Ubiracy de Souza Braga
“Essa portaria viola valores da lei de imigração e constitucionais”. Rubens Glezer
O número 666 é citado na Bíblia Sagrada, como o número da “besta” em Apocalipse 13: 18. No livro Apocalipse de São João, Deus aparece julgando e destruindo o mal. Aparecem imagens, figuras e números misteriosos. De acordo com o último livro da Bíblia, o número 666 é o nome da “fera”, ou “besta”, de sete cabeças e dez chifres que sai do mar (cf. Apocalipse 13:1, 17, 18). Essa fera é um símbolo do sistema político mundial que governa sobre “toda tribo, e povo, e língua, e nação”. O nome 666 indica que, do ponto de vista de Deus, esse sistema político é um grande fracasso. Não é um simples número. Os nomes que Deus dá sempre têm um significado, pois, quando prometeu que faria de Abrão pai de uma multidão de nações, Deus mudou o nome desse servo, que significa “Pai é Enaltecido (Exaltado)”, para Abraão, que quer dizer “Pai de uma Multidão”. (cf. Gênesis 17:5, nota). Do mesmo modo, Deus deu à fera o nome de 666 para representar suas características predominantes. O número seis significa imperfeição. A Bíblia diz que pessoas seguem a fera “com admiração”, chegando a ponto de adorá-la. Recebem “a marca da fera”. Elas fazem isso por prestarem adoração ao seu país, aos seus símbolos ou a sua força militar. Para Georg Simmel, “o nacionalismo tem se tornado uma forma dominante de religião no mundo moderno”.
Para
analisarmos as práticas sociais sumárias das deportações no Brasil contemporâneo, não
exatamente sobre uma abordagem da República em transição (cf. Faoro, 2018), e menos ainda sobre as velhas verdades
inusitadas sobre os donos do poder, decidimos recorrer à explicação
introdutória da formação do patronato brasileiro. Introdutória, apenas para situarmos na pena do historiador-jurista
Raymundo Faoro a questão que ele denomina, com sabedoria e de forma conclusiva
sobre os Donos do Poder (2012). A
imaginação sociológica subjacente a concepção de teoria e as “afinidades
eletivas” severamente articuladas pelo autor com o pensamento singular do giant
Max Weber que se encontra notadamente em seu Capítulo Final, de um estudo fabuloso,
intitulado: A Viagem Redonda: Do Patrimonialismo ao Estamento. Seu itinerário é
demarcado pelo ponto de partida iniciado por Dom João I, numa viagem de seis
séculos, até a chegada de Getúlio Vargas ao poder na presidência da República. Neste sentido, o “capitalismo politicamente orientado”, centro da
aventura, da conquista e da colonização, moldou a realidade estatal,
incorporando na sobrevivência do capitalismo moderno, de índole industrial,
racional na técnica e fundado na liberdade do indivíduo, de negociar, de
contratar, de gerir a propriedade sob a garantia das instituições públicas.
A “comunidade política” conduz, comanda, supervisiona os negócios, como negócios privados na origem seus, na origem, como negócios públicos depois, em linhas que se demarcam gradualmente. O súdito, a sociedade se compreende no âmbito de um aparelhamento a explorar, a manipular, a tosquiar nos tipos de casos extremos. Dessa realidade se projeta a forma de poder institucionalizada num tipo legítimo de domínio tradicional: o patrimonialismo, cuja legitimidade assenta no tradicionalismo – “assim é porque sempre foi”. O comércio dá o caráter à expansão em linha estabilizadora, do patrimonialismo, forma mais flexível do que o patriarcalismo e mesmo arbitrária que o sultanismo. Desta atividade econômica se desenvolveu a lavoura de exportação, seja no manufaturismo pombalino, no delírio do encilhamento, quer nas estufas criadas depois de 1930. O patrimonialismo estatal, incentivando o setor especulativo da economia e predomínio voltado para o lucro como jogo e aventura, ou como expressão erigida na outra face, interessado na economia sob o comando político, para satisfazer imperativos, mas que estavam adormecidos, ditados pelo quadro administrativo, com seu componente civil e militar durante séculos.
Para os conservadores, as melhores instituições sociais e politicas não são aquelas que são inventadas pela razão humana, como fora defendido pelo chamado racionalismo político, mas sim as que resultam de um lento processo de crescimento e evolução ao longo do tempo, empiricamente como a não escrita constituição inglesa face às Constituições promulgadas pelos revolucionários franceses. Não acreditando na ideia de “bondade natural do Homem”, os conservadores consideram que são os constrangimentos introduzidos pelos hábitos e tradições que permitem o funcionamento das sociedades, pelo que qualquer regime duradouro e estável só poderá funcionar se assente nas tradições sociais. Assim, para os conservadores não faz sentido elaborar projetos universais do ponto de vista de uma sociedade ideal - não só tal sociedade será inatingível devido ao que acreditem ser a imperfeição intrínseca da natureza humana. Mas, devido a diferentes povos terem diferentes histórias, sociais, políticas e de costumes referendando suas tradições, o modelo social mais adequado a um povo não será o mais apropriado comparado a outro - criticando os revolucionários franceses.
A crítica liberal e, mormente marxista, ao admitirem a realidade histórica do Estado patrimonial, com sua alma no capitalismo politicamente orientado, parte do pressuposto da transitoriedade do fenômeno, quer como resíduo anacrônico, que como fase de transição. Ambas, na verdade, comparam a estátua imperfeita a um tipo ideal, este, em termos de distância histórica, per se de existência mais curta, de cores mais embaralhadas que a clara visão de seus ideólogos. O ponto de referência é o capitalismo moderno, tal como decantado por Adam Smith, Marx e Max Weber, tratados os estilos divergentes como se fossem desvios, atalhos sombreados, revivescências deformadoras, vestígios evanescentes. Sobre um mundo acabado, completo, ou em via de atingir sua perfeição última e próxima, a vista mergulha no passado, para reconstruí-lo, conferindo-lhe um sentido retrospectivo, numa concepção linear da história. O Passado tem, entretanto, suas próprias pautas, seu curso, embora não caprichosa obra dos homens de circunstâncias homogêneas. A sociedade capitalista aparece aos olhos deslumbrados do homem moderno como a realização acabada da história – degradadas as sociedades pré-capitalistas a fases imperfeitas, num processo dialético e não mecânico de qualquer sorte, substituindo o bruto ao fato racional, que bem pode ser idealizado.
O domínio patrimonial se configura no patrimonialismo, quando aparece o estado-maior de comando do chefe, junto á casa real, que se estende sobre o largo território, subordinando muitas unidades políticas. Sem o quadro administrativo, a chefia dispersa assume caráter patriarcal, identificável no mando do fazendeiro, do senhor de engenho e nos coronéis. Num estágio inicial, o domínio patrimonial, desta forma constituída pelo estamento, apropria as oportunidades econômicas de desfrute dos bens, das concessões, dos cargos, numa confusão entre o setor público e o privado, que, com o aperfeiçoamento da estrutura, se extrema em competências fixas, com divisão de poderes. Separando-se o setor fiscal do setor pessoal. O caminho burocrático do estamento, em passos entremeados de compromissos e transações, não desfigura a realidade fundamental, impenetrável ás mudanças. O patrimonialismo pessoal se converte em patrimonialismo estatal, que adota o mercantilismo como a técnica de separação da economia. Daí se arma o capitalismo politicamente orientado. Este curso histórico leva á admissão de um sistema de forças políticas, que sociólogos e historiadores relutam em reconhecer, atemorizados pelo paradoxo, em nome de premissas teóricas de vária índole. O problema tal como posto não assimila um estamento á burocracia. O conceito obscurecido desse elemento diferenciador, assume um nome personalizado: ele passa a ser chamado de bonapartismo (cf. Demier, 2012). A burocracia não seria apenas o formalismo do Estado. Mas em verdade sua consciência e sua vontade, só compreendida excepcionalmente como sendo autônoma.
O que é próprio no bonapartismo é que serve para assegurar uma situação permanente, a aparência democrática, cesarista num quadro autocrático, generalização e não participação do poder pelo povo. César – o herói e a caricatura – desce a escada do palácio e se dirige ao povo, para melhor afastar a soberania “de baixo para cima”, num espetáculo aclamatório, em favor de dom Pedro II, Napoleão III, Bismarck, Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva. Não impera a burocracia, a camada profissional que assegura o funcionamento do governo e da administração, mas o estamento político. A burocracia, como burocracia, é um aparelhamento neutro, em qualquer tipo de Estado, ou sob qualquer forma de poder. Seu domínio será compatível com a monarquia absoluta, mas pode caracterizar-se pela redução do chefe supremo a uma figura decorativa, espécie de primeiro magistrado. Não se converte, o estamento político, entretanto, em governo da soberania popular, ajustando-se, no máximo, à autocracia com técnicas democráticas. Na cúpula, graças ao equilíbrio ou à impotência de classes e interesses de empolgar o comando, o governo arma, sobre o equilíbrio das bases, o papel de árbitro, sem que se possa expandir na tirania aberta ou no despotismo sem medida e sem controle.
A autonomia relativa da esfera política, que se manifesta com objetivos próprios, organizando a nação a partir de uma unidade centralizadora, desenvolve mecanismo de controle e regulamentação específicos. O estamento burocrático comanda o ramo civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica, política e financeira. No campo econômico, as medidas postas em prática, que ultrapassam a regulamentação formal da ideologia liberal, alcançam desde as prescrições financeiras e monetárias até a gestão direta das empresas, passando pelo regime das concessões estatais e das ordenações sobre o trabalho. Atuar diretamente ou mediante incentivos serão técnicas desenvolvidas dentro de um só escopo. Nas suas relações com a sociedade, o estamento diretor provê acerca das oportunidades de ascensão política, ora dispensando prestígio, ora reprimindo transtornos sediciosos, que buscam romper o esquema de controle. No âmbito político, interno à estrutura socializante, o quadro de comando se centraliza, aspirando, senão à coesão monolítica, ao menos à homogeneidade de consciência, identificando-se às forças sociais de sustentação do sistema.
Grupos de poder, classes sociais, elites políticas, associações tentam, lutam para fugir ao abraço sufocador da ordem imposta de cima, seja pelo centrifuguismo colonial, o federalismo republicano, a autonomia do senhor de terra, gerando antagonismos que, em breves momentos, chegam a arredar, sem aniquilar, o estado-maior de domínio, imobilizando-o, mas incapazes dos atores sociais em rebeldia de institucionalizar-se fixamente. O conteúdo do Estado molda a fisionomia do chefe do governo, gerado e limitado pelo quadro que o cerca. O bom príncipe, o pai do povo guarda, na sua prudência de generalizar a aparência do poder, sem abrir canal de participação. O estamento, implantado na realidade estatal do patrimonialismo, não se confunde com a elite política, ou classe política, mesmo quando esta se esclerosa, incapaz de renovar-se. A minoria governa sempre, em todos os tempos, em todos os sistemas políticos. A organização, segundo o truísmo que o estudo de Michels divulgou, leva à oligarquia, à “lei de bronze da oligarquia”: os poucos, eleitos ou cooptados, asseguram um estatuto próprio de comando, mas não autônomo. O aparelhamento não se confunde com o poder, nos sistemas elitizantes, à escolha racional, à renovação, à mudança, ao movimento circulatório, pressionado de baixo para cima, nunca limitado a um quadro fechado.
Caracterizá-lo de classe levaria a extrapolar uma categoria econômica a uma categoria política, na prestidigitação verbal dos termos, pecado de que não escapou Mosca, com sua classe política. A tese aconselha a conferir-lhe caráter social, para estratifica-la no estamento – como “elite de poder”, tal como procedeu o sociólogo Charles Wright Mills -, importaria, em último termo, a converter a burocracia numa realidade em si, desmentindo a tópica de neutralidade técnica da última. O que resta ao fim e ao cabo é que o único detentor impõe á comunidade sua decisão política fundamental, isto é, dita-a aos destinatários do poder. Mas o temo autoritário refere-se mais à estrutura governamental do que à ordem social. Em geral, o regime autoritário se satisfaz com o controle político e de forma publicitária do Estado sem pretender dominara a totalidade da vida socioeconômica da comunidade, ou determinar sua atitude espiritual de acordo com sua imagem. Este sistema é compatível, e ordinariamente se compatibiliza, com órgãos estatais separados, assembleias ou tribunais, numa ordenação formalmente jurídica. Na prática, todo regime autoritário convive com uma vestimenta lúgubre constitucional, assegurada com a capacidade normativa de interferir, adulterando-se no aparente constitucionalismo – o constitucionalismo nominal, no qual a Carta Magna tem validade jurídica. Mas não se adapta em sua inserção ao processo político, no qual o ordenamento jurídico apenas reconhece a situação de poder dos detentores autoritários.
A elite política das democracias não pode se consolidar num estrato privilegiado, mutável nas pessoas, mas fechado estruturalmente, pois, desenvolve padrões típicos de conduta ante a mudança interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria não atrai, para fundir-se, o elemento das classes subalternas. Em lugar de integrar, comanda; mas numa dialética aristotélica, do processo racional que não pode ser demonstrado, e, politicamente, não conduz, mas governa. Incorpora as gerações necessárias ao seu serviço de tipo ideal, valorizando pedagógica e autoritariamente as reservas para seus quadros, cooptando-os, com a marca de seu cunho tradicional. Vale lembrar, nesta tradição que a incolumidade do contexto de poder, congelado estruturalmente, não significa que ele impeça a mudança social, quer no acomodamento ao campo internacional, quer no desenvolvimento interno. A permanência da estrutura exige o movimento, a incorporação contínua de contribuições de fora para dentro, adquiridas intelectualmente de interação social com as civilizações desenvolvidas comparativamente. Favorece a mudança social. A separação de uma camada minoritária da sociedade, sensível às influências externas e internas. Mais rápida em adquirir novas atitudes do que se a alteração atingisse o conjunto, em impacto indiferenciado, conjunto e global.
Muda uma categoria, que, por meios autoritariamente coercitivos, os transmitem às outras faixas de população, num processo modernizador, marginalizado e bovarista não raro, mais imitador que criativo. O estamento forma o elo vinculador com o mundo externo, que pressiona pelo domínio de seus padrões, incorporando as novas forças sociais, servida dos instrumentos políticos derivados de sucessivo aparelhamento estatal. A deportação é o processo político de devolução compulsória ao Estado, de sua nacionalidade ou procedência nacional, de um cidadão estrangeiro que entra ou permanece irregularmente em outro Estado. A lei permite o posterior retorno do deportado ao território do Estado que o deportou desde que atenda às exigências legais. Como regra, a deportação pode ter como causa o uso de documento de viagem ou visto de entrada falsificada, o exercício de atividade profissional incompatível com o visto de entrada, a permanência além do prazo facultado no visto de entrada ou a violação de condição para permanência. Não se deve confundir a deportação com os institutos da expulsão, que não permitem o retorno do cidadão, ou da extradição, no qual o indivíduo é entregue às autoridades estrangeiras responsáveis pela nacionalidade que o reclamam.
Historicamente os “Anos de Chumbo” (“Anni di Piombo”) foram um período de agitação sócio-política na Itália, que durou do final dos anos 1960 até o fim da década de 1980. Este período foi marcado por uma onda de terrorismo, inicialmente chamado de “extremismos opostos” (“Opposti Estremismi”) e, mais tarde rebatizado como “Anos de Chumbo”. Entre as possíveis origens políticas da denominação são uma referência ao grande número de tiros disparados, ou comparativamente, no âmbito da Sétima Arte, ao filme de 1981: “Die bleierne Zeit”, de Margarethe von Trotta, de cujo título em italiano é “Anni di Piombo”. Os “anos de chumbo” tiveram como estopim o assassinato de Antonio Annarumma (1969) e o Atentado da Piazza Fontana. Esses eventos foram atribuídos em diferentes conjunturas políticas à extrema-direita, à extrema-esquerda, ou aos serviços secretos. Desde 2005, o evento é atribuído ao grupo “Ordine Nuovo” pela corte italiana. Os acusados Franco Freda e Giovanni Ventura não foram sentenciados em 1987. Eles haviam sido absolvidos em sentença definitiva por falta de evidência.
De maneira geral, no período ocorreram conflitos sociais generalizados e atos de terrorismo sem precedentes realizados tanto pelos grupos paramilitares de direita, pelos de esquerda, e envolvidos do serviço secreto e da Máfia. Uma tentativa de integrar o Movimento Social Italiano (MSI) neofascista ao governo de Fernando Tambroni conduziu a agitações políticas e teve curta duração. Os democratas-cristãos (DC) foram determinantes para que o Partido Socialista Italiano ganhasse o poder na década de 1960 e criaram uma coalizão. O assassinato do líder da Democracia Cristã (DC), Aldo Moro, em 1978 terminou com a estratégia de Compromisso Histórico entre a Democracia Cristã (DC) e o Partido Comunista Italiano (PCI). O assassinato foi realizado pelas Brigadas Vermelhas, então lideradas por Mario Moretti. Entre 1969 e 1981, quase 2.000 homicídios foram atribuídos à violência política urbana sob a forma de atentados, assassinatos e guerra de movimento e de posição de rua entre facções de militantes rivais. Embora a violência política tenha diminuído consideravelmente na Itália a partir daquela conjuntura, casos esporádicos de crimes violentos continuaram por causa do ressurgimento dos grupos de militantes anti-imigrantista, neofascistas e comunistas.
Brigate Rosse (“Brigada Vermelha”) é uma organização paramilitar de guerrilha comunista italiana formada no ano de 1969. Majoritariamente identificadas com o marxismo-leninismo da Terceira Internacional e bastante influenciadas pelo maoísmo, pois corriam os tempos da Revolução Cultural Chinesa, as Brigate Rosse pareciam ter maior densidade ideológica do que a maioria das organizações radicais da esquerda européia daquela conjuntura política. No entanto estavam longe de ser uma organização monolítica, dada a grande diversidade de tendências que abrigava. A organização pregava a via revolucionária, em contraste com a orientação reformista do Partido Comunista Italiano (PCI), e tinha como objetivo “atacar o projeto contrarrevolucionário do capitalismo multinacional imperialista para construir o Partido Comunista Combatente e os organismos de massa revolucionários”. Pretendia debilitar o Estado italiano e preparar o caminho para uma revolução marxista, liderada pelo proletariado revolucionário, que levasse a Itália a separar-se da Aliança Ocidental.
Foi preso no Rio de Janeiro em 18 de março de 2007 por policiais brasileiros e franceses. Posteriormente, o ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a ele o status de refugiado político, em uma decisão polêmica que foi muito criticada na Itália, enquanto a imprensa brasileira e internacional ficou mais dividida quanto ao mérito. Em 5 de fevereiro de 2009, o Parlamento Europeu adotou uma resolução em apoio ao governo italiano e realizou um minuto de silêncio em memória às vítimas de Battisti. Em 18 de novembro de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou ilegal o status de refugiado e permitiu a extradição. Mas também declarou que a Constituição brasileira confere ao presidente poderes pessoais para negar a extradição se ele assim decidir. Em 31 de dezembro de 2010, no último dia efetivo de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República Federativa do Brasil, “a decisão de não permitir a extradição foi oficialmente anunciada”.
Expulsão é o ato administrativo que obriga o estrangeiro a sair do território de um Estado e o proíbe de a ele retornar. Diferente da extradição, segundo a qual o indivíduo é entregue às autoridades de outro Estado que o reclama; na expulsão, o único imperativo é que o cidadão estrangeiro saia do território do Estado e, satisfeita esta condição, estará, em princípio, livre. Distingue-se, também, da deportação, pois nesta última o estrangeiro não está proibido de retornar ao território do Estado que o deportara, satisfeitas as exigências legais para o reingresso. No Brasil, a expulsão é um ato administrativo da competência do Presidente da República, formalizado por meio de decreto presidencial e dependente de processo administrativo que corre junto ao Ministério da Justiça. São passíveis de expulsão os estrangeiros que cometerem crimes dolosos em território nacional, especialmente no caso de crimes contra a segurança nacional, a economia popular, a saúde pública, bem como de tráfico ou uso de drogas. Impede a expulsão a existência de cônjuge brasileiro casado há mais de cinco anos ou de filho brasileiro sob a guarda e dependência social e econômica do estrangeiro. A expulsão também é negada quando constituir extradição inadmitida para a lei brasileira, como por exemplo, se o estrangeiro puder ser processado no país de destino por crime político, ou por tribunal de exceção, ou estiver sujeito a pena inexistente do Brasil, como a pena corporal ou a pena capital. A lei proíbe a expulsão de brasileiros.
A Portaria 666, de 25 de julho de 2019, dispõe sobre o impedimento de ingresso, a repatriação e a deportação sumária de pessoa perigosa ou que tenha praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal. Art. 2º Para os efeitos desta Portaria são consideradas pessoas perigosas ou que tenham praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal aqueles suspeitos de envolvimento em: I - terrorismo, nos termos da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016; II - grupo criminoso organizado ou associação criminosa armada ou que tenha armas à disposição, nos termos da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013; III - tráfico de drogas, pessoas ou armas de fogo; IV - pornografia ou exploração sexual infanto-juvenil; e V - torcida com histórico de violência em estádios. § 1º As hipóteses mencionadas nos incisos deste artigo poderão ser conhecidas e avaliadas pela autoridade migratória por meio de: I - difusão ou informação oficial em ação de cooperação internacional; II - lista de restrições exaradas por ordem judicial ou por compromisso assumido pela República Federativa do Brasil perante organismo internacional ou Estado estrangeiro; III - informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira; IV - investigação criminal em curso; e V - sentença penal condenatória.
Sociologicamente é mais do que compreendido que a ascensão das práticas fascistas do bolsonarismo ao poder, veio junto o que de pior pode ser qualificado em matéria de violência e desrespeito aos direitos civis. Num governo que foi eleito tendo como símbolo maior de campanha a utilização pública das armas, matar seres humanos pobres, negros, gays e favelados que até então era fetiche velado, passou a ser política de Estado. Se com o pacote “anticrime” do ministro Sérgio Moro (PSDB) a polícia e as milícias encontraram o seu salvo conduto para intensificar o que de “melhor” sabem fazer, é com os dois projetos apresentados pelo deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) que o fruto da chacina institucionalizada encontra seu processo de ideologização social. Não foram suficientes os alertas de setores do financismo internacional, que sabem das reais ameaças que a vitória do governo do vice-presidente general Hamilton Mourão poderá causar ao país e mesmo às nossas instituições públicas e econômicas. O militar ganhou notoriedade no ano de 2015, durante as crises políticas do mandato da presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), quando foi transferido do Comando Militar do Sul para a Secretaria de Economia e Finanças, no Distrito Federal, transferência esta considerada consequente pelas normas do Exército após completar 02 (dois) anos de tempo de serviço prestado no Comando Militar do Sul.
As ideias eram claras no liberalismo econômico, defendiam a livre concorrência, a lei da oferta e procura. Sem contar que foram os primeiros a trabalhar economia com ciências, física, biologia, matemática e principalmente o iluminismo, os princípios e ideias vieram de Adam Smith e François Quesnay. Numa economia liberal, onde se supunham atividades insulares e competitivas concorrendo para uma racionalidade geral, o trabalho de escrever dá ao mesmo tempo à luz o produto e seu autor. Cresce agora um novo rei: o sujeito individual, senhor inapreensível. Ao homem da cultura esclarecida se acha transferido o privilégio de ser, ele mesmo, o deus outrora separado de sua obra e definido por uma gênese. Eis então que um falar se desprende ou se mantém, mas como aquilo que escapa à dominação de uma economia sociocultural, à organização de uma razão, à escolarização obrigatória, ao poder de uma elite e, enfim, ao controle de uma consciência esclarecida. A cada forma dessa enunciação estranha corresponde uma mobilização científica e claramente social: a colonização civilizadora, a psiquiatria, a pedagogia, a educação popular genial do laureado pensador Paulo Freire, a psicanálise, etc. restauração de escrituras nessas regiões emancipadas.
Mas, o importante aqui é, para lembrarmos de Michel de Certeau, sobretudo o fato que serve de ponto de partida e de ponto de fuga para todas essas reconquistas: excentração do dizer (falar) e do fazer (escrever). O lugar de onde se fala é exterior ao empreendimento escriturístico. A elocução sobrevém fora dos lugares praticados onde se fabricam os sistemas de enunciados. Ela tem a certeza de poder sempre alojar a interpretação no não saber que mina o dizer da fábula. Para que essa dominação passe do recuso do direito ao fato social, concreto, existe um instrumento: a tradução. Temos aqui uma maquinaria, aperfeiçoada no decorrer das gerações. Ela permite passar de uma língua para outra, eliminar a exterioridade transferindo-a para a interioridade dialeticamente e transformar em mensagens ou ruídos insólitos ou sem sentido procedente das vozes. É impossível levar em conta cada uma das etapas do processo de trabalho de usinagem que transforma em produtos culturais escritos e legíveis o material que lhe foi fornecido como fábula.
Essas astúcias da cultura e da memória que garantem de antemão um sucesso para as operações escriturísticas têm, no entanto como condição de possibilidade um fato social estranho. A voz faz escrever. Da etnologia à pedagogia se constata que o sucesso garantido da escritura se articula num fracasso primeiro e numa falha. Como se o discurso se construísse por ser o efeito e a ocultação de uma perda que é sua condição de possibilidade, como se todas as conquistas da escritura tivessem como sentido fazer proliferar produtos que vão ao lugar do texto, suprimi-la como estranha. Na prática nasceu precisamente de um deslocamento ilusório entre a presença e o sistema. Dessa formação distinguimos outra figura moderna de uma forma estranha e reveladora: as “vozes do corpo”. Além de legendas e fantasmas, que continuam povoando a vida cotidiana, por citações sonoras, mantém-se toda uma tradição do corpo. Podemos ouvi-la, mas não vê-la. Essas citações de vozes são marcadas numa prosa, em enunciados e em comportamentos sociais, senão produzir seus efeitos sociais. A leitura é apenas um aspecto do tráfico do crer, ipso facto fundamental.
Bibliografia geral consultada:
GALLI, Giorgio, Il Partito Armato - Gli Anni di Piombo in Italia, 1968-1986. Roma: Edizioni Rizzoli, 1986; CALVI, Maurizio; CECI, Alessandro; SESSA, Angelo; VASATURO, Guilio, Le Date del Terrore. La Genesi del Terrorismo Italiano e il Microclima Dell'eversione dal 1945 al 2003. Roma: Luca Sossella Editore, 2003; LARAIA, Ricardo Regis, A Dupla Face do Princípio da Legalidade. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008; ABREU, Célia Barbosa, Curatela: Uma Interpretação Constitucional do Art. 1772 do Código Civil Brasileiro. Programa de Doutorado em Direito. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2008; DEMIER, Felipe Abranches, O Longo Bonapartismo Brasileiro (1930-1964): Autonomia Relativa do Estado, Populismo, Historiografia e Movimento Operário. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2012; DIAS, Guilherme Mansur, Migração e Crime: Desconstrução das Políticas de Segurança e Tráfico de Pessoas. Tese de Doutorado em Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, 2014; DALVI, Camila David, Apropriações do Bovarismo pela Crítica Acadêmica Brasileira. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Centro de Ciências Humanas e Naturais. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2016; FAORO, Raymundo, Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca Azul, 2012; Idem, A República em Transição. Poder e Direito no Cotidiano da Democratização Brasileira (1982 a 1988). Organização de Joaquim Falcão e Paulo Augusto Franco. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018; Artigo: “Glenn Acusa Moro de Terrorismo por Portaria 666, que Prevê Deportação Sumária”. Disponível em: https://revistaforum.com.br/26/07/2019; DANHONI, Marcus, “Maringá Além da Lagoa do Marreco”. Disponível em: https://revistaforum.com.br/27/07/2019; entre outros.
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