Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
“ Os costumes presentes serão
chamados bárbaros quando forem costumes passados”. Anatole France
Aparentemente os bárbaros só existem
por oposição à civilização, e por não compreendê-la, simplesmente a destroem e
saqueiam. A disposição diametralmente oposta entre estes dois conceitos/categorias
constitui-se num duplo somente explicável individualmente por oposição plena ao
outro. Contudo, a barbárie não é algo externo que se afronta ao civilizado e
que este deve dissipá-la para, dialeticamente, produzir um processo de
emancipação daquele. Mas sim uma face da mesma moeda, a civilização, que vem à
tona no momento em que ela se torna arrogante de si própria como espelho.
Assim, a tese pascalina do homo duplex,
admite a interioridade da barbárie na civilização, em oposição ao racionalismo
crítico de Max Horkheimer e Theodor Adorno, veem no homem um ser racional
submetido à tempestade da barbárie. A crítica analítica a toda pilhagem, destruição,
saques e mortes que resultaram de um processo quer opor à barbárie o projeto
moderno. A civilização e barbárie representam as duas máscaras, em complementariedade
de uma mesma e única humanidade globalizada.
No
Brasil, país onde as desigualdades sociais no campo estão entre as maiores do
mundo, 1% de proprietários detém cerca de 50% das terras, em diversos momentos
históricos do século XX, quando os movimentos campesinos defenderam a tese da
revolução agrária. O primeiro se deu entre os anos de 1920 e 1930, com a Coluna
Prestes e a criação do PCB. Outro momento se deu na década de 1960, com a
criação das Ligas Camponesas com o lema “Reforma Agrária na lei ou na marra” e
no episódio contundente da Guerrilha do Araguaia. Existem vários movimentos sociais
organizados por camponeses, com maior destaque o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, cuja proposta refere-se
à melhor divisão das terras brasileiras, exigindo que o governo federal
propicie medidas complementares ao simples assentamento. Como por exemplo, a
eletrificação e irrigação do campo, concessão de créditos rurais e execução de
programas que visem estimular a atividade agrária e a subsistência do agricultor
e de sua família. Podemos citar igualmente o MLT - Movimento de Luta pela Terra, que vem ganhando mais dinamismo e radicalização
na luta pela reforma agrária.
O
Estado do Ceará afirma-se como uma poliarquia.
Partindo da afirmação que nenhum regime pode ser plenamente democrático
formalmente, Robert Dahl (1997) propõe o método procedimental para obter uma
sociedade mais próxima da democracia nas medidas possíveis, que ele chama
sociedade poliárquica. Dahl formula algumas teorias de como uma sociedade pode
caminhar para o sistema poliárquico. Segundo ele, quando a disputa política
precede a inclusão política, como ocorre no caso cearense, a sociedade está no
caminho certo para a poliarquia. Portanto, uma sociedade com vasta gama de
candidatos disputando as eleições é considerada mais democrática que uma com
ampla participação popular, porém com número bastante limitado de políticos
disputando as eleições. Este fato político é explicado por Dahl pelo fato de
uma sociedade com ampla gama de políticos constituírem-se como uma sociedade
com diversidade de partidos políticos. Então uma que têm governistas e uma
oposição nítida, por conseguinte evitaria todo o poder político na mão de uma
maioria governista, sem oposição notória, o que tenderia na prática política à
ditadura militar ou civil.
O
regionalismo é um discurso apoiado numa aliança de forças e grupos sociais que
forja uma identidade referida a um espaço; forja uma ideia de história e de
práticas comuns; apresenta uma leitura do passado, do presente e projeta um
futuro em cima de interesses gerais remetidos a uma circunscrição territorial.
Ele legitima a hegemonia sócio-política na formação de um determinado “bloco de
poder”. Ipso facto, evidencia o seu monopólio da representação dos interesses gerais numa
determinada região. Outorgando autoridade no sentido que Max Weber emprega aos
seus membros de porta-vozes para exercer essa representação articulada. Esse “grupo
dominante”, enquanto fração das classes através da reivindicação de um
tratamento diferenciado por parte das diversas escalas de “poder supralocais”. Objetiva monopolizar a interlocução e exercer o controle político sobre os recursos
fundamentais que interferem na reprodução das condições locais de desenvolvimento econômico e social.
Ao
mesmo tempo em que era severo crítico da corrupção eleitoral e da exclusão
política, Getúlio Dornelles Vargas empreendeu manobras políticas que, nos
quinze anos subsequentes, cristalizaram o seu nome no poder. Somente em 1945,
após ter lutado contra os regimes totalitários europeus, foi que Vargas deixou
o posto presidencial para que as eleições ocorressem mediante o exercício de
cidadania de milhares de brasileiros. Entre os anos de 1945 e 1964, observamos
o desenvolvimento das instituições democráticas em uma fase na qual o
desenvolvimento econômico nacional caminhava ao lado do agravamento das
questões sociais. O aumento de nossa dívida externa e a demanda de nossas
classes trabalhadoras entrava em choque com o tom populista dos governantes da
república populista. Dessa forma, os movimentos sociais e partidos de esquerda
passaram a reivindicar transformações mais significativas na política nacional.
Foi
então que, em 1964, os militares organizaram um golpe político-militar no dia
1° de abril que estabeleceu a drástica redução das liberdades democráticas no
país. Alegando ao nível ideológico ameaça de uma revolução social do tipo
comunista, como na U.R.S.S. e em Cuba, por exemplo, o regime golpista militar
se instalou promovendo a extinção do pluripartidarismo e a instalação do
bipartidarismo que quase não abria brecha a uma oposição sistemática ao
governo. Passados vinte e um anos, os militares saíram do poder com as
conquistas democráticas das eleições diretas e a livre organização partidária
em 1985. Partidos políticos se formaram numa época em que as demandas da
população se avolumavam em um período marcado pela instabilidade econômica e os
terríveis índices inflacionários. De tal modo, experimentávamos o retorno da
democracia sem ainda reconhecer sua importância e significado midiático.
Atualmente, milhões de brasileiros
exercem a sua cidadania através do voto. Entre a descrença e o ceticismo de
alguns, questiona-se frequentemente a existência do voto obrigatório para
grande parte da população. Ao mesmo tempo, observamos que a crença nas
ideologias e partidos políticos perdem espaço para o fácil elogio a figuras
políticas que se valem mais do carisma no meio urbano e da figura do coronel
que de uma convicção e credibilidade para angariar o eleitorado brasileiro. A
Constituição Federal brasileira assegura aos cidadãos um amplo acesso à
informação a partir de diferentes e variadas fontes, dentro de um ambiente
democrático, que garantem as liberdades de expressão e de imprensa. A realidade demonstra que o país tem ainda um longo caminho pela frente nesta
relação para diversificar suas fontes de informação, o que poderia incluir, por
exemplo, canais governamentais e comunitários.
A
candidatura do coronel (cf. Leal, 1975) Camilo Sobreira Santana contou apoio em sua coligação
político-partidária com as seguintes siglas de representação: PRB, PP, PDT, PT,
PTB, PSL, PRTB, PHS, PMN, PTC, PV, PEN, PPL, PSD, PC, PC do B, PT do B, SD e
PROS. Contudo, no quadro político geral do Estado temos a seguinte
configuração: 11 coligações e partidos políticos isolados decidiram lançar
candidatos a cargos proporcionais nas eleições deste ano. Para deputado
estadual, o PSC, que decidiu marchar sozinho, é quem lançará mais candidatos –
62 ao todo para disputar vagas na Assembleia Legislativa. A maior coligação,
que reúne nove partidos, tem o oligarca PROS, PT, PRB, PTB, PSL, PHS, PV, PSD e
SD, com 112 candidatos. A coligação com PMDB, PR, DEM, PRP e PSDB lançou 81
candidatos. Já a Frente de Esquerda (Psol, PSTU e PCB) totalizou 39 postulantes.
PEN, PRTB e PPL se reuniram para lançar 60 candidatos. Já PP, PT do B e PMN
tiveram representação de 45 candidatos.
Já
no final da década de 1980, de outra parte, o caudilhismo há muito deixou de ser
um método político de obtenção e manutenção do poder no Brasil pelos coronéis.
Porém o coronelismo perdura nos municípios e regiões mais afastadas no
interior, promovendo ainda assassinatos e terrorismo entre a população menos
favorecida. Apesar disso, os mecanismos de proteção institucional começaram a
se formar com a queda da ditadura militar que havia sido imposta ao país pelo
golpe político- militar de 1964. Em 1988, com a promulgação da “Constituição
Cidadã”, o povo brasileiro passou a ter reconhecida sua cidadania de forma mais
plena. As denúncias de desmandos, corrupção, roubos e crimes de “colarinho
branco” começaram a ser divulgadas pela mídia nacional e internacional. Os
detentores do poder econômico, os grandes oligarcas ou coronéis tornaram-se
figuras com uma nova roupagem - são os caciques.
Camilo
Santana, do PT, foi eleito governador do Ceará para os próximos quatro pesados
anos, a partir de 1º de janeiro de 2014. Com 100% das urnas apuradas por volta
das 21 h (horário local), o petista teve 2.417.668 votos, o que corresponde a
53,35% dos votos válidos, contra 46,65% de Eunício Oliveira (PMDB), que obteve
2.113.940 votos totais. A vice-governadora Izolda Cela, foi secretária de
educação em Sobral e, até ir para a disputa como vice, secretária estadual da
Educação. A eleição de Camilo Santana ao governo do Ceará teve apoio do
governador Cid Gomes (Pros), há oito anos no comando do estado diante de
intensas manifestações grevistas. Eunício Oliveira fazia parte das alianças da
oligarquia Ferreira Gomes até decidir ser candidato ao governo.
Em
entrevista, depois da mise-en-scène o
então governador Cid Ferreira Gomes reconheceu que um dos motivos que
contribuíram para a escolha do nome de Camilo Santana como candidato a
governador decorreu da possibilidade do ex-presidente Lula apoiar a candidatura
que faria oposição ao governo estadual. No caso, Eunício Oliveira. “Não foi uma
decisão unilateral, foi coletiva. Precedeu uma conversa com todos os
pré-candidatos e com o Partido dos Trabalhadores”, alega, ressaltando que
Camilo Santana é “sensível” e tem “carisma”. O coronel aproveitou o ensejo e criticou
o PMDB, cogitando a criação de outro partido para se contrapor à legenda em
âmbito nacional. – “O PMDB é um mal terrível nesse país e tem que ser combatido
(...) porque é um ajuntamento de seções regionais sem nenhuma identificação
entre eles, mas tem um interesse comum, que é chantagear o governo para ocupar
espaços nos governos”.
O
resultado da votação no Ceará, também consagrou a presidente Dilma Rousseff
(PT). Ela conseguiu mais de 2/3 dos votos no Estado, deixando o candidato Aécio
Neves (PSDB) com apenas 23,25% da votação. Os números alcançados naquele
domingo foram maiores, para Dilma, que o resultado do 1° turno. No dia 5 de
outubro, quando ficou concluída a primeira etapa da disputa, foram eleitos um
senador da República, Tasso Jereissati (PSDB), 22 deputados federais e 46
deputados estaduais, a maioria, tanto na Câmara, quanto na Assembleia, é de
parlamentares ligados ao Governo. Eleito Senador da República pelo PSDB, em
outubro de 2002, com 1.915.781 votos, Tasso Jereissati exerceu o mandato no
período de 2003 a 2011. Na condição de uma das principais lideranças nacionais
do PSDB, Tasso Jereissati foi presidente nacional do partido em duas
oportunidades: 1991 a 1993 e 2005 a 2007. Em 2014, decidiu voltar à política
como candidato a senador pelo Ceará, numa aliança ultraconservadora com Eunício
Oliveira (PMDB), mas foi candidato da oposição!
Enfim,
o terceiro mandato do grupo político que comanda o Ceará a oito anos foi
conquistado de forma diferente das eleições anteriores, nas quais Cid Ferreira
Gomes (Pros) foi vitorioso. O contexto político, a situação crítica do Estado e
o perfil do governador eleito Camilo Santana (PT) apontam para uma gestão que
representa a continuidade do modelo político coronelista. Camilo S. Santana ideologicamente
se referiu a Cid F. Gomes como “maior governador da história”. - “Mas vamos fazer
um governo novo”. Mantra repetido ao longo da campanha, já que a ideologia
interpela o indivíduo constituindo-o em sujeito, praticamente ele reforçou que
irá à política para “garantir tudo de bom que conquistamos corrigir o que não
está bom, e apresentar novos projetos”. Perguntado sobre o que não estaria
funcionando, preferiu apontar os maiores “desafios”: - “Segurança e saúde, dois
segmentos que vêm preocupando o cearense”, conforme disse naquela tarde de
eleições, ao chegar a Fortaleza antes da apuração.
É neste sentido que a própria história pessoal
de Camilo Santana não se confunde com a de seu partido no Estado. A
autenticidade do Partido dos Trabalhadores refere-se às lutas históricas do PT
na cidade com a eleição de Maria Luíza Menezes Fontenele. Ela foi de fato e de
direito a 1ª mulher a ser eleita prefeita de uma capital de estado brasileiro,
e particularmente ser a 1ª prefeita de capital eleita pelo Partido dos
Trabalhadores (PT). Em 1967, ingressou no magistério e depois se tornou
professora da Universidade Federal do Ceará. Concluiu seu curso de mestrado em
Sociologia, na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos da América em 1973.
Como deputada estadual eleita pelo extinto Movimento Democrático Brasileiro –
MDB (1979-1982), reeleita posteriormente, pelo Partido do Movimento Democrático
Brasileiro – PMDB (1983-1986), e ainda relatora do Estatuto do Magistério.
Participou da oposição à ditadura militar golpista e do “Movimento Feminino
pela Anistia” aos que foram presos e perseguidos pelos chamados crimes
políticos. Em 1986, concorrendo pelo Partido dos Trabalhadores, de oposição ao establishment e que dava os seus primeiros
passos, foi a 1ª mulher a ser eleita prefeita de capital no Brasil.
Bibliografia
geral consultada.
BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edição. Espanha: Fondo de Cultura, 1999; Idem, O Filósofo e a Política. 1ª edição. São Paulo: Contraponto Editor, 2003; Idem, Il Futuro della Democrazia. 1ª edizione. Itália: Einaudi Editore, 2005; ALENCAR, Maria Emília da Silva, À Sombra das Palavras: A Oligarquia Acciolina e a Imprensa (1896-1912). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Departamento de História. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2008; MICHELS, Robert, Los Partidos Políticos. Un Estudio Sociológico de las Tendencias Oligárquicas de la
Democracia Moderna. 2ª edición. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2008; CAREY, John, “Ingeniería Electoral: Qué nos Muestran las Investigaciones Académicas sobre los Efectos Anticipados de las Reformas Electorales?”. In: Arturo Fontaine; Cristián Larroulet; Jorge Navarrete e Ignácio Walker (Orgs.), Reforma del Sistema Electoral Chileno. 1ª edição. Santiago: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2009; PRATES, Francisco de Castilho, As Fronteiras da Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito: O Desafio de Falas que Oprimem, de Discursos que Silenciam. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2015; OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges de, Democracia como “Ídolo”? Ensaios sobre um Projeto de Democracia Possível. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; OLIVEIRA, Maria Rita de Holanda Silva, A Autonomia Parental e os Limites do Planejamento Familiar no Sistema Jurídico Brasileiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito do Recife. Universidade Federal de Pernambuco, 2016; entre outros.
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