quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Estado Democrático - Costumes & Oligarquia em Ritmo de Barbárie.

                                                                                       Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

Os costumes presentes serão chamados bárbaros quando forem costumes passados”. Anatole France 


            Aparentemente os bárbaros só existem por oposição à civilização, e por não compreendê-la, simplesmente a destroem e saqueiam. A disposição diametralmente oposta entre estes dois conceitos/categorias constitui-se num duplo somente explicável individualmente por oposição plena ao outro. Contudo, a barbárie não é algo externo que se afronta ao civilizado e que este deve dissipá-la para, dialeticamente, produzir um processo de emancipação daquele. Mas sim uma face da mesma moeda, a civilização, que vem à tona no momento em que ela se torna arrogante de si própria como espelho. Assim, a tese pascalina do homo duplex, admite a interioridade da barbárie na civilização, em oposição ao racionalismo crítico de Max Horkheimer e Theodor Adorno, veem no homem um ser racional submetido à tempestade da barbárie. A crítica analítica a toda pilhagem, destruição, saques e mortes que resultaram de um processo quer opor à barbárie o projeto moderno. A civilização e barbárie representam as duas máscaras, em complementariedade de uma mesma e única humanidade globalizada.
No Brasil, país onde as desigualdades sociais no campo estão entre as maiores do mundo, 1% de proprietários detém cerca de 50% das terras, em diversos momentos históricos do século XX, quando os movimentos campesinos defenderam a tese da revolução agrária. O primeiro se deu entre os anos de 1920 e 1930, com a Coluna Prestes e a criação do PCB. Outro momento se deu na década de 1960, com a criação das Ligas Camponesas com o lema “Reforma Agrária na lei ou na marra” e no episódio contundente da Guerrilha do Araguaia. Existem vários movimentos sociais organizados por camponeses, com maior destaque o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, cuja proposta refere-se à melhor divisão das terras brasileiras, exigindo que o governo federal propicie medidas complementares ao simples assentamento. Como por exemplo, a eletrificação e irrigação do campo, concessão de créditos rurais e execução de programas que visem estimular a atividade agrária e a subsistência do agricultor e de sua família. Podemos citar igualmente o MLT - Movimento de Luta pela Terra, que vem ganhando mais dinamismo e radicalização na luta pela reforma agrária.  


O Estado do Ceará afirma-se como uma poliarquia. Partindo da afirmação que nenhum regime pode ser plenamente democrático formalmente, Robert Dahl (1997) propõe o método procedimental para obter uma sociedade mais próxima da democracia nas medidas possíveis, que ele chama sociedade poliárquica. Dahl formula algumas teorias de como uma sociedade pode caminhar para o sistema poliárquico. Segundo ele, quando a disputa política precede a inclusão política, como ocorre no caso cearense, a sociedade está no caminho certo para a poliarquia. Portanto, uma sociedade com vasta gama de candidatos disputando as eleições é considerada mais democrática que uma com ampla participação popular, porém com número bastante limitado de políticos disputando as eleições. Este fato político é explicado por Dahl pelo fato de uma sociedade com ampla gama de políticos constituírem-se como uma sociedade com diversidade de partidos políticos. Então uma que têm governistas e uma oposição nítida, por conseguinte evitaria todo o poder político na mão de uma maioria governista, sem oposição notória, o que tenderia na prática política à ditadura militar ou civil.
O regionalismo é um discurso apoiado numa aliança de forças e grupos sociais que forja uma identidade referida a um espaço; forja uma ideia de história e de práticas comuns; apresenta uma leitura do passado, do presente e projeta um futuro em cima de interesses gerais remetidos a uma circunscrição territorial. Ele legitima a hegemonia sócio-política na formação de um determinado “bloco de poder”. Ipso facto, evidencia o seu monopólio da representação dos interesses gerais numa determinada região.  Outorgando autoridade no sentido que Max Weber emprega aos seus membros de porta-vozes para exercer essa representação articulada. Esse “grupo dominante”, enquanto fração das classes através da reivindicação de um tratamento diferenciado por parte das diversas escalas de “poder supralocais”. Objetiva monopolizar a interlocução e exercer o controle político sobre os recursos fundamentais que interferem na reprodução das condições locais de desenvolvimento econômico e social.
       Ao mesmo tempo em que era severo crítico da corrupção eleitoral e da exclusão política, Getúlio Dornelles Vargas empreendeu manobras políticas que, nos quinze anos subsequentes, cristalizaram o seu nome no poder. Somente em 1945, após ter lutado contra os regimes totalitários europeus, foi que Vargas deixou o posto presidencial para que as eleições ocorressem mediante o exercício de cidadania de milhares de brasileiros. Entre os anos de 1945 e 1964, observamos o desenvolvimento das instituições democráticas em uma fase na qual o desenvolvimento econômico nacional caminhava ao lado do agravamento das questões sociais. O aumento de nossa dívida externa e a demanda de nossas classes trabalhadoras entrava em choque com o tom populista dos governantes da república populista. Dessa forma, os movimentos sociais e partidos de esquerda passaram a reivindicar transformações mais significativas na política nacional.
Foi então que, em 1964, os militares organizaram um golpe político-militar no dia 1° de abril que estabeleceu a drástica redução das liberdades democráticas no país. Alegando ao nível ideológico ameaça de uma revolução social do tipo comunista, como na U.R.S.S. e em Cuba, por exemplo, o regime golpista militar se instalou promovendo a extinção do pluripartidarismo e a instalação do bipartidarismo que quase não abria brecha a uma oposição sistemática ao governo. Passados vinte e um anos, os militares saíram do poder com as conquistas democráticas das eleições diretas e a livre organização partidária em 1985. Partidos políticos se formaram numa época em que as demandas da população se avolumavam em um período marcado pela instabilidade econômica e os terríveis índices inflacionários. De tal modo, experimentávamos o retorno da democracia sem ainda reconhecer sua importância e significado midiático.                       
            Atualmente, milhões de brasileiros exercem a sua cidadania através do voto. Entre a descrença e o ceticismo de alguns, questiona-se frequentemente a existência do voto obrigatório para grande parte da população. Ao mesmo tempo, observamos que a crença nas ideologias e partidos políticos perdem espaço para o fácil elogio a figuras políticas que se valem mais do carisma no meio urbano e da figura do coronel que de uma convicção e credibilidade para angariar o eleitorado brasileiro. A Constituição Federal brasileira assegura aos cidadãos um amplo acesso à informação a partir de diferentes e variadas fontes, dentro de um ambiente democrático, que garantem as liberdades de expressão e de imprensa. A realidade demonstra que o país tem ainda um longo caminho pela frente nesta relação para diversificar suas fontes de informação, o que poderia incluir, por exemplo, canais governamentais e comunitários.
A candidatura do coronel (cf. Leal, 1975) Camilo Sobreira Santana contou apoio em sua coligação político-partidária com as seguintes siglas de representação: PRB, PP, PDT, PT, PTB, PSL, PRTB, PHS, PMN, PTC, PV, PEN, PPL, PSD, PC, PC do B, PT do B, SD e PROS. Contudo, no quadro político geral do Estado temos a seguinte configuração: 11 coligações e partidos políticos isolados decidiram lançar candidatos a cargos proporcionais nas eleições deste ano. Para deputado estadual, o PSC, que decidiu marchar sozinho, é quem lançará mais candidatos – 62 ao todo para disputar vagas na Assembleia Legislativa. A maior coligação, que reúne nove partidos, tem o oligarca PROS, PT, PRB, PTB, PSL, PHS, PV, PSD e SD, com 112 candidatos. A coligação com PMDB, PR, DEM, PRP e PSDB lançou 81 candidatos. Já a Frente de Esquerda (Psol, PSTU e PCB) totalizou 39 postulantes. PEN, PRTB e PPL se reuniram para lançar 60 candidatos. Já PP, PT do B e PMN tiveram representação de 45 candidatos. 
Já no final da década de 1980, de outra parte, o caudilhismo há muito deixou de ser um método político de obtenção e manutenção do poder no Brasil pelos coronéis. Porém o coronelismo perdura nos municípios e regiões mais afastadas no interior, promovendo ainda assassinatos e terrorismo entre a população menos favorecida. Apesar disso, os mecanismos de proteção institucional começaram a se formar com a queda da ditadura militar que havia sido imposta ao país pelo golpe político- militar de 1964. Em 1988, com a promulgação da “Constituição Cidadã”, o povo brasileiro passou a ter reconhecida sua cidadania de forma mais plena. As denúncias de desmandos, corrupção, roubos e crimes de “colarinho branco” começaram a ser divulgadas pela mídia nacional e internacional. Os detentores do poder econômico, os grandes oligarcas ou coronéis tornaram-se figuras com uma nova roupagem - são os caciques.  
Camilo Santana, do PT, foi eleito governador do Ceará para os próximos quatro pesados anos, a partir de 1º de janeiro de 2014. Com 100% das urnas apuradas por volta das 21 h (horário local), o petista teve 2.417.668 votos, o que corresponde a 53,35% dos votos válidos, contra 46,65% de Eunício Oliveira (PMDB), que obteve 2.113.940 votos totais. A vice-governadora Izolda Cela, foi secretária de educação em Sobral e, até ir para a disputa como vice, secretária estadual da Educação. A eleição de Camilo Santana ao governo do Ceará teve apoio do governador Cid Gomes (Pros), há oito anos no comando do estado diante de intensas manifestações grevistas. Eunício Oliveira fazia parte das alianças da oligarquia Ferreira Gomes até decidir ser candidato ao governo.
Em entrevista, depois da mise-en-scène o então governador Cid Ferreira Gomes reconheceu que um dos motivos que contribuíram para a escolha do nome de Camilo Santana como candidato a governador decorreu da possibilidade do ex-presidente Lula apoiar a candidatura que faria oposição ao governo estadual. No caso, Eunício Oliveira. “Não foi uma decisão unilateral, foi coletiva. Precedeu uma conversa com todos os pré-candidatos e com o Partido dos Trabalhadores”, alega, ressaltando que Camilo Santana é “sensível” e tem “carisma”. O coronel aproveitou o ensejo e criticou o PMDB, cogitando a criação de outro partido para se contrapor à legenda em âmbito nacional. – “O PMDB é um mal terrível nesse país e tem que ser combatido (...) porque é um ajuntamento de seções regionais sem nenhuma identificação entre eles, mas tem um interesse comum, que é chantagear o governo para ocupar espaços nos governos”.   
O resultado da votação no Ceará, também consagrou a presidente Dilma Rousseff (PT). Ela conseguiu mais de 2/3 dos votos no Estado, deixando o candidato Aécio Neves (PSDB) com apenas 23,25% da votação. Os números alcançados naquele domingo foram maiores, para Dilma, que o resultado do 1° turno. No dia 5 de outubro, quando ficou concluída a primeira etapa da disputa, foram eleitos um senador da República, Tasso Jereissati (PSDB), 22 deputados federais e 46 deputados estaduais, a maioria, tanto na Câmara, quanto na Assembleia, é de parlamentares ligados ao Governo. Eleito Senador da República pelo PSDB, em outubro de 2002, com 1.915.781 votos, Tasso Jereissati exerceu o mandato no período de 2003 a 2011. Na condição de uma das principais lideranças nacionais do PSDB, Tasso Jereissati foi presidente nacional do partido em duas oportunidades: 1991 a 1993 e 2005 a 2007. Em 2014, decidiu voltar à política como candidato a senador pelo Ceará, numa aliança ultraconservadora com Eunício Oliveira (PMDB), mas foi candidato da oposição!
Enfim, o terceiro mandato do grupo político que comanda o Ceará a oito anos foi conquistado de forma diferente das eleições anteriores, nas quais Cid Ferreira Gomes (Pros) foi vitorioso. O contexto político, a situação crítica do Estado e o perfil do governador eleito Camilo Santana (PT) apontam para uma gestão que representa a continuidade do modelo político coronelista. Camilo S. Santana ideologicamente se referiu a Cid F. Gomes como “maior governador da história”. - “Mas vamos fazer um governo novo”. Mantra repetido ao longo da campanha, já que a ideologia interpela o indivíduo constituindo-o em sujeito, praticamente ele reforçou que irá à política para “garantir tudo de bom que conquistamos corrigir o que não está bom, e apresentar novos projetos”. Perguntado sobre o que não estaria funcionando, preferiu apontar os maiores “desafios”: - “Segurança e saúde, dois segmentos que vêm preocupando o cearense”, conforme disse naquela tarde de eleições, ao chegar a Fortaleza antes da apuração.
 É neste sentido que a própria história pessoal de Camilo Santana não se confunde com a de seu partido no Estado. A autenticidade do Partido dos Trabalhadores refere-se às lutas históricas do PT na cidade com a eleição de Maria Luíza Menezes Fontenele. Ela foi de fato e de direito a 1ª mulher a ser eleita prefeita de uma capital de estado brasileiro, e particularmente ser a 1ª prefeita de capital eleita pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Em 1967, ingressou no magistério e depois se tornou professora da Universidade Federal do Ceará. Concluiu seu curso de mestrado em Sociologia, na Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos da América em 1973. Como deputada estadual eleita pelo extinto Movimento Democrático Brasileiro – MDB (1979-1982), reeleita posteriormente, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB (1983-1986), e ainda relatora do Estatuto do Magistério. Participou da oposição à ditadura militar golpista e do “Movimento Feminino pela Anistia” aos que foram presos e perseguidos pelos chamados crimes políticos. Em 1986, concorrendo pelo Partido dos Trabalhadores, de oposição ao establishment e que dava os seus primeiros passos, foi a 1ª mulher a ser eleita prefeita de capital no Brasil.
Bibliografia geral consultada.
BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edição. Espanha: Fondo de Cultura, 1999; Idem, O Filósofo e a Política. 1ª edição. São Paulo: Contraponto Editor, 2003; Idem, Il Futuro della Democrazia. 1ª edizione. Itália: Einaudi Editore, 2005; ALENCAR, Maria Emília da Silva, À Sombra das Palavras: A Oligarquia Acciolina e a Imprensa (1896-1912). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Departamento de História. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2008; MICHELS, Robert, Los Partidos Políticos. Un Estudio Sociológico de las Tendencias Oligárquicas de la Democracia Moderna. 2ª edición. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2008; CAREY, John, “Ingeniería Electoral: Qué nos Muestran las Investigaciones Académicas sobre los Efectos Anticipados de las Reformas Electorales?”. In: Arturo Fontaine; Cristián Larroulet; Jorge Navarrete e Ignácio Walker (Orgs.), Reforma del Sistema Electoral Chileno. 1ª edição. Santiago: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2009; PRATES, Francisco de Castilho, As Fronteiras da Liberdade de Expressão no Estado Democrático de Direito: O Desafio de Falas que Oprimem, de Discursos que Silenciam. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2015; OLIVEIRA, Emerson Ademir Borges de, Democracia como Ídolo? Ensaios sobre um Projeto de Democracia Possível. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; OLIVEIRA, Maria Rita de Holanda Silva, A Autonomia Parental e os Limites do Planejamento Familiar no Sistema Jurídico Brasileiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito do Recife. Universidade Federal de Pernambuco, 2016;  entre outros. 

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