terça-feira, 30 de junho de 2020

Efeitos de Poder – Cinema & Vitalidade no Jogo de Xadrez.


Ubiracy de Souza Braga

Na vida, ao contrário do xadrez, o jogo continua após o xeque-mate”. Isaac Asimov


A ficção científica é uma dimensão literária desenvolvida no século XIX que reúne a imaginação individual e coletiva e o impacto da ciência na extrapolação sobre fatos e princípios científicos. Os primeiros clássicos do gênero foram Frankenstein, de Mary Shelley (1818), e a obra de Robert Louis Stevenson, O médico e o monstro (1886). Júlio Verner, reconhecido como o pai desse gênero literário em suas famosas histórias de aventura, narrava descobertas científicas muito antes delas se tornarem realidades descrevendo viagens espaciais (Viagem ao redor da lua, de 1869) e mundo submarino (Vinte mil léguas submarinas, de 1870). Mais recentemente esse gênero literário tem sido representado por escritores notáveis como Herbert G. Wells, Isaac Asimov e Arthur Clarke, que anteciparam inventos e descobertas que indicam que não estamos muito longe de um mundo cheio de robôs. Isaac Asimov (1920-1992) foi um escritor e bioquímico norte-americano, nascido na Rússia, autor de obras de ficção científica e divulgação científica. Asimov é considerado um dos mestres da ficção científica e, junto com Robert A. Heinlein e Arthur C. Clarke, foi considerado um dos três grandes intérpretes dessa literatura. A obra mais famosa é a Série da Fundação, também reconhecida como Trilogia da Fundação, faz parte do Império Galáctico e que logo combinou com a Série Robôs.

Também escreveu obras na dimensão de mistério e fantasia, assim como uma grande quantidade de não-ficção. No conjunto de sua obra literária, escreveu ou editou mais de 500 volumes, aproximadamente 90 000 cartas ou postais, e tem obras em cada categoria importante do sistema de classificação bibliográfica de John Dewey, exceto em filosofia. A maioria de seus livros mais populares sobre ciência, explicam conceitos científicos de uma forma histórica, voltando no tempo o mais longe possível, quando a ciência em questão estava nos primeiros estágios. Ele providencia, muitas vezes, datas de nascimento e falecimento dos cientistas que menciona, também etimologias e guias de pronunciação para termos técnicos. Alguns exemplos incluem, “Guide to Science”, os três volumes de “Understanding Physics” e a “Chronology of Science and Discovery”, e trabalhos sobre Astronomia, Matemática, a Bíblia, escritos de William Shakespeare e Química. Em 1981, um asteroide recebeu seu nome em sua homenagem, o 5020 Asimov. O robô humanoide ASIMO da Honda, também pode ser considerada uma homenagem indireta a Asimov, pois o nome do robô significa, em inglês, Advanced Step in Innovative Mobility, além de também significar, em japonês, “também com pernas” (ashi mo), em um trocadilho linguístico em relação à propriedade inovadora de movimentação deste robô.

O xadrez, empiricamente, é classificado como jogo de mesa, classificação dada por aspectos visíveis, posto que é jogado em uma superfície plana. A formação do conceito teórico é decorrente do processo de investigação da gênese e desenvolvimento do objeto, que possibilitará a expressão da relação essencial. Para investigarmos o conteúdo teórico do conceito de xadrez, segundo (Meneghel, 2019), necessitamos acessar elementos teóricos referentes à essência e manifestação do objeto estudado, neste caso, o xadrez. A essência de um objeto se dá por formações a partir de conjuntos de relações sociais e históricas. Se o alvo está relacionado ao objetivo, podemos concluir que uma peça do xadrez, por exemplo, não pode ser o alvo dessa relação essencial. Dessa forma, a peça age como instrumento intermediário, pois o verdadeiro alvo é a conquista de território ou espaço. A estrutura do jogo é formada por quatro elementos: as regras, a dinâmica de ataque e defesa, a percepção e análise nas situações de jogo e os conhecimentos estratégicos e táticos. O controle da ação corporal do outro é a estrutura do xadrez desde seu surgimento como atividade lúdica, em jogos que o precederam ainda que não totalmente desenvolvidos. O jogo como manifestação do xadrez é o ponto de partida para a investigação da especificidade de nosso objeto de pesquisa. Partindo das relações sociais derivadas dessa compreensão, temos como finalidade, nesta produção de âmbito acadêmico, responder ao seguinte questionamento: quais elementos específicos compõem o conteúdo teórico do conceito de xadrez? Para responder ao nosso questionamento sobre quais são os elementos que os jogadores necessitam operar em suas ações durante o jogo de xadrez, de forma geral, reportamo-nos a sua gênese e desenvolvimento, buscando no jogo contemporâneo tal resposta.
Embora diversas civilizações antigas tenham sido descritas ou caracterizadas como havendo sido o berço do xadrez, tais como o Antigo Egito e a China dinástica, na contemporaneidade a maioria dos pesquisadores concorda que o jogo tenha se originado na Índia por volta do século VI d. C., na forma de uma concepção antiga xadrez com regras diferentes das atuais e denominados Chaturanga em sânscrito. Posteriormente o Chaturanga difundiu-se na Pérsia durante o século VII, recebendo o nome persa de Shatranj, provavelmente com regras diferenciadas comparativamente em relação ao jogo indiano. O Shatranj, por sua vez, foi assimilado pelo Mundo Islâmico após a conquista da Pérsia pelos muçulmanos, porém as peças se mantiveram durante muito tempo com os seus nomes persas originais. Dentre os praticantes de Shatranj, aqueles que mais se notabilizaram foram al-Razi, al-Adli e o historiador al-Suli e seu discípulo e sucessor al-Lajlaj. Diversos estudos foram feitos por al-Suli com o objetivo de compreender os princípios das aberturas e os finais de partida, além de “classificar os praticantes de Shatranj em cinco categorias em razão de sua força de jogo”. Na passagem do primeiro milênio da nossa era, o jogo já havia se difundido por grande toda a Europa e atingido a Península Ibérica no século X, sendo citado no manuscrito do século XIII, o Libro de los juegos, que discorria sobre o Shatranj, dentre outros jogos.



            Os jogos de tabuleiro são reconhecidos desde a Antiguidade, mas foi durante a Idade Média que a maioria deles recebeu as regras e a imagem com que são reconhecidos. Xadrez, Dama, Gamão e Moinho possuem praticamente as mesmas regras e tabuleiros que tinham na Era Medieval. Quando surgiram, os jogos de tabuleiro estavam restritos aos membros da nobreza e do clero. As pessoas comuns que formavam os gentios não tinham acesso a este tipo de entretenimento. A explicação para isso pode ser encontrada na complexidade técnica de interpretação da regra de alguns destes jogos. Outro fator estava no elevado preço que estes produtos tinham, como mercadoria, o que afastava a maior parte dos consumidores. Entre todos os jogos de tabuleiro surgidos, destacou-se o Xadrez. Mas ao contrário do que se possa imaginar, o Xadrez não foi criado na Europa. Apesar das peças do jogo estarem relacionadas a sociedade medieval europeia: rei, rainha, bispo, cavalo, torre e peões, o jogo surgiu no oriente. Mais precisamente na Índia, onde o jogo é reconhecido como Chaturanga. Com isso as peças do jogo estão associadas a cultura e religião deste povo: Raja (espécie de rei), Mantri (conselheiro do rei), Ratha (carruagem), elefante, cavalo e infantaria.
            Um dos ancestrais dos jogos de tabuleiro contemporâneos é o Jogo real de Ur. Estima-se que era jogada em torno de 2.500 a. C. na cidade Suméria de Ur, atualmente Iraque. O jogo foi descoberto entre 1922 e 1934, durante as escavações lideradas pelo arqueólogo inglês Sir Leonard Woolley. Em meio a tumbas, Leonard encontrou joias, armas, e também vários tabuleiros, trabalhados em madeira e adornados com madrepérola e lápis-lazúli. O curador do Museu Britânico e especialista em escrita cuneiforme Irving Finkel, trabalhou na decifração das regras do jogo, sendo um trabalho complexo, realizado durante sua vida. Finkel e outros especialistas do Museu Britânico encontraram uma tabuinha que se permitiu concluir que os jogos eram utilizados por essas atividades divinatórias. A arte divinatória era muito importante para os sumérios, utilizada como uma forma de se comunicar com os deuses, e para isso poderia ser usada além dos jogos, como a interpretação de sonhos e a observação de vísceras de animais. Os egípcios se interessavam por jogos de tabuleiro, um deles era o Senat, ou Senet, também conhecido como “Jogo de passagem da alma para outro mundo”. 
           Fragmentos e hieróglifos encontrados em escavações indicam que o jogo de Senat teria por volta de 5.500 anos. Na tumba do faraó Tutancâmon foi encontrado quatro tabuleiros, um deles constituído de ébano e marfim, com peças em ouro. O faraó detinha o poder religioso, administrativo, judicial e militar. Podia ter diversas esposas e grande número de amantes. A endogamia era comum não somente entre os faraós, mas também nas outras frações de classes sociais. A sociedade do antigo Egito era dividida em diversos estratos sociais. A primeira era constituída pelos membros da família real. Depois, os sacerdotes, os nobres, os escribas, os guerreiros, os mercadores e os artesões. Os lavradores, operários e servos faziam parte da classe baixa da população. As classes privilegiadas eram as classes dos nobres e dos sacerdotes. Os nobres eram funcionários que administravam, em nome do faraó, os nomos, antigas divisões territoriais. Os sacerdotes faziam parte da elite intelectual de grande poder social, em virtude de serem considerados intermediários entre os homens e os deuses. Os escribas eram fiscais e contabilistas da produção das terras do faraó e constituíam uma classe prestigiada, pois era a única que dominava a complicada escrita hieroglífica.

O jogo de Senat tinha profunda ligação com a mitologia egípcia, sendo citado no Livro dos Mortos e textos religiosos. Quando havia apenas um jogador, entendia-se que ele enfrentava o seu próprio destino, representado pela imagem do deus dos mortos, Osíris. Se vitorioso, o jogador receberia a benção da vida eterna. Vencer o jogo de Senat significa triunfar sobre o mal e renascer com sucesso na vida após a morte. O Senet era utilizado como entretenimento pelos antigos egípcios, assim como podemos perceber em várias cenas apresentadas em papiros. Apesar de ter um fim de entretenimento, apresentava um profundo significado religioso por representar a alma em sua árdua trajetória no mundo dos mortos. Segundo o arqueólogo norte-americano Peter Piccione (1980, p. 58) o jogo indica que os antigos egípcios acreditavam que eles poderiam influenciar a sua pós-vida. Até o final da décima oitava dinastia em 1293 a. C., o Senet foi transformado em uma simulação das viagens ao submundo. Isso porque os jogos foram encontrados em tumbas e inscrições mostram que o jogo poderia em alguns momentos ser jogado por apenas uma pessoa. Então o autor acredita em duas formas simultâneas de uso do jogo Senet. Quando se faz uso por duas pessoas, em forma de entretenimento, e por uma pessoa, em um ritual divinatório da vida após a morte.   
Xadrez é um esporte, também considerado uma arte e uma ciência. O xadrez é um esporte intelectual, que se joga entre duas pessoas, ou equipes, que dispõem de forças iguais, seja em quantidade seja em qualidade, denominadas peças, e que têm cores diferentes, geralmente brancas e pretas. As peças se movimentam segundo leis convencionais, e o jogo tem o motivo de, após um número variável de movimentos, também chamados lances ou jogadas, ganhar a partida do adversário, o que se consegue levando o Rei contrário, a peça mais importante, a uma posição especial, que se denomina mate. O movimento do Rei é o movimento da Dama, contudo, reduzido á unidade, isto é, o Rei poderá mover-se somente para qualquer das casas contíguas à casa que ele ocupa. Colocado em casa angular, o Rei dispõe, apenas de três casas. Ocupando casa da primeira horizontal, ou então da casa de coluna marginal, com exceção das casas angulares, o Rei tem a sua disposição cinco casas. Afastado das colunas marginais e das horizontais extremas, o Rei pode mover-se a oito casas.  O objetivo do jogo é dar mate ao adversário. O tabuleiro representa a designação de um lugar quadrado dividido em 64 casas, pintadas alternadamente de cores brancas e pretas, ou fora das grandes competições de cores convencionais: é o tabuleiro de xadrez.  
Pode ser classificado como um jogo de tabuleiro de natureza competitiva para dois jogadores, sendo reconhecido como Xadrez Ocidental ou Xadrez Internacional para distingui-lo dos seus antecessores e de outras variantes coetâneas. A forma atual do jogo surgiu no sudoeste da Europa na segunda metade do século XV, durante o Renascimento, depois de ter se desenvolvido a partir de suas antigas origens persas e indianas. A partida de xadrez é disputada em um tabuleiro de casas claras e escuras, sendo que no início, cada enxadrista controla dezesseis peças com diferentes formatos e características. Joga-se xadrez sobre um tabuleiro quadrado, formado por 64 casas quadradas que formam oito colunas e oito horizontais. Denomina-se Diagonal qualquer conjunto de casas da mesma cor, que cruza em linha reta o tabuleiro, formando com as colunas e as horizontais um ângulo de 45°. As casas claras são chamadas de brancas e as escuras de pretas. O tabuleiro, na posição de jogo, tem a casa inferior direita na cor branca. Na terminologia enxadrística, designam-se com nome próprio os grupos de casas que têm alguma característica comum. Distinguem-se três tipos dentre as que se dispõem em filas, em colunas ou diagonais. Fila é o agrupamento de casas adjacentes posicionadas horizontalmente. O objetivo da partida é dar xeque-mate. Teóricos do enxadrismo desenvolveram várias táticas e estratégias para atingir este objetivo. Os jogadores em desvantagem ou percepção factual da derrota têm a opção de abandonar, desistindo da partida, antes de receberem o desfecho de xeque-mate.

A tática é a arte do fraco. Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz, militar do Reino da Prússia que ocupou o posto de general é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua reconhecida obra Da Guerra (“Vom Kriege”). Foi diretor da Escola Militar de Berlim nos últimos treze anos de sua vida, período em que escreveu a obra publicada postumamente. Nela ficou maculada a tese materialista da política em que ele define a associação metodológica entre guerra e política: - “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Especificamente, Clausewitz considerava fundamental que a guerra estivesse sempre submetida à política. Isso porque nenhuma guerra pode ser vencida sem a compreensão precisa dos objetivos e da disponibilidade dos meios¸ enquanto estratégia, em primeiro lugar, ou sem o cálculo racional das capacidades e das oportunidades, assim como o estabelecimento dos limites éticos ao uso da força - sempre submetida aos objetivos políticos estabelecidos. Suas lições de tática e estratégia vão, porém, além dos exercícios militares propriamente ditos, para se constituírem, inclusive, numa profunda reflexão sobre a filosofia da guerra e da paz.
Produtores desconhecidos, poetas de seus negócios, inventores de trilhas nas selvas da racionalidade funcionalista, consumidores produzem algo que se assemelha às “linhas de erre”, traçando trajetórias indeterminadas, aparentemente desprovidas de sentido porque não são coerentes com o espaço constituído, escrito e pré-fabricado onde se movimentam. São frases imprevisíveis num lugar ordenado pelas técnicas organizadoras dos sistemas. Não queremos perder de vista que estratégias referem-se ao cálculo ou a manipulação das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder: uma empresa, um exército, uma cidade, uma instituição científica, pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças. Gesto cartesiano, quem sabe: circunscrever um próprio num mundo enfeitiçado pelos poderes invisíveis do Outro. Mas que também pode ser interpretado analiticamente como gesto da modernidade científica, política ou militar. Mas é preciso recorrer a outro modelo quando interpretamos as imagens.
As estratégias são, portanto, ações que, graças ao postulado de um lugar de poder, elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações espaciais. Ao menos procuram elas reduzir a ess tipo as relações temporais pela atribuição analítica de um lugar próprio a cada elemento particular e pela organização combinatória dos movimentos específicos a unidades ou a conjuntos de unidades. O modelo para isso foi antes o militar que o científico. As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, ás relações entre momentos sucessivos de um golpe, como na política, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos. As estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões de um poder. Os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentam sob uma forma nítida, nem por isso – last but not least – menos certo que apostas feitas no lugar ou no tempo distinguem as maneiras estruturantes de sentir, pensar e agir.    
O grande silêncio das coisas muda-se no seu contrário através da mídia. Ontem constituído em segredo, observa Michel de Certeau (2000), agora o real tagarela. Só se veem por todo o lado notícias, informações, estatísticas e sondagens. Jamais houve uma história que tivesse falado ou mostrado tanto. Jamais, com efeito, os ministros dos deuses os fizeram falar de uma maneira tão contínua, tão pormenorizada e tão injuntiva como o fazem hoje os produtores de revelações e regras em nome da atualidade. Os relatos do-que-está-acontecendo constitui a nossa ortodoxia. Os debates de números são as nossas guerras teológicas. Os combatentes não carregam mais as armas de ideias ofensivas ou defensivas. Avançam camuflados em fatos sociais, em dados estatísticos e acontecimentos. Apresentam-se como os mensageiros de um “real”. Sua atitude assume a cor do terreno econômico e social. Quando avançam, o próprio terreno parece que também avança. Mas, de fato, eles o fabricam, simulam-no, usam-no como máscara, e atribuem a si o crédito dele, criam assim o que se diagnostica como a lei. A pessoa tem que se inclinar, e obedecer aquilo que significam, como oráculo de Delfos. A fabricação de simulacros fornece o meio de produzir crentes e praticantes.
Esta instituição do real representa a forma mais visível de nossa dogmática contemporânea. É também a mais disputada entre partidos. Ela não comporta mais um lugar próprio, nem cátedra ou magistério. Código anônimo, a informação inerva e satura o corpo social. Desde a manhã até a noite, sem pausa, histórias povoam as ruas e os prédios. Articulam nossas existências ensinando-nos o que elas devem ser. Cobrem o acontecimento, fazem deles as nossas legendas daquilo que se deve ler e dizer. Apanhado desde o momento em que acorda pelo jornal, rádio ou TV, a voz é a lei, pois o ouvinte anda o dia inteiro pela floresta de narratividades jornalísticas, publicitárias, televisionadas à noite ainda sob as portas do sono. Esses relatos sociais têm o duplo e estranho poder de mudar o ver num crer, e de fabricar a realidade com aparências. A fabricação que se quer detectar é uma produção, uma poética, mas escondida porque el se dissemina nas regiões definidas e ocupadas pelos sistemas de produção televisiva, urbanística, comercial etc., e porque a extensão racionalizada, expansionista, além de centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde a outra produção, qualificada de consumo. Esta é astuciosa, é dispersa, mais ao mesmo tempo ela se insinua obliquamente, silenciosa e quase invisível, pois não se faz notar com produtos próprios, mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem dominante. 

Dupla inversão. De um lado, a modernidade, outrora nascida de uma vontade observadora que lutava contra a credulidade e se fundava num contrato entre a vista e o real, transforma agora essa relação e deixa ver precisamente o que se deve crer. A ficção define o campo, o estatuto e os objetos da visão. Assim funcionam os “mass media”, a publicidade ou a representação política. A ficção pretende presentificar o real, falar em nome dos fatos e, portanto, fazer assumir como referencial a semelhança que produz. Essa reviravolta do terreno onde se desenvolvem as crenças resulta de uma mutação nos paradigmas do saber: a invisibilidade do real, postulado antigo, cedeu o lugar à sua visibilidade. A cena sociocultural da modernidade remete a um mito. Define o referente social por sua visibilidade, e, portanto, por sua representatividade científica ou política. Articula-se em cima deste novo postulado segundo o qual representa o crer real e visível, e assim a possibilidade de nossos saberes, de nossas observações, de nossas provas e nossas práticas. Nesta nova cena, campo indefinidamente extensível das investigações óticas e de uma pulsão escópica, subsiste ainda a estranha coalizão entre o crer e a questão tópica do real, do que é visto, do que é observado ou do mostrado.
Cada jogador inicia a partida com 16 peças. O rei é a peça principal do jogo e se move para todos os lados de uma em uma casa. A dama movimenta-se em todas as direções (coluna, fila ou diagonal) sendo uma peça muito poderosa pelo seu raio de ação. O seu raio de ação diminui à medida que existam peças nas casas em que ela ataque. Na posição inicial, por exemplo, a dama possui o seu caminho bloqueado por suas próprias peças. Quando o rei está ameaçado por qualquer peça adversária, diz-se que ele está em xeque. Nesta situação, deve-se dizer ao adversário a palavra xeque. Para o jogador escapar do xeque basta movimentar o rei para uma casa que não esteja sendo atacada pela dama branca. O xeque-mate é o término da uma partida. Se o rei estiver em xeque e não existirem casas para o rei ocupar que não estejam ameaçadas, então o rei está em xeque-mate. Quando o rei não está em xeque e as casas que o cercam estão ameaçadas, a partida está empatada, pois o rei está afogado. A torre movimenta-se em colunas e filas. Uma torre situada no centro do tabuleiro pode atacar 14 casas.
O bispo move-se pelas diagonais. Cada jogador começa a partida com um par de bispos, um que percorre as casas pretas e outro pelas casas brancas. O bispo no centro do tabuleiro ataca um total de 13 casas. O cavalo possui um movimento particular bastante diferente das demais peças. Para simplificar, digamos que o cavalo pula em L: duas casas na horizontal ou vertical, como uma torre, e depois uma casa acima ou abaixo (se foi movido na horizontal), ou à direita ou à esquerda (se foi movido na vertical). O cavalo é a única peça que salta sobre as outras. Se o cavalo sair de uma casa branca irá parar em uma casa preta e vice-versa.  O peão só anda para frente de casa em casa. Quando está na posição inicial, ele pode avançar duas casas. Os peões não capturam as peças em seu movimento, como as demais. A captura é feita em diagonal. Quando o peão atravessar o tabuleiro e chegar à última casa do outro lado do tabuleiro deve obrigatoriamente ser trocado por outra peça que pode ser uma dama, torre, bispo ou cavalo, independente do jogador ter perdido ou não estas peças.
No xadrez, a palavra peça tem três significados, dependendo do contexto. Pode significar qualquer peça física do conjunto, incluindo peões. Quando usada neste sentido, peça é sinônimo para peça de xadrez. Durante a partida, o termo normalmente é utilizado excluindo os peões, isto é, referindo-se apenas a dama, torre, bispo, cavalo ou rei. Neste contexto, as peças podem ser divididas em três grupos: peça maior (dama e torre), peça menor (bispo e cavalo) e o rei. Em frases como: “ganha uma peça”, “perde uma peça” ou “sacrifica uma peça”, refere-se somente ao bispo e cavalo. A dama, torre e o peão são especificados pelo nome nestes casos, como: “perde a torre” ou “sacrifica um peão”. O contexto deve fazer a intenção do significado clara. No âmbito da história comparada o desenvolvimento e forma das peças de xadrez estimulou a imaginação de artistas, artesãos e desenhistas em todos os países e culturas, do qual a sociedade criou peças que refletiam o espírito e cultura do ambiente. A grande maioria dos conjuntos de peças abstratas, porém mesmo estas singularidades têm qualidade artística. Alguns trabalhos de artes representam conjuntos modernos desenhos de conjuntos de peças de xadrez, tais como o conjunto modernista criado pelo entusiasta do xadrez e dadaísta Man Ray (1890-1976), exibido no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.
Peças de xadrez para o jogo são usualmente as figuras mais altas do que largas. Por exemplo, o modelo do Rei no padrão Staunton, conjunto de oficial de peças a ser utilizada em competições da Federação Internacional de Xadrez (FIDE), fundada em 20 de julho de 1924, Paris. Tendo Alexander Rueb como um de seus fundadores sendo eleito o seu primeiro presidente (1924~1949), tendo sido presidida por H. E.Kirsan Ilyumzhinov, desde 1995 até 2018 quando passou a ser o seu presidente Arkady Dvorkovich. No xadrez utiliza-se um sistema etnográfico para anotar as jogadas na partida chamada tecnicamente Notação Algébrica. Os princípios da notação algébrica respectivamente são: a) Cada casa é identificada por uma letra e um número (e4). b) Um movimento é o desenho da peça que será movimentada e a casa para onde se moverá em seu destino (¥h7 significa bispo para h7). c) Se o movimento é uma captura, insere-se um x depois da peça. d) Se duas peças do mesmo tipo podem ir para uma casa, insere-se uma coordenada de partida (¤fe2, ¦8d7). e) Para movimento de peão, escreve-se a casa para onde o peão vai (c4). f) Se o movimento for uma captura, procede-se como na regra anterior, mas acrescenta-se a coluna de partida (cxd4). g) Se o movimento envolver uma promoção, a figura da peça promovida vai no final (gxf8£). h) Os movimentos são numerados em pares com as peças brancas movendo por primeiro. i) Outros símbolos: + é xeque; ++ é xeque-mate; 0-0 é roque pequeno; 0-0-0 é roque longo. j) Pontuação pode ser adicionada depois do lance da seguinte forma: ! lance bom; !? lance interessante; !! lance muito bom; ? erro; ?? erro grave. k) Uma partida pode terminar em 1-0 (vitória das brancas), ½-½ (empate), ou 0-1 (vitória das pretas). 
Historicamente as competições enxadrísticas oficiais tiveram início no século XIX, sendo Wilhelm Steinitz (1836-1900) um enxadrista judeu do Império Austríaco e primeiro campeão celebrado no âmbito do mundial de xadrez. Um dos jogos mais populares do mundo, o xadrez, é praticado por milhões de pessoas em torneios entre amadores e profissionais, clubes, escolas, pela rede internet ou por correspondência. Vale lembrar que o xadrez é oriental em sua origem, isto é, indiano e difundido com a expansão mundial do Islã, o jogo foi introduzido e praticado a partir do século X no Ocidente, onde suas peças sofreram uma adaptação às realidades sociais. Do antigo “shah” que se tornou rei, e do vizir metamorfoseado em rainha, acumulavam-se, nas sessenta e quatro casas do tabuleiro: os condes substituindo os elefantes; os cavaleiros; os marqueses nas margens, no lugar das carruagens; e uma tropa de soldados (peões) a pé na primeira linha. O conjunto constituía dois povos (populi) que se afrontavam seguindo regras, como testemunha os Versos sobre o xadrez (Versus de scachis) dando nome às peças, descrevendo seu movimento, louvando o jogo como abstração mental, sem risco físico e um falso juramento. O poema é a primeira descrição européia do jogo e contém a primeira referência histórica da Dama. Essas peças correspondiam aos atores do sistema feudal, de acordo com relações sociais de dominação e de obrigações recíprocas ligando senhores e vassalos, homens livres na ordem escravocrata que juravam fidelidade e assistência militar, recebendo terras em feodum para seu provimento e de sua casta. 
Existem diversas mitologias associadas à criação do xadrez, sendo uma das mais  famosas aquela que atribui ao jovem brâmane indiano Lahur Sessa. Segundo a lenda, narrada em O Homem que Calculava: Aventura de um singular calculista persa é um romance infanto-juvenil do fictício escritor Malba Tahan, heterônimo do professor brasileiro Júlio César de Melo e Souza, que narra as aventuras e proezas matemáticas do calculista persa Beremiz Samir na Bagdá do século XIII. Foi publicado pela primeira vez em 1938 alcançando a sua 90ª edição. A narrativa, dentro da paisagem do mundo islâmico medieval, trata das peripécias matemáticas do protagonista, que resolve e explica, de modo extraordinário, diversos problemas, quebra-cabeças e curiosidades da matemática. Inclui, ainda, lendas e histórias pitorescas, como, por exemplo, a lenda da origem do jogo de xadrez e a história da filósofa e matemática Hipátia de Alexandria. Sem ser um livro didático, tem, contudo, uma forte tonalidade moralista. Por isso, o livro é indicado como um livro paradidático em vários países, tendo sido citado na Revista Book Report e em várias publicações do gênero. A obra tem sido traduzida para espanhol, inglês, italiano, alemão, francês, holandês e árabe. O rajá estava em constante depressão e passou a descuidar-se de si e do reino. Certo dia o rajá foi visitado por Sessa, que lhe apresentou um tabuleiro com 64 casas brancas e pretas intercaladas e com diversas peças que representavam tropas do exército: infantaria, cavalaria, carros de combate, condutores de elefantes, o principal vizir e o próprio rajá. O sacerdote explicou ao rajá que a prática daria conforto espiritual e cura para a depressão. Agradecido, ofereceu recompensa a Lahur Sessa pela invenção e o brâmane pediu um grão de trigo para a primeira casa, dois para a segunda, quatro para a terceira, oito para a quarta e assim até a última do tabuleiro.

Espantado com a modéstia da explanação do pedido, o rajá ordenou que fosse pago imediatamente a quantia em grãos de que fora pedida. Após os cálculos, os sábios do rajá ficaram atônitos com a grandiosidade do resultado que a quantidade de grãos atingiu. Impressionado com a inteligência do brâmane, o rajá o convidou para ser seu principal vizir, sendo sua divida em trigo perdoada. Na mitologia da criação do xadrez deve-se ao grego Palamedes, como um passatempo para distrair os príncipes e seus soldados durante o período que durou o cerco pelos gregos a cidade-estado de Troia. Os gregos foram os primeiros a documentar a existência do jogo. O poeta Homero descreve no primeiro livro da Odisseia uma partida de xadrez entre os pretendentes da rainha Penélope, às portas da casa do esposo Ulisses, em Ítaca. O dramaturgo Eurípedes, em sua tragédia Ifigênia em Áulis, apresenta Ajax e Protesilau em uma partida de xadrez. Aqueles que manipulavam as peças do xadrez, da forma como haviam sido tomadas de empréstimo à cultura islâmica, podiam se imaginar em ações militares, representando “casa a casa”, o desenrolar de um conflito entre povos, antes de fazer desaparecer os protagonistas “um a um”, até o desfecho da partida.  
O xadrez foi definido por Goethe como ginástica da inteligência. O Sétimo Selo (Det sjunde inseglet) é um filme sueco de 1956, do gênero drama, escrito e dirigido por Ingmar Bergman, baseado numa peça de teatro de autoria do diretor. Ao fazê-lo, Bergman reconstruiu a Idade Média sueca não para lematizá-las em si, ainda que o trabalho de pesquisa histórica e de reconstrução da sociedade de seu tempo tenha sido cuidadosamente interpretado e descrito. Destarte, Bergman busca no mundo medieval o medo apocalíptico, seja o temor de que o mundo pode acabar de repente, ou de que ele seja dizimado gradualmente pela peste, o que acaba por expor a preocupação própria do diretor com essa mesma questão. O filme foi lançado em 1956, período em que os traumas da 2ª guerra mundial e da bomba atômica ainda marcavam a vida dos europeus. As décadas de 1950 e 1960 encerram o período de maior temor pela derrocada da guerra nuclear anunciada que destruísse o mundo em instantes. Acresce-se a isto que os traumas do holocausto e das consequências da mortandade desencadeados não haviam sido esquecidos; pelo contrário, as pessoas pressentiam que tudo fora um presságio de que o homem seria o grande responsável pelo apocalipse final.
            A estratégia enxadrística consiste em definir (e atingir) objetivos de longo prazo durante a partida, enquanto a tática se concentra em manobras imediatas no tabuleiro. Estas partes do pensamento enxadrístico não podem ser completamente separadas. Os objetivos estratégicos são atingidos principalmente por meio de táticas, sendo uma prévia estratégia de jogo. É voltada para a avaliação de posições vitais no tabuleiro e com o estabelecimento de metas a serem atingidas. Os enxadristas levam em conta o domínio (valor) das peças, a estrutura de peões, a segurança do rei, a espacialidade e o controle de casas-chave ou grupo de casas: colunas e diagonais abertas. A avaliação é a contagem do valor total de peças dos dois lados. Os valores de cada peça são estimados em 1 ponto para os peões, 3 pontos para os cavalos e os bispos, 5 pontos para as torres e 9 pontos para a dama. O rei é mais poderoso que uma peça menor entre o cavalo ou bispo. Menos forte que uma torre, sendo estimado em 4 pontos. Alguns analistas afirmam que o rei possui valor absoluto, pois sem ele perde-se a partida. Os valores podem ser alterados pela posição de um peão avançado, sobre a coordenação entre um par de bispos melhor que e de um bispo e um cavalo, ou tipo tático de posição, pois, geralmente cavalos são melhores em posições fechadas e bispos em posições abertas.
Bibliografia geral consultada.
KASPAROV, Garri, Hijo del Cambio. Barcelona: Ediciones Temas de Hoy, 1987; PENNICK, Nigel, Jogos dos Deuses: A Origem dos Jogos de Tabuleiro segundo a Magia e a Arte Divinatória. São Paulo: Editor Mercuryo, 1992; CERTEAU, Michel de, L`Invenzione del Quotidiano. Roma: Edizione Lavoro, 2000; DAGOSTINI, Orfeu Gilberto, Xadrez Básico. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2004; EDMONDS, David; EIDINOW, John, Bobby Fischer se Fue a la Guerra: el Duelo de Ajedrez más Famoso de la Historia. Buenos Aires: Ediciones Debate, 2007; ROCHA, Wesley Rodrigues, O Jogo e o Xadrez: Entre Teorias e Histórias. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado em História. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2009; SILVA, Wilson da, Raciocínio Lógico e Jogo de Xadrez. Em busca de relações. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2010; SOUZA, Juliano de, O Xadrez em Xeque – Uma Análise Sociológica da História Esportiva da Modalidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação Física. Departamento de Educação Física. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2010; MELO, Wellington Aguiar de, Influência da Prática do Xadrez Escolar no Raciocínio Infantil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Brasília: Univesidade de Brasília, 2015; NEVES, Eurípides Rodrigues das, A Prática do Xadrez no contexto Escolar e a aprendizagem de Alunos com Deficiência Intelectual. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. FAculdade de Educação. Brasília: Universidade de Brasília, 2017; CUSTÓDIO, José Antônio Loures; AFIUNE, Pepita de Souza, “O Ethos Religiosos na Antiguidade: a Origem Ritualística dos Jogos de Tabuleiro”. In: Revista de Artes FAP. Curitiba, vol. 20, n° 1, jan./jun., 2019; pp. 128-145; MENEGHEL, Gustavo Amâncio Bonetti, O Conteúdo Teórico do Conceito de Xadrez. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Mestrado em Educação. Criciúma: Universidade do Extremo Sul Catarinense, 2019; CRUZ, Matheus Ramos da (Org.), Xadrez e Educação Física. Uma Jogada Possível. Programa de Pós-Graduação de Ensino em Educação Básica - CAp UERJ. Centro de Educação e Humanidades. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2020; entre outros.

sábado, 27 de junho de 2020

Don Shirley - Música & Formas de Interverter Papéis.


Ubiracy de Souza Braga

                                                A felicidade é um problema individual”. Sigmund Freud



            Don Shirley foi um pianista, compositor, arranjador de jazz e intérprete de música clássica. Era filho do imigrante jamaicano sacerdote episcopal Edwin Shirley e de professora Stella. Começou a tocar piano aos dois anos de idade, e aos sete anos já apresentava desenvoltura e habilidade técnica suficiente para estudar no Leningrad Conservatory of Music. Aos nove anos acompanhava seu pai ao órgão da igreja. Durante a década de 1940, Shirley havia realizado um concerto menor de Tchaikovsky, além de uma composição de sua autoria na Orquestra Filarmônica de Londres. Fez seu primeiro concerto em 1945 com a Orquestra Pops de Boston, ao tocar o Concerto para Piano nº 1, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, e no ano seguinte a Orquestra Filarmônica de  Londres apresentou uma das suas composições. Na década seguinte compôs inúmeras sinfonias de órgãos, concerti de piano, violoncelo, quartetos de corda, óperas de um ato, obras para órgão, piano e violino e um poema de tom sinfônico baseado em Finnegans Wake, o último romance de James Joyce, publicado em 1939, e um dos símbolos da literatura experimental, quando escrito em uma síntese composta pela fusão de palavras, em inglês e outras línguas, tendo como escopo múltiplos significados. Isto para não falarmos da obra de maior destaque, intitulada: Orpheus in the Underworld, de 1956.  
Entre os anos de 1954 e 1968, se apresentou como solista com várias orquestras sinfônicas, incluindo a Orquestra Pops de Boston, fundada em 1885 como uma subsidiária da Orquestra Sinfônica de Boston, a Orquestra Sinfônica de Detroit, fundada em 1914 por dez mulheres da sociedade de Detroit, que contribuíram com 100 dólares para a organização, a Orquestra Sinfônica de Chicago, é uma das cinco orquestras norte-americanas referidas como Big Five, representando as cinco melhores do país. Fundada em 1897, a Sinfônica tem o Orchestra Hall de Chicago como residência e apresenta sua temporada de verão em Ravinia Festival, e a Orquestra Sinfônica Nacional, fundada em 1931 é uma orquestra sinfônica baseada no John F. Kennedy Center, em Washington, DC. A principal função da memória não é preservar as ideias simples, mas sua estrutura dual relativa à ordem e posição. Esse princípio se apoia em aspectos comuns e vulgares do cotidiano que podemos nos poupar o trabalho de continuar insistindo nele. A cooperação nem sempre é um problema. Às vezes, é uma conclusão previsível; outras vezes impossível. Como a imaginação pode separar todas as ideias cumulativas simples, analisa-las e uni-las novamente da forma que lhe aprouver, nada seria mais inexplicável que as operações dessa faculdade, se ela não fosse guiada por alguns princípios universais, que a tornam, em certa medida, uniforme em todos os momentos e lugares.          



Apesar de desejar tocar os clássicos como Chopin, pianista polonês radicado na França e compositor para piano da era romântica, amplamente reconhecido como um dos maiores compositores para piano e um dos pianistas mais importantes da história, e Liszt, compositor, pianista, maestro e professor e terciário franciscano húngaro do século XIX, um dos representantes proeminentes da Neudeutsche Schule, que deixou um legado extenso e diversificados. Influenciou seus contemporâneos e antecipou algumas ideias e tendências do século XX. Algumas de suas contribuições mais notáveis referem-se à invenção do “poema sinfônico”, desenvolvendo o conceito de transformação temática, como parte de suas experiências em forma musical e fazer rupturas radicais em harmonia. Ele também desempenhou um papel importante na popularização de uma grande variedade de música de transcrição para piano. Don Shirley recebeu a recomendação de seu empresário, Sol Hurok, de se dedicar ao jazz, um estilo típico da comunidade afrodescendente, pois não aceitariam, em seu tempo, o papel de “um músico negro tocando música europeia”. Dessa forma, Shirley uniu-se ao baixista Ken Fricker e o violoncelista Juri Taht e formou o Don Shirley Trio, onde se apresentavam e gravavam discos em estúdio. Com o trio, gravou Water Boy em 1961, seu grande sucesso, unindo Chopin à música dos anos 1960. Don Shirley não se considerou um artista e muito menos um intérprete de jazz. Gravou um concerto de Rachmaninoff com a Orquestra Filarmônica de Nova York, mas não conseguiu uma gravadora desse exemplar. Seu talento e argúcia, apesar das dificuldades que enfrentou, eram reconhecidos socialmente. O compositor russo Igor Stravinsky o elogiou dizendo que “seu virtuosismo é digno dos deuses”.
          De formação policompetente, Don Shirley era doutor em Psicologia, falava oito idiomas e, além disso, também sabia pintar. Jazz representa uma manifestação artístico-musical originária de comunidades de Nova Orleans nos Estados Unidos da América. Tal manifestação teria surgido por volta do final do século XIX na região de Nova Orleans, tendo origem na cultura popular e na criatividade das comunidades negras que ali conquistaram um desses lugares praticados mais importantes. Contudo, o jazz se desenvolveu com a associação de várias tradições religiosas, em particular de domínio afro-americano. Esta nova forma de se fazer música incorporava blue notes, chamada e resposta, forma sincopada, polirritmia, improvisação e notas com swing do ragtime. Os instrumentos musicais básicos para o Jazz são aqueles usados em bandas marciais e bandas de dança: metais, palhetas e baterias. No entanto, o jazz, em suas várias formas, aceita praticamente todo tipo de instrumento. As origens da palavra jazz são incertas. A palavra tem suas raízes na gíria norte-americana e várias derivações têm sugerido tal fato. O jazz não foi aplicado como música até 1915. Earl Hines (1903-1983) se tornou um celebrado músico de jazz, e costumava dizer que estava “tocando o piano antes mesmo de a palavra jazz ser inventada”.  Foi compositor, líder de bandas e um dos maiores pianistas da história do Jazz.
Nova Orleans, no estado norte-americano da Louisiana, era no século XIX o que Paris só viria a ser mais de 100 anos depois: uma festa. Desde o século XVIII, ainda sob o domínio dos franceses, o carnaval (Mardi Gras), era tradicionalíssimo. A cidade, fundada em 1718, havia sido território francês e espanhol antes de ser comprada pelos Estados Unidos, em 1803, numa transação de 11 milhões de dólares. Seu porto a tornara um grande polo de escravos, vindos principalmente da África ocidental. Dos antigos colonizadores, Nova Orleans herdara a tolerância da ética católica a manifestações individuais e coletivas dos escravos – bem diferente do resto do país, de orientação ética protestante. Aos domingos, os escravos exibiam suas danças e cantos em Congo Square. Um jornal de 1838 revelava a nova mania de trompetes e cornetas que tomava conta da cidade. Da fusão dos elementos musicais africanos com o som de bandas militares e a tradição erudita européia, ensinada a colonos e creoles, nasciam os embriões do gênero que tornaria a vida social dos negros mais dinâmicos e felizes. 

De 27 milhões de álbuns vendidos em 1914, houve um salto para 100 milhões sete anos depois. Mas, entre 1922 e 1923, quase meio milhão de negros deixaram o sul do país rumo a Chicago e Nova York em busca de oportunidade nos centros industriais. Nova York era a capital dos salões de dança e dos bares clandestinos pós-Lei Seca, que proliferavam: neles, o talento de inúmeros músicos eram atrações principais para chamar público. No Harlem, dois líderes de banda, um branco e um negro, lideravam este gênero na tentativa de orquestrar a música. Paul Whiteman e Fletcher Henderson eram as estrelas da cidade. Em 1924, o jovem Louis Armstrong, trompetista de Nova Orleans, deixou a banda do pioneiro Joe Oliver e se juntou à de Henderson, em Nova York. E o jazz em meados da década deixa 1920 deixa de ser o mesmo. Os Estados Unidos caminham para prosperidade e a juventude dançava ao ritmo das orquestras. A nação vivia uma busca desenfreada pelo prazer e a genialidade de Armstrong era a face  visível dessa grande festa. Entre 1925 e 1928, ele e seu grupo Hot Five e Hot Seven fizeram o estilo deixar de ser apenas uma música coletiva e virar arte. O jazz passou a ser o fascínio que o mundo ocidental tinha pela América, uma nação vibrante.
Don Shirley politicamente esteve ligado aos movimentos sociais dos direitos civis norte-americanos, mantendo amizade com o líder Martin Luther King e músicos negros renomados, tais como Nina Simone, nome artístico de Eunice Kathleen Waymon adotado aos 20 anos, para que pudesse cantar blues escondida de seus pais, que não aceitavam sua opção de ser cantora, antes de tornar-se uma pianista clássica, em bares noturnos de Nova York, Filadélfia e Atlantic City; Duke Ellington, compositor de jazz, pianista e líder de orquestra norte-americana, eternizado com a alcunha The Duke e distinção com a Presidential Medal of Freedom em 1969, e ipso facto, a Ordre National de la Légion d`Honneur, em 1973, as distinções as mais elevadas que um civil pode receber. Foi o primeiro músico de jazz a ingressar para a Academia Real de Música de Estocolmo, obtendo título honoris causa nas mais importantes universidades do mundo; e Sarah Vaughan, descrita por Scott Yanow como “uma das vozes mais maravilhosas do século 20”.  Sarah desenvolveu cedo um amor pela música popular, ouvindo gravações e rádio. No final da década de 1970, Sarah gravou discos no Brasil para as gravadoras RCA e Philips acompanhada de grandes ícones de projeção mundial como Tom Jobim, Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Hélio Delmiro, dentre outros. Don Shirley morreu de complicações decorrentes de doenças cardíacas em sua casa em Nova York, que ficava acima da famosa Carnegie Hall, em 6 de abril de 2013, aos 86 anos de idade.
Poucos dentre estes homens resistentes não se tornam, mais cedo ou mais tarde durante a sua inversão radical de papel, clandestinos. Largam atrás de si nomes, profissões, endereços, amigos, parentes. Aprendem até a exaustão a perder o passado, a memória e a si mesmos. A profissão, a família, os laços sociais não importam mais. Vivem exclusivamente em função dos seus fins ético-políticos. A formação policompetente que se origina na Renascença é uma ação relativamente voluntária de poucos homens, por isso só aparentemente tornados exemplares. Configura um modelo de comportamento singular e de atitude individual, festejado, celebrado e idealizado  por toda a sociedade, das elites sociais ao proletariado, próximo da abnegação heroica. A dedicação à causa coletiva desdobra-se nas medidas de um apaixonado e exaltado “esquecimento de si”. Um modo político de viver foi alcançado que serve de espelho moral, que designa a dimensão bela, justa e verdadeira do dever cívico, ato simples, ao alcance de todos e próprio do sentimento humano. Riscos existem, vale advertir, nestas formas-limites do pensar e agir. Recusar a existência na qual cada um se inscreve por filiação, por pertencimento social, pode equivaler a uma espécie de denegação do passado e de suas marcas sociais. Filhos de ninguém, a quem não há diferença entre sexo, a nação, as idades, as aptidões, as circunstâncias individuais e coletivas. Negar elos de pertencimento incide no risco de desacreditar das raízes humanas e arrancá-las.          
A cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada/pela via do veículo cognitivo da linguagem, a partir do “capital cognitivo coletivo”, segundo Edgar Morin (1998),  dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. Estas regras metódicas geram processos sociais e regenera globalmente a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. Isso facto, cultura e sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual, se a cultura contém um saber coletivo acumulada em uma memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente a representação de uma dimensão cognitiva: é uma “máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva”. 
É neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem, métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, tabus, o seu etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua ignorância de ignorância. Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento, constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um contínuo, o outro descontínuo (binário).
As aptidões individuais organizadoras do cérebro humano como ocorrem na singularidade do jazzista Don Shirley, necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Nosso espírito reconhece através da nossa cultura, vivem na cultura. Meu espírito, particularmente, reconhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura reconhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras simultaneamente; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores sociais e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, ou níveos de apropriação de saber, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”. Falar em complexidade é falar em relação de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas essa complexidade que permite compreender a possível autonomia relativa do espírito (faculdades intelectuais) e no sentido técnico do cérebro individual.

Mas é assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação á sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais. E em relação à sua determinação cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, pela via de inserção da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é, assim mesmo, um elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual.
As nossas percepções ou mesmo as concepções estão sob um controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas. A percepção é submetida a categorizações, conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento intelectual organiza-se em função de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias sociais e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias. Assim se opera a construção social da realidade, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais (visão), em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (ficção), que constitui a visão social de mundo, que se concretiza em verdade, em erro, ou na mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário, segundo Morin (1998), conceber não só o enraizamento do conhecimento determinado na sociedade e a interação do conhecimento/na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão própria cognitiva.         
Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento. A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de libertá-lo. Mas isso seria, sobretudo, ignorar as potencialidades de autonomia relativa, no interior de todas aquelas culturas, dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde tira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. Assim, o conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica. Sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico. 
            Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as ajuntaria. E seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela qual, entre outras coisas, as línguas se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma forma aponta a cada um de nós as ideias  simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira, de uma ideia a outra, são três, a saber: semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causa e efeito. Dois objetos podem ser considerados como estando inseridos nessa relação pontual, seja quando um deles é a causa de qualquer ação ou movimento do outro, seja quando o primeiro é a causa da existência do segundo. 

Pois como essa ação ou movimento não é senão o próprio objeto, considerado sob um ângulo e, certamente um ponto de vista como o objeto continua o mesmo em todas as suas diferentes situações, é fácil imaginar de que forma tal influência dos objetos uns sobre os outros pode conectá-los na imaginação. Podemos prosseguir com esse raciocínio, observando que dois objetos estão conectados pela relação causa e efeito não apenas quando produz um movimento ou uma ação qualquer no outro, no outro mas também quando tem o poder de os produzir. Notemos que essa é a fonte de todas as relações de interesse e dever através dos quais os homens se influenciam mutuamente na sociedade que se ligam pelos laços de governo e subordinação. Um senhor é aquele que, por sua situação, decorrente quer da força quer de um acordo, tem o poder de dirigir, sob alguns aspectos particulares, as ações conjugadas de outro homem. Um juiz é aquele que, em quase todos os casos litigiosos entre membros da sociedade, é capaz de decidir, com sua opinião privatista a quem cabe a posse ou a propriedade de determinado objeto. Quando uma pessoa possui certo poder, nada mais é necessário para convertê-lo em ação que o exercício da vontade. E isso, em todos os casos, é considerável possível, e provável, especialmente no caso do uso da autoridade, em que a obediência do súdito representa um prazer e uma vantagem para seu superior.  
Está claro que, no curso de nosso pensamento social e na constante circulação de nossas ideias, a imaginação passa facilmente de uma ideia a qualquer outra que seja semelhante a ela. Assim como existe o nascimento de uma semiologia e sociologia da celebridade e até mesmo mais recentemente, uma economia da celebridade e tal qualidade, por si só, constitui um vínculo afetivo e uma associação suficiente para a fantasia. É também evidente que, com os sentidos, ao passarem de um objeto a outro, precisam fazê-lo de modo regular, tomando-os sua contiguidade uns em relação aos outros, a imaginação adquire, por um longo costume, o mesmo método de pensamento, e percorre as partes do espaço e do tempo ao conceber seus objetos. Quanto à conexão realizada pela relação de causa e efeito, basta observar que nenhuma relação produz uma conexão mais forte na fantasia e faz com que uma ideia evoque mais prontamente outra ideia que a relação de causa e efeito entre seus objetos. Para compreender toda a extensão dessas relações sociais, devemos considerar que dois objetos estão conectados na imaginação. Não somente quando um deles é imediatamente semelhante ou contíguo ao outro, ou quando é a representação da própria causa. Mas quando entre eles encontra-se inserido um terceiro objeto, que mantém com ambos alguma dessas notáveis relações, dentre as três relações mencionadas, a de causalidade é a de maior extensão social.
Bibliografia geral consultada.

CLAGHORN, Charles Eugene, Biographical Dictionary of American Music. New York: Parker Publishing Company, 1973; LOYONNET, Paul, Les Gestes et la Pensée du Pianist. Montreal: Éditions Louise Courteau, 1988; HERNDON, Marcia; ZIEGLER, Susanne (Eds.), Music, Gender, and Culture. Bremen (Wilhelmshaven): Editor Florian Noetzel, 1990; LEJEUNE, Philippe, Le Pacte Autobiografique. Paris: Éditions Du Seuil, 1996; KUNDERA, Milan, La Identidad. Barcelona: Tusquets Editores, 1998; MORIN, Edgar, Introducción al Pensamiento Complejo. Barcelona: Editorial Gedisa, 1998; MONTEIRO,Fabiano Dias, Retrato em Branco e Preto, Retratos sem Nenhuma Cor: A Experi~encia do Disque-Racismo da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003; NEVES, Christianne Maria De Dominicis, A Composição para Filmes no Exemplo de Dave Grusin. Dissertação de Mestrado.  Programa de Mestrado em Música. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2004; HITA, Maria Gabriela, “A Família em Parsons: Pontos, Contrapontos e Modelos Alternativos”. In: Revista Anthropologicas. Ano 9. Volume 16(1), 2005;  HOBSBAWM, Eric, História Social do Jazz. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2007; FAST, Howard, Sacco & Vanzetti: A História de dois Imigrantes Italianos Condenados á Morte. Rio de Janeiro: Edições Bestbolso, 2009; LIMA, Géssica de Aguiar, A Brincadeira de Faz-de-Conta de Papéis Sociais e a Constituição da Personalidade das Crianças na Pré-escola. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Santarém: Universidade Federal do Oeste do Pará, 2018; MAFFIA, Gesualdo, Pasolini Crítico Militante. Da Passione e Ideologia a Empirismo Erético. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas. Departamento de Letras Modernas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; Artigo: “Green Book Trata da Solidão com Humor Sutil e Surpreende pela Paixão”. In:  https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/01/23; entre outros.