segunda-feira, 22 de junho de 2020

Justiniano José da Rocha - Ideologia da Transação no Brasil.


              “A fase da transação é a que exige mais prudência, mais tino, mais devoção”. Justiniano José da Rocha


            O senhorio é o proprietário de um condomínio, casa, terra ou bens imobiliários que são alugados ou arrendados a um indivíduo ou a uma empresa, que recebe o nome de inquilino. Quando uma pessoa jurídica se encontra nesta posição utiliza-se o termo senhorio também. Outros termos incluem locador e proprietário. O termo senhoria pode ser utilizado, mas raramente para proprietárias. As duas partes contratantes assumem um compromisso por lei da propriedade imobiliária mediante a assinatura de um contrato de arrendamento. Através deste contrato, a parte contratante que detém o título da propriedade - o senhorio - cede a sua posse e utilização por um período de tempo limitado à outra parte contratante: o inquilino (cf. Romero, 1994). O senhorio ou a senhoria pode não ser o real proprietário ou proprietária, mas mantem de alguma forma o direito de subarrendamento. Um contrato de locação é o que define condições tais como a renda, as penalizações de atraso no pagamento, a duração da locação e o tempo de pré-aviso necessário antes de o proprietário ou inquilino rescindir o contrato.
        Alteridade é a concepção que parte do pressuposto de que todo o ser humano social interage e interdepende do outro. Assim, pode também se dizer que a alteridade tem como representação a capacidade de se colocar no lugar do outro na relação com grupos, como na família, quase sempre no trabalho, nas formas desejáveis de lazer e a relação que temos com os outros, com consideração, identificação e, sobretudo, em como dialogar com o outro. Mas a noção de outro ressalta que a diferença constitui a vida social, à medida que esta se efetiva através das dinâmicas das relações sociais, sendo, que a diferença é, simultaneamente, a base da vida social e fonte permanente de tensão e conflito. Apontamentos podem ser feitos não só durante o processo de conquista e colonização das Américas, mas na história social do contato entre diferentes culturas. Para os indígenas é o símbolo da traição, ou sociologicamente da mestiçagem, quando a humanidade do “outro” só foi concebida quando integrada à cultura.                            
            A descoberta e colonização violenta do chamado Novo Mundo, isto é, o longo caminho percorrido da colonização europeia nas Américas, parece ser o ponto de chegada para a análise teórica que envolve a alteridade. O encontro com o “outro” é marcado pelo medo e pelo fascínio, pela distinção clara entre o que é estranho e o que não é. O contraste cultural, de certa forma, acaba fortalecendo a noção de paradoxo de consequências não intencionais de que “aquilo que sou é diferente daquilo que não sou”, o que, em outras palavras, significa dizer que o mundo estranho é um enorme espelho que reflete o que é familiar ao destacar tudo àquilo que nos é estranho.  A alteridade é uma tarefa ética sobre a condição humana deste outro, partindo do pressuposto que o outro não é um inimigo desumanizado. Mas que deve ser visto como um humano ao mesmo tempo igual e diferente. A experiência de se colocar no lugar do outro implica a conduta e o reconhecimento de perceber o mundo em que o outro se insere, que é fruto de suas experiências e hábitos culturais, sua história e conhecimentos. Num contexto  marcado pela ausência da ética de solidariedade, de uma reflexão sobre nossas ações, hábitos e costumes, a alteridade enquanto proposta torna-se difícil de concretizar-se. Acaba demonstrando uma prática autoritária entre iguais sob a forma de hierarquia.





O Relatório da Deutsche Bank, analisa todos os anos os preços de aluguéis de  imóveis ao redor do mundo para se terem uma noção dos lugares mais caros e mais em conta para se morar de aluguel. O complexo de moradias, reconhecido como “o projeto habitacional mais antigo do mundo”, fica na cidade alemã de Augsburg, na Baviera. O valor do aluguel não subiu ali desde o século XVI, quando era cobrado em florins. O locador ou senhorio é aquele que cede o bem mediante pagamento do locatário ou inquilino para que este o utilize conforme suas finalidades, isto é, para moradia, se for um imóvel residencial. Para o trabalho, se for um imóvel comercial ou industrial; para locomoção, se for um automóvel, etc. É o contrato social pelo qual o locador propõe-se a ceder o uso e o gozo da coisa ao locatário. Mas o presente fundado em 1521 por Jakob Fugger, um comerciante e banqueiro que destinou parte de seu ímpeto filantrópico à criação de um complexo residencial dedicado aos necessitados da cidade não representa in statu nascendi caridade. O presente veio sob a forma de condições registradas por escrito, como uma espécie de contrato social. Para viver em Fuggerei, além de necessitado por motivos econômicos, era preciso ser católico e rezar três vezes por dia.   
O complexo residencial conta com uma igreja e um padre que também vive ali. Mas há outras exigências disciplinares, como por exemplo, as portas são fechadas às 10 horas da noite. Quem volta para casa depois desse horário precisa pagar uma multa entre 50 centavos de euro e um euro, dependendo da hora. Originário de uma família abastada, ele consegue ampliar sua fortuna familiar com operações comerciais e em mineração. Mas seu sucesso também lhe rendeu críticas, inclusive de Martin Lutero. Para aplacar as críticas, o banqueiro criou também um fundo com nome do santo Ulrich, mediante uma doação de 10 mil florins. Isso garantiria recursos suficientes para manter o funcionamento das organizações econômicas e sociais de caridade que criou. Os investimentos da família e os juros que lhes renderam, dai a crítica religiosa de Lutero, asseguraram a sobrevivência de Fuggerei até a atualidade. Não há dúvida de que seu segredo origina-se já na palavra alemã Beruf, e quem sabe, ainda mais na palavra inglesa calling, pois existe uma conotação religiosa – a de uma tarefa ordenada, ou pelo menos sugerida, por Deus – que se torna tanto mais manifesta, quanto maior for a ênfase no caso concreto. Haja vista a trajetória histórica e etnográfica da palavra através dos “idiomas civilizados” (Kultursprachen), nos quais se nota que, para aquilo que chamamos  vocação, nem os povos predominantemente católicos, nem aqueles da Antiguidade Clássica conheceram um termo equivalente, pela sua singularidade, ao passo que existe em todos os povos predominantes protestantes.
Aparece pela primeira vez na tradução de Lutero, da Bíblia, num lugar do Jesus de Sirac (II, 20, 21), usada completamente em conformidade com o nosso sentido coloquial contemporâneo. Da mesma forma que o significado da palavra, o pensamento subjacente é novo, e é um produto da Reforma. É verdade que certa valorização do trabalho cotidiano secular, contida nesta concepção, segundo Max Weber, já se havia manifestado, não apenas na Idade Média, mas também na baixa antiguidade helenística. Esta valorização do cumprimento do dever dentro das profissões seculares, no mais alto grau permitido pela atividade do indivíduo. Foi isso que deu pela primeira vez este sentido ao termo vocação, e que, inevitavelmente teve como consequência “a atribuição de um significado religioso ao trabalho secular cotidiano”. Foi nesse conceito de vocação que se manifestou o dogma central de todos os ramos do protestantismo, descartado pela divisão católica dos preceitos éticos em praecepta e concilia, e segundo a qual a única maneira de viver aceitável para Deus não estava na superação da moralidade secular pela ascese monástica, mas no cumprimento das tarefas sociais impostas ao indivíduo pela sua posição no mundo. Nisso é que está a sua vocação.
         Nisso é que está a singularidade do pensamento. Contudo, a autoridade da Bíblia, da qual Martin Lutero acreditava retirar a autoridade de sua concepção de vocação, favorecia toda uma interpretação tradicionalista. Especialmente o Antigo Testamento, que, embora não fizesse referência alguma à moralidade secular nas profecias originais, e, afora elas só apresentassem alguns rudimentos e indícios dela, expressa um pensamento religioso muito parecido com essa orientação, segundo a qual “cada um deve preocupar-se com seu próprio sustento e deixar os ateus correr sozinhos atrás do lucro”. Este é o sentido de todos os trechos que tratam das ocupações seculares. Na época apostólica do Cristianismo, antes da intensa perseguição aos cristãos chegada  através do Novo Testamento, especialmente com a consagração de São Paulo, as primeiras gerações de cristãos encaravam a vocação secular, seja com indiferença, seja de um modo essencialmente tradicionalista. Como esperavam a vinda do senhor, cada um devia permanecer em seu posto e na atividade secular em que o chamado do Senhor o tivesse achado, e nele continuar trabalhando como antes, não constituindo dessa forma a pobreza um peso para os outros, pois tudo só teria ainda curta duração. 
No dia 31 de outubro de 1517, véspera do Dia de Todos os Santos, o monge agostiniano Martinho Lutero aproveitou a grande procura das pessoas pelas missas comemorativas e divulgou sua proposta de reforma da Igreja Católica. Ele literalmente pregou nas portas da Igreja do Castelo, em Wittenberg suas 95 teses, questionando “as práticas do papado, sua doutrina e a venda de indulgências”. Também reconhecida como Igreja de Todos-os-Santos de Wittenberg (em alemão Schlosskirche) é uma igreja luterana localizada na Alemanha. Ela é reconhecida mundialmente por ter sido o local onde Martinho Lutero afixou as 95 Teses no ano de 1517. Como a igreja ficava na rua principal, suas portas funcionava como “uma espécie de quadro de avisos públicos”. Com esse gesto de debater publicamente com o papa, Lutero deu início a uma “batalha teológica” que posteriormente se tornaria uma guerra religiosa que dividiria países europeus e mudaria para sempre a história. O principal argumento de Lutero era o ensinamento das Escrituras que “o justo viverá pela fé”. Estabeleceu então a doutrina da “justificação pela fé”, ou seja, a justificação do pecador diante de Deus não vem pelo esforço pessoal, mas trata-se de algo recebido por todos que creram na obra de Cristo na cruz. Como o nome indica, a Reforma desejava reformar a Igreja, não dividi-la.
Os argumentos de Lutero atingia o centro do poder: o Vaticano. Entre suas críticas, negava a infalibilidade papal, sua autoridade para tirar almas do purgatório e que o pontífice possuía as chaves do céu. Ipso facto que fosse abandonado o culto aos ídolos (santos). Lutero não apenas leu a Bíblia, como foi intérprete da Bíblia através da perspectiva de sua tendência geral, e esta, no decorrer da sua evolução entre 1518 e mais ou menos 1530, não apenas permaneceu tradicional, como se foi tornando cada vez mais tradicional. Isto é importante na medida em que Lutero não estabelece uma concepção fundamentalmente nova, nem mesmo original no pacífico relacionamento da vocação secular aos princípios religiosos. Todavia, a pureza da doutrina como único critério da infalibilidade da igreja, cada vez mais aceita por ele depois da guerra dos vinte, bastou para por em cheque o desenvolvimento de novos pontos de vista no plano ético. O conceito de vocação permaneceu em sua forma tradicional. A vocação para ele era logo aceito como uma ordem divina, a qual uma devia adaptar-se. Essa tendência domina o outro pensamento, também presente, de que o trabalho vocacional é uma, ou melhor, a tarefa ordenada por Deus. Em seu desenvolvimento posterior, o luteranismo ortodoxo iria levar este princípio mais longe ainda. O único resultado ético era, pois, algo de negativo: a submissão dos deveres seculares aos ascéticos da situação existente.  
É o contrato comutativo, oneroso, bilateral e de execução continuada. Portanto, é sempre bom lembrar que locador é o personagem que figura na condição de senhorio, e locatário é o personagem social que figura na condição de inquilino. O contrato de aluguel pode ser rompido através da denúncia de uma das partes. Luvas é o nome dado ao valor excedente adiantado pago pelo inquilino ao locador (proprietário) ou sublocador, reservadamente, para assinatura de contrato de locação, além do aluguel mensal. É um costume que os proprietários de imóveis comerciais localizados em áreas muito valorizadas adquiriram, frente à grande demanda. A origem da expressão remete ao cristianismo. No séc. XVIII, durante as procissões, o andor com a imagem de Cristo era carregado por fiéis que “deviam trazer luvas nas mãos”. Tais luvas eram fornecidas pela Igreja que cobrava uma pequena importância para cedê-las aos fiéis que desejavam carregar a padiola. A expressão “pagar luvas” estendeu-se às próprias contribuições que os fiéis faziam às paróquias. Mais tarde passou a ter o significado que reconhecemos.
Durante o período de permanência de D. João no Rio de Janeiro, o número de habitantes da capital passou de 50 mil para cerca de 100 mil pessoas. Chegaram europeus das mais diversas nacionalidades. Instalavam-se também inúmeros diplomatas do governo português. A transferência da corte portuguesa para o Brasil foi o episódio da história de Portugal e da história do Brasil em que a família real portuguesa, a sua corte de nobres e mais servos e demais empregados domésticos (tais como valetes) e inclusive uma biblioteca com mais de 60 000 livros, radicaram-se no Brasil, entre 1808 e 1821. Tendo a leva numérica inicial de 15 000 pessoas. Posteriormente, após 1821, muitos destes voltaram a Portugal. A capital do Reino de Portugal foi estabelecida na cidade do Rio de Janeiro, registrando-se o que alguns historiadores denominam de “inversão metropolitana”, ou seja, o novo fato político da colônia que passou a ser exercida a soberania e o governo do império ultramarino português. Pela primeira e única vez na história política de formação do Estado uma colônia passava a sediar uma corte europeia, trocando alhos por bugalhos. O plano de transferência da família real e da corte de nobres para o Brasil, refúgio seguro para a soberania quando a resistência militar a um invasor fosse inútil na metrópole, já havia sido anteriormente cogitado.
Historicamente durante a crise de sucessão de 1580, ante o avanço dos tercios do duque de Alba, D. Antônio I terá sido aconselhado a buscar um refúgio para além-atlântico. No contexto da Restauração da Independência (1640), quando a França abandonou Portugal no Congresso de Münster (1648), o padre Antônio Vieira vislumbrou ideia semelhante a D. João IV, associando-a ao vaticínio da fundação do Quinto Império. Posteriormente, embora sem ameaça militar iminente, o diplomata Luís da Cunha defendeu a ideia de se transferir para o Brasil a sede da poderosa monarquia portuguesa. No início do século XIX, no contexto internacional criado pela ascensão do império de Napoleão Bonaparte, a ideia da retirada da família real para o Brasil voltou à tona no imaginário parlamentar, defendida pelo marquês de Alorna em 30 de maio de 1801 e, novamente, em 16 de agosto de 1803, por D. Rodrigo de Sousa Coutinho.
A ideia ainda vaga na economia política global de uma transferência para o Brasil, ressurgindo como um meio de reforço à segurança nacional, sobretudo em contextos de ameaça iminente à soberania de Portugal, foi apresentado como uma via necessária ao cumprimento de um projeto messiânico, como em Antônio Vieira, ou como um meio político para redefinir as relações de forças no equilíbrio europeu pós-Vestefália, com o marquês de Alorna, Luís da Cunha e o conde de Linhares. Depois das campanhas do Rossilhão e da Catalunha, a Espanha abandonara a aliança com Portugal, fazendo causa comum com o inimigo da véspera – a França imperialista de Napoleão. Resultou daí a invasão de 1801, em que a Grã-Bretanha de nada serviu a Portugal. O plano de Napoleão era o de aprisionar a família real portuguesa, sucedendo ao Príncipe-regente Dom João de Bragança, futuro Rei Dom João VI, e o que veio a suceder a Fernando VII de Espanha e a Carlos IV de Espanha em Baiona – forçar uma abdicação. Teria Portugal um Bonaparte no trono e, paralelamente, a Inglaterra apossar-se-ia das colônias do império ultramarino português, sobretudo a extraordinária colônia do Brasil.
Havia na Corte em 1813, duas livrarias, ambas de franceses, Paul Martin Filho e Jean Robert Bourgeois. Em 1821, nove: a de Manoel Joaquim da Silva Porto, à rua da Quitanda; a de Antônio José Rebelo, no largo do Desterro; a de Jerônimo Gonçalves Guimarães, à rua do Sabão; a de João Batista dos Santos, à rua da Cadeia; a de Francisco Luís Saturnino da Veiga, à rua da Alfândega; a de Cipriano José de Carvalho; a de Francisco Nicolau Mandillo; a da rua Direita, defronte do Arsenal, que vendia folhetos com os discursos pronunciados nas Cortes de Lisboa. Em 1823, proclamada a Independência, surgiram outras: a de José Antônio da Silva, à rua Direita, a de Joaquim Antônio de Oliveira, à rua José Antônio da Silva, à rua Direita, a de Joaquim Antônio de Oliveira, à rua da Quitanda, a da rua dos Latoeiros; a da rua da Ajuda; a de Vera Cruz & Cia, à rua da Quitanda; a da rua das Violas; a da rua Nova do Senado, a da rua dos Arcos. Eram por vezes lojas mistas. A imprensa dava comercialmente sinal de vida, em anúncios, de venda de livros usados prova que o negócio dos livros dava para viver.
            O espírito de conciliação (cf. Rodrigues, 1982; Bello, 1983) data dos primeiros contatos sociais decorrentes da alteridade entre luso-indígenas. Quando os primeiros portugueses invadiram o Brasil calcula-se em um (1) milhão e quinhentos mil o número de indígenas que aqui viviam. E começaram, logo nos primeiros dias, aquele método de dissolução cultural com que pensaram amansá-los. E assim foi durante longo tempo. Uma desafeição geral contra a terra e a indiada dominava a gente portuguesa. Um ódio incontido contra o gentio levava-a a praticar as maiores iniquidades, como as praticava Mem de Sá e Jerônimo de Albuquerque, ao mandarem colocar à boca de bombardas, feitos em pedaços, os índios que mataram cristãos. Foi na base histórica do terrorismo, realizado aqui, na Índia e na África, que se impôs a paz cristã, que se sujeitou todo o gentio à lei do colono. Tirar o medo aos cristãos, senhorear o gentio pela guerra, amedrontá-lo com grandes ameaças, domá-lo e metê-lo no jugo e sujeição, tomar suas terras e roças e reparti-las pelos colonos. Aí está um quadro sumário dos contatos luso-indígenas do primeiro século – afirma Rodrigues (1982), que “ensopou nossa terra de sangue indígena, apesar dos esforços da catequese jesuítica, sempre mais lembrada e louvada” porque representa um teatro de operações da história triunfante e oficial.  
            Se de modo geral, prevalece da parte do povo o espírito de conciliação, que se manifesta na ideia de Francisco Adolfo de Varnhagen (cf. Cezar, 2007), na unidade linguística, na mestiçagem, na tolerância racial e nas acomodações que atenuam os antagonismos sociais, seria falso sustentar que seu comportamento foi conformista. Lutas sociais sem fim e com grande derramamento de sangue demonstram as divisões inconciliáveis entre extratos sociais e políticos dominantes e dominados e os comportamentos inconformistas. A chamada Guerra dos Bárbaros (1688-91) prossegue miseravelmente campanhas de extermínio indígena do primeiro século. Travadas no Rio Grande do Norte, quando os índios resistem à expropriação de suas terras e terminadas com terrível morticínio, condenado pelas autoridades eclesiásticas, elas se efetuam em todo o país. Outro exemplo de lutas sangrentas é a guerra do gentio Paiaguá (1732-1736), ordenada por provisão régia, mais tarde repetida contra todos os índios bravos, especialmente os botocudos, em 1808. As guerras ofensivas no Mato Grosso, em Goiás e Minas Gerais exterminaram os grupos indígenas, e não só, mas por isso também, Capistrano de Abreu descreveu que “os alicerces assentaram sobre sangue, com sangue se foi amassando e ligando o edifício e as pedras de desafazem, separam e arruínam”. 
            As lutas sangrentas pela posse da terra, pela expulsão indígena contínua, de latifundiários e latifundiários destes com os sertanejos fizeram também correr muito sangue. Somente em 1699 que se tentou hic et nunc impor ordem aquele campo de batalha cotidiano. O crime no sertão, onde reinou sempre mais respeito pela propriedade privada propriamente que pela vida, as lutas de famílias oligárquicas mancharam de sangue os alicerces sociais e com sangue se foi formando a consciência política. Nem foram menores a violência, a crueza e o sangue das guerras das facções armadas de latifundiários de contra quilombos negros, mineiros, baianos, cariocas, pernambucanos. O de Palmares suportou 17 expedições punitivas, na última das quais em 1694, foi cercado por 3 mil homens, e custou inumeráveis vítimas e muito sangue; quilombos do Rio de Janeiro, no século XVII, foram também afogados em derramamento de sangue. Revoltas populares de colonos contra excessos fiscais, favores e privilégios sociais foram suprimidas cruelmente, como no Rio de Janeiro, em 1660, quando foi enforcado Jerônimo Barbalho e sua cabeça sangrenta foi exposta no pelourinho; ou como no caso comparativo no extremo, o Maranhão, em 1684, quando Manoel Bequimão e Jorge Sampaio foram decapitados e Francisco Dias Deiró foi supliciado em efigie.
Pedro Américo, A Carioca (1882)
 à D. Pedro II (1884).
Portanto, se as lutas em Minas Gerais, entre paulistas e emboabas (1708-1709), e as atrocidades do Capão da Traição foram menos cruentas do que se costumam supor, a Guerra dos Mascates (1710-1711) custou 150 vidas, 80 feridos e 490 presos; em Vila Rica, nas duas sublevações de 1720, uma e outra cruenta, o Conde Assumar teve mais de dois mil homens para rebater os sublevados e acabou enforcando e esquartejando Felipe dos Santos e queimando as casa dos principais revolucionários; no motim militar de 1728, na Bahia, dos 23 réus, 7 foram condenados á pena de morte, sendo os dois chefes esquartejados e os demais sofreram açoites e degredo por toda a vidas para Benguela e Angola; em 1792, os chefes do movimento da Conjuração Mineira (1792) foram degredados para a África, mas Tiradentes, o líder radical que não negou haver premeditado o levante, foi enforcado: - seu corpo será dividido em quatro partes e pregado em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e o mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma”, e infamado réu, seus filhos e netos, “e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique”.
Em 1798, com a luta na revolução social, em Salvador, dos 32 implicados foram condenados à morte, executados e esquartejados 4 modestos patriotas que sonharam com a liberdade nacional; também o martírio do preto da liberdade Isidoro, nas Minas Gerais, em 1809, as insurreições dos negros Haussás, na Bahia, em 1807, 1809, 1813 e 1816, com vários mortos, suicídios, açoites, degredos e condenações à morte; as lutas indígenas de 1813, no Araguaia, com muitos mortos; finalmente, em 1817, na primeira revolução da independência, em que combateram mais de 5 mil homens e que deu aos brasileiros mais de 2 meses de efetivo exercício do governo, perderam a vida ais de 350 pessoas nos combates, especialmente na batalha de Pindoba, afora os mortos nas ruas, os “suicidados” que foram falecidos nos cárceres, degredados, e os 4 carbonizados na Bahia e 9 enforcados em Pernambuco. Essas explosões de sangue demonstram o inconformismo do povo, o radicalismo da liderança popular e a violência e crueza da repressão pela minoria dominante. A fase colonial não valida a tese da tradição política pacífica, que uma historiografia oficial vem sustentando para abater os impulsos de revolta e para satisfazer as esperanças da minoria dominadora. No fim do período colonial já se podiam ver alguns frutos positivos e alguns resultados negativos. Para começar por estes, a liderança, mesmo a que conciliava, aparando as tensões e os conflitos  mais graves e ameaçadoras, foi sempre privilegiada e ortodoxa. Por isso que o historiador Capistrano de Abreu escreveu que “o povo foi capado e sangrado”.    
Os historiadores brasileiros, afirma Bello (1983), fazem datar historicamente de longe a decadência do princípio monárquico. Para Euclides da Cunha, por exemplo, a conciliação do Marquês do Paraná, prolongada virtualmente até 1860, assinala-lhe o início da descida ou, como diria Joaquim Nabuco, o início da maré da enchente da democracia. Para Oliveira Vianna, a ideia republicana, “como força organizada e não como ideia isolada, vincula-se claramente à reação liberal, iniciada com a queda do gabinete Zacarias em 1868”. Daí surgiria a organização do partido Republicano em 1870. A ostensiva intervenção do Imperador, não somente no sacrifício do gabinete Zacarias, mas na entrega do poder aos conservadores de Itaboraí contra uma Câmara unanimemente liberal, determinaria mudança geral no sistema de crenças e ideias dominantes no mundo político. Começaria a “descrença progressiva nas virtudes do sistema monárquico parlamentar e uma crescente aspiração para um novo regime, uma nova ordem de coisas”. A queda do gabinete Zacarias por motivos imediatos, que não recomendavam a argúcia daquele político, mal influiria na crença ou descrença pública sobre as vantagens do regime parlamentar. A Monarquia estranha à índole brasileira, transplantada em circunstâncias extraordinárias, da Europa, onde representava a estratificação de séculos de história não chegara na América a ser uma superestrutura. A análise do regime extinto em 1889 reduz-se quase ao estudo das figuras que o encarnaram ou definiram, a começar naturalmente pela que se encontrava no pináculo. 
            A ascensão de Pedro II ao trono no Brasil, em 1840, afirmando a continuidade da Monarquia marca o início do longo período de entorpecimento da ideia republicana, depois das agitações da Regência, dos movimentos sociais nativistas e republicanos de Pernambuco em 1817 e em 1824, e da prolongada guerra federalista dos Farrapos, traduz muito mais o cansaço geral das lutas passadas do que crença ou entusiasmo pelo regime político. A inglória revolta dos Praieiros, em 1848, derradeiro fermento do velho espirito de insubordinação dos pernambucanos, assinala também a última escaramuça revolucionária. Pedro II, mal saído da adolescência, liberta-se das tutelas palacianas, para começar o governo pessoal, em que mal se disfarça, muitas vezes, em hábil simulação, a sua jovem vontade fria e tenaz. Com evidente tato, sabe aproveitar-se das aspirações esparsas de apaziguamento político para levar o Marquês de Paraná a promover a famosa conciliação de 1853, em que se anulam, no amalgama oportunista, as antigas ideologias partidárias. Prepara-se para a ação soberana do jovem imperador, através da maquinaria parlamentar é o grande árbitro da vida brasileira, expressão por sua vez, do regime econômico dos latifúndios de escravos que se simboliza.   
É possível distinguir a evolução psicológica de Pedro II em duas fases distintas. Findaria a primeira antes dos cinquenta anos, ao termo da carnificina na guerra do Paraguai. Ele é o árbitro da vida na nação, um tanto insulada do mundo. Disfarça menos a própria autoridade. Liberto do que lhe tutelaram o primeiro ano de reinado sente-se na plenitude de suas forças. O altivo Paraná pode realizar sob “inspiração augusta” a política de conciliação, que eliminaria as fronteiras ideológicas dos partidos, facilitando consequentemente a ação do poder pessoal do soberano. O casamento sem amor dá-lhe uma esposa modelar de virtudes domésticas. O romantismo renova a casada seiva literária, de tão pobre sabor reinol; os primeiros conhecimentos as da filosofia positivista e agnóstica abrem as elites das escolas superiores à nova compreensão dos fenômenos do mundo físico e moral. Agia como dissolvente da ideia monárquica, tão exótica na América republicana e igualitária. O pesadelo da escravidão humilhava as melhores consciências. Vitorioso na perseguição e morte de Solano López, Pedro II conseguiu protelar-lhe o desaparecimento. As suas viagens à Europa e à América são como evasões às coisas aborrecidas que o cercavam. A nação não tolerava sequer a ideia da chefia do Estado em mãos de uma princesa, piedosa e digna, mas casada com um príncipe estrangeiro, profundamente antipático e injustiça ao sentimento púbico.

Tão forte quanto na literatura foi a influência francesa na vida artística do  Brasil. No crepúsculo do reinado, esboçava-se certa reação nacionalista na pintura. Na música, equilibravam-se as influências francesa e italiana, e na arquitetura religiosa e civil, o que havia de melhor era a velha tradição colonial portuguesa. A imprensa perdera a paixão ou a virulência do período regencial. Não reconhecia nesta fase o que se denomina hoje sensacionalismo. O regime de liberdade que alvorecia e que lhes era compactuado estimulara o florescimento dos jornalistas doutrinários na pena de aluguel de Evaristo da Veiga e Justiniano José da Rocha. Num país de escassas atividades intelectuais, por intermédio dos livros e das revistas de cultura, convertera-se a imprensa no instrumento e monopólio de divulgação de ideias. Os homens de letras procuravam abrir os próprios caminhos. – “Antigos panfletários políticos como Sales Torres-Homem, do extremado Libelo do Povo, acabaram por acomodar-se nos conselhos do governo. Em publicações ineditoriais do Jornal do Commércio, nos famosos A pedidos, ecoavam debates políticos como as ásperas polêmicas pessoais, as diatribes de toda espécie, as pequenas calúnias, as pequenas misérias, como o sentimentalismo piegas de uma cidade de hábitos profundamente provincianos. Os grandes jornais gabavam-se de neutralidade política, e os que se enfeudavam diretamente aos dois partidos rotativos só conseguiam êxito quando em oposição. Nos últimos anos do Império, elevara-se o tom da imprensa oposicionista. A ardente campanha abolicionista de José do Patrocínio, como os grandes artigos de Rui Barbosa e Quintino Bocaiúva no Diário de Notícias e no País, eram claros sinais do novo ímpeto combativo” (cf. Bello, 1983: 43).   
Justiniano José da Rocha que redigia na Corte, O Brasil, tinha razão quando situava a nova Folha de Borges da Fonseca como outra ressureição do Repúblico. O movimento de rebeldia estava em ressurreição. O terrível panfletário colocar-se-ia desde logo na esquerda das forças oposicionistas, ipso facto, o centro e a direita da Praia não a poupariam por isso mesmo. Em agosto de 1847, foi levado a julgamento: não negou suas ideias republicanas e confessou-se adversário de D. Pedro I. Foi condenado a oito anos de prisão por ter, em seu jornal, injuriado aa pessoa do Imperador e escrito a favor da desmembração do Império. Em dezembro a Relação de Pernambuco anula a iníqua sentença. Foi no período de julgamento que Borges da Fonseca lançou O Repúblico, que circulou como meio de comunicação entre 13 de agosto de 1847 e 4 de novembro de 1848 e em que se pode acompanhar o processo de sua aproximação com a Praia, iniciado de uma posição de veemente repulsa. A epígrafe de seu novo jornal, de que circularam 120 números era significativa. Com a rebelião, o jornal desapareceu e, a 12 de janeiro de 1849, o chefe de Polícia, Jerônimo Martiniano Figueira de Melo, que figura entre os primeiros bacharéis formados pela Faculdade de Direito de Olinda, em 1832, apreendeu a tipografia e recolheu-a ao Arsenal de Guerra, pois sua atividade “não podia deixar de ser sumamente danosa à causa da ordem e da legalidade”.
O jornal impresso em sua oficina cuja redação foi atribuída sem fundamento, a Jacinto Manuel Severino da cunha, mereceu de Justiniano José da Rocha, segundo Sodré (1999), “nova diatribe”. Para o servidor do regresso, cabia aquela folha “espalhar na classe inferior as suas monstruosas doutrinas”, pondo-as “ao alcance dos que menos tempo têm para ler, menos ainda para refletir, dos que por triste predisposição facilmente se inflamam com incendiárias declarações”. Posição característica da reação, em todos os tempos, como se verifica pela repetição dela, inconformada em que consentisse em ouvir os que lhe contrariavam os interesses, em não ver as “classes inferiores” concordar na tutela dos justinianos e seus mandantes, encarregando-os de ler, por elas, de pensar por elas, mas ao contrário, com “a triste predisposição” para a liberdade. Como escritor tornou-se reconhecido por sua índole panfletária, em que sobressaía o jornalista, patente na obra Ação, Reação, Transação, de 1855. Traduziu O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas (1845) e Os Miseráveis, de Victor-Marie Hugo (1862). Em 1837 Manuel de Araújo Porto Alegre publica a primeira caricatura do Brasil (cf. Lustosa, 2013), retratando as disputas entre personagens políticas das Regências. A litografia demonstra Justiniano José da Rocha contratado por um alto salário para ser o redator do jornal Correio Oficial do período regencial, publicado no Rio de Janeiro entre 2 de janeiro de 1830 a 30 de dezembro de 1840, e que de 1° de julho de 1833 a 30 de junho de 1836 publicou as matérias oficiais da Regência e, na gravura, “aparece de joelhos recebendo um saco de dinheiro do governante”.                 
Este seu papel subserviente ao poder de Justiniano foi paradigmático como símbolo de um setor da imprensa brasileira, como assinala Nelson Werneck Sodré: “Porta-voz conservador, pena alugada, Justiniano é apresentado, pela historiografia oficial, como nosso maior jornalista, sem que, para isso, tivesse tido condições”. O historiador acrescenta ainda que foi ele o personagem típico do jornalismo de seu tempo, ocupando destaque na imprensa palaciana. Foi apadrinhado pelo maranhense e ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Paulino José Soares de Souza, além de visconde de Uruguai que, como ministro, “julgara oportuno possuir o governo um jornal que se lhe prestasse à publicidade como meio de influência e formação de opinião”.  Alguns fatores externos à constituição do gênero folhetim também permitiram seu grande sucesso na Europa oitocentista e no Brasil do século XIX. Dentre os periódicos fundados ou que participou Justiniano José da Rocha, estão O Atalante (1836), O Cronista, fundado por Josino do Nascimento Silva e Firmino Rodrigues da Silva para combater o Regente Feijó, O Brasil jornal oficial do Partido Conservador, o Correio do Brasil, O Constitucional e, por fim, O Regenerador, O Atalante (1836). A imprensa teve importância capital para os que aspiravam cargos eletivos na arena política ou viver das letras no século XIX, dentro e fora do Brasil, uma vez que o jornal atingia um número cada vez maior de leitores, possibilitando formação e o acesso à popularidade.
Como o desenvolvimento das técnicas de impressão a partir de 1830 responde de modo eficaz a uma demanda de leitura em plena expansão, ampliando o incipiente  mercado dos livros e o da imprensa não podiam ignorar essa massificação de leitores. A imprensa tem papel fundamental na formação desses novos leitores europeus. A descoberta da “mina de ouro” para os jornais ocorre nas províncias brasileiras naquela década, criando, como é de se esperar, um público amplo e cativo. Espelhando o paradigma familiar, representado através da troca de lealdade e obediência por proteção e favores constituía a matriz das relações sociais entre clientes e patrões, recriados quase que indefinidamente entre os mais diversos estratos sociais. Em 1836, José Justiniano da Rocha, saúda a novidade da ficção “abençoada invenção periódica”, principalmente no Rio de Janeiro, centro político e irradiador da cultura em nível nacional.  O folhetim surgiu na França no início do século XIX. Foi importado e incorporado para os meios de comunicação no Brasil logo depois, fazendo enorme sucesso na segunda metade do século XIX. Ao tratar de amenidades da vida da classe média, se aproximava do realismo literário. Também realizava um registro ágil do cotidiano típico do jornalismo, mas não com a pretensão de registrar a “verdade”, mas apenas de ser verossímil.   
O jornalista Justiniano José da Rocha nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 8 de novembro de 1812. Filho de uma escrava, em 1823 seguiu para a França em companhia de José Joaquim da Rocha, um dos patriotas exilados por D. Pedro I e que se acredita ter sido seu pai. Educou-se em Paris e, de volta ao Brasil, completou em 1833 o curso de direito em São Paulo e publicou o Compêndio de geografia elementar (1838). Dirigiu O Brasil, órgão do Partido Conservador cuja primeira edição data de 16 de junho de 1840. Foi deputado geral por Minas Gerais em duas legislaturas, nas décadas de 1840 e 1850. Foi um polemista durante o Segundo Reinado, objeto da primeira charge política publicada no país: uma caricatura que demonstrava o jornalista no momento em que recebia dinheiro do Partido Conservador. Publicou anonimamente o panfleto Ação, reação, transação (1855), sobre os fatos políticos da história do Brasil no período entre a Independência e a conciliação, e outros do mesmo tipo. Dirigiu e fundou vários jornais, entre os quais se destaca O Regenerador, publicado a partir de 1860. Justiniano José da Rocha morreu no Rio de Janeiro, em 10 de julho de 1862.
No plano político, caberia a Justiniano José da Rocha a elaboração de uma teoria do movimento batizado por conciliação. A apologética da época e de sua política fundava-se no princípio que o ideólogo tornava axiomático e que dizia inspirar-se no estudo da História. Na luta da autoridade com a liberdade, sucediam-se, segundo ele, períodos de ação, de reação e, por fim, de transação. Neste último, o progresso do espírito humano realiza-se, e se firma a conquista da civilização. O justo equilíbrio seria a conciliação dos contrários, do radicalismo, atuante e dinâmico, com a reação que procurava deter-lhe a marcha, firmando o princípio da autoridade. A fase da transação era a que exigia mais prudência, “mais tino, mais devoção nos estadistas a quem é confiada a força governamental e a alta direção dos negócios públicos; pois se a não sabem ou não querem reconhecer, se não querem ou não sabem facilitar, se ainda mais a contrariam, provocam calamidade a que depois não há sabedoria que possa acudir”.
Os artigos de jornais, formando um processo de trabalho e de comunicação, incluem, além da vinculação com os proprietários da empresa, o público consumidor, a circulação e cooperação, os quais são expressivos para o estudo de cooptação das teorias e explicações históricas, que ajustadas ao imediatismo da publicação, assumem indisfarçável caráter ideológico. Ipso facto, os panfletos são muitas vezes fontes de maior interesse. Sua produção envolve perguntas cujas respostas encaminham sua decodificação. Sendo um pronunciamento, deseja atingir a quem, defender o que ser atacado por que supôs. O panfleto Ação; Reação; Transação, de Justiniano José da Rocha, publicado em 1855, é um ensaio político. O aspecto ideológico do texto se delineia quando fundamenta a periodização que embora ele tenha balizado sua história entre 1822 e 1856, é impelido a retroceder ao fundamentar-se no período colonial e, em prospecção futura a um processo de novas ações e reações, caso a transação não cumpra seus objetivos de pacificação. A regra é clara. O primeiro e o segundo períodos, isto é, de 1822 a 1836, referem-se à luta da democracia com o princípio monárquico.
Assim a produção social através da cooperação de indivíduos no mesmo processo de trabalho e de produção, executa diversas operações simultaneamente, ou economiza os meios de produção por meio de seu uso coletivo, ou confere a passagem do processo de trabalho individual ao leitmotiv, o caráter de trabalho social médio, quando a força produtiva específica da jornada de trabalho combinada é força produtiva social do trabalho ou, com a divisão sociológica do trabalho, a composição técnica enquanto força produtiva do trabalho social. Ipso facto, ela deriva da própria cooperação. Ao cooperar com outros modos de planejamento, o trabalhador supera suas limitações individuais e desenvolve sua capacidade genérica. Se os trabalhadores não podem cooperar diretamente uns com os outros sem estar juntos, de modo que sua aglomeração num determinado local de trabalho é condição de sua cooperação, os trabalhadores assalariados não podem cooperar sem que o mesmo capital, o mesmo capitalista os empregue simultaneamente, comprando ao mesmo tempo, portanto, suas forças de trabalho. O valor total dessa combinação, ou a soma dos salários dos trabalhadores por um dia, uma semana, tem de estar reunido no bolso do capitalista antes da própria força de trabalho ser reunida no processo de produção.
   
Com o triunfo da democracia, a ação é o tema político central reduzindo-se a parte inicial à justificativa da segunda. O mesmo se dá em relação ao terceiro e quarto períodos. A reação e o triunfo monárquico redundam na mesma temática, demonstrando que a divisão é mais um recurso didático de forma do que fruto de uma exigência teórica. O último período, também não se caracteriza como “último”, pois entrevê a continuação do processo. Tanto a ação quanto a reação são concebidas comportando fases de luta e de triunfo. A ação (1822 a 1836) inicia-se com o antagonismo entre “as camadas superiores da inteligência” e o absolutismo. Na Constituinte as contradições acirraram-se. O poder reagiu, dissolveu a Assembleia e organizou a repressão. Entretanto, ofereceu uma Constituição em que aparentemente assegurava todas as liberdades, realizando uma obra idealizada do admirável fruto dos publicistas mais adiantados na formação da escola liberal. O ódio aos portugueses torna-se o principal motor do desenvolvimento democrático que foi aparecendo em toda a população e, que poderia ter sido tão fatal ser a Providência, não houvesse querido salvar-nos. Na conjuntura final do primeiro reinado, a conspiração democrática chegou ao auge.  A reação (1836-1852) originou-se da extinção dos meios legítimos de atuação do poder que por sua vez havia gerado revoltas, descontentamentos e anarquia. As revoltas sucederam-se, ascendendo nos espíritos o desejo de encurtar a minoridade do príncipe.
Em uma providencial inversão de papéis, a oposição democrática empalma a maioridade, e o governo não conseguiu se lhe opor porque na verdade, “a maioridade era o remate de sua obra”. Os ministérios que se sucederam de 1840 a 1851, contribuíram para obra da reação conservadora, melhor dizendo o fortalecimento do poder moderador. Curiosamente, o poder moderador, repugnante aos princípios parlamentares, foi reforçado inclusive por ministérios liberais, embora no poder, achavam-se tolhidos pela tendência que encontravam a sociedade os obrigava a recuar. A facção extremada dos liberais acreditou poder pelas armas, defender algumas das conquistas democráticas. Temendo a velha ideia grega de que anarquia leva ao caos e a incapacidade de governabilidade, a reação monárquica recrudesceu e encetou a reforma do código de processo na determinação de revogar as instituições democráticas. Dessa nova organização “nasceu um monstro horrível, que ameaça toa a segurança individual que aniquila toda a liberdade, monstro que, segundo Janotti (1982), em mil vítimas que cotidianamente, persegue, não se farta, não sacia os seus instintos: a prisão arbitrária.
Não será a primeira vez que o sentido e o significado do habeas corpus serão reduzidos em sua eficácia simbólica, de forma quase absoluta. A força política das assembleias provinciais despareceu. O Exército e a Marinha reorganizaram-se. A Guarda Nacional transformou-se em instrumento de poder. O país não poder estar permanentemente ao sabor dos acontecimentos da ação e da reação, deve descobrir na sabedoria política os meios de combinar os dois elementos constitucionais, “ordem como condição de liberdade” e “liberdade como condição de ordem”. Impõem-se a transação.  Ao escrever a reação, na teoria, Justiniano José da Rocha, revela algumas inconsistências de seu discurso ideológico. Mas como a reação surge necessariamente ao término da obra democrática e se lhe opõe em todos os atos, aprioristicamente pode-se prever o seu desenrolar. Assim o autor descaracteriza fatos históricos atribuindo-lhes inexorabilidade. Como poderia o princípio monárquico conciliar-se com a democracia, que no período de interpretação da ação fora identificada com a República?   
No tema da transação, a vontade interfere no processo histórico, juntamente com o patriotismo, os grupos de poder decidirão os destinos da sociedade. A ideia central é a mais abrangente do discurso. Comumente apontar-se-ia a transação como ideia dirigente do texto, pois nela se realiza o equilíbrio entre a democracia e a autoridade, mas, na busca do sentido mais amplo e explicativo das três fases, encontra-se o sentido moralista: a luta entre o bem e o mal. O mal no tema da ação representa a anarquia, e a reação representa o absolutismo. O bem é a transação que evita os excessos da ação e da reação.  Foi nesse universo político, que se estende apenas até 1855, para Janotti (1982), que Justiniano José da Rocha se movimenta e define a sua opinião sobre a arena política. Ativo jornalista, em 1840 posicionara-se contra a maioridade, por ser ela anticonstitucional. Mas conservador convicto, a partir de 1841 defende os ministérios do partido conservador, sendo subvencionado diretamente pelo poder. Em 1852 e 1853 sustentou no Correio do Brasil polêmica com Sales Torres Homem, sobre a inconveniência da conciliação. Experiente foi deputado por Minas Gerais nas legislaturas de 1842-1843, de 1850-1852 e na de 1853-1856. De início havia sido contra a conciliação preconizada pelos liberais, mas aderiu ao projeto do visconde de Paraná, para no mesmo ano em que saiu a publicação Ação, Reação; Transação rompeu com o ministério. Esse rompimento em maio de 1855 fundamentava-se em sua discordância em relação á política externa, na questão platina, pois o gabinete agira sem consultar a câmara, à sombra de poderes que Carneiro Leão enfeixara em suas mãos. Não era mais um político conciliador em suas ações. Ao desprezar a pena de aluguel não foi mais reeleito. 
Bibliografia geral consultada.

SCHWARZ, Roberto, Ao Vencedor as Batatas. Forma Literária e Processo Social nos Inícios do Romance Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975; RODRIGUES, José Honório, Conciliação e Reforma no Brasil: um desafio histórico-cultural. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1982; JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco, “A Falsa Dialética: Justiniano José da Rocha”. In: Revista Brasileira de História, 2 (3), 1982, pp. 3-17; BELLO, José Maria, História da República – 1889-1954. Síntese de Sessenta e Cinco Anos de Vida Brasileira. 8ª edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983; ROMERO, Emílio, O Inquilino do Imaginário: Formas de Alienação e Psicopatologia. São Paulo: Lemos Editorial, 1994; TORRES, Valéria Aparecida Rocha, Justiniano Jose da Rocha e a Memoria do Período Regencial. Dissertação de Mestrado. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1998; CEZAR, Temístocles, “Varnhagen em Movimento: Breve Antologia de uma Existência”. In: Topoi, vol. 8, n° 15, jul.-dez., 2007, pp. 159-207; MARTINS, Eduardo, A Invenção da Vadiagem: Os Termos de Bem Viver e a Sociedade Disciplinar no Império do Brasil. 1ª edição. Curitiba: Editora CRV, 2011; LUSTOSA, Isabel, “La Caricature Brésilienne: Aspects Notables de son Histoire”. In: Ridiculosa, vol. 1, pp. 321-343, 2013; MOLINA, Matías Martínez, História dos Jornais no Brasil – da era colonial a regência (1500-1840). São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2015; CALDEIRA, Claudia Adriana Alves, Justiniano José da Rocha: Bastidores da Imprensa Política. Tese Doutorado em História Política. Programa de Pós-Graduação em História. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2016; GODOI, Rodrigo Camargo de, Um Editor no Império: Francisco de Paula Brito (1809-1861). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016; BARNABÉ, Luis Ernesto, A História Antiga em Compêndios Franceses e Brasileiros no Imperial Colégio de Pedro II ou o Caso Justiniano José da Rocha: História, Disciplina Escolar e Impresso (1820-1865). Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras. Assis: Universidade Estadual Paulista, 2019; FIORIN, Rangel Perrucci, A Transação Tributária como Instrumento de Autocomposição e Eliminação da Litigiosidade. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito. Faculdade de Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2020; entre outros.

Um comentário:

  1. Justiniano era avô materno de José da Rocha Mendes (natural de Barbacena, MG). Por sua vez, José era avô de minha mãe Leda Mendes (de Entre Rios de Minas). Assim herdei o sobrenome Mendes, do meu bisavô José da Rocha Mendes. Segundo biografia de Justiniano, de Elmano Cardim, dá Justiniano como filho legítimo de José Caetano da Rocha e de Maria Luiza Muzzi, carioca descendente de italianos.

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