançada em 1983, pelo então senador alagoano Teotônio Vilela no programa Canal Livre, da Rede TV Bandeirantes. Em 1979, descontente com a lentidão da reabertura política proposta pelo governo e pela Arena, Teotônio Vilela filia-se ao MDB, que viria a se tornar o Partido do Movimento Democrático Brasileiro no ano seguinte. A primeira manifestação a favor de eleições diretas ocorreu no recém-emancipado município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, no dia 31 de março de 1983. Organizada por membros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) no município, a manifestação foi noticiada amplamente pelos jornais do estado. Fez-se o chamado social irradiado seguido por manifestações em Goiânia, em 15 de junho de 1983. A repressão militar é contínua, mas o movimento pela liberdade não retrocede e os democratas intensificam as manifestações por eleições diretas.

     Na televisão, o general João Batista de Figueiredo classificava como subversivos os protestos que começavam como estopim a acontecer em todo o país. Mas admitia: “É para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo. Arrebento. Não tenha dúvidas”. No ano seguinte o movimento social reuniu condições políticas para se mobilizar abertamente. E foi em São Paulo que a investida democrática ganhou com a força bruta da política um evento operário organizado e realizado no central parque do Vale do Anhangabaú, na Capital, em pleno aniversário da cidade de São Paulo, dia 25 de janeiro. Mais de 1,5 milhão de trabalhadores se reuniram para declarar apoio ao Movimento das Diretas . O ato é liderado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva e Pedro Simon, artistas e intelectuais engajados. A perda de prestígio do regime militar junto à população era evidente. Militares da raia miúda, com salários corroídos pela inflação descontrolada começavam a pressionar comandantes que também estavam descontentes com a crise. O movimento agregou amplos setores da sociedade civil. Participaram partidos políticos de oposição ao regime militar, além de lideranças sindicais, civis, artísticas, estudantis e jornalísticas.                   
               A cantora paraense Fafá de Belém participou ativamente de todos os 32 comícios realizados no movimento das Diretas . Fafá se apresentou gratuitamente em passeatas e comícios, cantando os temas Menestrel das Alagoas, em homenagem a Teotônio Vilela, e de forma magistral e tipicamente muito original, o Hino Nacional Brasileiro. “Menestrel das Alagoas” foi lançado em 1983, no seu álbum intitulado: “Fafá de Belém e o Hino Nacional Brasileiro”, posteriormente em 1985 no álbum Aprendizes da Esperança. A célebre interpretação do hino nacional diante das câmeras para uma multidão que clamava pela redemocratização do país foi ovacionada e aclamada pelo público. Fafá soltava uma pomba branca, gesto que se tornou símbolo do movimento e transformou-a na musa das Diretas . A célebre interpretação do hino nacional brasileiro, resgatando para a sociedade a sociologia das emoções, diante das câmeras para uma multidão que clamava pela redemocratização do país foi muito contestada pela Justiça, mas ao mesmo tempo foi ovacionada e aclamada pelo público.
           O Festival Internacional da Canção Popular (FIC) foi um concurso de músicas nacionais e estrangeiras, anual, realizado no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, e transmitido pela TV Rio, na primeira edição e pela TV Globo. A música de abertura era composta por Erlon Chaves e chamava-se Hino do FIC. O apresentador oficial era Hilton Gomes, que imortalizou a frase: Boa sorte, maestro! O prêmio Galo de Ouro foi concebido por Ziraldo e confeccionado pela joalheria H. Stern. Criado por Augusto Marzagão durou de 1966 a 1972, num total de sete edições.  Cada edição do festival tinha duas fases do processo comunicativo: a primeira de representação nacional, para escolher a melhor canção brasileira, e a internacional, para eleger a melhor canção de todos os países participantes: a concorrente brasileira era a vencedora da fase nacional. Apenas duas canções brasileiras foram contempladas com o Galo de Ouro: “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretada por Cynara e Cybele, vencedora em 1968 do III FIC, e “Cantiga por Luciana” de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós interpretada pela Evinha, vencedora em 1969 do IV Festival Internacional.  
             Durante a campanha pelas eleições diretas, no final de suas apresentações, Fafá soltava uma pomba branca, gesto que se tornou símbolo do movimento social e transformou a mesma na musa luso-brasileira das Diretas . Numa entrevista dada ao jornal Folha de S. Paulo em 2006, Fafá de Belém declarou que Franco Montoro e outros políticos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) não queriam sua participação no movimento e que ela só passou a se apresentar por insistência da magnanimidade de Lula. Na mesma entrevista, Fafá declarou ter sido muito próxima a políticos do Partido dos Trabalhadores (PT), mas que sua relação com estes se definhou após ela ter declarado seu apoio a Tancredo Neves, a cuja candidatura o Partido dos Trabalhadores se opôs com sabedoria. Fafá de Belém foi de suma importância para o comício realizado em 10 de abril de 1984, pois foi ela quem “conseguiu fazer com que Dante de Oliveira subisse ao palco do evento, alegando para os policiais presentes que ele era o percussionista de sua banda”.                 
                O uso de drogas, os cabelos compridos e as roupas de “bicho grilo” não deixavam de serem atos de contestação social e rebeldia naquele ambiente sufocante. Casão acompanhava com atenção as mobilizações de resistência ao autoritarismo, pronto a tomar parte delas. Adolescente engajado fazia questão de comparecer a shows com motivação política. No parque São Jorge, houve alguns eventos desse tipo. Em 1979, ainda juvenil do Corinthians e totalmente desconhecido, assistiu a um show em prol da Anistia de brasileiros exilados perseguidos pelo regime autoritário, como afirma Walter Casagrande. – “Pela primeira vez, tive contato com artista. Os alojamentos localizados atrás do ginásio foram improvisados como camarins e, por ser atleta, conseguiu acesso. Mas só passei rapidamente e dei uma olhada: vi a Elis Regina, o Made in Brasil”. Para não correr risco de apanhar ou ser preso, refugiou-se na galeria do prédio, que pertencia ao então presidente Vicente Matheus, do Corinthians, bem em frente ao próprio clube. – “Eu assisti ao show com Taís, afirma Casagrande, uma amiga quer era moradora desse mesmo prédio, mas ela tinha ido embora quando a polícia apareceu. Então invadi a galeria e dormi ali mesmo, num cantinho”. 
             Pouco anos depois, já famoso continuou indo a shows dessa natureza no parque São Jorge, em defesa de eleições diretas para presidente ou com o propósito de levantar fundos para o recém-nascido Partido dos Trabalhadores (PT). Foi numa ocasião dessas, ocorrida em 24 de outubro de 1982, que Casagrande conheceu um personagem de vital importância em sua vida: o cantor e compositor Gonzaguinha. No fim da manhã daquele dia, o craque participara do Futebol das Estrelas, um jogo cívico pela redemocratização do páis do qual constara jogadores do Corinthians e diversos artistas, como Gonzaguinha, Fagner, Toquinho e até a atriz Bete Mendes, conforme consta do relatório oficial preparado por agentes da Polícia Civil para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Ao final da partida, Casão deixou o campo, casual com Gonzaguinha. Os dois iniciaram conversa enquanto caminhavam e, como houve afinidade imediata, resolveu parar no Bar da Torre, no coração do parque São Jorge, para tomar cerveja e continuar o animado bate-papo. Conversaram entusiasticamente sobre futebol, música e política. Chegaram à confraternização no final, mas com as carnes causada pela ação contínua do sal que pode resultar em um filé esturricado.                    
               Gonzaguinha iria fazer à noite um show no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), que se tornara um símbolo de afirmação contra a ditadura depois de ter sido invadido em 22 de setembro de 1977 pelas forças policiais do regime militar, comandadas pelo coronel Erasmo Dias, com objetivo de reprimir uma manifestação estudantil no local. No dia 26 de setembro de 1977, o então general-presidente Ernesto  Beckmann Geisel (1907- 1996) acertou com o presidente da Arena - partido da ditadura militar -, deputado Francelino Pereira, para agendar data de reunião com o diretório nacional do partido com os presidentes dos diretórios regionais. Em reportagem publicada na data, no jornal Folha de S. Paulo, é dito que Pereira mostraria para Geisel os resultados da reunião, depois de manifestação expressiva em torno da necessidade de reformas constitucionais. A campanha pela Constituinte seria esvaziada. O presidente do Senado, também da Arena, Petrônio Portella disse que o Brasil é “um país independente, com sua política própria e atuando exclusivamente dentro dos seus interesses” em referência à visita do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. Geisel iria analisar a situação política em relação às velhas reformas constitucionais que estavam previstas para o ano seguinte (1978). O ex-presidente tinha determinado a “abertura de um diálogo com o MDB e outros setores da política nacional”. Na ocasião, cerca de 2 mil estudantes se reuniram em frente ao TUCA, quando foram surpreendidos por 3 mil policiais, entre militares e civis.

         A tropa investiu contra os manifestantes com grande violência, explodindo bombas, espancando alunos e professores. Em pânico, parte da multidão buscou refúgio na universidade, invadida  pelo Aparelho Repressivo de Estado (ARE) que sociologicamente compreende o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, a prisões, etc. Repressivo porque o Aparelho de Estado em questão funciona através da violência física prevalentemente e secundariamente com a ideologia, como a violência administrativa, através da utilização das leis pelo menos em situações limite, sociologicamente. Móveis foram quebrados e arquivos, destruídos. As paredes pichadas com a representação autoritária: Comando de Caça aos Comunistas. A ação terminou com a detenção de 854 pessoas, das quais 92 foram fichadas no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 30 de dezembro de 1924, como um órgão do governo brasileiro utilizado principalmente durante o Estado Novo (1937-46) e mais tarde na Ditadura Militar (1964-84). O órgão, que tinha a função de assegurar e disciplinar a ordem militar no país  foi instituído em 17 de abril de 1928 pela lei nº 2304 que tratava de reorganizar a Polícia do Estado. Cinco anos mais tarde, o show de Gonzaguinha no Teatro da Pontifícia Universidade Católica - São Paulo fazia o cantor relembrar, juntamente com Casão, aquele episódio trágico, a sua história.
               O Tuca representava um teatro que trazia lembranças afetivas às pessoas com aspirações democráticas. Tornou-se famoso pelas manifestações políticas que abrigou durante o regime da ditadura militar. O teatro apresenta duas salas principais: o Auditório Tibiriçá e o espaço Tucarena. Na maior sala do local cabem seiscentos e setenta e duas pessoas.  Durante a ditadura, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica (TUCA) foi palco de grande importância política. Servindo a todos os tipos de interesses dos universitários e dos paulistanos, o teatro contribuiu ativamente no processo de redemocratização, sendo considerado um espaço de lutas ao regime militar. Em 1961, ganhou a ideia de construção do auditório que tinha como grande objetivo divulgar a arte nos meios universitários e nos bairros de baixa renda. Em 1984, dois incêndios deixaram o teatro destruído, sendo reaberto após dois anos, com poucos recursos, devido à mobilização das pessoas. Com o patrocínio do Ministério da Cultura (MINC) e do Banco Bradesco, o teatro reinaugurou com melhores condições em 2003. Em março de 2016, a Polícia Militar de São Paulo entrou em confronto com estudantes da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) em frente ao teatro da universidade. Ocorria uma manifestação a favor da presidente Dilma Rousseff (PT) e contra o golpe de Estado que, mais tarde, viria com a força bruta da política para recalcar a imagem-mulher da presidência.
Bibliografia geral consultada.
LE GOFF, Jacques, La Naissance du Purgatoire. Paris: Éditions Gallimard, 1981; SODRÉ, Muniz, A Verdade Seduzida: Por um Conceito de Cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Editor Francisco Alves, 1983; ELIAS, Norbert, El Proceso de la Civilización: Investigaciones Sociogenéticas y Psicogenéticas. 2ª edicíon. México: Fondo de Cultura Económica, 1989; FLORENZANO, José Paulo, A Democracia Corinthiana: Práticas de Libertação no Futebol Brasileiro. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003; FANTINATTI, Márcia Maria Corsi Moreira, A Nova Rede Globo: Trabalhadores e Movimentos Sociais nas Telenovelas de Benedito Ruy Barbosa. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. São Paulo: Universidade de Campinas, 2004; BERTONCELO, Edison Ricardo Emiliano, “Eu Quero Votar para Presidente: Uma Análise sobre a Campanha das Diretas”. In: Lua Nova, 2009,  n° 76, pp.169-196; ARAUJO FILHO, Wilson Constantino de, Futebol Brasileiro: A Trajetória do Jogador de Futebol Profissional e o Fim da Carreira. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009; MARTINS, Mariana Zuaneti, Democracia Corinthiana: Sentidos e Significados da Participação dos Jogadores. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, 2012; COUTO, Hergos Ritor Froes de, Esporte do Oprimido: Utopia e Desencanto na Formação do Atleta de Futebol. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2012; ALENCAR, Rodrigo, A Fome da Alma. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo, 2016; CASAGRANDE JÚNIOR, Walter, Entrevista concedida a Waldenyr Caldas - Os cartolas são inevitáveis? Disponível em: Lua Nova. Volume 3, n° 2. São Paulo, dezembro de 1986; Idem, Casagrande e seus demônios. São Paulo: Editor Globo, 2013; Idem, “Virei uma página: Casagrande narra como ficou um mês sem beber e sem se drogar na Rússia”. Disponível em: https://epoca.globo.com/19/07/2018; entre outros.