sábado, 10 de agosto de 2019

Walter Casagrande - Futebol, Sociedade & Democracia Corinthiana.


                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga

Foi sensacional ter vivido a Democracia Corintiana e participado da fundação do PT”. Walter Casagrande

                                                 
               Em 1° de setembro de 1910, um grupo de cinco operários: Joaquim Ambrósio, Antônio Pereira, Rafael Perrone, Anselmo Correa e Carlos Silva do bairro paulistano Bom Retiro, sob a luz de um lampião, às oito e meia da noite, decidiram criar um novo time de futebol, além de mais oito pessoas que contribuíram com 20 mil réis e também foram considerados sócio-fundadores. A ideia surgiu depois de assistirem à atuação do Corinthian FC, equipe inglesa de futebol fundada em 1882, que excursionava pelo Brasil. O Corinthian nasceu numa época em que a Escócia tinha grande expressão no futebol. Os clubes mais tradicionais da Escócia são o Celtic Football Club e o Rangers Football Club, ambos da cidade de Glasgow. O derby entre eles, um dos clássicos de maior rivalidade no mundo, é conhecido como Old Firm. Surgiu para competir com os escoceses. Curiosamente seus atletas vestiam-se inteirinho de branco. O nome Corinthian tem como representação social e significado sociológico “o homem da moda e do prazer”, que capta toda a essência dos membros de jogo e sua ideologia desportiva.  
             Na sétima divisão inglesa, o clube que inspirou o nome do Timão em 1910 é formado por jogadores amadores, que além de jogarem futebol possuem outros empregos. Mesmo assim, o crescimento foi tão grande que, em apenas 4 anos, 9 jogadores do Corinthian foram convocados pela seleção inglesa inclusive um incrível jogador chamado Luke Daves, meio campo com muita agilidade raciocínio rápido e dribles desconcertantes. Eram ingleses chamados pela imprensa social de “Corinthian`s Team”, mas o time brasileiro só seria batizado “Sport Club Corinthians Paulista” depois de discussões e algumas reuniões. O presidente escolhido foi o alfaiate Miguel Battaglia, que já no primeiro momento afirmou: “O Corinthians vai ser o time do povo e o povo é quem vai fazer o time”. Da primeira arrecadação de recursos à compra da primeira bola se passou apenas uma semana. Um terreno no subúrbio paulista foi alugado na Rua José Paulino, aplainado e virou campo de futebol. Foi lá que, no dia 14 de setembro, o primeiro treino foi realizado diante de uma plateia que garantiu: - “Este veio para ficar”. O time foi se tornando famoso, mas era ainda um time de várzea, quer dizer, por serem terrenos cultiváveis junto aos rios e ribeirões.



                Em 1913, uma dissidência entre três clubes que disputavam o Campeonato Paulista abriu a oportunidade para que clubes de origem popular, reconhecidos como “varzeanos”, disputassem a competição organizada pela Liga Paulista de Futebol, e o Corinthians ganhou o direito de disputar pela primeira vez essa competição após vencer uma seletiva contra o rival, Minas Gerais, representante do bairro do Brás, e o Futebol Clube São Paulo, no bairro central do Bixiga. A temporada seguinte seria marcante para a história Corinthiana. Com apenas quatro anos de existência, o time conquistou seu primeiro título, o Campeonato Paulista de 1914 organizado pela Liga Paulista de Futebol - LPF. O Corinthians sagrou-se campeão sensacionalmente de forma invicta, com 10 vitórias em 10 partidas, 37 gols marcados e 9 gols tomados. Com 12 gols, Neco foi o artilheiro da competição. A equipe Corinthiana que conquistou o 1° título era representada pelos craques: Sebastião, Fúlvio, Casimiro II, Police, Bianco, César, Américo, Peres, Amílcar, Aparício, Neco, e outros. Naquele ano, o Corinthians realizou sua primeira partida contra estrangeiros, o Torino Football Club, com sede em Turim, capital do Piemonte. Os italianos venceram pelo escore de 3 x 0.
            Fausto Silva iniciou sua carreira aos 14 anos, como repórter da rádio Centenário de Araras, no interior de São Paulo. Logo depois, mudou-se para Campinas e trabalhou durante cinco anos na Rádio Cultura, na qual comandou o musical New Pop International. Em 1970, foi contratado pela Rádio Record, na capital paulista, para apresentar o jornal da noite, do qual era também redator, e se iniciou no mundo do esporte, passando a trabalhar como repórter de campo na Jovem Pan - Rádio Panamericana. Além do rádio, Faustão também se dedicou ao jornalismo, tendo sido contratado pelo jornal O Estado de S. Paulo, como repórter esportivo. Foi nessa função que foi levado para a Rádio Globo em 1977, convidado por Osmar Santos que estava cursando a faculdade de Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e tinha aulas com nomes destacados da política como Eduardo Matarazzo Suplicy, professor universitário, administrador de empresas e político brasileiro filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), do qual é um dos fundadores. Foi Senador pelo estado de São Paulo durante longos 24 anos.  Atualmente é vereador do Município de São Paulo. E André Franco Montoro, um jurista e político brasileiro. Entre outros cargos, foi governador de São Paulo, senador, deputado federal e ministro do Trabalho. Publicou diversas obras jurídicas e de teoria política, voltadas principalmente ao tema caro entre nós da concepção de “justiça social”.
             Naquela mesma noite, haveria um show do Corinthians, denominado Estrelas no parque, com a participação de diversos artistas para levantar fundos para a campanha de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo de São Paulo. Noutro documento preparado pelo famigerado Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), estiveram presentes Raimundo Fagner, considerado um dos maiores astros da música popular brasileira (MPB), o cartunista Henfil que em 1981 ganhou o Prêmio Vladimir Herzog na categoria Artes,  Antônio Carlos Belchior, Tetê Spindola, uma das mais belas e exóticas vozes nacionais, Beth Mendes e Gonzaguinha, além dos jogadores Sócrates, Wladimir e Casagrande. – “Elis Regina foi muito lembrada pelos presentes, que inúmeras vezes gritavam euforicamente o  nome do Partido e de seu candidato ao governo de São Paulo”, relatou o agente da repressão. O centroavante acabou aceitando a tarefa. Depois de subir ao palco para anunciar Fagner, o primeiro astro a se apresentar naquela noite no ginásio do parque São Jorge, ele partiu sozinho em direção ao Tuca – “Cheguei a tempo de pegar a última música do show. Em seguida fui ao camarim. Como já sabia, Gonzaguinha tentou resistir à ideia. Não queria se vincular a qualquer partido político. Mas argumentei que vivíamos um momento de transição política e seu apoio a um partido novo, com princípios democráticos, seria muito importante. Ele acabou concordando e fomos rapidamente para o Corinthians” (cf. Casagrande & Ribeiro, 2013: 153).

      Mas logo ao entrar no palco, Luiz Gonzaga surpreendeu a todos com um discurso: - “Aqui no ginásio há um garoto de 19 anos que está lutando para ser alguma coisa na vida, começando a carreira no futebol, e já se tornou vítima da repressão neste país, disse Gonzagão, referindo-se à prisão de Casagrande no mês anterior, sob a acusação de porte de cocaína. Enquanto isso, um canhão de luz o procurava na plateia. Ao ser localizado, ainda atônito e ofuscado pela luminosidade, Casão tinha os olhos marejados. – “Uma coisa fodida! Não era qualquer um, era o Luiz Gonzaga saindo em minha defesa. Isso ajudou muito a deixar a opinião pública ao meu lado”. Depois disso, seguiram-se muitos outros encontros com Gonzaguinha. Durant a preparação para a Copa do Mundo de 1986, na Toca da Raposa, em Belo Horizonte, o encontro se tornou praticamente diário. – “Ele ia quase todos os dias, de bicicleta, ver o treino. Um cara inteligente prá caralho, gente fina, alegre e divertido. Bem diferente daquela sua imagem pública, mais fechada. O Gonzaguinha se tornou um irmão para mim e  acrescentou muito na minha vida”. O estreito envolvimento com os shows de cunho político realizados no parque São Jorge, assim como seu papel de destaque no  movimento “Democracia Corinthiana”, o levou a ser monitorado pelos órgãos de repressão do Estado autoritário dali em diante. Outros “atos suspeitos” do atacante, como a assinatura de um Manifesto contra o racismo, também foram registrados pelos representantes da ditadura civil-militar.
              Walter Casagrande se filiou ao Partido dos Trabalhadores numa época em que o novo partido simbolizava a esperança de mudança na política do país, e sente grande orgulho por ter ajudado a legenda a se estabelecer como força nacional. – “Naquela época, andava muito com os jornalistas Gilson Ribeiro, então na TV Globo, e Ari Borges, da Folha de S. Paulo, que compartilhavam os mesmos ideais de liberdade. Nós frequentávamos o bar Spazio Pirandello, reduto de intelectuais e artistas de esquerda. Ficava na Rua Augusta, e até algumas reuniões do PT eram feitas lá”. Ele chega a se emocionar toda vez que olha para uma foto histórica, na qual aparece sentado ao lado de Lula, juntamente com Wladimir e Pita, ex-jogadores do Corinthians, em cima de uma mesa na primeira sede da legenda em São Paulo. – “Nunca votei em outro partido e sempre acreditei no Lula. Quando ele virou presidente, me senti orgulhoso, realizado. Afinal, foi uma aposta minha juntamente com muitas outras pessoas, que acabou dando certo. Ele se tornou um dos melhores presidentes da história do país. Entre erros e acertos, o saldo é muito positivo”. Casagrande relativiza as críticas feitas à Lula e ao PT pelas composições com amigos da política nacional. – “A maioria dos políticos, assim que chega lá, no Palácio do Planalto, entra completamente no jogo das velhas raposas”.
Fausto Silva usa camisa com propaganda política.
              Revelado como jogador no Corinthians, Casagrande iniciou sua carreira em 1980. Porém, logo após ter se profissionalizado, o jogador, aos 18 anos, teve um desentendimento com Oswaldo Brandão, então técnico do Corinthians. Por esse motivo, Casagrande foi cedido à Caldense, de Poços de Caldas. A Associação Atlética Caldense é uma agremiação esportiva de Poços de Caldas, no estado de Minas Gerais fundada a 7 de setembro de 1925. O ex-zagueiro do Corinthians na década de 1960 Ditão era um grande amigo da família de Walter Casagrande. Retornou ao Corinthians em 1982 quando fez parte da “Democracia Corintiana”, movimento social que dizia respeito simultâneo tanto ao esporte quanto à política. Sem dúvida, o jogador Sócrates influenciou politicamente Casagrande e outros amigos. Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, o Sócrates nasceu em Belém do Pará a 19 de fevereiro de 1954 e se criou na Ribeirão Preto, onde aos 16 anos atuava no Botafogo Futebol Clube. Mas engana-se quem pensa que esse interesse surgiu por causa exclusiva do amigo. De índole libertária, incomodava-se com a opressão social cotidiana imposta pelos milicos golpistas. Os jogadores se revoltaram e iniciaram uma rebelião no estádio. Walter Casagrande viveu sua melhor fase de atleta, jogando ao lado de craques com o brilho de Zenon, Biro-Biro e Sócrates.
            Todas as decisões do Departamento de Futebol passaram a ser feitas no voto. Os eleitores? Jogadores, integrantes da comissão técnica composta desde técnicos a massagistas, roupeiros e diversos diretores. Por esse colegiado, passavam contratações, dispensas, concentração, premiações. Em 2013, um novo movimento de jogadores, o chamado Bom Senso F. C. é gestado reunindo craques de diversos clubes interessados em organizar melhor o novo calendário. - O grande lance da conjuntura daquilo, que é algo que devia possuir mais valor, “é você botar no mesmo patamar de decisão coletiva pessoas de classes sociais distintas. Auxiliar de roupeiro com o mesmo peso de dirigentes. Isso é o mais belo, o mais bonito e o mais rico” - analisou Sócrates, pouco antes de morrer, em 4 de dezembro de 2011, aos 57 anos. A Democracia Corinthiana começou a ser gestada ainda em 1981, quando se iniciava um processo global de transformações na ordem política, econômica e social, mesmo com as campanhas moderadas da corporação nos campeonatos Paulista e campeonato Brasileiro. A saída de Matheus deu renovação técnica ao grupo. Washington Olivetto, responsável por algumas campanhas mais importantes no país, engendrou uma estratégia ousada e feliz de marketing político: os jogadores passaram a entrar em campo nos grandes estádios de futebol com as seguintes frases políticas: Diretas Já! e Eu quero votar para presidente (cf. Fantinatti, 2004).                                                                          
              O ex-jogador de futebol Sócrates faleceu em consequência a um choque séptico, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Faustão prestou uma homenagem ao vivo ao médico que brilhou nos gramados. - “Convivi muito com o Sócrates, mas sei da ligação dele com Walter Casagrande Jr.”, comentou Faustão, que conversou ao vivo com o comentarista de futebol da TV Globo. - “Estou muito triste, mas o que me conforta é que há um mês tive a oportunidade de falar nos olhos dele tudo que o eu sentia. Hoje não é um dia fácil para ninguém que está envolvido com o futebol”, disse Casagrande. Em nome da equipe do programa, Faustão mandou uma mensagem de carinho para a família e fãs de Sócrates. O eterno craque corintiano morreu aos 57 anos, era casado e tinha seis filhos. Como futebolista, Sócrates é considerado como um dos maiores do futebol brasileiro e, segundo a FIFA, um dos maiores do futebol mundial. Maior ídolo do Corinthians ao lado dos companheiros Luisinho, Cláudio, Roberto Rivellino, Marcelinho Carioca, Neto, Baltazar, Cássio e do Botafogo de Ribeirão Preto, ao lado de seu irmão Raí e Zé Mario. Sócrates notabilizou-se também por sua militância política, particularmente na década de 1980, quando liderou um movimento pela democratização do futebol e participou do reconhecido movimento pelas Diretas Já!
              Historicamente Diretas Já! representou um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido entre 1983 e 1984. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil se concretizaria com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso. Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. A ideia de criar um movimento social a favor de eleições diretas foi lançada em 1983, pelo então senador alagoano Teotônio Vilela no programa Canal Livre, da Rede TV Bandeirantes. Em 1979, descontente com a lentidão da reabertura política proposta pelo governo e pela Arena, Teotônio Vilela filia-se ao MDB, que viria a se tornar o Partido do Movimento Democrático Brasileiro no ano seguinte. A primeira manifestação a favor de eleições diretas ocorreu no recém-emancipado município de Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, no dia 31 de março de 1983. Organizada por membros do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) no município, a manifestação foi noticiada amplamente pelos jornais do estado. Fez-se o chamado social irradiado seguido por manifestações em Goiânia, em 15 de junho de 1983. A repressão militar é contínua, mas o movimento pela liberdade não retrocede e os democratas intensificam as manifestações por eleições diretas.

     Na televisão, o general João Batista de Figueiredo classificava como subversivos os protestos que começavam como estopim a acontecer em todo o país. Mas admitia: “É para abrir mesmo. E quem quiser que não abra, eu prendo. Arrebento. Não tenha dúvidas”. No ano seguinte o movimento social reuniu condições políticas para se mobilizar abertamente. E foi em São Paulo que a investida democrática ganhou com a força bruta da política um evento operário organizado e realizado no central parque do Vale do Anhangabaú, na Capital, em pleno aniversário da cidade de São Paulo, dia 25 de janeiro. Mais de 1,5 milhão de trabalhadores se reuniram para declarar apoio ao Movimento das Diretas . O ato é liderado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva e Pedro Simon, artistas e intelectuais engajados. A perda de prestígio do regime militar junto à população era evidente. Militares da raia miúda, com salários corroídos pela inflação descontrolada começavam a pressionar comandantes que também estavam descontentes com a crise. O movimento agregou amplos setores da sociedade civil. Participaram partidos políticos de oposição ao regime militar, além de lideranças sindicais, civis, artísticas, estudantis e jornalísticas.                   
               A cantora paraense Fafá de Belém participou ativamente de todos os 32 comícios realizados no movimento das Diretas . Fafá se apresentou gratuitamente em passeatas e comícios, cantando os temas Menestrel das Alagoas, em homenagem a Teotônio Vilela, e de forma magistral e tipicamente muito original, o Hino Nacional Brasileiro. “Menestrel das Alagoas” foi lançado em 1983, no seu álbum intitulado: “Fafá de Belém e o Hino Nacional Brasileiro”, posteriormente em 1985 no álbum Aprendizes da Esperança. A célebre interpretação do hino nacional diante das câmeras para uma multidão que clamava pela redemocratização do país foi ovacionada e aclamada pelo público. Fafá soltava uma pomba branca, gesto que se tornou símbolo do movimento e transformou-a na musa das Diretas . A célebre interpretação do hino nacional brasileiro, resgatando para a sociedade a sociologia das emoções, diante das câmeras para uma multidão que clamava pela redemocratização do país foi muito contestada pela Justiça, mas ao mesmo tempo foi ovacionada e aclamada pelo público.
           O Festival Internacional da Canção Popular (FIC) foi um concurso de músicas nacionais e estrangeiras, anual, realizado no ginásio do Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, e transmitido pela TV Rio, na primeira edição e pela TV Globo. A música de abertura era composta por Erlon Chaves e chamava-se Hino do FIC. O apresentador oficial era Hilton Gomes, que imortalizou a frase: Boa sorte, maestro! O prêmio Galo de Ouro foi concebido por Ziraldo e confeccionado pela joalheria H. Stern. Criado por Augusto Marzagão durou de 1966 a 1972, num total de sete edições.  Cada edição do festival tinha duas fases do processo comunicativo: a primeira de representação nacional, para escolher a melhor canção brasileira, e a internacional, para eleger a melhor canção de todos os países participantes: a concorrente brasileira era a vencedora da fase nacional. Apenas duas canções brasileiras foram contempladas com o Galo de Ouro: “Sabiá” de Tom Jobim e Chico Buarque, interpretada por Cynara e Cybele, vencedora em 1968 do III FIC, e “Cantiga por Luciana” de Edmundo Souto e Paulinho Tapajós interpretada pela Evinha, vencedora em 1969 do IV Festival Internacional.  
             Durante a campanha pelas eleições diretas, no final de suas apresentações, Fafá soltava uma pomba branca, gesto que se tornou símbolo do movimento social e transformou a mesma na musa luso-brasileira das Diretas . Numa entrevista dada ao jornal Folha de S. Paulo em 2006, Fafá de Belém declarou que Franco Montoro e outros políticos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) não queriam sua participação no movimento e que ela só passou a se apresentar por insistência da magnanimidade de Lula. Na mesma entrevista, Fafá declarou ter sido muito próxima a políticos do Partido dos Trabalhadores (PT), mas que sua relação com estes se definhou após ela ter declarado seu apoio a Tancredo Neves, a cuja candidatura o Partido dos Trabalhadores se opôs com sabedoria. Fafá de Belém foi de suma importância para o comício realizado em 10 de abril de 1984, pois foi ela quem “conseguiu fazer com que Dante de Oliveira subisse ao palco do evento, alegando para os policiais presentes que ele era o percussionista de sua banda”.                 
                O uso de drogas, os cabelos compridos e as roupas de “bicho grilo” não deixavam de serem atos de contestação social e rebeldia naquele ambiente sufocante. Casão acompanhava com atenção as mobilizações de resistência ao autoritarismo, pronto a tomar parte delas. Adolescente engajado fazia questão de comparecer a shows com motivação política. No parque São Jorge, houve alguns eventos desse tipo. Em 1979, ainda juvenil do Corinthians e totalmente desconhecido, assistiu a um show em prol da Anistia de brasileiros exilados perseguidos pelo regime autoritário, como afirma Walter Casagrande. – “Pela primeira vez, tive contato com artista. Os alojamentos localizados atrás do ginásio foram improvisados como camarins e, por ser atleta, conseguiu acesso. Mas só passei rapidamente e dei uma olhada: vi a Elis Regina, o Made in Brasil”. Para não correr risco de apanhar ou ser preso, refugiou-se na galeria do prédio, que pertencia ao então presidente Vicente Matheus, do Corinthians, bem em frente ao próprio clube. – “Eu assisti ao show com Taís, afirma Casagrande, uma amiga quer era moradora desse mesmo prédio, mas ela tinha ido embora quando a polícia apareceu. Então invadi a galeria e dormi ali mesmo, num cantinho”. 
             Pouco anos depois, já famoso continuou indo a shows dessa natureza no parque São Jorge, em defesa de eleições diretas para presidente ou com o propósito de levantar fundos para o recém-nascido Partido dos Trabalhadores (PT). Foi numa ocasião dessas, ocorrida em 24 de outubro de 1982, que Casagrande conheceu um personagem de vital importância em sua vida: o cantor e compositor Gonzaguinha. No fim da manhã daquele dia, o craque participara do Futebol das Estrelas, um jogo cívico pela redemocratização do páis do qual constara jogadores do Corinthians e diversos artistas, como Gonzaguinha, Fagner, Toquinho e até a atriz Bete Mendes, conforme consta do relatório oficial preparado por agentes da Polícia Civil para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Ao final da partida, Casão deixou o campo, casual com Gonzaguinha. Os dois iniciaram conversa enquanto caminhavam e, como houve afinidade imediata, resolveu parar no Bar da Torre, no coração do parque São Jorge, para tomar cerveja e continuar o animado bate-papo. Conversaram entusiasticamente sobre futebol, música e política. Chegaram à confraternização no final, mas com as carnes causada pela ação contínua do sal que pode resultar em um filé esturricado.                    
               Gonzaguinha iria fazer à noite um show no Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), que se tornara um símbolo de afirmação contra a ditadura depois de ter sido invadido em 22 de setembro de 1977 pelas forças policiais do regime militar, comandadas pelo coronel Erasmo Dias, com objetivo de reprimir uma manifestação estudantil no local. No dia 26 de setembro de 1977, o então general-presidente Ernesto  Beckmann Geisel (1907- 1996) acertou com o presidente da Arena - partido da ditadura militar -, deputado Francelino Pereira, para agendar data de reunião com o diretório nacional do partido com os presidentes dos diretórios regionais. Em reportagem publicada na data, no jornal Folha de S. Paulo, é dito que Pereira mostraria para Geisel os resultados da reunião, depois de manifestação expressiva em torno da necessidade de reformas constitucionais. A campanha pela Constituinte seria esvaziada. O presidente do Senado, também da Arena, Petrônio Portella disse que o Brasil é “um país independente, com sua política própria e atuando exclusivamente dentro dos seus interesses” em referência à visita do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. Geisel iria analisar a situação política em relação às velhas reformas constitucionais que estavam previstas para o ano seguinte (1978). O ex-presidente tinha determinado a “abertura de um diálogo com o MDB e outros setores da política nacional”. Na ocasião, cerca de 2 mil estudantes se reuniram em frente ao TUCA, quando foram surpreendidos por 3 mil policiais, entre militares e civis.

         A tropa investiu contra os manifestantes com grande violência, explodindo bombas, espancando alunos e professores. Em pânico, parte da multidão buscou refúgio na universidade, invadida  pelo Aparelho Repressivo de Estado (ARE) que sociologicamente compreende o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, a prisões, etc. Repressivo porque o Aparelho de Estado em questão funciona através da violência física prevalentemente e secundariamente com a ideologia, como a violência administrativa, através da utilização das leis pelo menos em situações limite, sociologicamente. Móveis foram quebrados e arquivos, destruídos. As paredes pichadas com a representação autoritária: Comando de Caça aos Comunistas. A ação terminou com a detenção de 854 pessoas, das quais 92 foram fichadas no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado em 30 de dezembro de 1924, como um órgão do governo brasileiro utilizado principalmente durante o Estado Novo (1937-46) e mais tarde na Ditadura Militar (1964-84). O órgão, que tinha a função de assegurar e disciplinar a ordem militar no país  foi instituído em 17 de abril de 1928 pela lei nº 2304 que tratava de reorganizar a Polícia do Estado. Cinco anos mais tarde, o show de Gonzaguinha no Teatro da Pontifícia Universidade Católica - São Paulo fazia o cantor relembrar, juntamente com Casão, aquele episódio trágico, a sua história.
               O Tuca representava um teatro que trazia lembranças afetivas às pessoas com aspirações democráticas. Tornou-se famoso pelas manifestações políticas que abrigou durante o regime da ditadura militar. O teatro apresenta duas salas principais: o Auditório Tibiriçá e o espaço Tucarena. Na maior sala do local cabem seiscentos e setenta e duas pessoas.  Durante a ditadura, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica (TUCA) foi palco de grande importância política. Servindo a todos os tipos de interesses dos universitários e dos paulistanos, o teatro contribuiu ativamente no processo de redemocratização, sendo considerado um espaço de lutas ao regime militar. Em 1961, ganhou a ideia de construção do auditório que tinha como grande objetivo divulgar a arte nos meios universitários e nos bairros de baixa renda. Em 1984, dois incêndios deixaram o teatro destruído, sendo reaberto após dois anos, com poucos recursos, devido à mobilização das pessoas. Com o patrocínio do Ministério da Cultura (MINC) e do Banco Bradesco, o teatro reinaugurou com melhores condições em 2003. Em março de 2016, a Polícia Militar de São Paulo entrou em confronto com estudantes da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) em frente ao teatro da universidade. Ocorria uma manifestação a favor da presidente Dilma Rousseff (PT) e contra o golpe de Estado que, mais tarde, viria com a força bruta da política para recalcar a imagem-mulher da presidência.
Bibliografia geral consultada.
LE GOFF, Jacques, La Naissance du Purgatoire. Paris: Éditions Gallimard, 1981; SODRÉ, Muniz, A Verdade Seduzida: Por um Conceito de Cultura no Brasil. Rio de Janeiro: Editor Francisco Alves, 1983; ELIAS, Norbert, El Proceso de la Civilización: Investigaciones Sociogenéticas y Psicogenéticas. 2ª edicíon. México: Fondo de Cultura Económica, 1989; FLORENZANO, José Paulo, A Democracia Corinthiana: Práticas de Libertação no Futebol Brasileiro. Dissertação de Mestrado em Antropologia. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003; FANTINATTI, Márcia Maria Corsi Moreira, A Nova Rede Globo: Trabalhadores e Movimentos Sociais nas Telenovelas de Benedito Ruy Barbosa. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. São Paulo: Universidade de Campinas, 2004; BERTONCELO, Edison Ricardo Emiliano, “Eu Quero Votar para Presidente: Uma Análise sobre a Campanha das Diretas”. In: Lua Nova, 2009,  n° 76, pp.169-196; ARAUJO FILHO, Wilson Constantino de, Futebol Brasileiro: A Trajetória do Jogador de Futebol Profissional e o Fim da Carreira. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009; MARTINS, Mariana Zuaneti, Democracia Corinthiana: Sentidos e Significados da Participação dos Jogadores. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, 2012; COUTO, Hergos Ritor Froes de, Esporte do Oprimido: Utopia e Desencanto na Formação do Atleta de Futebol. Tese de Doutorado. São Paulo: Universidade Nove de Julho, 2012; ALENCAR, Rodrigo, A Fome da Alma. Tese de Doutorado. Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo, 2016; CASAGRANDE JÚNIOR, Walter, Entrevista concedida a Waldenyr Caldas - Os cartolas são inevitáveis? Disponível em: Lua Nova. Volume 3, n° 2. São Paulo, dezembro de 1986; Idem, Casagrande e seus demônios. São Paulo: Editor Globo, 2013; Idem, “Virei uma página: Casagrande narra como ficou um mês sem beber e sem se drogar na Rússia”. Disponível em: https://epoca.globo.com/19/07/2018; entre outros.

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