domingo, 31 de janeiro de 2016

Aspectos Sociais do Simbolismo da Imaginação Incendiária.

Giuliane de Alencar e Fernando Átila


As origens do fascismo alemão remontam a 1914/1919, quando um grupelho de sete homens se reuniu numa cervejaria de Munique e fundou o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores alemães. O nome do partido não tardou a ser abreviado na fala popular para “nazi”. Em pouco tempo, o mais obscuro dos sete surgia como chefe. Chamava-se ele Adolf Hitler e tinha nascido em 1889, sendo filho de um pequeno funcionário aduaneiro da Áustria. Para entender a estrutura de massa da Alemanha unificada, conforme se constituiu a posteriori à guerra franco-prussiana de 1870/1871, nos voltamos para o exército como orgulho nacional alemão, salvo poucas exceções que logravam escapar desta influência simbólica. Vale lembrar que para desenvolver a escritura de sua obra maior Wille zur Macht (Vontade de Potência), Friedrich Nietzsche recebeu daquela guerra, devendo tal impulso à visão nunca esquecida por ele do esquadrão da cavalaria. Apontado, inclusive, sobre a expressividade da organização das massas, no aforismo n° 863 (cf. NIETZSCHE, 2008, p. 433), que ela “como a soma dos fracos, reage com lentidão. (...) Os valores dos fracos estão em primeiro lugar, pois os fortes os assumiram para, com isso, conduzir”. Pretendemos demonstrar o quão generalizada era a importância do exército para o alemão e de igual forma este símbolo de massa abrangia àqueles como Nietzsche que, altivamente, sabiam separar-se de tudo quanto lembrasse as multidões.
Um símbolo parte da imaginação e do sentimento dos homens e materializa-se através das práticas sociais que dele tomam partido. Ao eclodir a Primeira Guerra Mundial todo o povo alemão transformou-se numa massa única, aberta. Contudo, os primeiros dias de agosto de 1914 constituem o momento de gerador do nacional-socialismo com a corroboração de Hitler na ocasião em que ele mesmo representou a massa ao ajoelhar-se louvou a Deus em gesto de agradecimento pela eclosão da guerra. É evidente, no entanto, que Hitler não teria alçado êxito se o Tratado de Versalhes não tivesse dissolvido o exército dos alemães. Logo, o partido substituiu o exército e a este primeiro não se pode determinar fronteiras no interior da nação. O segredo do fascismo, por sua vez, está na repetição. Na inflamação das massas e na repetição do vazio, do falar sem pensar, sem refletir, e necessariamente sem relativizar. Mas também em ver o discurso sendo reproduzido e amparado por grupos que restritivamente autodenominam-se de iguais. Em quem pertence à sua mesma “Alma Coletiva” (Freud – Le Bon). Daí o fascismo estar tão próximo do conservadorismo e do nacionalismo exacerbado, que não deixa de fazer parte de sua constituição.

“Os povos são mais ou menos representados pelos Estados que formam; esses Estados, pelos governos que os conduzem. O cidadão individual pode verificar com horror, nessa guerra, o que eventualmente já lhe ocorria em tempo de paz: que o Estado proíbe ao indivíduo a prática da injustiça, não porque deseja acabar com ela [aboli-la], mas sim monopolizá-la, como fez com o sal e o tabaco. O Estado beligerante se permite qualquer injustiça, qualquer violência que traria desonra ao indivíduo. Ele se serve, contra o inimigo, não apenas da astúcia autorizada, mas também da mentira consciente e do engano intencional, e isso numa medida que parece ultrapassar o costumeiro em guerras anteriores. O Estado requer extremos de obediência e sacrifício de seus cidadãos, privando-os ao mesmo tempo de sua maioridade por um excesso de sigilo e uma censura da comunicação e da expressão, que deixa o ânimo daqueles assim oprimidos intelectualmente indefeso ante qualquer situação desfavorável a todo rumor sinistro. Ele se desliga dos tratados e garantias mediante os quais se comprometera com os outros Estados, admitindo desavergonhadamente sua cobiça e seu afã de poder, que o indivíduo deve então aprovar por patriotismo” (cf. Freud, em "Reflexões para os tempos de Guerra e Morte", 1915).
A intolerância, a prepotência, juntamente da megalomania de um líder, transmitindo sua libido às massas por meio do discurso, do ressuscitamento dos personagens mortos, ao que diria Marx, uma farsa (1997, p.21). Para tanto a inflamação das massas origina um efeito perturbador sobre populações de nações inteiras, transcendendo muitas vezes ao momento histórico propriamente dito. Partindo para a questão da reflexão de Marx sobre a ideologia, é prudente dizer que ela passou a se desenvolver a partir da incisiva ruptura com o ponto de vista hegeliano. Ao perceber com clareza que a concepção hegeliana atenuava consideravelmente a contradição entre a sociedade e o Estado, Marx acusava os neo-hegelianos de fundamentarem uma “superstição política” de que o Estado organizava racionalmente os indivíduos atomizados da sociedade burguesa. Mais especificamente o tema da ideologia foi retomado por Marx e Engels na obra A Ideologia Alemã ilustrando criticamente as distorções ideológicas da tradição idealista subjetiva. Posto que supervaloriza o poder das representações. Marx considerava que na Alemanha, devido o atraso em que se achava, os críticos cairiam na tentação de supor que as desvantagens práticas materiais poderiam com facilidade ser compensadas por vantagens espirituais de natureza especulativa.
Leandro Konder nos esclareceu em A Questão da Ideologia (2013, p. 40) que para Marx a ideologia era a expressão da incapacidade de cotejar as ideias com o uso histórico delas, com a sua inserção prática no movimento da sociedade. Para o que nos interessa, a ideologia fascista (RAMA, 1979) pode ancorar-se em três características humanas: o medo, o fanatismo e a intolerância. É um fenômeno político e discursivo (propaganda) deste século e cuja formulação definitiva talvez não possa se dar como concluída. Ela tem-se estabelecido pela fórmula autoritária: “Crer e não pensar”; “trabalhar e não refletir”; “obedecer e não discutir”. Surgiu em torno de 1890 na Europa ocidental como “eclipse da razão”, segundo Max Horkheimer. Georg Lukács, no “livro Destruição da Razão”, ou, Hannah Arendt, em “Eichmann em Jerusalém - Um Relato Sobre a Banalidade do Mal” fizeram como filósofos, uma análise histórico-crítica esclarecedora a respeito. Temos aí o conceito de “autoridade irracional”, que poderia ser caracterizado como “o poder sobre o povo, logrado sobre a base do terror, onde a crítica está proibida, e onde existe uma absoluta desigualdade entre os membros da comunidade” (Braga, 2004).
Justamente graças ao seu pensamento independente, a “teoria do totalitarismo”, ou seja, a conhecida expressão: “Theorie der totalen Herrschaft”, de seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre, Hannah Arendt tem um papel central nos debates contemporâneos. Como fontes metodológicas em torno de suas indagações Arendt utiliza, além de documentos filosóficos, no sentido que Hans-Georg Gadamer nos adverte políticos e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de forma literal e confrontados com o pensamento de Hannah Arendt. Seu sistema de análise - parcialmente influenciado pela hermenêutica filosófica de Martin Heidegger, a converte em uma pensadora original situada em diferentes campos de conhecimento e especialidades metodológicas acadêmicas. Seu devenir pessoal e seu pensamento demonstram um importante grau de coincidência, mas também de autonomia relativa das instâncias ou níveis de análise da realidade social e independência de raciocínio.

De acordo com Pierre Clastres (1934-1977), membro do Laboratoire d`Anthropologie Sociale do Collège de France (CNRS, Paris), afirma no ensaio Arqueologia da Violência o seguinte: “O Ocidente seria etnocida porque é etnocêntrico, porque se pensa e se quer a civilização”. Daí o fato cultural que reitera o etnocentrismo quando se afirma que:
“Toda cultura opera assim uma divisão entre ela mesma, que se afirma como representação por excelência Daí do humano, e os outros, que participam da humanidade apenas em grau menor. O discurso que as sociedades primitivas fazem sobre si mesmas, discurso condensado nos nomes que elas se dão, é, portanto etnocêntrico de uma ponta á outra: afirmação da superioridade de sua existência cultural, recusa de reconhecer os outros como iguais. O etnocentrismo aparece então como a coisa do mundo mais bem distribuída e, desse ponto de vista pelo menos, a cultura do Ocidente não se distingue das outras. Convém mesmo, aprofundando um pouco mais a análise, pensar o etnocentrismo como uma propriedade formal de toda formação cultural, como imanente à própria cultura. Pertence à essência da cultura ser etnocêntrica, na medida exata em que toda cultura se considera como a cultura por excelência. Em outras palavras, a alteridade cultural nunca é apreendida como diferença positiva, mas sempre como inferioridade segundo um eixo hierárquico” (cf. Clastres, 2004, p. 85-86).
Desta forma é aceito que o etnocídio, “é a supressão das diferenças culturais julgadas inferiores e más”; é a aplicação de um princípio de identificação, de um projeto de redução do outro ao mesmo, como ocorre, por exemplo, com o índio amazônico suprimido como outro e reduzido ao tempo como cidadão brasileiro. Em outras palavras, o etnocídio resulta na dissolução do múltiplo no Um. O que significa agora o Estado? Ele é, por essência, o emprego de uma força centrípeta que tende, quando as circunstâncias o exigem, a esmagar as forças centrífugas inversas. O Estado se quer e se proclama o centro da sociedade, o todo do corpo social, o mestre absoluto dos diversos órgãos desse corpo. Descobre-se assim, no núcleo mesmo dessa substância do Estado, a força atuante do Um, a vocação de recusa do múltiplo, o temor e o horror da diferença. Nesse nível formal em que nos situamos atualmente, afirma P. Clastres, constata-se que a prática fascista (com o exemplo do etnocídio) e a máquina estatal funcionam da mesma maneira e produzem os mesmos efeitos: sob as espécies da civilização ocidental ou do Estado, revelam-se sempre a vontade de redução da diferença e da alteridade, o sentido e o gosto do idêntico e do um.
Saindo do âmbito público para a esfera de atuação privada, vale lembrar que no caso brasileiro, a cidade de São Paulo é uma das mais desiguais no mundo. E desta afirmação é possível considerar que se trata de um exemplo claro da prática fascista no país. Nos últimos anos, por exemplo, ficou demonstrada a “legítima” atuação repressiva do Estado e sociedade nos recentes casos de segregação e de mentalidade higienista, que até hoje a dinâmica do mercado imobiliário reproduz. Há casos emblemáticos e recentes. Em 2010, os seletos moradores do bairro de Higienópolis iniciaram um movimento contra uma estação de metrô nas redondezas, justificando que aquele meio de transporte traria ao bairro “gente diferenciada”. Em 2011 foi a vez de um grupo de comerciantes e moradores do bairro Pinheiros, que se organizaram contra um albergue para "moradores de rua", alegando que ficariam acuados em casa. Outro caso foi o das rampas “antimendigo” que partiu de iniciativa da gestão política de José Serra. Tal projeto teve por escopo impedir moradores de rua em certas partes da cidade, com a chancela do poder público. Indícios apontam que os recentes casos de incêndio ocorreram em favelas. O site “Fogo no Barraco” (http://fogonobarraco.laboratorio.us/) mapeou todos os incêndios em favelas paulistas entre os anos de 2005 e 2015.

 Embora em muitos casos seja difícil o levantamento de provas – fato este que permitiu aos interessados atribuir os incêndios à baixa umidade do ar — os indícios são avassaladores, frente a comparação das regiões incendiadas com o índice de alta valorização imobiliária. O mapa mostra como a enorme maioria dos incêndios ocorreu nas zonas de valorização. Consideramos então que mais inflamável que o clima seco é a especulação. A cidade dos muros. Dos muros, incêndios criminosos, despejos, rampas “antimendigo” e dos condomínios exclusivos. O fascismo da elite só coloca mais combustível neste barril de pólvora. 

Chaplin e o atual palco político-social brasileiro

O Grande Ditador” é uma sátira ao regime nazista, mas que não se limita apenas a Hitler. Vai além. Os dois personagens principais, o ditador e o barbeiro, ambos interpretados por Chaplin, remetem, o primeiro à imagem do líder, e o segundo à exposição do que Freud chamava de ambivalência, resumindo, ao mesmo tempo que amamos odiamos. E, falando em Freud, seria coerente, claro, citar e se apoiar em “Psicologia das massas e análise do Eu”. O que mais surpreende no filme, e na vida real –A arte imita a vida-, é a reafirmação de que quando o indivíduo está na massa tende a agir irracionalmente, por mais letrado que este seja. Le Bon afirmava que:
“O fato mais singular, numa massa psicológica, é o seguinte: quaisquer que sejam os indivíduos que a compõem, sejam semelhantes ou dessemelhantes o seu tipo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o simples fato de se terem transformado em massa os torna possuidores de uma espécie de alma coletiva. Esta alma os faz sentir, pensar e agir de uma forma bem diferente da que cada um sentiria, pensaria e agiria isoladamente. Certas ideias, certos sentimentos aparecem ou se transformam em atos apenas nos indivíduos em massa. A massa psicológica é um ser provisório, composto de elementos heterogêneos que por um instante se soldaram, exatamente como as células de um organismo formam, com a sua reunião, um ser novo que manifesta características bem diferentes daquelas possuídas por cada uma das células”. 
Portanto, existe uma “alma coletiva” na massa. Por fim, quando, em uma massa, como no filme, ou na Alemanha, ou no Brasil, é liberado o ódio, a tendência é que a “alma coletiva” o absorva e, como a irracionalidade não está sozinha, a massa é capaz de realizar atos que provavelmente indivíduos isolados não fariam, principalmente porque tais atos não seriam permitidos por seus princípios éticos, mas que agora se constitui como permissão moral daquele grupo. A figura do líder é um elemento principal nas massas artificiais, aquelas que necessitam de uma coação externa para se manter. Tudo me leva a crer que, todo esse ódio é liberado por uma força maior em um dos lados da ambivalência, e nem preciso dizer qual seria o lado que sai ganhando, em seguida transmitido, como uma virose, pelo líder, também visto na figura de um pai. Penso que todo esse ódio surge do medo. O medo da não concretizar seus ideais, que também tem a ver com o caráter de formação narcísica, onde o Eu se sente ameaçado e muitas vezes projeta essa ameaça em algo material, como os judeus, negros, comunistas, etc.

Bolsonaro: uma farsa ou um fenômeno?

O fascismo trata-se de um movimento político e filosófico, ou regime (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922), que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador; tendência para ou o exercício de forte controle autocrático ou ditatorial. Platão já dizia, em seu livro intitulado “A República”, que quando a democracia entra em vício a surge a demagogia. O Brasil vive em uma conjuntura delicada e um cenário de crise econômica e política. Uma crise que deixa a ilusão para muitos de que toda a culpa está a cargo de apenas um partido, e que a saída é a dissolução, extermínio, desse partido. Assim como foi no século XX na Alemanha, com os judeus e outras minorias. Os últimos acontecimentos comprovam a veracidade do que Le Bon e Platão já afirmavam.
As declarações homofóbicas, racistas e machistas do deputado Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ) não se limitam apenas à suas palavras ou atos, mas são reproduzidas e disseminadas em toda a sociedade brasileira, e ainda por outro grupo, como a página no Facebook “Revoltados Online”, que defende e exige a volta dos militares, fazendo apologia à Ditadura, ao ultranacionalismo e ao anticomunismo freneticamente. Os dois últimos não passam de correlações, criadas apenas como integrantes ideológicos. Chega a parecer que ainda estamos em plena Guerra fria. Jair Bolsonaro declarou no ano 2000 que defendia a tortura e o “pau-de-arara” comuns no período da ditadura militar, nos seguintes termos: -“Eu defendo a tortura. Um traficante que age nas ruas contra nossos filhos tem que ser colocado no pau-de-arara imediatamente. Não tem direitos humanos nesse caso. É pau-de-arara, porrada. Para sequestrador, a mesma coisa. O cara tem que ser arrebentado para abrir o bico”.
Ainda sobre a comunidade virtual “Revoltados Online” temos um exemplo da propagação de ódio e extremismo no Brasil. Possivelmente, muitos dos problemas sociais atuais, como essa falsa polarização, e até a xenofobia, derivam da atual crise política. Exemplo disso é o endeusamento de Bolsonaro, colocado-o com Fuhren (Guia), a “salvação final”. Dentre os administradores do grupo está o fanático de ultradireita Daniel Barbosa Amorim, o mesmo que agrediu verbalmente o frentista haitiano em Canoas-RS, e que também “cumpriu pena de prisão por furto, entre outras complicações com a lei”. Não é de hoje que nosso país enfrenta problemas do tipo, a presença de ideias fascistas já provém no Brasil desde antes da segunda guerra mundial, e posteriormente com a criação de grupos organizados e até tentativas de formação de um partido legalizado.
“Os chamados ‘carecas do ABC’ surgiram como uma dissidência dos ‘carecas do subúrbio’, ocorrida por divergências ideológicas entre as facções internas. Seus membros, estimados entre 50 e 100 militantes organizados, estão concentrados na região do ABC paulista, sendo na maioria de origem operária. São apontados como mais organizados e mais “intelectualizados” do que seu grupo originário. Adotam hierarquia baseada na organização militar, com “generais” e “soldados”. Aproximam-se dos Carecas do Subúrbio na apologia da violência, mas, ao contrário destes, não portam armas de fogo, tendo no uso exclusivo da força física um pressuposto dos seus ideais. Identificam-se com o integralismo de Plínio Salgado e adotam o lema: ‘Deus, Pátria e Família’. Admitem a presença de negros e nordestinos em suas fileiras, mas vetam a entrada de mulheres. Perseguem homossexuais, judeus, dependentes químicos e esquerdistas. Também se opõem à presença de multinacionais em território brasileiro.” (Braga, 2015).

Todo esse ódio e irracionalidade fogem às origens – seu ambiente – e são refletidas na sociedade. Recentemente, no dia primeiro de agosto, seis haitianos foram baleados em dois ataques realizados em São Paulo. Segundo testemunhas o atirador, que dirigia um carro, gritou “Haitianos, vocês roubaram os nossos empregos” e logo em seguida efetuou os disparos. Inclinada a todos os extremos, a massa também é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela, não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa.

O conservadorismo e a luta de classes

Em 1922 Mussolini fazia sua Marcha sobre Roma, com grande adesão popular; em 1923, Hitler, na Alemanha, tentou o mesmo, porém sem hesito, mas foi apenas questão de tempo para que chegasse ao cargo de Chanceler, e pudesse com eficiência aplicar seu golpe. Tais regimes surgiram em cenários parecidos, e em épocas próximas – pós-guerra. Sempre com a mesma afirmação salvacionista, apontando os “inimigos da pátria”, e finalizando com o nacionalismo extremo. Como afirmado no início, o fascismo é o ato desesperado de querer conservar a sociedade, encontrando suas justificativas em análises rasas da vida econômica e social. E onde se encontra a luta de classes meio a tudo isso? Justamente nessas ideias, que têm suas origens puramente ideológicas. As ideias são sempre as mesmas ou parecidas; só mudam de aparência, palavras, locutores, mas que em sua essência permanecem iguais.
O ano de 2015 foi marcado pelo acentuamento da crise em nosso país, ao mesmo tempo em que as ruas davam lugar às “manifestações de direita”, com maior presença das classes médias; apesar de terem o mesmo grito de “Fora PT”, ainda assim se classificavam como um grupo heterogêneo no âmbito das “soluções”. Segundo pesquisa realizada em Porto Alegre, no primeiro ato (22/03): 87,2% se declararam brancos, 40,5% disseram ganhar mais de 10 salários mínimos e 68,4% afirmaram ter ensino superior. Enquanto apenas 5% disseram ganhar apenas entre um e dois salários mínimos, 9,9% e 2,9% serem compostos, respectivamente, por negros e pardos (Index). Em São Paulo não foi diferente: 41%  recebem mais de 10 salários mínimos e 76% afirmaram ter nível superior ( cf. Datafolha, 2015). 

Há, nessa massa, claramente uma “revolta seletiva”, não em sua totalidade; revolta que teve enorme contribuição dos meios midiáticos, em especial as mídias dominantes, assim como ocorreu na Venezuela em 2002 com a RCTV, responsável direta pelo golpe de Estado que durou dois dias. Apesar de hoje, no Brasil, não ter ocorrido Golpe de Estado, não deixa de pairar no ar tais ideias, o que ainda assim torna preocupante e essencial o debate. Em 2014, um grupo tentou copiar a história, sem sucesso, (re)fazendo a Marcha da Família com Deus pela liberdade. Brecht disse: “Nada há mais parecido com a um fascista do que um burguês assustado”. O papel da mídia é claramente ideológico, por fazer parte da superestrutura, e servir à classe dominante. Comunidades próximas ou situadas em áreas de alta valorização imobiliária sofrem incêndio criminoso em São Paulo. 
“As ideias da classe dominante são, em todas as épocas, as ideias dominantes, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios para a produção material dispõe assim, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, pelo que lhe estão assim, ao mesmo tempo submetidas em média as ideias daqueles a quem faltam os meios para a produção espiritual. As ideias dominantes não são mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, as relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, das relações que precisamente tornam dominante uma classe, portanto as ideias do seu domínio.” (Karl Marx e Friedrich Engels, em A ideologia alemã). 
A luta de classes configura-se não apenas no campo material, através da exploração do trabalhador, mas também no plano ideológico dominante, nas ideias. No momento em que uma classe domina a outra, indo além da posse dos meios de produção condenando uma classe à “escravidão assalariada”, mas chega ao ponto de produzir sua consciência, há aí uma relação de dominação. E a dominação é mais nada que um mecanismo da classe dominante, usado para justificar e legitimar o estado atual das coisas, ligado intimamente ao modo de produção. Portanto, o fascismo é a expressão máxima, o grito desesperado da tentativa de manter o “Status Quo”. O fascismo nasce do medo, da desordem e da ignorância, e nelas apoia-se. Sempre acompanhado, é claro, de uma dose de violência; Mas essa violência só faz reafirmar de onde vem seu nascimento, e a fonte que o alimenta – medo e desordem. “Poder e violência são termos opostos: a afirmação absoluta de um significa a ausência do outro.”, afirmou Hannah Arendt, fazendo oposição ao que diria o revolucionário Chinês, Mao Tsé-tung: o poder emana do cano do fuzil. Havendo então uma contradição dialética hegeliana-marxista, dos próprios revolucionários, salvo alguns casos, onde os opostos não se destroem, mas desenvolvem-se.
Bibliografia geral consultada. 

RAMA, Carlos, La Ideologia Fascista. Barcelona: Ediciones JUCAR, 1979; ARENDT, Hannah. L` Impérialisme. Les Origines du Totalitarisme. Paris: Éditions du Seuil, 1980; Idem. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1993; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Ideologia Fascista”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 4/12/2004; CANETTI, Elias. Massa e Poder. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; CLASTRES, Pierre. Arqueologia da Violência. Pesquisas de Antropologia Política. São Paulo: Editor Cosac & Naify, 2004; MARX, Karl, O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1997; Idem, A Ideologia Alemã. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007;  NIETZSCHE, Friedrich. A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 2008; KONDER, Leandro. A Questão da Ideologia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002; Idem. Introdução ao Fascismo. 2ª edição. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2009; FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo: Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos (1914-1916). São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2010; Idem. Psicologia das Massas e Análise do Eu e Outros Textos (1920-1923). São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2011; AQUINO, Lourencio Menezes de, Aplicação das Normas de Segurança contra Incêndio no Estado do Rio Grande do Norte: Uma Proposta de Atualização. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015; entre outros. 

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