sexta-feira, 5 de junho de 2020

David Hume - Conceito, Imaginação & Tratado da Natureza Humana.


                             A razão é, e deve ser apenas a escrava das paixões”. David Hume

                        
        No verão de 1731, novamente autoconfiante, Hume começou a cultivar um novo projeto intelectual, em que pretendia tomar a natureza humana como escopo de estudo, abordando-a de maneira original em relação aos antigos, por favorecer acima de tudo a investigação através da experiência. Pretendia, assim, oferecer perspectivas independentes das teses moralistas e religiosas prevalentes. Passou os três anos seguintes desenvolvendo seu projeto de uma nova ciência da natureza humana, durante os quais falhou e recomeçou diversas vezes. Em 1734, durante a primavera, Hume relatou à um médico de Londres que ainda sentia os efeitos perversos de seu colapso nervoso, e solicitou auxílio diante da sua dificuldade de se concentrar e organizar seus pensamentos. Decidiu então dar uma pausa em seu trabalho intelectual e dedicar-se à outras atividades. Arrumou um trabalho com um comerciante de açúcar em Bristol. Não obstante, alguns meses depois Hume já declarava que descobriu ser totalmente incompatível com aquele ambiente. Logo viajou para a França, buscando continuar seus estudos. Lá escreveria o primeiro “núcleo” de sua obra Tratado da Natureza Humana.
           Em 1737, Hume retorna à Inglaterra e trabalha diligentemente para publicar o seu livro. Em 1739, consegue publicar os dois primeiros volumes de seu Tratado, e em 1740 é publicado o terceiro e último volume. Apesar de ser posteriormente considerado a sua principal obra e um dos livros mais importantes da história da filosofia, o Tratado não causou impressão sem eu empo de publicação. Hume tinha esperado um ataque às ideias apresentadas no livro e preparava uma defesa apaixonada. Para sua surpresa, a publicação do livro passou quase despercebida; e, recordando a indiferença do público, Hume escreveu como é de domínio que “nenhuma tentativa literária foi mais desafortunada que meu Tratado da Natureza Humana”, na verdade, “saiu da gráfica natimorto, sem alcançar sequer a distinção de estimular os murmúrios dos fanáticos”. Diante da reclamação de que o livro era “abstrato e ininteligível”, Hume recorreu ao artifício, ainda em 1740, de publicar uma sinopse anônima, na qual apresentava de forma mais clara e direta algumas das ideias fundamentais do Tratado. No entanto, embora já permitisse antever os elegantes argumentos da Investigação sobre o Entendimento Humano, a sinopse de pouco serviu para mudar a consideração geral em relação ao seu Tratado.
        Em 1742, é publicada em Edimburgo a primeira parte de seus Ensaios, que mereceram considerável atenção do público e, segundo o próprio Hume, fizeram-no esquecer a decepção provocada pelo Tratado. Em 1744, concorre à cátedra de Filosofia Pneumática e Moral da Universidade de Edimburgo, mas sua candidatura “enfrenta forte oposição devido à sua fama de ateísta e acaba por ser rejeitada”. Depois dessa conturbada candidatura a um posto acadêmico e de uma experiência infeliz como tutor de um jovem inglês, de linhagem nobre e mente desajustada, Hume é convidado pelo general James St. Clair a ser seu secretário numa expedição militar. Inicialmente a expedição tinha como alvo o Canadá, mas terminou por realizar uma incursão à costa da França. Hume também acompanhou o general St. Clair em missões diplomáticas a Viena e Turim. Tendo retornado da Itália, Hume muda-se para a propriedade rural de sua família em 1749, e aí permanece por dois anos. Em 1751, vai morar na cidade, “o verdadeiro cenário de um homem de letras”, e faz uma nova tentativa de obter um cargo acadêmico: a cátedra de Lógica da Universidade de Glasgow. Mas sua candidatura é rejeitada.
           Convencido de que o problema do Tratado era mais uma questão de forma que de conteúdo, ele resumiu o Livro I do Tratado (“Sobre o Entendimento”), dando-lhe um estilo mais ágil e acessível. Desse trabalho surgiu a Investigação sobre o entendimento Humano, que, embora tenha encontrado receptividade maior que a do livro que lhe deu origem, esteve longe de ser um sucesso de vendas. A mesma recepção fria teve uma nova edição dos Ensaios. A falta de reconhecimento, porém, não prejudicou o seu trabalho literário. Hume escreveu a segunda parte de seus Ensaios e, tal como havia feito anteriormente, reescreveu aquelas partes do Tratado relacionadas a questões morais. Esses novos textos sobre moral vieram a público com o título de Investigação sobre os Princípios da Moral – livro que na opinião do próprio Hume era, de todos os seus escritos, “históricos, filosóficos ou literários, incomparavelmente o melhor”. Em 1752, Hume é convidado a dirigir a biblioteca da Faculdade dos Advogados de Edimburgo. Embora fosse escassamente remunerada, a função colocava à disposição as fontes bibliográficas para um novo projeto: a elaboração da História da Inglaterra. 

Essa obra historiográfica de importância monumental foi publicada em seis volumes, nos anos de 1754, 1756, 1759 e 1762. Esse esforço de uma década foi recompensado. Os volumes da História da Inglaterra valeram ao seu autor a tão almejada celebridade literária e, além disso, proporcionaram-lhe bons retornos pecuniários. Mas Hume não ficou livre dos ataques de seus adversários. Em 1754, ele foi acusado de encomendar “livros indecentes” para a biblioteca, e houve uma movimentação para destituí-lo do cargo. Diante das pressões, os membros do conselho diretor cancelaram as encomendas dos livros “considerados ofensivos” – decisão que Hume tomou como uma ofensa pessoal. Como precisava do acervo da biblioteca para prosseguir suas pesquisas para a História da Inglaterra, adiou seu pedido de demissão, mas reverteu os pagamentos de seu salário em benefício de Thomas Blacklock – poeta cego que decidira ajudar. Antes de pedir sua demissão em 1757, ainda foi alvo de um processo mal sucedido de excomunhão em 1756. Foi também durante o período em que exerceu a função de bibliotecário que escreveu duas grandes obras sobre religião: História Natural da Religião e os Diálogos sobre Religião Natural. A primeira veio a público em 1757 como parte das Quatro Dissertações. O projeto original previa cinco dissertações: além da História Natural da Religião, o livro também incluiria os ensaios “Sobre as Paixões”, “Sobre a Tragédia”, “Sobre o Suicídio” e “Sobre a Imortalidade da Alma”. Esses dois últimos ensaios foram as investidas frontais contra os dogmas religiosos, pois criticavam a condenação ao suicídio e a crença na vida após a morte. 

Antes que fossem publicados, pelo Editor de Hume, Andrew Millar (1705-1768), um britânico do século XVIII. Em 1725, como aprendiz de livreiro aos 20 anos, ele evitou as “restrições de impressão” da cidade de Edimburgo indo para Leith para imprimir, o que foi considerado fora da jurisdição de Edimburgo. Millar logo assumiria a gráfica de Londres de seu mestre aprendiz. Ele estava ativamente envolvido em protestos contra as autoridades em Edimburgo. Em torno de 1729, Millar iniciou seus negócios como Livreiro e Editor em Strand, Londres. Seu próprio julgamento em assuntos literários era pequeno, mas ele reuniu uma excelente equipe de consultores literários e não hesitou em pagar o que na época era considerado alto preço por bom material. “Respeito Millar, senhor”, disse o Dr. Johnson em 1755, “ele aumentou o preço da literatura”. Ele pagou a Thomson £ 105 por The Seasons e Fielding uma quantia total de £ 700 por Tom Jones e £ 1.000 por Amelia. Millar fazia parte do Sindicato de Livreiros que financiou o Johnson`s Dictionary em 1755, e sobre ele recaiu principalmente o trabalho de ver esse livro na imprensa. Durante o mesmo ano, Millar publicou a primeira edição do Mitchell Map. Ele também publicou as histórias de Robertson e Hume. Millar foi o queixoso no caso de 1769, Millar versus Taylor, que sustentou que “autores e editores têm direito a direitos autorais perpétuos de direito comum. Essa decisão acabou sendo anulada no caso histórico de 1774 Donaldson versus Beckett, cujo autor malsucedido era o aprendiz de Millar, Thomas Becket (ou Beckett). Millar morreu em sua vila em Kew Green, perto de Londres, em 8 de junho de 1768. 

Por isso, recebeu ameaças de ser judicialmente processado caso os textos fossem distribuídos publicamente. Diante disso, fez alterações na História e substituiu os dois últimos textos pelo ensaio “Sobre o Padrão de Gosto”. Os Diálogos, por sua vez, só foram publicados em 1779, três anos após a morte de Hume. Hume nunca se casou. Suas opiniões políticas eram tipicamente progressistas, e era, assim como seu amigo Adam Smith, um fervoroso defensor do livre-comércio. De maneira geral, a vida de Hume é condizente com as palavras que escreveu sobre si mesmo: um homem de disposição branda, de têmpera equilibrada, de humor franco, sociável e alegre, capaz de manter laços de afeição e pouco propenso a inimizades, e de grande moderação em todas as minhas paixões. Numa carta em que fala sobre o passamento de Hume, Adam Smith conclui sua exposição com as seguintes palavras: No todo, sempre o considerei, tanto durante a sua vida como desde a sua morte, como alguém que se aproximava tanto da ideia de um homem sábio e virtuoso permite a frágil natureza humanaQuando as ideias representam adequadamente seus objetos, todas as relações, contradições e concordâncias entre elas são aplicáveis a estes. Tal é como podemos observar em geral, o fundamento de todo o conhecimento humano. O termo unidade é apenas uma denominação fictícia, que a mente pode aplicar a qualquer quantidade de objetos por ela reunidos. Sendo na verdade um verdadeiro número, tal unidade não pode existir sozinha, já que um número não o pode. A unidade que pode existir sozinha, e cuja existência é necessária à existência de todos os números, é uma unidade de outro tipo; ela deve ser perfeitamente indivisível e incapaz de ser resolvida em qualquer unidade menor. Todo esse raciocínio também se aplica ao tempo, juntamente com um argumento adicional, que valeria a pena considerar. Uma propriedade inseparável do tempo, e que constitui, e que constitui de certa maneira sua essência, é que suas partes são todas sucessivas, nenhuma delas podendo coexistir com outra, ainda que sejam contíguas. A mesma razão pela qual os anos de 1737 não podem coincidir com o presente ano de 1738 faz que todo momento deva ser distinto, deva ser posterior ou anterior a ele. Portanto, é certo que o tempo, tal como existe, deve ser composto de momentos indivisíveis. Pois se, no caso do tempo, nunca pudéssemos chegar ao fim da divisão. E, se cada momento, ao suceder o outro, não fosse perfeitamente singular e indivisível, haveria  um número infinito de momentos ou partes coexistentes do tempo.

A divisibilidade infinita do espaço implica a do tempo, como fica evidente pela natureza do movimento. Mas podemos aqui observar, afirma David Hume (2009), que nada pode ser mais absurdo que esse costume de atribuir uma dificuldade aquilo que pretende ser uma demonstração. As demonstrações não são como as probabilidades, em que podem ocorrer dificuldades, e um argumento pode contrabalançar outro, diminuindo sua autoridade. Uma demonstração ou é irresistível, ou não tem força alguma. Portanto, falar em objeções e respostas, em contraposição de argumentos numa questão como essa, é o mesmo que confessar que a razão humana é um simples jogo de palavras, ou que a pessoa que assim se exprime não está à altura desses assuntos. Há demonstrações difíceis de compreender, por causa do caráter abstrato de seu tema; nenhuma demonstração, porém, uma vez compreendida, pode conter dificuldades que enfraqueçam sua autoridade. É uma máxima estabelecida da metafísica que tudo que a mente concebe claramente inclui a ideia da existência possível, ou, em outras palavras, que anda que imaginamos é absolutamente impossível. Não poderia haver descoberta mais feliz para a solução de todas as controvérsias em torno das ideias que as impressões sempre precedem as ideias, e que toda ideia contida na imaginação apareceu primeiro em uma impressão correspondente. As percepções deste último tipo são todas tão claras e evidentes que não admitem discussão, ao passo que muitas de nossas ideias são tão obscuras que é quase impossível, mesmo para a mente que as forma, dizer qual é exatamente sua natureza e composição. Façamos uma aplicação desse princípio, a fim de descobrir algo mais sobre a natureza de nossas ideias de espaço e tempo.  



Abrolhos é um arquipélago costeiro localizado no Oceano Atlântico, aproximadamente de 65 km do litoral sul do estado nordestino da Bahia. É constituído por cinco ilhas, estando a trinta e seis milhas náuticas da costa de Caravelas. As cinco ilhas do arquipélago são: Ilha de Santa Bárbara sob o controle da Marinha do Brasil, onde está localizado o farol e também os trabalhadores na única ilha habitada, Ilha Siriba, Ilha Redonda, Ilha Sueste e Ilha Guarita. Três delas são áreas intangíveis chamadas: Redonda, Guarita e Sueste, onde o desembarque nestas ilhas é proibido. Somente as Ilhas Siriba e Santa Bárbara são abertas à visitação e de forma totalmente programada, monitorada e supervisionada pela Marinha do Brasil. A origem do seu nome vem da língua portuguesa, tendo primeiramente sido registrado em diversos mapas como um aviso aos navegadores por frequentes acidentes e naufrágios causados pela formação de corais e que dificultavam a navegação: Abre Olhos. A cidade mais próxima da unidade é Caravelas, que fica a uma distância de 836 quilômetros da capital do estado, a grandiosa cidade de Salvador. É neste sentido que Hume afirma: - “Ao abrir meus olhos e dirigir o olhar para os objetos à minha volta, percebo vários corpos visíveis; quando novamente o fecho, e considero a distância entre esse corpo, adquiro a ideia de extensão. Como toda ideia é derivada de uma impressão que lhe é exatamente similar, as impressões a essa ideia de extensão devem ser ou bem sensações derivadas da visão, ou bem impressões internas oriundas dessas sensações” (cf. Hume, 2009).
Entre o liberalismo de David Hume e o dos Fisiocratas, encontra-se a distância que separa a invenção da conformidade. Hume de um lado, os Fisiocratas de outro. Fisiocratas que viam a produção de bens e serviços como consumo do excedente agrícola, uma vez que a principal fonte de energia era o músculo humano ou animal e toda a energia era derivada a partir do excedente de produção agrícola. A unidade própria do nascente liberalismo econômico se tornaria problemática. Apesar da relativa uniformidade das reivindicações, parece que o fosso se escava entre, de um lado, uma metafísica da ordem que impõe respeito a uma norma natural, limitadora por essência e instruída pela providência regida, em última instância, pela cumplicidade secreta entre finalismo e mecanicismo, e, de outro, a marcha hesitante de uma espontaneidade cega em seu princípio, e anônima em seus efeitos sociais, que exige que a norma, em sua variedade e contingência, seja construída, inventada, em função das circunstâncias. Assim comparativamente a política econômica nacional é constituída sobre o modelo da gestão privada, sendo que a representação da economia do universo é, do mesmo modo, construída a partir do modelo tecnológico da ação humana sobre a apropriação da natureza.     
O arquiteto divino aparece também como uma derivação conceitual do artesão. Em todo lugar em que surge uma vontade capaz de dar forma ao projeto que ela mesma concebeu, o arranjo mecânico dos elementos, sustentado pelo decreto inicial, compõe uma totalidade externa cuja finalidade escapa por natureza aos componentes para se transportar inteira para a mente do organizador. O lucro do negociante sugere o lucro da nação. A balança é sua imagem obrigatória. O produto artesanal sugere o produto divino: o relógio, divisor do tempo, a máquina se torna sua representação privilegiada. Equilíbrio, ajuste e adaptação dos meios aos fins se unem no trabalho de montagem que supõe ao mesmo tempo um projeto humano, um plano, um construtor, condicionando uma escolha entre as diferentes séries de objetos manufaturados. Sem dúvida, é por ter apreendido nessas falências a lógica da argumentação, que Hume sugere nos Diálogos, a fábula de uma repartição de tarefas. Seus personagens debatem uma série de ideias e argumentos cujos proponentes acreditam que através do qual poderemos vir a conhecer a natureza de Deus. Os artesãos divinos contra os que persistem em considerar a questão da divisão do trabalho como conveniência comandada pela providência, mais do que a solução do problema vital colocado como sobrevivência para a espécie. 
        Reconhecido pelo padrão de que não há ideias inatas na vida e que todo o conhecimento vem da experiência rigorosamente ao nexo de causalidade e necessidade, David Hume em vez de tomar a noção de causalidade, como concedido, desafia-nos a considerar o que a experiência nos permite saber sobre a relação estabelecida entre causa e efeito, pois nada é mais usual e natural, para aqueles que pretendem oferecer ao mundo novas descobertas filosóficas e científicas que insinuar elogios ao seu próprio sistema. O homem de discernimento e de saber percebe facilmente a fragilidade do fundamento, até mesmo daqueles sistemas bem aceitos e com maiores pretensões de conter raciocínios precisos e profundos. Isto é, alguns princípios acolhidos da confiança; consequências deles deduzidas de maneira defeituosa; falta de coerência entre as partes, e de evidência no todo – tudo isso se pode encontrar nos sistemas dos mais eminentes filósofos, e parece cobrir de opróbrio a própria filosofia, pois mesmo “a plebe lá fora é capaz de julgar, pelo barulho e vozerio que ouve, que nem tudo vai bem aqui dentro”.      
            Neste âmbito tampouco é necessário um conhecimento muito profundo para se descobrir a distância e imperfeição e que de fato, não há nada que não seja objeto de discussão e sobre o qual os estudiosos não manifestam opiniões contrárias. Se por um lado multiplicam-se as disputas, como se tudo fora incerto; e essas disputas são conduzidas da maneira mais acalorada, como se tudo fora certo. É daí que surge na opinião de Hume, o preconceito comum contra todo tipo de raciocínio metafísico. Mesmo por parte daqueles que são doutos e que costumam avaliar de maneira justa todos os outros gêneros da literatura. E realmente nada, a não ser o mais determinado ceticismo, juntamente como um elevado grau de indolência, pode justificar tal aversão à metafísica. Pois se a verdade está ao alcance da capacidade humana, é certo que ela deva esconder em algum lugar muito profundo e abstruso. Não por acaso, devemos reunir nossos experimentos mediante a observação cuidadosa da vida. Tomando-os tais aspectos como aparecem no curso habitual do mundo, no comportamento dos homens em suas ocupações e prazeres. E criteriosamente reunidos e comparados, podemos estabelecer, com base neles, uma ciência, que não será inferior em certeza, mas superior em utilidade, a qualquer outra que esteja ao alcance da compreensão humana.
            Assim Hume sustenta que nossas ideias são imagens de nossas impressões, assim também podemos formar ideias secundárias, que são imagens das primárias. Não se trata de uma exceção à regra, mas de uma explicação. As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias; mas como supomos que as primeiras são derivadas de impressões, continua sendo verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente, de suas impressões correspondentes. Esse é o primeiro princípio que Hume estabelece na ciência da natureza humana. Pois cabe notar que a presente questão, a respeito da anterioridade de nossas impressões ou ideias, é a mesma que produziu tanto barulho sob outra formulação, quando se discutiu se haveria ideias inatas, ou se todas as ideias derivam da sensação e da reflexão. A fim de provar que as ideias de extensão e de cor não são inatas, os filósofos nada mais fazem que mostrar que elas são transmitidas por nossos sentidos. Para provar que as ideias de paixão e desejo são inatas, eles observam que experimentamos previamente em nós mesmos essas emoções. A faculdade pela qual repetimos nossas impressões da primeira maneira se chama memória, e a outra, imaginação. Mas se examinarmos cuidadosamente esses argumentos, veremos que eles nada provam, senão que as ideias são precedidas por outras percepções mais vívidas, das quais derivam e as quais elas representam.
            Melhor dizendo, que as ideias da memória são muito mais vivas e fortes que as da imaginação, e que a primeira faculdade pinta seus objetos em cores mais distintas que todas as que possam ser usadas pela última. Ao nos lembrarmos de um acontecimento passado, sua ideia invade nossa mente com força, ao passo que, na imaginação, a percepção é fraca e lânguida, e apenas com muita dificuldade pode ser conservada firme e uniforme pela mente durante todo o período considerável de tempo. Temos aqui uma diferença sensível entre as duas espécies de ideias. Mas há uma outra diferença, não menos evidente, entre esses dois tipos de ideias. Embora nem as ideias da memória nem as da imaginação, nem as ideias vívidas nem as fracas possam surgir na mente antes que impressões correspondentes tenham vindo abrir-lhes o caminho, a imaginação não se restringe à mesma ordem na forma das impressões originais, ao passo que a memória está de certa maneira amarrada quanto a esse aspecto, sem nenhum poder de variação. É evidente que a memória preserva a forma original sob a qual seus objetos se apresentaram. A principal função da memória não é preservar as ideias simples, mas sua ordem e posição. Esse princípio se apoia em aspectos comuns e vulgares do dia a dia que podemos nos poupar o trabalho de continuar insistindo nele.  
            Como a imaginação pode separar todas as ideias simples, e uni-las novamente da forma que bem lhe aprouver, nada seria mais inexplicável que as operações dessa faculdade, se ela não fosse guiada por alguns princípios universais, que a tornam, em certa medida, uniforme em todos os momentos e lugares. Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as ajuntaria; e seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela qual, entre outras coisas, as línguas se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma forma  aponta a cada um de nós as ideias  simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira, de uma ideia a outra, são três, a saber: semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causa e efeito.
            Dois objetos podem ser considerados como estando inseridos nessa relação, seja quando um deles é a causa de qualquer ação ou movimento do outro, seja quando o primeiro é a causa da existência do segundo. Pois como essa ação ou movimento não é senão o próprio objeto, considerado sob um certo ângulo, e como o objeto continua o mesmo em todas as suas diferentes situações, é fácil imaginar de que forma tal influência dos objetos uns sobre os outros pode conectá-los na imaginação. Podemos prosseguir com esse raciocínio, observando que dois objetos estão conectados pela relação causa e efeito não apenas quando produz um movimento ou uma ação qualquer no outro, no outro mas também quando tem o poder de os produzir. Notemos que essa é a fonte de todas as relações de interesse e dever através dos quais os homens se influenciam mutuamente na sociedade que se ligam pelos laços de governo e subordinação. Um senhor é aquele que, por sua situação, decorrente quer da força quer de um acordo, tem o poder de dirigir, sob alguns aspectos particulares, as ações de outro homem. Um juiz é aquele que, em todos os casos litigiosos entre membros da sociedade, é capaz de decidir, com sua opinião a quem cabe a posse ou a propriedade de determinado objeto. Quando uma pessoa possui certo poder, nada mais é necessário para convertê-lo em ação que o exercício da vontade; e isso, em todos os casos, é considerável possível, e em muitos, provável – especialmente no caso da autoridade, em qua a obediência do súdito é um prazer e uma vantagem para seu superior.
            Está claro que, no curso de nosso pensamento social e na constante circulação de nossas ideias, a imaginação passa facilmente de uma ideia a qualquer outra que seja semelhante a ela. Assim como existe o nascimento de uma semiologia e sociologia da celebridade e até mesmo mais recentemente, uma economia da celebridade e tal qualidade, por si só, constitui um vínculo afetivo e uma associação suficiente para a fantasia. É também evidente que, com os sentidos, ao passarem de um objeto a outro, precisam fazê-lo de modo regular, tomando-os sua contiguidade uns em relação aos outros, a imaginação adquire, por um longo costume, o mesmo método de pensamento, e percorre as partes do espaço e do tempo ao conceber seus objetos. Quanto à conexão realizada pela relação de causa e efeito, basta observar que nenhuma relação produz uma conexão mais forte na fantasia e faz com que uma ideia evoque mais prontamente outra ideia que a relação de causa e efeito entre seus objetos. Para compreender toda a extensão dessas relações sociais, devemos considerar que dois objetos estão conectados na imaginação. Não somente quando um deles é imediatamente semelhante ou contíguo ao outro, ou quando é a representação da causa. Mas quando entre eles encontra-se inserido um terceiro objeto, que mantém com ambos alguma dessas notáveis relações. Dentre as três relações mencionadas, a de causalidade é a de maior extensão.
            Considerados em si mesmos, todos os objetos que Hume chama de causas e efeitos são tão distintos e separados uns dos outros quanto de qualquer outra coisa na natureza. Assim, somente pela experiência e observação de sua união constante somos capazes de fazer essa inferência. E, assim mesmo, a inferência não passa de um efeito do costume sobre a imaginação. Portanto, sempre que observamos a mesma união, e sempre que a união age da mesma maneira sobre a crença e a opinião, temos a ideia de causas e de necessidade, ainda que às vezes possamos evitar essas expressões. Dessa união constante, ela forma a ideia de causa e também de efeito e, por sua influência, sente a necessidade. De fato, quando consideramos quão adequadamente as evidência naturais e morais se aglutinam, formando uma cadeia única de argumentação, não hesitaremos em admitir que têm a mesma natureza e derivam dos mesmos princípios. A experiência da mesma união tem o mesmo efeito sobre a mente, quer os objetos unidos sejam motivos, volições e ações, quer sejam figuras e movimentos. Podemos mudar os nomes das coisas, mas sua natureza e sua operação sobre o entendimento nunca mudam.
            O entendimento se exerce de dois modos diferentes, conforme julgue por demonstração ou por probabilidade; isto é, conforme considere as relações abstratas entre nossas ideias ou as relações entre os objetos, que só conhecemos pela experiência. Como o seu domínio próprio é o mundo das ideias, e como a vontade sempre nos põe no mundo das realidades, a demonstração e a volição parecem estar, por esse motivo, inteiramente separadas uma da outra. O raciocínio abstrato ou demonstrativo, portanto, só influencia nossas ações enquanto dirige nosso juízo sobre causas e efeitos. É evidente que, quando temos a perspectiva de vir a sentir dou ou prazer por causa de um objeto, sentimos, em consequência disso, uma emoção de aversão ou de propensão, e somos levados a evitar ou abraçar aquilo que nos proporcionará esses desprazer ou essa satisfação. Também é evidente que tal emoção não se limita a isso; ao contrário, faz que olhemos para todos os lados, abrangendo qualquer objeto que esteja conectado como o original pela relação de causa e efeito. É aqui que o raciocínio tem lugar para descobrir essa relação, e conforme nossos raciocínios variam, nossas ações sofrem uma variação subsequente. É a propensão de dor ou prazer que gera a aversão ou propensão ao objeto.
            Uma vez que a razão sozinha não pode produzir nenhuma ação nem gerar volição, inferimos que essa mesma faculdade é igualmente incapaz de impedir uma volição ou de disputar nossa preferência com qualquer paixão ou emoção. Essa é uma consequência exatamente necessária. A única possibilidade de a razão ter esse efeito de impedir a volição seria conferido um impulso em direção contrária à de nossa paixão; e esse impulso, se operasse isoladamente, teria sido capaz de produzir a volição. Nada pode se opor ao impulso da paixão, ou retardá-lo, senão um impulso contrário; e para que esse impulso contrário pudesse alguma vez resultar da razão, esta última faculdade teria de exercer uma influência original sobre a vontade e ser capaz de causar, bem como de impedir, qualquer ato volitivo. Mas se a razão não possui influência original, é impossível que possa fazer frente a um princípio dessa eficácia (simbólica) ou que possa manter a mente em suspenso (abstrata) por um instante sequer. Quando nos referimos ao combate entre paixão e razão, lembra Hume, “a razão é e deve ser, apenas a escrava das paixões, e não pode aspirar a outra função além de servir e obedecer a elas”. A razão, querendo extinguir as paixões, torna-se, ela mesma, singularmente a paixão de si própria. 

         Uma paixão é uma existência original ou, uma modificação de existência; não contém nenhuma qualidade representativa que a torne cópia de outra existência ou modificação. A princípio o que pode se pensar sobre esse ponto é que, uma vez que nada pode ser contrário à verdade ou à razão exceto o que se refira a ela de alguma maneira, e uma vez que somente os juízos de nosso entendimento o fazem, deve-se seguir que as paixões só podem ser contrárias à razão enquanto estiverem acompanhadas  de algum juízo ou opinião. De acordo com esse princípio, que é tão evidente e natural, um afeto só pode ser dito contrário á razão em dois sentidos. Primeiro, quando uma paixão, como a esperança ou o medo, a tristeza ou a alegria, o desespero ou a confiança, está fundada na suposição da existência de objetos que existem realmente. Segundo, quando, ao agirmos movidos por uma paixão, escolhemos meios insuficientes para o fim pretendido, e nos enganamos em juízos de causas e efeitos. Quando uma paixão não está fundada em falsas suposições, nem escolhe meios insuficientes para sua finalidade, o entendimento não pode justifica-la, nem condená-la.  Não é contrário à razão, diz Hume, eu preferir a destruição do mundo inteiro a um arranhão em meu dedo.
Não é contrário à razão que eu escolha minha total destruição só para evitar o menor desconforto de um índio ou de uma  pessoa que me inteiramente desconhecida. Tampouco é contrário à razão eu preferir aquilo que reconheço ser para mim um bem menor a um bem maior, ou sentir uma afeição mais forte pelo primeiro que pelo segundo. Um bem trivial imaterial pode, graças a certas circunstâncias, produzir um desejo superior ao que resulta do prazer mais intenso e valioso. Em suma, uma paixão tem de ser acompanhada de algum juízo falso para ser contrária á razão; e mesmo então, não é propriamente a paixão que é contrária à razão, mas o juízo. As consequências disso são evidentes, pois é impossível que razão e paixão possam se opor mutuamente ou disputar o controle da vontade e das ações. Assim que percebemos a falsidade de uma suposição ou a insuficiência de certos meios, nossas paixões cedem à nossa razão e sem nenhuma oposição. Enfim, é por isso que toda ação da mente que opera com a mesma calma e tranquilidade é confundida com a razão por todos aqueles que julgam as coisas por seu primeiro aspecto e aparência. Quando alguma dessas paixões é calma e não causa nenhuma desordem na alma, é facilmente confundida com as determinações da razão, e supomos que procede da mesma faculdade que a que julga sobre a verdade a falsidade. Supomos que sua natureza e princípios são os mesmos porque suas sensações não são evidentemente diferentes.
Bibliografia geral consultada.
HUME, David, Tratado da Natureza Humana. Uma Tentativa de Introduzir o Método Experimental de Raciocínio nos Assuntos Morais. 2ª edição revista e ampliada. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 2009; BALIEIRO, Marcos Ribeiro, Essa Mistura Terrena Grosseira: Filosofia e Vida Comum em David Hume. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009; KIRALY, Cesar, Os Limites da Representação: Um Ensaio desde a Filosofia de David Hume. São Paulo: Giz Editorial, 2010; MELO, Gustavo Oliveira Fernandes, A Tese das Ideias Abstratas de David Hume. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2013; PIMENTA, Pedro Paulo, A Imaginação Crítica: Hume no Século das Luzes. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2013; ALVES, Marcelo de Sousa Ferreira, O Papel da Imaginação no Conhecimento Humano segundo David Hume. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia.  Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2015; TEDESCO, Thiago Nantes, David Hume e o Padrão Moral. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; LEMOS, Italo Lins, O Papel da Imaginação na Epistemologia de Hume. Dissertação de Mestrado. Programa de Pòs-Graduação em Filosofia. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2016; CAFÉ, Alana Boa Morte, Natureza Humana e História em David Hume. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2018; RODRIGUES NETO, Pedro de Souza, Economia, Moral e Natureza Humana em David Hume. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2019; BEZERRA, Leandro de Lima, São Procedentes os Argumentos de David  Hume contra os Milagres? Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em  Filosofia. Departamento de Filosofia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2019; AZEVEDO, Thiago Vargas Escobar, As Sociedades e as Trocas. Rousseau, a Economia Política e os Fundamentos Filosóficos do Liberalismo. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2020;  entre outros.

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