domingo, 31 de janeiro de 2016

Aspectos Sociais do Simbolismo da Imaginação Incendiária.

Giuliane de Alencar e Fernando Átila


As origens do fascismo alemão remontam a 1914/1919, quando um grupelho de sete homens se reuniu numa cervejaria de Munique e fundou o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores alemães. O nome do partido não tardou a ser abreviado na fala popular para “nazi”. Em pouco tempo, o mais obscuro dos sete surgia como chefe. Chamava-se ele Adolf Hitler e tinha nascido em 1889, sendo filho de um pequeno funcionário aduaneiro da Áustria. Para entender a estrutura de massa da Alemanha unificada, conforme se constituiu a posteriori à guerra franco-prussiana de 1870/1871, nos voltamos para o exército como orgulho nacional alemão, salvo poucas exceções que logravam escapar desta influência simbólica. Vale lembrar que para desenvolver a escritura de sua obra maior Wille zur Macht (Vontade de Potência), Friedrich Nietzsche recebeu daquela guerra, devendo tal impulso à visão nunca esquecida por ele do esquadrão da cavalaria. Apontado, inclusive, sobre a expressividade da organização das massas, no aforismo n° 863 (cf. NIETZSCHE, 2008, p. 433), que ela “como a soma dos fracos, reage com lentidão. (...) Os valores dos fracos estão em primeiro lugar, pois os fortes os assumiram para, com isso, conduzir”. Pretendemos demonstrar o quão generalizada era a importância do exército para o alemão e de igual forma este símbolo de massa abrangia àqueles como Nietzsche que, altivamente, sabiam separar-se de tudo quanto lembrasse as multidões.
Um símbolo parte da imaginação e do sentimento dos homens e materializa-se através das práticas sociais que dele tomam partido. Ao eclodir a Primeira Guerra Mundial todo o povo alemão transformou-se numa massa única, aberta. Contudo, os primeiros dias de agosto de 1914 constituem o momento de gerador do nacional-socialismo com a corroboração de Hitler na ocasião em que ele mesmo representou a massa ao ajoelhar-se louvou a Deus em gesto de agradecimento pela eclosão da guerra. É evidente, no entanto, que Hitler não teria alçado êxito se o Tratado de Versalhes não tivesse dissolvido o exército dos alemães. Logo, o partido substituiu o exército e a este primeiro não se pode determinar fronteiras no interior da nação. O segredo do fascismo, por sua vez, está na repetição. Na inflamação das massas e na repetição do vazio, do falar sem pensar, sem refletir, e necessariamente sem relativizar. Mas também em ver o discurso sendo reproduzido e amparado por grupos que restritivamente autodenominam-se de iguais. Em quem pertence à sua mesma “Alma Coletiva” (Freud – Le Bon). Daí o fascismo estar tão próximo do conservadorismo e do nacionalismo exacerbado, que não deixa de fazer parte de sua constituição.

“Os povos são mais ou menos representados pelos Estados que formam; esses Estados, pelos governos que os conduzem. O cidadão individual pode verificar com horror, nessa guerra, o que eventualmente já lhe ocorria em tempo de paz: que o Estado proíbe ao indivíduo a prática da injustiça, não porque deseja acabar com ela [aboli-la], mas sim monopolizá-la, como fez com o sal e o tabaco. O Estado beligerante se permite qualquer injustiça, qualquer violência que traria desonra ao indivíduo. Ele se serve, contra o inimigo, não apenas da astúcia autorizada, mas também da mentira consciente e do engano intencional, e isso numa medida que parece ultrapassar o costumeiro em guerras anteriores. O Estado requer extremos de obediência e sacrifício de seus cidadãos, privando-os ao mesmo tempo de sua maioridade por um excesso de sigilo e uma censura da comunicação e da expressão, que deixa o ânimo daqueles assim oprimidos intelectualmente indefeso ante qualquer situação desfavorável a todo rumor sinistro. Ele se desliga dos tratados e garantias mediante os quais se comprometera com os outros Estados, admitindo desavergonhadamente sua cobiça e seu afã de poder, que o indivíduo deve então aprovar por patriotismo” (cf. Freud, em "Reflexões para os tempos de Guerra e Morte", 1915).
A intolerância, a prepotência, juntamente da megalomania de um líder, transmitindo sua libido às massas por meio do discurso, do ressuscitamento dos personagens mortos, ao que diria Marx, uma farsa (1997, p.21). Para tanto a inflamação das massas origina um efeito perturbador sobre populações de nações inteiras, transcendendo muitas vezes ao momento histórico propriamente dito. Partindo para a questão da reflexão de Marx sobre a ideologia, é prudente dizer que ela passou a se desenvolver a partir da incisiva ruptura com o ponto de vista hegeliano. Ao perceber com clareza que a concepção hegeliana atenuava consideravelmente a contradição entre a sociedade e o Estado, Marx acusava os neo-hegelianos de fundamentarem uma “superstição política” de que o Estado organizava racionalmente os indivíduos atomizados da sociedade burguesa. Mais especificamente o tema da ideologia foi retomado por Marx e Engels na obra A Ideologia Alemã ilustrando criticamente as distorções ideológicas da tradição idealista subjetiva. Posto que supervaloriza o poder das representações. Marx considerava que na Alemanha, devido o atraso em que se achava, os críticos cairiam na tentação de supor que as desvantagens práticas materiais poderiam com facilidade ser compensadas por vantagens espirituais de natureza especulativa.
Leandro Konder nos esclareceu em A Questão da Ideologia (2013, p. 40) que para Marx a ideologia era a expressão da incapacidade de cotejar as ideias com o uso histórico delas, com a sua inserção prática no movimento da sociedade. Para o que nos interessa, a ideologia fascista (RAMA, 1979) pode ancorar-se em três características humanas: o medo, o fanatismo e a intolerância. É um fenômeno político e discursivo (propaganda) deste século e cuja formulação definitiva talvez não possa se dar como concluída. Ela tem-se estabelecido pela fórmula autoritária: “Crer e não pensar”; “trabalhar e não refletir”; “obedecer e não discutir”. Surgiu em torno de 1890 na Europa ocidental como “eclipse da razão”, segundo Max Horkheimer. Georg Lukács, no “livro Destruição da Razão”, ou, Hannah Arendt, em “Eichmann em Jerusalém - Um Relato Sobre a Banalidade do Mal” fizeram como filósofos, uma análise histórico-crítica esclarecedora a respeito. Temos aí o conceito de “autoridade irracional”, que poderia ser caracterizado como “o poder sobre o povo, logrado sobre a base do terror, onde a crítica está proibida, e onde existe uma absoluta desigualdade entre os membros da comunidade” (Braga, 2004).
Justamente graças ao seu pensamento independente, a “teoria do totalitarismo”, ou seja, a conhecida expressão: “Theorie der totalen Herrschaft”, de seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre, Hannah Arendt tem um papel central nos debates contemporâneos. Como fontes metodológicas em torno de suas indagações Arendt utiliza, além de documentos filosóficos, no sentido que Hans-Georg Gadamer nos adverte políticos e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de forma literal e confrontados com o pensamento de Hannah Arendt. Seu sistema de análise - parcialmente influenciado pela hermenêutica filosófica de Martin Heidegger, a converte em uma pensadora original situada em diferentes campos de conhecimento e especialidades metodológicas acadêmicas. Seu devenir pessoal e seu pensamento demonstram um importante grau de coincidência, mas também de autonomia relativa das instâncias ou níveis de análise da realidade social e independência de raciocínio.

De acordo com Pierre Clastres (1934-1977), membro do Laboratoire d`Anthropologie Sociale do Collège de France (CNRS, Paris), afirma no ensaio Arqueologia da Violência o seguinte: “O Ocidente seria etnocida porque é etnocêntrico, porque se pensa e se quer a civilização”. Daí o fato cultural que reitera o etnocentrismo quando se afirma que:
“Toda cultura opera assim uma divisão entre ela mesma, que se afirma como representação por excelência Daí do humano, e os outros, que participam da humanidade apenas em grau menor. O discurso que as sociedades primitivas fazem sobre si mesmas, discurso condensado nos nomes que elas se dão, é, portanto etnocêntrico de uma ponta á outra: afirmação da superioridade de sua existência cultural, recusa de reconhecer os outros como iguais. O etnocentrismo aparece então como a coisa do mundo mais bem distribuída e, desse ponto de vista pelo menos, a cultura do Ocidente não se distingue das outras. Convém mesmo, aprofundando um pouco mais a análise, pensar o etnocentrismo como uma propriedade formal de toda formação cultural, como imanente à própria cultura. Pertence à essência da cultura ser etnocêntrica, na medida exata em que toda cultura se considera como a cultura por excelência. Em outras palavras, a alteridade cultural nunca é apreendida como diferença positiva, mas sempre como inferioridade segundo um eixo hierárquico” (cf. Clastres, 2004, p. 85-86).
Desta forma é aceito que o etnocídio, “é a supressão das diferenças culturais julgadas inferiores e más”; é a aplicação de um princípio de identificação, de um projeto de redução do outro ao mesmo, como ocorre, por exemplo, com o índio amazônico suprimido como outro e reduzido ao tempo como cidadão brasileiro. Em outras palavras, o etnocídio resulta na dissolução do múltiplo no Um. O que significa agora o Estado? Ele é, por essência, o emprego de uma força centrípeta que tende, quando as circunstâncias o exigem, a esmagar as forças centrífugas inversas. O Estado se quer e se proclama o centro da sociedade, o todo do corpo social, o mestre absoluto dos diversos órgãos desse corpo. Descobre-se assim, no núcleo mesmo dessa substância do Estado, a força atuante do Um, a vocação de recusa do múltiplo, o temor e o horror da diferença. Nesse nível formal em que nos situamos atualmente, afirma P. Clastres, constata-se que a prática fascista (com o exemplo do etnocídio) e a máquina estatal funcionam da mesma maneira e produzem os mesmos efeitos: sob as espécies da civilização ocidental ou do Estado, revelam-se sempre a vontade de redução da diferença e da alteridade, o sentido e o gosto do idêntico e do um.
Saindo do âmbito público para a esfera de atuação privada, vale lembrar que no caso brasileiro, a cidade de São Paulo é uma das mais desiguais no mundo. E desta afirmação é possível considerar que se trata de um exemplo claro da prática fascista no país. Nos últimos anos, por exemplo, ficou demonstrada a “legítima” atuação repressiva do Estado e sociedade nos recentes casos de segregação e de mentalidade higienista, que até hoje a dinâmica do mercado imobiliário reproduz. Há casos emblemáticos e recentes. Em 2010, os seletos moradores do bairro de Higienópolis iniciaram um movimento contra uma estação de metrô nas redondezas, justificando que aquele meio de transporte traria ao bairro “gente diferenciada”. Em 2011 foi a vez de um grupo de comerciantes e moradores do bairro Pinheiros, que se organizaram contra um albergue para "moradores de rua", alegando que ficariam acuados em casa. Outro caso foi o das rampas “antimendigo” que partiu de iniciativa da gestão política de José Serra. Tal projeto teve por escopo impedir moradores de rua em certas partes da cidade, com a chancela do poder público. Indícios apontam que os recentes casos de incêndio ocorreram em favelas. O site “Fogo no Barraco” (http://fogonobarraco.laboratorio.us/) mapeou todos os incêndios em favelas paulistas entre os anos de 2005 e 2015.

 Embora em muitos casos seja difícil o levantamento de provas – fato este que permitiu aos interessados atribuir os incêndios à baixa umidade do ar — os indícios são avassaladores, frente a comparação das regiões incendiadas com o índice de alta valorização imobiliária. O mapa mostra como a enorme maioria dos incêndios ocorreu nas zonas de valorização. Consideramos então que mais inflamável que o clima seco é a especulação. A cidade dos muros. Dos muros, incêndios criminosos, despejos, rampas “antimendigo” e dos condomínios exclusivos. O fascismo da elite só coloca mais combustível neste barril de pólvora. 

Chaplin e o atual palco político-social brasileiro

O Grande Ditador” é uma sátira ao regime nazista, mas que não se limita apenas a Hitler. Vai além. Os dois personagens principais, o ditador e o barbeiro, ambos interpretados por Chaplin, remetem, o primeiro à imagem do líder, e o segundo à exposição do que Freud chamava de ambivalência, resumindo, ao mesmo tempo que amamos odiamos. E, falando em Freud, seria coerente, claro, citar e se apoiar em “Psicologia das massas e análise do Eu”. O que mais surpreende no filme, e na vida real –A arte imita a vida-, é a reafirmação de que quando o indivíduo está na massa tende a agir irracionalmente, por mais letrado que este seja. Le Bon afirmava que:
“O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente. Certas ideias, certos sentimentos aparecem ou se transformam em atos apenas nos indivíduos em massa. A massa psicológica é um ser provisório, composto de elementos heterogêneos que por um instante se soldaram, exatamente como as células de um organismo formam, com a sua reunião, um ser novo que manifesta características bem diferentes daquelas possuídas por cada uma das células”. 
Portanto, existe uma “alma coletiva” na massa. Por fim, quando, em uma massa, como no filme, ou na Alemanha, ou no Brasil, é liberado o ódio, a tendência é que a “alma coletiva” o absorva e, como a irracionalidade não está sozinha, a massa é capaz de realizar atos que provavelmente indivíduos isolados não fariam, principalmente porque tais atos não seriam permitidos por seus princípios éticos, mas que agora se constitui como permissão moral daquele grupo. A figura do líder é um elemento principal nas massas artificiais, aquelas que necessitam de uma coação externa para se manter. Tudo me leva a crer que, todo esse ódio é liberado por uma força maior em um dos lados da ambivalência, e nem preciso dizer qual seria o lado que sai ganhando, em seguida transmitido, como uma virose, pelo líder, também visto na figura de um pai. Penso que todo esse ódio surge do medo. O medo da não concretizar seus ideais, que também tem a ver com o caráter de formação narcísica, onde o Eu se sente ameaçado e muitas vezes projeta essa ameaça em algo material, como os judeus, negros, comunistas, etc.

Bolsonaro: uma farsa ou um fenômeno?

O fascismo trata-se de um movimento político e filosófico, ou regime (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922), que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador; tendência para ou o exercício de forte controle autocrático ou ditatorial. Platão já dizia, em seu livro intitulado “A República”, que quando a democracia entra em vício a surge a demagogia. O Brasil vive em uma conjuntura delicada e um cenário de crise econômica e política. Uma crise que deixa a ilusão para muitos de que toda a culpa está a cargo de apenas um partido, e que a saída é a dissolução, extermínio, desse partido. Assim como foi no século XX na Alemanha, com os judeus e outras minorias. Os últimos acontecimentos comprovam a veracidade do que Le Bon e Platão já afirmavam.
As declarações homofóbicas, racistas e machistas do deputado Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ) não se limitam apenas à suas palavras ou atos, mas são reproduzidas e disseminadas em toda a sociedade brasileira, e ainda por outro grupo, como a página no Facebook “Revoltados Online”, que defende e exige a volta dos militares, fazendo apologia à Ditadura, ao ultranacionalismo e ao anticomunismo freneticamente. Os dois últimos não passam de correlações, criadas apenas como integrantes ideológicos. Chega a parecer que ainda estamos em plena Guerra fria. Jair Bolsonaro declarou no ano 2000 que defendia a tortura e o “pau-de-arara” comuns no período da ditadura militar, nos seguintes termos: -“Eu defendo a tortura. Um traficante que age nas ruas contra nossos filhos tem que ser colocado no pau-de-arara imediatamente. Não tem direitos humanos nesse caso. É pau-de-arara, porrada. Para sequestrador, a mesma coisa. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico”.
Ainda sobre a comunidade virtual “Revoltados Online” temos um exemplo da propagação de ódio e extremismo no Brasil. Possivelmente, muitos dos problemas sociais atuais, como essa falsa polarização, e até a xenofobia, derivam da atual crise política. Exemplo disso é o endeusamento de Bolsonaro, colocado-o com Fuhren (Guia), a “salvação final”. Dentre os administradores do grupo está o fanático de ultradireita Daniel Barbosa Amorim, o mesmo que agrediu verbalmente o frentista haitiano em Canoas-RS, e que também “cumpriu pena de prisão por furto, entre outras complicações com a lei”. Não é de hoje que nosso país enfrenta problemas do tipo, a presença de ideias fascistas já provém no Brasil desde antes da segunda guerra mundial, e posteriormente com a criação de grupos organizados e até tentativas de formação de um partido legalizado.
“Os chamados ‘carecas do ABC’ surgiram como uma dissidência dos ‘carecas do subúrbio’, ocorrida por divergências ideológicas entre as facções internas. Seus membros, estimados entre 50 e 100 militantes organizados, estão concentrados na região do ABC paulista, sendo na maioria de origem operária. São apontados como mais organizados e mais “intelectualizados” do que seu grupo originário. Adotam hierarquia baseada na organização militar, com “generais” e “soldados”. Aproximam-se dos Carecas do Subúrbio na apologia da violência, mas, ao contrário destes, não portam armas de fogo, tendo no uso exclusivo da força física um pressuposto dos seus ideais. Identificam-se com o integralismo de Plínio Salgado e adotam o lema: ‘Deus, Pátria e Família’. Admitem a presença de negros e nordestinos em suas fileiras, mas vetam a entrada de mulheres. Perseguem homossexuais, judeus, dependentes químicos e esquerdistas. Também se opõem à presença de multinacionais em território brasileiro.” (Braga, 2015).

Todo esse ódio e irracionalidade fogem às origens – seu ambiente – e são refletidas na sociedade. Recentemente, no dia primeiro de agosto, seis haitianos foram baleados em dois ataques realizados em São Paulo. Segundo testemunhas o atirador, que dirigia um carro, gritou “Haitianos, vocês roubaram os nossos empregos” e logo em seguida efetuou os disparos. Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa.

O conservadorismo e a luta de classes

Em 1922 Mussolini fazia sua Marcha sobre Roma, com grande adesão popular; em 1923, Hitler, na Alemanha, tentou o mesmo, porém sem hesito, mas foi apenas questão de tempo para que chegasse ao cargo de Chanceler, e pudesse com eficiência aplicar seu golpe. Tais regimes surgiram em cenários parecidos, e em épocas próximas – pós-guerra. Sempre com a mesma afirmação salvacionista, apontando os “inimigos da pátria”, e finalizando com o nacionalismo extremo. Como afirmado no início, o fascismo é o ato desesperado de querer conservar a sociedade, encontrando suas justificativas em análises rasas da vida econômica e social. E onde se encontra a luta de classes meio a tudo isso? Justamente nessas ideias, que têm suas origens puramente ideológicas. As ideias são sempre as mesmas ou parecidas; só mudam de aparência, palavras, locutores, mas que em sua essência permanecem iguais.
O ano de 2015 foi marcado pelo acentuamento da crise em nosso país, ao mesmo tempo em que as ruas davam lugar às “manifestações de direita”, com maior presença das classes médias; apesar de terem o mesmo grito de “Fora PT”, ainda assim se classificavam como um grupo heterogêneo no âmbito das “soluções”. Segundo pesquisa realizada em Porto Alegre, no primeiro ato (22/03): 87,2% se declararam brancos, 40,5% disseram ganhar mais de 10 salários mínimos e 68,4% afirmaram ter ensino superior. Enquanto apenas 5% disseram ganhar apenas entre um e dois salários mínimos, 9,9% e 2,9% serem compostos, respectivamente, por negros e pardos (Index). Em São Paulo não foi diferente: 41%  recebem mais de 10 salários mínimos e 76% afirmaram ter nível superior ( cf. Datafolha, 2015). 

Há, nessa massa, claramente uma “revolta seletiva”, não em sua totalidade; revolta que teve enorme contribuição dos meios midiáticos, em especial as mídias dominantes, assim como ocorreu na Venezuela em 2002 com a RCTV, responsável direta pelo golpe de Estado que durou dois dias. Apesar de hoje, no Brasil, não ter ocorrido Golpe de Estado, não deixa de pairar no ar tais ideias, o que ainda assim torna preocupante e essencial o debate. Em 2014, um grupo tentou copiar a história, sem sucesso, (re)fazendo a Marcha da Família com Deus pela liberdade. Brecht disse: “Nada há mais parecido com a um fascista do que um burguês assustado”. O papel da mídia é claramente ideológico, por fazer parte da superestrutura, e servir à classe dominante. Comunidades próximas ou situadas em áreas de alta valorização imobiliária sofrem incêndio criminoso em São Paulo. 
“As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio.” (Karl Marx e Friedrich Engels, em A ideologia alemã). 
A luta de classes configura-se não apenas no campo material, através da exploração do trabalhador, mas também no plano ideológico dominante, nas ideias. No momento em que uma classe domina a outra, indo além da posse dos meios de produção condenando uma classe à “escravidão assalariada”, mas chega ao ponto de produzir sua consciência, há aí uma relação de dominação. E a dominação é mais nada que um mecanismo da classe dominante, usado para justificar e legitimar o estado atual das coisas, ligado intimamente ao modo de produção. Portanto, o fascismo é a expressão máxima, o grito desesperado da tentativa de manter o “Status Quo”. O fascismo nasce do medo, da desordem e da ignorância, e nelas apoia-se. Sempre acompanhado, é claro, de uma dose de violência; Mas essa violência só faz reafirmar de onde vem seu nascimento, e a fonte que o alimenta – medo e desordem. “Poder e violência são termos opostos: a afirmação absoluta de um significa a ausência do outro.”, afirmou Hannah Arendt, fazendo oposição ao que diria o revolucionário Chinês, Mao Tsé-tung: o poder emana do cano do fuzil. Havendo então uma contradição dialética hegeliana-marxista, dos próprios revolucionários, salvo alguns casos, onde os opostos não se destroem, mas desenvolvem-se.
Bibliografia geral consultada. 

RAMA, Carlos, La Ideologia Fascista. Barcelona: Ediciones JUCAR, 1979; ARENDT, Hannah. L` Impérialisme. Les Origines du Totalitarisme. Paris: Éditions du Seuil, 1980; Idem. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1993; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Ideologia Fascista”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 4/12/2004; CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; CLASTRES, Pierre. Arqueologia da Violência. Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo: Editor Cosac & Naify, 2004; MARX, Karl, O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997; Idem, A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007;  NIETZSCHE, Friedrich. A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 2008; KONDER, Leandro. A Questão da Ideologia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002; Idem. Introdução ao Fascismo. 2ª edição. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2009; FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo: Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos (1914-1916). São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2010; Idem. Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos (1920-1923). São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2011; AQUINO, Lourencio Menezes de, Aplicação das Normas de Segurança contra Incêndio no Estado do Rio Grande do Norte: Uma Proposta de Atualização. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015; entre outros. 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O Panificador - A Técnica & Utilidade de Uso Literário da Padaria.

                                                                                                   Ubiracy de Souza Braga*

Todo cearense é filho da Padaria Espiritual” . Selma Santiago

        O Dia do Panificador foi criado em homenagem à Santa Isabel de Portugal, reconhecida popularmente como a “padroeira dos padeiros”. De acordo com a lenda, mito ou oralidade durante o século XIV, Portugal enfrentava uma intensa crise e as pessoas passavam muita fome. A crise do século XIV designa uma série de eventos ocorridos ao longo dos séculos XIV e XV que deterioraram o crescimento e prosperidade que a Europa havia desenvolvido desde o começo da Baixa Idade Média. O colapso demográfico, a instabilidade política e as revoltas religiosas estão na origem das crises que provocaram alterações profundas em todas as áreas da sociedade. Para ajudar os menos afortunados, a rainha de Portugal, Isabel de Aragão, distribuía anonimamente pães para os pobres. Certo dia, quando a rainha se preparava para distribuir os pães, o rei D. Dinis I interceptou-a e exigiu que ela demonstrasse “o que escondia no seu avental”. A rainha respondeu que levava rosas, mas o rei não acreditou e pediu para que Isabel revelasse o conteúdo misterioso. Ao abrir o avental, várias rosas caíram ao chão e começaram a gritar: “Milagre! Milagre”. A crise iniciou a decadência das universidades e escolas medievais e, per se o progresso científico que estava florescendo.

A medicina quase desviou-se da prática metodológica para ceder às superstições e medos que se deram per se com a Peste e a Grande Fome. A cultura de higiene que havia se disseminado através dos monges herbalistas se extingue e a medicina atribui a causa da peste à água que se tornou cada vez mais escassa em seu estado potável devido às fortes chuvas. Logo, há redução no número de banhos e o início de uma era de ensebamento no século XV. Causada por diversos motivos políticos, a crise teve origem na escassez de novas terras a serem ocupadas, fazendo com que a produção não crescesse, uma vez que no sistema feudal uma maior produção significava a anexação de novas terras. Com a produção estagnada e uma população maior, a fome se espalhou pela Europa. Além disso, a destruição das florestas e do meio ambiente ocorrida durante o século XII causou sérias mudanças climáticas, com severas chuvas. Em 1212, a jovem Clara de Assis seguiu o exemplo de São Francisco de Assis dentro da clausura e contemplação de pobreza evangélica, no Convento de São Damião, sob a orientação conjunta de Santa Clara e de São Francisco, e que contou sempre com a solidariedade dos Frades Menores.

            A ordem depressa se estendeu por toda a Europa e constitui hoje, com cerca de 1 500 mosteiros em todos os continentes, a ordem de clausura mais numerosa em toda a Igreja. Em 2012 a ordem contava com cerca de 20 mil Clarissas em mais de setenta países. As Irmãs Clarissas chegaram a Portugal pouco depois da morte de Santa Clara, em 1254. A primeira comunidade instalou-se em Lamego, passando em 1259 para Santarém. A Europa devastada pela fome, estava mais vulnerável a doenças como a Peste negra. Para agravar a situação existiam constantes guerras, a mais conhecida foi a Guerra dos Cem Anos que causou uma grande queda demográfica. Como havia menos pessoas para trabalhar, os nobres impuseram uma maior carga de trabalho sobre os camponeses, e gerou revoltas populares como a Jacquerie e a camponesa de 1381.

A revolta dos camponeses foi alimentada pela agitação econômica e social do século XIV. A maioria dos ingleses trabalhava na economia rural que alimentava as vilas e cidades do país e apoiava um extenso comércio internacional. Em grande parte da Inglaterra, a produção era organizada em torno de feudos, controlados por senhores locais, incluindo a nobreza e a Igreja e governada através de um sistema de cortes senhoriais. Parte da população era de servos sem liberdade, que trabalhavam nas terras de seus senhores por um período a cada ano, embora o equilíbrio entre livres e não livres variasse em toda a Inglaterra, e no Sudeste houvesse relativamente poucos servos. Alguns nascidos sem liberdade e não podiam deixar seus feudos para trabalhar em outro lugar sem o consentimento do senhor; outros aceitavam limitações à sua liberdade como parte do contrato de posse de suas terras agrícolas. O crescimento da população levou a pressão sobre as terras agrícolas disponíveis, aumentando o poder dos proprietários.

Em 1348, a praga reconhecida como Peste Negra atravessou a Europa continental para a Inglaterra, matando rapidamente cerca de 50% da população. Após um período inicial de choque econômico, a Inglaterra começou a adaptar-se à mudança da situação econômica. A taxa de mortalidade entre os camponeses significava que a terra era relativamente abundante e a mão de obra era muito menor. Os trabalhadores podiam cobrar mais por seu trabalho e, na consequente competição por trabalho, os ordenados eram levemente elevados. Por sua vez, os ganhos dos proprietários de terras foram corroídos. O comércio e as redes comerciais e financeiras nas cidades se desintegraram. As autoridades responderam ao caos com uma legislação de emergência; a Portaria dos Trabalhadores aprovada em 1349 e o Estatuto dos Trabalhadores em 1351. Tentava-se fixar os ordenados aos níveis anteriores à praga, “tornando crime recusar o trabalho ou quebrar um contrato existente, aplicando multas àqueles que transgredissem”. O sistema foi aplicado inicialmente através de juízes especiais de trabalhadores e, a partir da década de 1360, através dos Juízes de Paz normais, tipicamente membros da nobreza. Embora, em teoria, essas leis se aplicassem aos trabalhadores que buscavam ordenados mais altos e aos empregadores tentados a oferecer mais que seus concorrentes aos trabalhadores, na prática eram aplicadas apenas a trabalhadores e, então, de maneira bastante arbitrária. A legislação foi reforçada em 1361, com as penas aumentadas para incluir marcas e prisões. O governo real não havia intervindo dessa maneira anteriormente, nem se aliado aos proprietários destas localidades de uma maneira tão óbvia ou impopular. 

Nas décadas seguintes, aparentemente aumentaram as oportunidades econômicas para o campesinato inglês. Os trabalhadores assumiram empregos especializados que anteriormente lhes eram barrados e outros mudaram de empregador para empregador, ou tornaram-se empregados em famílias mais ricas. Essas mudanças foram intensamente sentidas no sudeste da Inglaterra, onde o mercado de Londres criou uma ampla gama de oportunidades para agricultores e artesãos. Os senhores tinham o direito de impedir que os servos deixassem seus feudos, mas quando os servos se viram bloqueados nas cortes senhoriais, muitos simplesmente saíram para trabalhar ilegalmente em outros feudos. Os ordenados continuaram a subir e, entre as décadas de 1340 e 1380, o poder de compra dos trabalhadores aumentou em cerca de 40%. À medida que a riqueza das classes subalternas aumentou, o Parlamento adotou novas leis em 1363 para impedir que consumissem mais, anteriormente acessíveis apenas à elite. Essas leis suntuárias se mostraram inexequíveis, mas as leis trabalhistas mais amplas continuaram a ser aplicadas com firmeza

Em Portugal a crise geral na ordem política amplificava os efeitos de poder que representavam demográfica e economicamente, mas também historicamente uma crise de sucessão de 1383-1385. D. Fernando faleceu, deixando como sua única herdeira, Beatriz, de Portugal, casada com João I de Castela. Se fosse nomeada para governar Portugal, o reino correria sérios riscos de perder a sua Independência, numa situação que não agradava a parte da população. Deste modo, as opiniões dividiram-se: por um lado o povo, a baixa nobreza e a burguesia que apoiavam o Mestre de Avis, que viria a tornar-se João I de Portugal e a Independência de Portugal, por outro, parte da nobreza e clero apoiavam Dona Beatriz. Depois de Mestre de Avis ter assassinado o Conde Andeiro e se ter autoproclamado Rei, tiveram lugar várias batalhas entre portugueses e castelhanos, sendo os exércitos portugueses comandados por D. Nuno Álvares Pereira e obtendo vitórias, como por exemplo, na Batalha dos Atoleiros. Mas só nas Cortes de Coimbra é que o Mestre de Avis, defendido por D. João das Regras, foi aclamado publicamente Rei de Portugal, D. João I, tendo assim proclamado o início à Dinastia de Avis.

A revolta camponesa de 1381, também chamada Revolta de Wat Tyler ou o Grande Levante, representou uma grande revolta em grande parte reconhecida da Inglaterra em 1381. O evento teve várias causas, incluindo tensões socioeconômicas e políticas geradas pela Peste Negra na década de 1340, os altos impostos resultantes do conflito com a França durante a chamada Guerra dos Cem Anos e a instabilidade na liderança local de Londres. O estopim da revolta foi a intervenção de um oficial real, John Brampton, em Essex, em 30 de maio. Suas tentativas de cobrar o imposto por cabeça não pago em Brentwood terminaram em um confronto violento, que se espalhou rapidamente pelo sudeste do país. Um amplo espectro da sociedade rural, incluindo muitos artesãos e oficiais de aldeia, levantou-se em protesto, queimando registros judiciais e abrindo as prisões. Os rebeldes exigiram redução na tributação, o fim no sistema de trabalho não livre da servidão e a remoção dos altos funcionários e cortes do rei. Inspirados pelos sermões do clérigo radical John Ball e liderados por Wat Tyler, um contingente de rebeldes de Kent avançou em Londres. Foram recebidos em Blackheath por representantes da realeza, que sem sucesso tentaram convencê-los a voltar para casa. 

O rei Ricardo II, então com 14 anos, retirou-se para a segurança da Torre de Londres, mas a maioria das forças reais estava no exterior ou no norte da Inglaterra. Em 13 de junho, os insurretos entraram na capital e, unidos por muitas pessoas da cidade, atacaram as prisões, destruíram o Palácio Savoy, incendiaram livros de direito e edifícios em Temple e mataram qualquer pessoa associada ao governo real. No dia seguinte, Ricardo encontrou os rebeldes em Mile End e aderiu à maioria de suas demandas, incluindo a abolição da servidão. Enquanto isso, os revoltosos entraram na Torre de Londres, matando o Lorde Chanceler e o Lorde Tesoureiro, que encontraram lá dentro. Em 15 de junho, o rei deixou a cidade para encontrar Tyler e os rebeldes em Smithfield. A violência eclodiu, e o grupo de Ricardo matou o líder. Ele neutralizou a situação tensa por tempo suficiente para o prefeito de Londres, William Walworth, reunir uma milícia da cidade e dispersar as forças rebeldes. Ricardo imediatamente começou a restabelecer a ordem em Londres e rescindiu suas concessões anteriores aos revoltosos.

A insurreição também se espalhou para a Anglia Oriental, onde a Universidade de Cambridge foi atacada e muitas autoridades reais foram mortas. A agitação continuou até a intervenção de Henrique Despenser, que derrotou um exército insurreto na Batalha de North Walsham, em 25 ou 26 de junho. Os problemas estendiam-se para o norte, até Iorque, Beverley e Scarborough e até Oeste de Bridgwater, em Somerset. O rei mobilizou 4 mil soldados para restaurar a ordem. A maioria dos líderes rebeldes foram rastreados e executados; até novembro, pelo menos 1 500 rebeldes foram mortos. A revolta dos camponeses tem sido amplamente estudada por acadêmicos. Os historiadores do final do século XIX usaram uma variedade de fontes de cronistas contemporâneos para reunir um relato do evento, e estas foram complementadas no século XX por pesquisas usando registros judiciais e arquivos locais. As interpretações da revolta mudaram ao longo dos anos. Outrora vista como um momento decisivo na história inglesa, os acadêmicos modernos têm menos certeza de seu impacto na história social e econômica subsequente. Ela influenciou fortemente o curso da Guerra dos Cem Anos, impedindo os parlamentos posteriores de aumentar impostos adicionais para pagar campanhas militares na França. A revolta tem sido utilizada na literatura socialista, inclusive William Morris, e continua a ser um símbolo político potente para a esquerda política, baseando os argumentos em torno da adoção do Imposto Comunitário posterior no Reino Unido durante os anos 1980. 

             
             Trajes usados no fim do século XIX, canções e poemas relembraram na Praça do Ferreira, na cidade de Fortaleza, a Padaria Espiritual, resultado dos encontros de jovens escritores no tradicional Café Java. Parte da programação do Projeto Secult - Secretaria da Cultura do Estado Itinerante nos Bairros, o sarau literário reuniu poetas e cantores cearenses, relembrando as “fornadas” de textos produzidas pelos “padeiros”. De acordo com Selma Santiago (2006), coordenadora do projeto, o sarau literário celebrou o aniversário da Padaria Espiritual. No dia 30 de maio de 1892, o movimento surgiu com o objetivo de produzir textos com humor, crítica e irreverência. Os “padeiros”, acrescenta o professor universitário Felipe Barroso, se destacaram por antecipar, em 30 anos, a Semana de Arte Moderna, realizada em 1922, na cidade de São Paulo. - “Eles queriam romper com a cultura europeia, valorizando a cultura brasileira”. Com suas características, consolidaram o Realismo e o surgimento do Simbolismo no Ceará.

Nos jornais produzidos aos domingos pelo movimento, intitulado “O Pão”, era proibido usar palavras ou citar nomes de animais estrangeiros, o que demonstrava uma postura radicalmente nacionalista. Segundo o Estatuto da Padaria Espiritual, o clero, a polícia e os alfaiates eram considerados inimigos naturais dos “padeiros”. - “Todo cearense é filho da Padaria Espiritual”, ressalta Selma Santiago. Por isso, durante o sarau literário, poetas e músicos tiveram a chance de relembrar e divulgar produções literárias cearenses. “Essa abertura é de fundamental importância e se soma ao movimento dos Poetas da Praça do Ferreira, fundado há quase 27 anos”, acrescenta o poeta Marcos Antônio de Abreu. A Padaria Espiritual prosseguiu ativa até dezembro de 1898. Entre os principais sócios, conhecidos como “amassadores”, estavam: Rodolfo Teófilo, Antônio Sales, Capistrano de Abreu, Tibúrcio de Freitas, Álvaro Martins e Temístocles Machado.

Em torno do governador Manoel Inácio de Sampaio, ocorrido de 1813 a 1817, reuniam-se poetas que formavam os Oiteiros. A estética em torno desse período referia-se ao neoclassicismo, ou arcadismo, e entre esses versejadores estavam Pacheco Espinosa, Costa Barros, Castro e Silva, e outros. Pelo fato de se terem guardado apenas textos de louvor ao governante, afinal, eram manuscritos que estavam no Palácio de governo, Silvio Júlio, em Terra e povo do Ceará (1936), disse “horrores” desses poetas. Mas Dolor Barreira, principalmente em sua História da literatura cearense (1948), compreendeu que, bem ou mal, os versos dos Oiteiros “representavam o alvorecer das letras em nossa Província”. Depois de um período um tanto incaracterístico, no que toca a estilos literários, veio Juvenal Galeno, em 1856, com os Prelúdios poéticos, o que viria com mais força em seu livro principal, Lendas e Canções Populares (1865), aparecido no mesmo ano em que, no Rio de Janeiro, José de Alencar publicava Iracema.

O ultrarromantismo ou bayronismo, teve, na década de 1870, suas vozes maiores com Joaquim de Sousa, que espalhava seus versos no Jornal da Mocidade (1876), e Barbosa de Freitas, cujos poemas musicados e cantados em serenatas, sendo populares por muitos anos. Em 1873, surgiu um grêmio que era mais filosófico do que literário, batizado por um de seus membros, menos por gracejo, e de fato pela influência que já se anunciava no processo de formação da intelligentzia, do russo: интеллигенция, do latim: intelligenstia de “Academia Francesa”. Erguia a bandeira do positivismo e contava com nomes de peso, como Rocha Lima, Tomás Pompeu, Capistrano de Abreu, João Lopes e outros. Combatiam o Romantismo, apesar de um deles, Araripe Junior que haveria de ser um dos grandes críticos realistas, escrever romances na escola de Alencar, entre outros, O Ninho do beija-flor (1874). Como não tinham lugar na imprensa conservadora alguns de seus componentes escreviam no jornal maçom Fraternidade.


         Desponta o Cordeirismo nos versos inflamados dos poetas da Abolição: Antônio Bezerra, Antônio Martins e Justiniano de Serpa, autores do livro Três Liras (1883). O citado João Lopes funda o Clube Literário (1886), que congrega românticos, como esses poetas dos quais falamos, e mais Juvenal Galeno, Virgílio Brígido, Francisca Clotilde, Martinho Rodrigues, José Carlos Júnior e outros. O Realismo começa a surgir com a revista de grêmio, A Quinzena (1887-1888), nos contos de Oliveira Paiva, nas narrativas cientifica de Rodolfo Teófilo e nas pregações críticas de Abel Garcia. Há páginas do historiador Paulino Nogueira e do filósofo Farias Brito. Depois do romance realista A Afilhada, de Oliveira Paiva, em folhetins do jornal Libertador, em 1889, o primeiro romance editado em volume dentro da estética naturalista é A Fome (1890), de Rodolfo Teófilo, que lançará outras obras dentro da mesma corrente, como Os Brilhantes (1895), etc. Antônio Sales, que vinha do Clube Literário, publica, em 1890, seu primeiro livro de poesia, Versos diversos, misturando “sentimento romântico, construção algo neoclássica e leves prenúncios parnasianos”. Frequenta o Café Java, na Praça do Ferreira e com seus amigos, idealiza a mais original de todas as agremiações culturais do Ceará. É a Padaria Espiritual que brilhou como seda entre os anos 1892-1898.
        A Padaria espiritual (1892 - 1898) foi interpretada por seus integrantes como uma Agremiação de Rapazes e Letras, e foi fundada em 30 de maio de 1892, nascida em um famoso quiosque da Praça do Ferreira, o Café Java. Antônio Sales, idealizador e o responsável principal pela originalidade da agremiação, junto a Lopes Filho, Ulisses Bezerra, Sabino Batista, Álvaro Martins Temístocles Machado e Tibúrcio de Freitas compunham o grupo dos que frequentavam o Café Java e dos Fundadores da Agremiação. Tinham por influência grandes nomes da literatura nacional e mundial. A cada domingo, um jornalzinho de oito páginas chamado O Pão era “amassado” e fez circular 36 números, até que em dezembro de 1898, depois de 6 anos de atividades, a Padaria fecha. Os títulos dos membros desta academia “seguiam o padrão usado nas padarias reais”, do ponto de vista do processo de trabalho, para lembrarmo-nos de Marx. O que nos diz o compositor e instrumentista Beto Guedes, membro do Clube de Esquina mineiro: - Sim, todo amor é sagrado/E o fruto do trabalho/É mais que sagrado/Meu amor/A massa que faz o pão/Vale a luz do teu suor/Lembra que o sono é sagrado/E alimenta de horizontes/O tempo acordado de viver” (cf. Amor de Índio, 1978).

            No período de funcionamento, juntamente com o periódico O Pão, foram feitas significativas publicações para a literatura brasileira, tais como: Phantos (1893) de Lopes Filho; Marinhas (1897) de Antônio de Castro; Flocos (1894) de Sabino Batista; Contos do Ceará (1894) de Eduardo Saboia; Cromos (1895) de X. de Castro; Trovas do Norte (1895), de Antônio Sales; Os Brilhantes (1895), de Rodolfo Teófilo; Dolentes (1897), de Lívio Barreto; Maria Rita (1897) de Rodolfo Teófilo; Perfis Sertanejos (1897), de José Carvalho. Os Estatutos da Padaria Espiritual, escritos “muitos anos” antes da Semana de Arte Moderna de 22 deixam claro “o caráter pioneiro deste movimento literário”.  Clóvis Bevilácqua colaborou em diversos jornais e revistas, como por exemplo: Revista Contemporânea, do Recife, Revista Brasileira, do Rio de Janeiro, e, em O Pão, publicação do movimento literário Padaria Espiritual do Ceará. Em 1894, publicou “Frases e Fantasias”, dez escritos de ficção e reflexões pessoais.
            A Padaria Espiritual ipsis litteris representa uma agremiação literária surgida em Fortaleza no final do século XIX. Na própria denominação, que associa a imagem da padaria às letras numa época marcada pelo academicismo da literatura, é possível notar o traço transgressor que dá forma às manifestações públicas e privadas realizadas pelo grupo. Integram a Padaria o primeiro “padeiro-mor”, Jovino Guedes (1859 - 1905), Tibúrcio de Freitas (s.d. - 1918), Ulisses Bezerra (1865 - 1920), Carlos Vítor, José de Moura Cavalcante (1965 - 1928), Raimundo Teófilo de Moura, Álvaro Martins (1868 - 1906), Lopes Filho (1868 - 1900), Temístocles Machado (1874 - 1921), Sabino Batista (1868 - 1899), José Maria Brígido (1870 - s.d.), Henrique Jorge (1872 - 1928), Lívio Barreto (1870 - 1895), Luís Sá (1845 - 1898), Joaquim Vitoriano (s.d. - 1894), Gastão de Castro, Adolfo Caminha (1867 - 1897), José dos Santos e João Paiva, além do próprio Antônio Sales, o “primeiro forneiro”. Cada um dos membros assina os textos, publicados no periódico do grupo O Pão, com seu respectivo pseudônimo.
O livro Padaria Espiritual: biscoito fino e travoso (2002), de Gleudson Passos Cardoso, publicado em Fortaleza, pelo Museu do Ceará: Secretaria da Cultura e Desporto do Ceará descreve o contexto etno-histórico que fez nascer a Padaria Espiritual, e o documentário: O Antônio da Padaria (1999), de Karla Holanda, com duração de apenas 15 minutos, narra aspectos sociais com depoimentos de Sânzio de Azevedo e Rachel de Queiroz. O grêmio de intelectuais formado por escritores, pintores, desenhistas e músicos foi representado por sua heterogeneidade, não só nas diversas artes, mas também na amplitude das diversas ideias e correntes estéticas em que abraçou. Dela participaram nomes como: Antônio Sales, fundador e idealizador do programa de instalação, Adolfo Caminha, Lívio Barreto, Lopes Filho, Raimundo Teófilo de Moura e muitos outros.
Todos os sócios, ou melhor, todos os “padeiros” assinavam seus textos com pseudônimos, assim Antônio Sales era Moacir Jurema, Adolfo Caminha era Félix Guanabarino, Lívio Barreto era Lucas Bizarro e, ao longo de toda a sua jornada, foram 34 autores, cada um com um pseudônimo específico. Além de contar com um divertido e criativo programa de instalação, formado por 48 artigos que expressavam seu pensamento e objetivos, a Padaria contou com a ativa participação de Antônio Sales que, com sua veia publicitária enviou o programa de instalação para os mais renomados escritores do eixo Rio-São Paulo da época, sempre pedindo a eles adesão na colaboração do periódico O Pão, uma espécie de jornal que era “impresso”, ou melhor, “amassado” semanalmente pela Padaria. Ipso facto, “esta atitude de Sales deu certa notoriedade ao movimento em todo o país, fazendo do Ceará uma referência literária nacional”.
Isto posto, esses sujeitos irônicos e irreverentes, os participantes possuíam em seus títulos a nomenclatura hierárquica das padarias reais: o padeiro-mor (presidente), os forneiros (secretários), “o” gaveta (tesoureiro), os padeiros (sócios) e o forno (sede oficial da Padaria). Também traziam no peito o lema: “alimentar com pão e espírito todos os sócios e a população em geral”. Toda a ironia e irreverência da Padaria se justificavam por seu objetivo primordial: “criticar a sociedade burguesa e as instituições que mantinham seu poderio ideológico, uma vez que os padeiros eram, em sua maioria, oriundos das camadas média e baixa da população e se mostravam descontentes com a classe burguesa, dentre outras coisas, por seu exacerbado apreço pela cultura europeia”.
Em um dos itens de seu programa de instalação declaram seu desprezo pelos estrangeirismos presentes nas nossas obras literárias, permitindo apenas os neologismos do Dr. Castro Lopes, médico e gramático que inventava palavras exóticas como “runimol” para substituir os francesismos da língua como “avalanche”, por exemplo. Esse forte caráter nacionalista também se reflete na proibição do uso de termos referentes à fauna e à flora estrangeiras em nossa Literatura. Tal característica repercutiu no fato de muitos historiadores e críticos literários enxergarem na Padaria Espiritual uma espécie de prenúncio do Modernismo, que trouxe esta como uma de suas principais preocupações, quase trinta anos mais tarde, na Semana de Arte Moderna, em 1922. No entanto, o Modernismo só se consolidou  em terras cearenses na década de 40 com o grupo Clã.
Saudosistas, os padeiros procuravam resgatar a Fortaleza de aspectos naturais e simplórios de outrora. Estavam cansados das repetições excessivas e dos clichês literários, como a Rosa de Malherbe, por exemplo. Além de proibir o uso de qualquer referência a este poema, também proibiam os outros padeiros de escreverem nas folhas perfumadas dos álbuns femininos, uma característica considerada essencialmente burguesa nas mulheres da época. Também fizeram violentas críticas à construção de um enorme cassino no Passeio Público, que fora comparado a um meteoro caído na Bahia e alcunhado de “monstrengo” pelos padeiros. Agraciada por seu humor e identidade próprios, a Padaria existiu durante 6 anos, passando por duas fases: a primeira, de 1892 a 1894, considerada a fase da pilhéria, do humor escrachado; a segunda, de 1894 a 1896, apesar de mais séria e compenetrada, não fugiu completamente ao seu humor característico. Sérios ou bem-humorados, os padeiros não perderam, em nenhum momento, a sua ousadia e nem por isso deixaram de fazer poesia, se não for um truísmo.

Apesar de aparentemente inferiorizados quando mal comparados aos intelectuais da Academia Francesa, não foram menos talentosos ou menos expressivos. Os padeiros de Antônio Sales, que iniciaram sua agremiação com pequenas reuniões no instinto Café Java da Avenida Ferreira, hoje Praça do Ferreira, juntos, durante seis anos, representaram “o que houve de mais criativo, inovador e significativo para a cultura cearense”. Boêmios, os “padeiros” não se limitam às reuniões e à redação de suas atas, divulgam também o grupo por meio de performances em áreas públicas, como piqueniques ou conferências. Além disso, nos textos publicados n`O Pão, os “padeiros” tratam de assuntos diversos da vida literária do Ceará e do Brasil, além de publicarem seus próprios textos, quase sempre marcados pela blague. A orientação geral do que é impresso é de posicionamento contrário à burguesia ascendente ao beletrismo galicista, mais voltados para a valorização do ideário nacional.
Os membros do grupo são, em sua maioria, jovens marginais que não participam da elite cearense, daí sua ênfase no combate à burguesia e na valorização do trabalho a partir do recurso à metáfora marxista da linha de produção do pão, alimento para o espírito. O Pão, com a colaboração dos 20 membros pioneiros da Padaria tem, num primeiro momento, seis números editados - o primeiro em 10 de julho de 1892 e o último em cinco de dezembro do mesmo ano. A partir de então, o jornal A República se transforma no principal veículo da produção literária e crítica dos “padeiros”. Chama a atenção, na produção da Padaria, a heterogeneidade dos textos divulgados através dos membros, marcados, na poesia, tanto pelo Simbolismo quanto pelo Parnasianismo, ambos de inspiração nitidamente portuguesa, diferentemente da influência francesa dessas escolas ocorridas ao sul-sudeste do país. Na prosa convivem um romantismo tardio, o realismo e o naturalismo, por vezes orientados para um certo regionalismo.
Em 1894, a Padaria é reorganizada por Antônio Sales, e formalizada no texto Retrospecto, onde o autor avalia toda a produção do grupo até ali e inaugura uma segunda fase com a expulsão de alguns membros, que fundam o Centro Literário. Temístocles Machado, Tibúrcio de Freitas e Álvaro Martins, são excluídos do grupo por traição à Padaria, criticando-a duramente no Rio de Janeiro, motivo pelo qual mais adiante são ainda expulsos Adolfo Caminha e o recém-ingresso Eduardo Saboia. Na segunda fase são admitidos dez membros, entre os quais, Antônio de Castro (1872 - 1935), Rodolfo Teófilo (1853 - 1932) e José Nava (1876 - 1911). Tanto as atividades do grupo quanto O Pão tomam uma feição ligeiramente mais séria, mas ainda calcada no espírito de pilhéria, a partir da reorientação e da publicação do Retrospecto. O grupo e alguns de seus membros têm sua produção reconhecida em outras capitais, provocando admiração e repúdio, este, naturalmente, por sua posição anárquica, que, se não chega a ser abandonada, é suavizada. O Pão volta a ser publicado em janeiro de 1895 e chega ao fim no número 36, em 31 de outubro de 1896. O grupo se encerra em dezembro de 1898.
Enfim, uma sociedade literária, com um caráter formal de academia mirim, burguesa e retórica e quase burocrática, era cousa para qual eu sentia uma negação absoluta. Com estas palavras, Antônio Sales (1868 - 1940), idealizador da Padaria Espiritual (1892–1898), se pronunciou a respeito das intenções daquela agremiação literária em seu livro de memórias Retratos e Lembranças (1938). Afinal, Padaria Espiritual foi mesmo diferente das demais sociedades, grêmios e clubes formados por intelectuais no final do século XIX? Como este grupo se posicionou frente à cena intelectual brasileira, marcada pelo engajamento dos homens de letras na construção da República recém-implantada? Ela foi contemporânea de outras associações cearenses de caráter literário, filosófico e científico, entre elas, o Instituto do Ceará (1887), o Centro Literário (1894-1900) e a Academia Cearense (1894). Assim como em outras capitais brasileiras, em Fortaleza no final do século XIX os intelectuais voltaram suas reflexões para temas da vida nacional e local, entre eles, a abolição da escravatura e a implantação da República. A imagem de progresso com as melhorias urbanas (bondes, pavimentação das ruas, iluminação pública etc.) contrastava com a imagem dramatizada da seca no imaginário individual e coletivo e seus impactos sociais: mendicância, saques, epidemias.
Diferentes de outros intelectuais do período com olhos voltados para o modelo de civilização nos moldes europeus em torno da questão da moda, literatura diletante, industrialismo etc., os integrantes da Padaria Espiritual elegeram outras prioridades. Ao longo dos anos em que circulou seu jornal O Pão (1892-1896) foi destacado a defesa dos folguedos, brincadeiras, cantigas de rodas, festas típicas, costumes e modos de vida relacionados às camadas populares, como se observou nas colunas de Adolfo Caminha (Sabbatina), Xavier de Castro (Chromos) entre outros escritos de seus sócios. - “E o bumba meu boi? E os congos? E os fandangos? E todas essas festas tradicionais que o povo se incumbia de criar para o gaudio dos rapazes alegres?... Tudo vai desaparecendo com o patriotismo nacional. O Natal, como o S. João e como todas as festas de caráter popular - vai degenerando em festa aristocrática” (cf. O Pão, 24/12/1892: 3). Para eles, nem tudo foi belle époque, nem todos intelectuais foram contagiados pelo frisson das modas europeias ou pelo engajamento de muitos homens de letras no início da República das oligarquias, que viram no comportamento despojado dos populares uma expressão da “barbárie” e do “atraso nacional”, como vemos nas cenas contemporâneas, contrariando Simone de Beauvoir que compreende que na vida ... “viver é envelhecer, nada mais”.
Bibliografia geral consultada.

NOVAIS, Fernando Azevedo, Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colinial. 4ª edição. São Paulo: Editora Hucitec, 1986; BERTAUX, Daniel e BERTAUX-WIAME, Isabelle, Mistérios da Baguete: Padarias Artesanais na França: como vivem e por que sobrevivem. São Paulo: Novos Estudos Cebrap, nº l9, l987; BARANDA, Nieves, Matéria para el Espiritu. Tierra Santa, gran Relíquia de las Peregrinações. In: Via Spiritus, nº 8, pp. 7-29; 2001; ALENCAR, Manoel Carlos Fonseca de, Adolfo Caminha e Rodolfo Teófilo: A Cidade e o Campo na Literatura Naturalista Cearense. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em História. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2002; BERNARDINO, Amós, Padeiros-Educadores: coisas que o tempo levou (1875-1900). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005; CARDOSO, Gleudson Passos, Padaria Espiritual. Biscoito Fino e Travoso. 2ª edição. Museu do Ceará. Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, 2006; Idem, ´Bardos da Canalha. Quaresma de Desalentos`. Produção Literária de Trabalhadores em Fortaleza na Primeira República. Tese de Doutorado. Departamento de História. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009; COSTA FILHO, Cicero João da, A Padaria Espiritual: Cultura e Política em Fortaleza no Final do Século XIX (1892-1898). São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; FERREIRA, Álvaro Mendes, Formas de Apreensão do Espaço em Portugal no Contexto da Expansão Ultramarina (séculos XV-XVI). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduaçao em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2010;  BRITO, Luciana da Cruz, O Pão (1892-1896): Veículo de Divulgação Literária e Instrumento de Intervenção na Realidade Social Cearense. Tese de Doutorado em Letras. Faculdade de Ciências e Letras. Assis: Universidade Estadual Paulista, 2008; Idem, Impressões Norte-Americanas sobre Escravidão, Abolição e Relações Raciais no Brasil Escravista. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; FUNES, Eurípedes Antônio, “Negros no Ceará”. In: SOUZA, Simone (Org.), Uma Nova História do Ceará. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Lucy Liu – Beleza, Técnica & Arte Cinematográfica.

                                Ubiracy de Souza Braga*

                             Depois de encarnar a linguagem, o personagem real vem naturalmente”. Lucy Liu
 
 
 
                
            Em primeiro lugar, a palavra gueixa significa literalmente artista (trabalho) e desde o final do século XVIII, etnograficamente pode descrever uma série de artistas japonesas: “Shiro”, puramente uma apresentadora; “kerobi”, uma gueixa acrobata; “kido”, uma gueixa que estava na entrada de carnavais, ou “joro”, uma prostituta, sendo esta a profissão que gueixas têm sido erroneamente mal interpretadas por muitos anos em que não detém o conhecimento etnológico de interpretação da cultura. A dança das gueixas evoluiu a partir da executada no palco do kabuki. As danças “selvagens e ultrajantes” transformaram-se em uma forma mais sutil, estilizada, passando a uma forma controlada. São disciplinadas, semelhante ao Tai Chi, vale lembrar, uma arte marcial chinesa interna, parcialmente baseada no bagua. Este estilo de arte marcial é reconhecido também como uma forma de meditação em movimento. Os princípios do taiji Quan remetem ao taoismo e à alquimia chinesa relacionada ao taoísmo. Seus praticantes utilizam os Cinco Elementos; o Tao, a relação entre Yin e Yang; o Ki; o I-Ching; a astrologia chinesa; os princípios do feng shui, e da medicina tradicional chinesa.

Cada dança usa gestos para narrar uma história. Um conhecedor pode entender seu simbolismo. Um gesto de mão, representa ler uma carta de amor. O canto de um lenço na boca falta de modos. As mangas longas do quimono para simbolizar situações de fortes emoções em lágrimas. A utilização dos quimonos iguala a estampa para a estação. Há estampas multicoloridas para cada estação do ano. Algumas mulheres vão além. Subdividem as estampas e cores por mês. Assim, cada mês representativo do ano é representado por uma estampa e gama de cores específica. A maquiagem da gueixa é sua grande característica marcante. Mas esta é usada de acordo com seu grau de experiência. É um processo demorado aplicado antes de se vestir para evitar sujar o quimono. Quando aprendiz, a gueixa usa a maquiagem de forma regular e mantém todo o rosto branco.

Ela realmente só usa a maquiagem quando precisa dançar ou para demonstrar seu desempenho a algum cliente. Quem aplica essa maquiagem na gueixa podem ser a sua “onee-san” (ou irmã mais velha) ou pela “okaa-san” (ou gueixa-mãe), de sua casa de gueixas. Sua aplicação é feita com muito cuidado, pois, ao cometer um erro, o aprendiz que está a maquiar seria obrigado a limpar tudo e começar novamente. O tempo de duração dessa maquiagem pode ser de até duas horas. É impossível ver uma maquiagem assim e instantaneamente não associar a imagem a elas. As mulheres daquela deste tempo e até nos dias atuais usavam pó de farinha de arroz ou um pó à base de chumbo misturado com água. Vira uma pasta fina e com ela, aplicavam na pele como se fosse uma base, aplicando pelo rosto todo, pescoço e colo. Têm o hábito também de arrancar todos os pelos das sobrancelhas e depois de aplicarem a pasta branca no rosto, faziam sobrancelhas falsas no alto da testa. E um hábito higiênico chamado Ohaguro que consiste em escurecer os dentes com uma mistura que envolve os procedimentos de utilização de limalha de ferro oxidado mergulhada em uma solução ácida. A aplicação desta mistura deve ser repetida a cada dois dias, porque em caso contrário os dentes voltam a ser branco.

Nos estágios iniciais da história cultural japonesa, existiam artistas do sexo feminino chamado “saburuko” (“meninas que servem”), que eram em sua maioria “meninas vagando” cujas famílias haviam sido deslocadas nas lutas no fim do século VII. Algumas “dessassaburukos” vendiam serviços sexuais, enquanto outras com uma melhor educação ganhavam a vida entretendo uma alta classe da sociedade em encontros sociais. Após a corte imperial mudar a capital para Heian-kyō (Kyoto) em 794, no início do período Heian, as condições que formam a cultura japonesa da gueixa começaram a surgir, e depois se tornaram o lar uma elite política obcecada pela beleza e mistério dessa cultura. Na cultura japonesa, a mulher ideal era uma mãe modesta e gerente da casa. Para o prazer sexual e apego romântico, os homens procuravam por cortesãs. No Japão, a condição comportamental de gueixa é simultaneamente cultural, simbólica e repleta de status, delicadeza e tradição. Ao longo dos séculos, ocorreu um aprimoramento nesse contexto social que foi desenvolvido pelo aperfeiçoamento da técnica dessas artes e pela estrutura rígida e polida para se tornar uma gueixa e permanecer como tal.

Lucy Alexis Liu é filha de Tom Liu, engenheiro civil, e Cecília Liu, bioquímica, Lucy é a segunda filha do casal, tendo como irmão John Liu. Apesar da origem chinesa, Lucy Liu cresceu num bairro italiano e diz que sofreu “alienação cultural”, por ter uma aparência asiática. A atriz completou a escola secundária em 1986, na Stuyvesant H.S. e estudou na Universidade de Nova Iorque por um ano, mas acabou desistindo dessa universidade e foi estudar na Universidade de Michigan, onde se formou especificamente em Línguas e Culturas Asiáticas, enquanto do ponto de vista artístico estudava representação, dança e representação de técnicas vocais. As práticas orientais de Liu vão muito além da sua formação na Universidade. Ela é fluente em Chinês Mandarim, a língua mais falada no mundo, com mais de um (01) bilhão de falantes nativos e pratica artes marciais indonésias, inclusive Kali Eskrima Silat (K.E.S.A.), que é uma luta rude com facas e varas. A sino-americana ficou reconhecida por seu papel na série de televisão Ally McBeal e participou de vários filmes com papeis notáveis, incluindo “Chicago”, “Kill Bill” e “Charlie`s Angels”. Ela está presente semanalmente nas participações no seriado de TV “Elementary” quando representa uma versão contemporânea do personagem Sherlock Holmes, criado por Arthur Conan Doyle, mas com as histórias se passando nos Estados Unidos da América (EUA). É estrelada por Jonny Lee Miller, como Holmes e Lucy Liu, como Watson, com a analogia  fantástica da singular Drª. Watson.




            O desporto e as artes marciais são duas formas de conhecimento que apresentam algumas diferenças na sua essência. Artes marciais são disciplinas físicas e mentais codificadas em diferentes graus, que tem como objetivo um alto desenvolvimento de seus praticantes para que possam defender-se ou submeter o adversário mediante diversas técnicas. São sistemas para treinamento de combate, geralmente sem o uso de armas de fogo ou de outros dispositivos modernos. Atualmente, as artes marciais, para além de praticadas enquanto treinamento militar, policial e de defesa pessoal, são também praticadas como Desporto de combate. No início do século XX, as artes marciais mudaram radicalmente os seus fundamentos e passaram a ter uma presença mais espiritual e introspetiva na mente de todos os seus praticantes. O termo “Do” que está presente em várias disciplinas marciais, como o Judo, Karate-Do, Taekwondo, Aikido, Kendo, entre outras, significa arte e método e é por isso que todas as modalidades marciais são uma referência no desporto mundial, pois cultivam a ordem e um método de ensino disciplinado dos seus elementos. Existem diversos estilos, sistemas e escolas de artes marciais. O que diferencia as artes marciais da mera violência física cotidiana, como  as brigas de rua, é a organização de técnicas num sistema coerente de combate e desenvolvimento físico, mental e espiritual como a prática de exercícios físicos utilizado em exercícios da escola.
           No período histórico moderno e contemporâneo, diversas práticas e saberes marciais ficaram vinculadas unicamente à luta e à defesa pessoal, situação muito distinta do Oriente, do ponto de vista da análise comparada, que as integra a um sistema filosófico que prepara o praticante também física e espiritualmente, criando uma consciência da futilidade de viver competindo e de utilizar sua arte para defender quem não tem o mesmo preparo disciplinar. Mas a Europa também mantinha uma tradição filosófica de unir a arte marcial às ciências, desde o período greco-romano, passando pelos nobres europeus na Idade Média e cientistas no Renascimento, todos aplicavam o método científico em suas práticas. Atualmente, pessoas de elite de uma boa parte  do mundo estudam artes marciais por diferentes aspectos desde a estética a outros motivos pessoais: condicionamento físico, defesa pessoal, coordenação física, lazer, desenvolvimento pessoal de disciplina, participação em um grupo social e estruturação da personalidade, visto que a prática de condicionamento possibilita o extravasamento da tensão que harmoniza o indivíduo, focalizando-o positivamente. O enfoque na respiração proporciona benefícios físicos e psicológicos, como diminuição do cansaço, potencialização dos movimentos, aumento da autoconsciência etc. O episódio Paint it Black, o 22º da segunda temporada da intrigante série Elementary foi a primeira experiência de Lucy Liu na direção.
 
Atualmente, as artes marciais e o desporto estão interligados entre si pelas regras desportivas que os seus praticantes seguem e respeitam. Elas são definidas para a segurança de todos e é por isso que as competições são divididas por sexo, idade, peso e classes, de modo a que sejam o mais equilibradas possível. Por exemplo, a competição de Taekwondo não permite que sejam aplicados socos na cabeça, assim como outras artes marciais têm medidas específicas que visam proteger a integridade física dos seus praticantes. No entanto, a existência das regras (cf. Durkheim, 2010) distingue um combate de competição de uma luta pela própria vida. A prática do desporto é justa e equilibrada, contudo, quando se trata de lutar pela vida, a justiça deixa de ter um valor absoluto e todos querem ter uma vantagem em relação aos demais. Quando se trata da defesa pessoal, a ameaça não surge necessariamente do mesmo sexo, peso ou classe e as artes marciais aqui são treinadas para serem aplicadas como medidas de prevenção contra todos. As artes marciais trabalham a sobrevivência e estão dispostas a cumprir as “regras de rua”, isto é a inexistência de regras, ao passo que no desporto, existem regras que todos têm obrigatoriamente de cumprir. As artes marciais incluem vários exercícios que se destinam a manter a segurança de todos os indivíduos, mas é sempre uma simulação de um combate real. O desporto permite que um praticante tire o melhor proveito das regras, sem se preocupar com o que poderia ocorrer  se estas fossem diferentes.             
         Lucy Liu nasceu em 1968, em Nova Iorque, e, como filha de pais emigrantes chineses tentou sempre preservar a sua herança cultural. Licenciou-se em Língua e Cultura Chinesa na Universidade de Michigan, que, como local da sua primeira representação, numa peça teatral, ficou como marco de origem do salto para uma carreira profissional. Entre 1990 e 1996, desempenhou pequenos papéis em séries como os Ficheiros Secretos,  uma série de televisão norte-americana de ficção científica criada por Chris Carter e exibida originalmente entre 10 de setembro de 1993 e 19 de maio de 2002 e Serviço de Urgência é um seriado de televisão norte-americano criado pelo escritor e ex-médico Michael Crichton. O nome ER é uma abreviação das iniciais em inglês de Emergency Room, ou em português: Sala de Emergência. A série mostra o cotidiano dos médicos e enfermeiras que trabalham numa sala de emergência do Country General Hospital, um fictício hospital de Chicago, Illinois. Após uma curta participação em Jerry Maguire (1996), inspirado no agente desportivo Leigh Steinberg, que atuou no filme como consultor técnico na equipe. Lucy Liu alcançou a notoriedade com a série televisiva Ally McBeal (1997-2002) onde desempenhou o papel da popular personagem Ling Woo. A série narra as aventuras de uma advogada e seu desejo de encontrar um parceiro ideal para se casar e de estar bem na vida, profissional e emocionalmente.
       Neste caso toda a trama se desenrola num escritório de advocacia, em Boston, onde Ally e o resto de seus colegas excêntricos trabalham e vivem situações bastante irreais. Seu talento abriu as portas para seu dom na carreira cinematográfica, em sucessos reveladores: Payback (1999), um filme norte-americano do ano de 1999 do gênero policial e suspense baseado no livro de mesmo nome do autor Donald E. Westlake. Foi dirigido por Brian Helgeland e estrelado por Mel Gibson, Gregg Henry, Maria Bello e Lucy Liu. Em Shangai Noon (2000), um western que ocorre no ano de 1881, Chon Wang (Jackie Chan) é um desastrado guarda do Imperador da China.  Quando a Princesa Pei Pei (Lucy Liu) é raptada da Cidade Proibida, Wang sente-se responsável e insiste em se juntar ao “batalhão de salvamento”, que parte para os Estados Unidos da América. “Charlie`s Angels” (2000), três belas, talentosas e inteligentes mulheres trabalham para Charlie, o chefe de uma agência de detetives que, sem armas, precisam desvendar o sequestro de um bilionário, utilizando apenas equipamentos de alta tecnologia, suas habilidades em lutas e seu charme feminino,  Chicago (2002),  o filme explora o tema do status de celebridade instantânea na cidade de Chicago da década de 1920. Dirigido e coreografado por Rob Marshall, e adaptado por Bill Condon, venceu seis prêmios Oscar em 2003, incluindo o de melhor filme do ano. Foi o primeiro musical a receber este prêmio desde Oliver!, de 1968, e Kill Bill (2003), no papel de O-Ren Ishii. Foi também na série Ally McBeal, sucesso televisivo que demarcou a sua grande oportunidade como artista, ingressando no elenco durante quatro excitantes temporadas.    
  Em Kill Bill I, têm-se Beatrix Kiddo e O’Ren Ishii. Suas personalidades estão intimamente ligadas aos codinomes, sendo este ponto uma fonte de possibilidades para a análise mítica. Além dos codinomes e as cores, acessórios e também os cenários estão incluídos. Todos eles possuem valores e significados simbólicos na trama desse instigante cineasta. O’Ren Ishii, interpretada por Lucy Liu, mereceu uma apresentação em linguagem diferenciada. Tarantino usou “anime” para apresentar a assassina ao publico. Ao analisar o nome O’Ren considera-se apenas silaba “Ren”, que em japonês, dependendo da frase, significa “lírio da água”. No simbolismo dos lírios, é ele que restitui a vida pura, promessa de imortalidade e salvação. Neste ponto vemos uma ligação com a pureza de alma e mesmo inocência. O codinome de O’Ren é “boca de algodão”, análogo ao uso das palavras. Contudo, na tradição japonesa, as mulheres têm em sua singularidade cultural suas emoções contidas. Ela fala de forma agradável e gentil, mas O’Ren não é japonesa, representa uma diversidade.  É meio japonesa, meio chinesa e sino-americana. Quando contrariada, transforma-se em assassina, demonstra a força criadora, o sopro divino, e tira a vida de quem estiver no meio de seu caminho. 
         O filme é um drama fictício de vingança, que homenageia antigos gêneros, tais como filmes antigos asiáticos de kung fu, filmes japoneses de samurai, western spaghetti italiano, trash, anime, uma grande referência à música popular e cultura pop; e alta violência deliberada. As gravações ocorreram nos Estados Unidos, México, Japão e China. Kill Bill narra a história de vingança de Beatrix Kiddo, interpretada por Uma Thurman, contra seus ex-parceiros do Esquadrão Assassino de Víboras Mortais, que tentaram assassiná-la no dia do ensaio do seu casamento. O filme começa uma luta e com a mulher com um homem, Bill, caminhando, no chão há cápsulas de balas e vários corpos, ele vai até Beatrix, que está ensanguentada e ferida, e lhe dá um tiro na cabeça, deixando-a para morrer. Nesta primeira parte o diretor exerce seu poder ao criar uma obra com violência caricata impressionante. Há pitadas de humor e muita ação. Inicia com um provérbio já denunciando o tom do filme: “Revenge is a dish best served cold”. Esta parte da obra mostra a vingança da Noiva contra Vernita Green (Vivica A. Fox) e O-Ren Ishii (Lucy Liu). Há explicações de o que aconteceu após ela ficar 4 anos em coma, sobre o passado de O-Ren Ishii (em anime), onde ela conseguiu a espada Hattori Hanzo e cenas de luta com destaque à travada contra Go-Go Yubari (Chiaki Kuriyama), além de uma apresentação musical do grupo de rock japonês The 5.6.7.8's.
             Provisoriamente podemos dizer: vingança é a perseguição que resiste, opõe-se e subestima. E terá esta perseguição suportada e conduzida à reflexão até hoje vigente. Quando procede a mencionada dimensão atribuída ao espírito de vingança? Então é preciso que tal dimensão seja vista desde a sua constituição íntima. Para que tal olhar venha a ter em certa medida algum sucesso, consideremos em que configuração essencial se manifesta modernamente. Esta estruturação essencial do ser vem à fala numa forma clássica, segundo a palavra de Nietzsche, no pensamento até hoje vigente determinado pelo “espírito de vingança”. Como pensa Nietzsche a essência da vingança, posto que ele a pensa metafisicamente? Podemos pensar á medida que temos a possibilidade para tal. Porém, ainda não nos garante que o possamos na possibilidade. Permitir que algo, segundo o seu próprio modo de ser, venha para junto de nós; resguardar insistentemente tal permissão. Podemos somente isso para o qual temos gosto – isso a que se é afeiçoado, à medida que o acolhemos. Verdadeiramente só gostamos do que, previamente e a partir de si mesmo, dá gosto. E nos dá gosto em nosso próprio ser à medida que tende para isso. Através desta tendência, reivindica-se nosso próprio modo de ser, agir e pensar. Nós o guardamos se não o deixamos fugir da memória, representante que é da concentração do pensamento. É o que cabe pensar cuidadosamente, sendo a palavra conselheira de nosso modo próprio de pensar.  
 
As “Charlie’s Angels” da primeira temporada da série em 21 de março de 1976, a princípio eram Kate Jackson (como Sabrina Duncan), Jaclyn Smith (como Kelly Garrett) e Farrah Fawcett (como Jill Munroe), mas que ao longo das temporadas da série, o elenco sofreu mudanças. A série teve 114 episódios e marcou a moda do final da década de 1970 e começo da década de 1980 com as mulheres copiando as roupas e os estilos de cabelo das panteras e principalmente o corte de cabelo de Farrah Fawcett, que se tornou um ícone da moda. Em 2000 foi lançado um filme baseado na série de 1976, As panteras, com atrizes que conhecemos muitos bem: Drew Barrymore, Cameron Diaz e Lucy Liu. Juntas trouxeram de volta as “Charlie’s Angels”, recebendo comando de Charlie. Entretanto a história se mostra um pouco diferente da original, com três mulheres com personalidades e habilidades diferentes que juntas formam um trio imbatível para o combate ao crime. Cameron Diaz faz Natalie uma mulher alegre, que adoro dançar e meio atrapalhada, Drew Barrymore fez Dylan uma mulher mais do rock n’ roll com o passado envolvendo crimes e Lucy Liu como Alex, a mais concentrada e com personalidade perfeccionista. Em 2003, o segundo filme: “Charlie’s Angels: Full Throttle” ainda demarca uma nova geração fabulosa no cenário artístico das Charlie’s Angels.           
Com o sucesso da série, a carreira cinematográfica de Liu adquire um impulso significativo, arrecadando o papel de “dominatrix” no filme de ação A Vingança, com Mel Gibson, de princesa raptada no western Shanghai Noon, com Jackie Chan e, finalmente, de anjo de Charlie ao lado de Cameron Diaz e Drew Barrymore, em 2000. Ao invés da subida progressiva da carreira, o guarda-roupa da atriz foi sempre equiparável à experiência de uma volta em montanha russa. Oscilando entre apostas fantásticas e espantosas, capazes de arrancarem um Oh de espanto ao mais cético, e opções de fazer ranger os dentes, Lucy Liu parece, ter atingido um ponto de estabilidade e inflexão na carreira artística, adotando casas como Versace, Monique Lhuillier, Roberto Cavalli e Carolina Herrera, para os visuais do famoso tapete vermelham. Com um traço sempre elegante, Lucy Liu realça o seu estilo romântico com folhos, chiffons e rendas, que, fatalmente, colocaram-na sempre perto do esquema kitsch e alguns “faux pas”, evidenciadas pela recorrência frequente aos dourados e prateados arriscados. Recentemente não por acaso foi escolhida pela Entertainment Weekly, como uma das mulheres mais sexy da televisão contemporânea. Liu pratica artes marciais, toca sanfona, escala montanhas e esquia normalmente. 

 A partir do instante em que, no seio de uma sociedade política, certo número de indivíduos têm e comum ideias, interesses, sentimentos, ocupações que o resto da população não partilha com eles, é inevitável que, sob a influência dessas similitudes, eles sejam atraídos uns para os outros, que se procurem,  teçam relações, se associem e que se forme assim, pouco a pouco, um grupo restrito, com sua fisionomia especial no âmbito da sociedade em geral. Porém, uma vez formado o grupo, dele infere uma vida moral que traz, naturalmente, a marca das condições particulares em que é elaborada. Porque é impossível que os homens vivam juntos, estejam regularmente em contato, sem adquirirem o sentimento do todo que formam por sua união. Sem que se apeguem a esse todo, se preocupem com seus interesses e o levem em conta em sua conduta. Esse apego a algo que supera o indivíduo, essa subordinação dos interesses particulares ao interesse geral, é a própria fonte de toda a atividade moral. Basta que esse sentimento precise e determine, que, aplicando-se às circunstâncias mais ordinárias e mais importantes da vida, se traduza em fórmulas definidas, para que se tenha um corpo de regras morais em via de se constituir. A moral doméstica não se formou de outro modo.
          O escopo por excelência da moralidade, é em virtude de características  bastante particulares de que teria o privilégio e que não se encontrariam em outro lugar em nenhum grau. A série Elementary de televisão estadunidense criada por Robert Doherty, estreou na CBS em 27 de setembro de 2012. Ela apresenta uma versão contemporânea do personagem Sherlock Holmes, criado por Sir Arthur Conan Doyle, mas com as histórias se passando nos Estados Unidos da América. É estrelada por Jonny Lee Miller, como Holmes e Lucy Liu, como Watson. Na série, Watson foi transformado em mulher, interpretada por Lucy Liu. Em Sherlock (Jonny Lee Miller) é um ex-consultor da famigerada Scotland Yard que chega a Nova Iorque após passar um período em um centro de reabilitação. 
Forçado por seu abastado pai a dividir seu apartamento com a Dra. Joan Watson, uma cirurgiã que perdeu a licença há três anos quando um de seus pacientes morreu, ele precisa se manter sóbrio e longe das drogas. Watson acompanha-o no trabalho de consultor da polícia de Nova Iorque. O contato de Sherlock no departamento é o Capitão Thomas Gregson, que o conheceu em Londres. Liu foi anunciada no elenco em fevereiro de 2012. Em julho do mesmo ano, ela disse que Watson não é “alguém que está sobre a linha lateral; ela é sua companheira sóbria, ela está envolvida nele, não o mistério”. A partir desse ponto a história policial floresce. Antes da estreia da série, vale lembrar, ela foi recebida com algumas críticas, naturalmente, uma vez que seguiu de perto a adaptação moderna da BBC Sherlock. Após a estreia, ela foi escolhido para uma outra temporada completa e depois seguida de mais dois episódios. Desde então, a série tem sido bem recebida pelos críticos de arte, que elogiaram as performances, tanto quanto a escrita, a nova abordagem do material original e, claro, o novo e moderno detalhamento em toda a adaptação da série em Nova York, até o tamanho do arenito visto pela primeira vez na estreia da série. 
Bibliografia geral consultada.
MEYER, Charles, Histoire de la Femme Chinoise. 4000 Ans de Pouvoir. Paris: Editeur Jean-Claude. Lattès, 1986; PEREIRA, Ondina Pena, O Feminino em Jean Beaudrillard: Rito de Passagem do Modo de Produção ao Modo de Sedução. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1990; RORTY, Richard, Contingência, Ironia e Solidariedade. Lisboa: Editorial Presença, 1994; DURAND, Gilbert, A Imaginação Simbólica. Lisboa: Edições 70, 2000; SANTOS, Boaventura de Souza, A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência. São Paulo: Cortez Editores, 2000;  BAUMAN, Zygmunt, Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004; Idem, Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005; GERNET, Jacques, Le Monde Chinois.  Paris: Armand Colin Editeur, 2005; PALLARESAUGRAS, Monique, Imaginário da Magia: Magia do Imaginário. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Editora PUC, 2009; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010; SANTOS, Fabrício Cordeiro dos, A Cinefilia no Cinema de Quentin Tarantino. Dissertação de Mestrado. Program de Pós-Graduação em Comunicação. Mestrado em Comunicação. Faculdade de Informação e comunicação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2013; OLIVEIRA, Fernando Maluf Dib, A Constituição da Identidade na Pós-Modernidade: O Simulacro da Realidade. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Sociais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016;  entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).