“Seria
talvez, preciso renunciar a crer que o poder enlouquece”. Michel Foucault
Diego Rodríguez de Silva y Velázquez
(1599-1660) foi um pintor espanhol e principal artista da corte do rei Filipe
IV de Espanha. Artista individualista do período barroco contemporâneo,
importante como retratista, além de inúmeras interpretações de cenas de significado histórico e cultural, pintou
retratos da família real espanhola, outras notáveis figuras europeias e
plebeias, culminando na produção de sua obra-prima, Las Meninas. A obra de
Velázquez representou um modelo para os pintores realistas e impressionistas,
em especial Édouard Manet que chegou a afirmar que Velázquez era o “pintor dos
pintores”. Influenciou artistas modernos, incluindo Pablo Picasso e Salvador
Dalí, bem como o pintor anglo-irlandês Francis Bacon, que homenageou Velázquez
recriando várias de suas obras famosas. Em 1609, ainda jovem, Velázquez foi
estudar com Francisco Herrera, o Velho,
prestigioso naturalista apaixonado pela arte de Caravaggio. Em seguida entrou
para o estúdio de Francisco Pacheco del Río e, em 1611, contrato de aprendizado
por seis anos com Pacheco, após o que seria submetido a exame, constituído por
uma prova teórica e uma prova prática de pintura a óleo. Em Sevilha, a
comunidade artística era regida por uma espécie de confraria, a corporação de
São Lucas, controlada por Pacheco e Juan de Uceda. Depois dos exames, precisava
jurar fidelidade aos estatutos da organização para obter o direito de praticar
a arte, o que culminou em 1617, com a criação da oficina de
trabalho em Sevilha.
Las Meninas
é uma pintura de 1656 de Diego Velázquez, o principal artista do século de ouro
Espanhol, atualmente no Museu do Prado em Madrid. A composição enigmática e
complexa da obra levanta questões sobre realidade e ilusão, criando uma relação
incerta entre o observador e as figuras representadas. Por essas complexidades,
Las Meninas é uma das obras mais analisadas
da pintura ocidental. A pintura demonstra um grande aposento no Real Alcázar de
Madrid durante o reinado do rei Filipe IV da Espanha, exibindo várias figuras
da corte espanhola contemporânea. Algumas olham para fora do quadro em direção
ao observador, enquanto outras interagem entre si. A jovem infanta Margarida
Teresa está cercada por um séquito de damas de companhia, chaperone,
guarda-costas, duas anãs e um cão. Próximo deles está o próprio Velázquez, que
se representa trabalhando uma grande tela. O artista olha para longe, além do
espaço pictórico onde o observador da pintura estaria. Ao fundo está um espelho
que reflete o rei Filipe e a rainha Mariana. Eles parecem colocados fora do
espaço da pintura em posição similar à do observador, apesar de acadêmicos
especularem que as imagens, exceto Michel Foucault, refletem a pintura em que
Velázquez é visto trabalhando.
Algumas olham para fora do quadro em
direção ao observador, outras interagem entre si. Os personagens
pausaram suas ações pela chegada do rei e da rainha e tem seu olhar voltado a
eles. A jovem infanta Margarida Teresa está cercada por um séquito de damas de
companhia: chaperone, guarda-costas, dois anões e um cachorro. No lado esquerdo da pintura está o próprio Velázquez,
que se representa trabalhando em uma grande tela. O artista olha para longe,
além do espaço pictórico onde o observador da pintura estaria. Ao fundo há um
espelho que reflete o rei Filipe e a rainha Maria Ana. Eles parecem estar
colocados fora do espaço da pintura em uma posição similar à do observador da
obra, com suas imagens refletidas no espelho. Os pintores raramente gozavam de
uma alta posição social na Espanha do século XVII. A pintura era considerada um
ofício, não uma arte como poesia ou música. Mesmo assim, Diego Velázquez conseguiu
subir pelas fileiras da corte do rei Filipe IV, sendo nomeado em fevereiro de
1651 com o cargo de “camareiro do palácio”. O cargo lhe trouxe posição e
recompensas, porém seus deveres o deixavam com pouco tempo livre. Ele pintou obras, a maioria retratos da família real, nos últimos 8 anos
de vida.
É
neste sentido que no livro de Michel Foucault As Palavras e as Coisas (2014), o arguto pensador indica-nos pistas
e propõe metodologicamente uma forma peculiar de descrever a imagem, sobre a técnica de interpretação através da
pintura do quadro Las Meninas, de
1656 de Diego Velázquez, o principal artista do século de ouro espanhol havendo
sido reconhecida como uma das pinturas mais importantes na história da arte
ocidental. Não por acaso o pintor barroco Luca Giordano (1634-1705) afirmou que
ela tem como representação a “teologia da pintura”, com o presidente da
Academia Real Inglesa: sir Thomas
Lawrence descrevendo a obra em 1827 para David Wilkie refere-se a ela como “a
verdadeira filosofia da arte”. Seguindo esta direção interpretativa a obra foi
descrita magistralmente ainda como a “realização suprema de Velásquez, uma
demonstração bem consciente e calculada sobre o que uma pintura pode alcançar”.
Na
análise o pintor está ligeiramente afastado do quadro, com um olhar em direção
ao modelo para acrescentar um último toque, mas é possível também que o
primeiro traço não tenha ainda sido aplicado. O braço que segura o pincel está
dobrado para a esquerda, na direção da palheta; permanece imóvel, por um
instante, entre a tela e as cores. Essa mão hábil particular do ofício de
pintor está pendente do olhar; e o olhar, em troca, repousa sobre o gesto suspenso.
Entre a fina ponta do pincel e o gume do olhar, o espetáculo vai liberar tensão
ao volume. Não sem um sistema sutil
de evasivas. Distanciando-se um pouco, o pintor colocou-se ao lado da obra na
qual trabalha. Isso quer dizer que para o espectador que olha, ele está à
direita de seu quadro, o qual ocupa toda a extremidade esquerda. A esse mesmo
espectador o quadro volta às costas: dele só se pode perceber o lugar de reverso, com a imensa armação que o
sustenta como se fosse um arco do ponto de vista da representação e captura prenhe
da imagem.
É
perfeitamente visível em toda a sua estatura; de todo modo, ele não está
encoberto pela alta tela que, talvez, irá absorvê-lo logo em seguida, quando,
dando um passo em sua direção, se entregará novamente a seu trabalho; sem
dúvida, nesse mesmo instante, ele acaba de aparecer aos olhos do espectador,
surgindo dessa espécie de grande gaiola virtual que a superfície que ele está
pintando projeta para trás. Podemos vê-lo agora, num instante de pausa, no
centro neutro dessa oscilação. Seu talhe escuro, seu rosto claro são
meios-termos entre o visível e o invisível: saindo dessa tela que nos escapa,
ele emerge aos nossos olhos; mas quando, dentro em pouco, der um passo para a
direita, furtando-se aos nossos olhares, achar-se-á colocado bem em face da
tela que está pintando; entrará nessa região onde seu quadro, negligenciado por
um instante, se lhe vai tornar novamente visível, sem sombra nem reticência.
Como se o pintor não pudesse ser ao mesmo tempo visto, no quadro em que está
representado, e ver, se representar, ele reina no limiar
dessas duas visibilidades incompatíveis.
No momento em que colocam o
espectador no campo de seu olhar, os olhos do pintor captam-no, constrangem-no
a entrar no quadro, designam-lhe um lugar
ao mesmo tempo privilegiado e obrigatório, apropriam-se de sua luminosa e
visível espécie e a projetam sobre a superfície inacessível da tela virada. Ele
vê sua invisibilidade tornada visível ao pintor e transposta em uma
imagem definitivamente invisível a ele próprio. Surpresa essa em que aparecem
multiplicada e ainda mais inevitável por um estratagema marginal. Ele não faz
ver nada além do que o próprio quadro representa. Seu olhar imóvel vai captar à
frente do quadro, nessa região necessariamente invisível que forma sua face
exterior, as personagens ali dispostas. Em vez de girar em torno de objetos
visíveis, esse espelho atravessa todo o campo da representação, negligenciando
o que aí poderia captar, e restitui a visibilidade
ao que permanece fora de todo olhar. Essa invisibilidade que ele supera não
é a do oculto, mas ao que é
invisível, pela estrutura do quadro e por sua existência como
pintura.
A
formação da sociedade disciplinar
está ligada a certo número de amplos processos históricos no interior dos quais
ela tem lugar. De uma maneira global, pode-se dizer que as disciplinas são
técnicas para assegurar a ordenação das multiplicidades
humanas. É verdade que não há nisso nada de excepcional. Nem mesmo de
característico: a qualquer sistema de poder
se coloca o mesmo problema. Mas o que é próprio das disciplinas é que elas
tentam definir em relação às multiplicidades uma tática de poder que responde a três critérios para tornar o
exercício do poder o menos custoso possível. Economicamente, pela parca despesa
que acarreta; politicamente, por sua descrição, sua fraca exteriorização, sua
relativa invisibilidade, o pouco de resistência que suscita. Socialmente, fazer
com que os efeitos desse poder social sejam levados a seu máximo de intensidade
e estendidos tão longe quanto possível, sem fracasso, nem lacunas. Ligar, esse
crescimento do poder e o rendimento dos aparelhos no interior dos quais se
exerce, sejam os aparelhos pedagógicos, militares, industriais, médicos, em
suma, fazer crescer ao mesmo tempo a docilidade
e a utilidade de todos os elementos
do sistema. Esse triplo objetivo das disciplinas responde a uma conjuntura
histórica reconhecida com a explosão demográfica ocorrida no século XVIII que
inventou as técnicas da disciplina e o exame como a Idade Média o inquérito
judiciário.
O processo do inquérito, velha
tática fiscal e administrativa, se desenvolveu principalmente com a
reorganização da igreja e o crescimento dos Estados principescos nos séculos
XII e XIII. Foi então que ele penetrou com a amplitude que se sabe na
jurisprudência dos tribunais eclesiásticos, depois nas cortes leigas. O
inquérito como pesquisa autoritária de uma verdade constatada, ou atestada, se
opunha assim aos antigos processos do
juramento, da ordália, do duelo judiciário, do julgamento de Deus ou se
arrogava o direito de estabelecer a verdade por meio de um certo número de
técnicas regulamentadas. Embora o inquérito desde aquele momento, se tenha
incorporado á justiça ocidental, como em nossos dias, não se deve esquecer sua
origem política, sua ligação com nascimento dos Estados e da soberania
monárquica, na qual o líder é chamado de soberano
ou se atribui a algum Deus, como no caso do Daesh
(cf. Garcia, 2017), nem tampouco sua derivação posterior e seu papel na formação
do saber.
O
inquérito – mutatis mutandis - foi com efeito a peça rudimentar e fundamental,
para a constituição das ciências empíricas; foi a matriz jurídico-política de
saber experimental, que como se sabe, teve seu rápido surto, como ocorre com as
pandemias no fim da Idade Média.
Comparativamente, o que esse inquérito político-jurídico, administrativo e
criminal, religioso e leigo foi para a ciência da natureza, a análise disciplinar
foi para as Ciencias do homem. Essas
ciências com que nossa “humanidade” se encanta há mais de um século têm sua
matriz técnica na minúcia tateante e maldosa das disciplinas e de suas
investigações pretensamente “científicas”. O grande conhecimento empírico que
recobriu as coisas do mundo e as transcreveu na ordenação de um discurso
indefinido que constata, descreve e estabelece os “fatos” tem sem dúvida seu
modelo operatório na Inquisição – essa imensa invenção que nosso recente
amolecimento colocou na sombra da memória. Essas são talvez para a psicologia,
a pedagogia, a psiquiatria, a criminologia, e para tantos outros estranhos
conhecimentos, o que foi o terrível poder de inquérito para o saber dos
animais, das plantas ou da terra. Outro poder, outro saber. A justiça criminal
só funciona e só se justifica por essa perpétua referência a
outra coisa que não é ela mesma, por essa incessante reinscrição nos sistemas
não jurídicos. Ela está volta a essa requalificação pelo saber. Para estudar
sua função, como fez o fundador da
sociologia Durkheim, de representação
apenas sobre as formas sociais gerais, lembra Foucault, correndo o risco de
colocar como princípio da suavização punitiva processos de individualização que
são antes efeitos das novas táticas de poder e entre elas dos novos mecanismos
penais.
Em
primeiro lugar, ideologia, em um
sentido amplo, significa aquilo que seria ou é ideal. Este termo possui
diferentes significados, sendo que no senso comum é tido como algo ideal, que
contém um conjunto de ideias, pensamentos, doutrinas ou “visões de mundo” de um
indivíduo ou de determinado grupo, orientado para suas ações sociais e
políticas. Diversos autores utilizam o termo sob uma concepção analítica
crítica. Consideram que ideologia pode ser um instrumento de dominação que age
por meio de convencimento; persuasão, em oposição assimétrica à força física,
alienando a consciência humana. O termo ideologia
foi utilizado originalmente por Antoine Destutt de Tracy e o conceito de
ideologia foi elaborado por Marx, que ligava a ideologia aos sistemas teóricos,
políticos, morais e sociais criados pela fração da classe dominante.
A
origem do nome Partido Comunista está no Manifesto
do Partido Comunista redigida por Marx e Engels em 1848. Ao contrário do
que acontecem com outras tipologias de partidos políticos do arco da esquerda
política, os partidos comunistas surgiram majoritariamente durante a primeira
metade do século XX, como resultado de diversos processos como a 1ª grande
guerra (1914-1918), a Revolução russa (1917) e a criação da Internacional Comunista, que
influenciaram os novos partidos que surgiam apoiando a revolução bolchevique e
eram contrários ao que consideravam serem os revisionistas socialdemocratas. O
primeiro partido a adotar a denominação de comunista foi o Partido Operário
Socialdemocrata Russo (POSDR), que no seu VII
Congresso Extraordinário, celebrado em março de 1918, aprovou a denominação
de Partido Comunista Russo (bolchevique) (VKP(b)), onde a aparição da palavra bolchevique visava marcar diferenças com
os mencheviques e outras fações do POSDR. O II
Congresso Mundial da Internacional Comunista, celebrado em 30 de julho de
1920, aprovou, entre as suas 21 condições, a obrigatoriedade de todos os
partidos membros se denominarem Partido Comunista do país e a seção da
Internacional Comunista.
Em
segundo lugar, partido político é um
grupo organizado, legalmente formado,
com base em formas voluntárias de participação social numa associação orientada
para influenciar ou ocupar o poder político. É um grupo organizado de pessoas
que formam legalmente uma entidade, constituídos com base em formas voluntárias
de participação social, nessa democracia, em que se faz presente ou necessário
como objeto de mudança, conservação e/ou transformação social no sentido
marxista do termo. Foi Robert Michels que acentuou na teoria que esses partidos
políticos estão quase sempre sociologicamente ligados a uma ideologia. Porém,
nem sempre essa ideologia é pragmática, sociologicamente exequível ou viável.
Pois muitas vezes carece de ambiente cultural para seu desenvolvimento, o que
demonstra que os chamados líderes partidários nem sempre sintonizam
perfeitamente com os anseios reais do eleitorado tendo em vista os processos
sociais de comunicação. Em terceiro lugar, os partidos políticos surgiram na
Europa Ocidental e nos Estados Unidos da América (EUA) no decorrer da primeira metade
do século XIX. A democratização do poder político abriu espaço, inicialmente, à
participação das elites políticas nos processos decisórios dos governos.
Apenas
parcelas muito restrita das classes mais abastadas tinham direitos políticos.
Portanto, as primeiras organizações partidárias surgem como estruturas
organizativas encarregadas de recolher votos para os candidatos a elas
vinculados. Nessa fase inicial, os partidos funcionavam de modo muito
incipiente, pois eram liderados por influentes aristocratas regionais ou
burgueses da alta sociedade, que apresentavam os candidatos aos cargos eletivos
e financiavam as campanhas. Na literatura esse tipo de partido é também chamado
“partido dos notáveis”, devido à sua composição elitista, ou de “partido
parlamentar”, em razão de seu funcionamento à representação coletiva de
parlamentares. A primeira definição política consistente do termo partido político
pode ser encontrada em Edmund Burke quando afirma: “o Partido é um grupo de
homens unidos para a promoção, pelo seu esforço conjunto, do interesse nacional
com base em algum princípio com o qual todos concordam”.
Surgiram
da necessidade dentre os indivíduos se associarem com vistas a influenciar, com
sua vontade política, a direção tomada pelo Estado. É Maurice Duverger quem
relaciona o desenvolvimento dos partidos à ampliação da democracia, com a
extensão do sufrágio popular e das prerrogativas parlamentares. Segundo o
autor, são três as origens dos partidos políticos que se dão a partir da
constituição dos parlamentos, os parlamentares passaram a se reunir em grupos
que representavam o mesmo lugar. Ou que comungavam de idéias ou interesses
semelhantes. Essas foram as agremiações que formaram os partidos de origem
parlamentar. Com a rápida extensão do sufrágio popular, surgiu a necessidade de
cooptação e condicionamento dos novos eleitores que não tinham, como hoje,
idéia alguma de que candidatos escolher. Aliou-se a essa idéia o
desenvolvimento do princípio de igualdade. O resultado foi visto quando os
eleitores perceberam a falta de representatividade na direção do Estado e, por
consequência, decidiram retirar o poder das mãos das elites políticas. Foram
criados, então, comitês eleitorais para cada candidato, com o objetivo de
orientar a população a respeito das propostas destes grupos políticos. Assim
surgiram os partidos de origem eleitoral. A partir de instituições
preexistentes, interessadas no governo por seus interesses;
esses foram os partidos de origem externa.
Metodologicamente
importante lembramos que Michel Foucault com o único fim de estabelecer os
efeitos sociais a partir de tais relações sociais e políticas desloca-se deste
ponto de vista para trabalhar com algumas séries de noções: “formações
discursivas”, “positividade”, “arquivo”, definindo um domínio. Os enunciados, o
campo enunciativo, as práticas discursivas, revelam a especificidade de um
método que não seria “nem formalizador, nem interpretativo”, pois já existem muitos
métodos capazes de descrever e analisar a linguagem, para que não seja
presunção querer acrescentar-lhes outro. Entre “análise arqueológica” e
“história das ideias”, os pontos de separação são numerosos, mas que
simplificadamente para o filósofo apresentam quatro distinções: 1ª) A
arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as imagens, os
temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos discursos; mas os
próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a regras sociais. Ela não
trata o discurso como documento, mas onde se mantém a parte, a profundidade do
essencial; ela se dirige ao discurso em seu volume próprio, na qualidade de
monumento. Não busca um “outro discurso” mais oculto. Recusa-se a ser
“alegórica”; 2ª) A arqueologia não procura encontrar a transição contínua e
insensível que liga, em declive suave, os discursos ao que os precede, envolve
ou segue. O problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua
especificidade, sintoma e precariedade dada.
Mostrando
em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a qualquer outro;
segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor salientá-los. Ela não
vai, em progressão lenta, do campo do confuso da opinião à singularidade do
sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não é uma “doxologia”, mas uma
análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª) A arqueologia não é
ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o momento em que
esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer reencontrar o ponto enigmático
em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela não é nem
psicologia, nem sociologia, nem, num sentido mais geral, “antropologia da
criação”. A obra não apenas um ersatz,
um recorte metodológico academicamente pertinente, mesmo se se tratasse de
recolocá-la em seu contexto mais global ou na rede das causalidades
positivistas que a sustentam. Ela define tipos e regras de práticas discursivas
que atravessam obras individuais, embora muitas vezes as comandasse inteiramente
e as dominam sem que nada lhes escape, mas sem dúvida em outras vezes, também,
que só lhes rege uma parte referida à instância do sujeito criador e princípio
de sua unidade que ao que parece lhes são estranhas.
A
arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado, visado,
experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o
discurso. Ela não se propõe a recolher esse núcleo aparente e fugidio onde
Autor e obra trocam de identidade. Onde o pensamento permanece ainda o mais
próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se
desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Não tenta
repetir o que foi dito, reencontrando-o em sua própria identidade. Não se
pretende apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua
pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Menos que nada e
diferente de uma “reescrita”. É na forma mantida da exterioridade, uma
transformação regulada do que já foi escrito. Não é o retorno ao próprio
“segredo da origem”; é forma e descrição de um discurso-objeto.
A
pesquisa foucaultiana: 1) pretende não o estudo dos mecanismos punitivos
unicamente em seus efeitos repressivos,
só em seu aspecto de sanção, mas
recoloca-los na série completa dos efeitos positivos que eles podem induzir,
mesmo se à primeira vista são marginais. Consequentemente, tomar a punição como uma função social complexa.
2) Analisar o métodos punitivos não como simples consequências de regras de
direito ou como indicadores de estruturas sociais; mas como técnicas que têm sua especificidade no
campos mais geral dos outros processos de poder. Adotar em relação aos castigos
a perspectiva da tática política. 3) Em lugar de tratar a história do direito
penal e a das ciências humanas como duas
séries separadas cujo encontro teria sobre uma ou outra, ou sobre as duas
talvez, um efeito, ou um
enquadramento perturbador ou útil, verificar se não há uma matriz comum e se as
duas não se originam de um processo formação “epistemológico-jurídico”; em
resumo, colocar a tecnologia do poder no princípio tanto da humanização da
penalidade quanto do conhecimento do homem. 4) Verificar se esta entrada da alma no placo da justiça penal, e com
ela a inserção prática judiciária de todo saber “científico”, não é o efeito de
uma transformação na maneira como o próprio corpo é investido pelas relações de
poder. Em suma, tentar estudar a metamorfose dos métodos punitivos a partir de
uma tecnologia política do corpo onde se poderia ler uma história comum das
relações de poder e das relações de objeto.
Neste
sentido, Foucault não quer perder de vista, do grande livro de Rusche e
Kirchheimer, Punishment and social
Structures (1939), algumas referências essenciais tais como: abandonar em
primeiro lugar a ilusão de que a penalidade é antes de tudo (se não
exclusivamente) uma maneira de reprimir os delitos e que nesse papel, de acordo
com as formas sociais, os sistemas políticos ou as crenças, ela pode ser severa
ou indulgente, voltar-se para a expiação ou procurar obter uma reparação,
aplicar-se em perseguir o indivíduo ou em atribuir responsabilidades coletivas.
Analisar antes os “sistemas punitivos concretos” estudá-los como fenômenos
sociais que não podem ser explicados unicamente pela armadura jurídica da
sociedade nem por suas opções éticas fundamentais: recoloca-los em seu campo de
funcionamento onde a sanção dos crimes não é o único elemento; mostrar que as
medidas punitivas não são simplesmente mecanismos “negativos” que permitem
reprimir, impedir, excluir, suprimir: mas que elas estão ligadas a toda uma
série de efeitos positivos e úteis que elas têm por encargo sustentar. Nessa
linha, os autores estabeleceram a relação entre os vários regimes punitivos e
os sistemas de produção em que se efetuam: assim, numa economia servil, os
mecanismos punitivos teriam como papel trazer mão de obra suplementar – e
constituir uma escravidão “servil” ao lado da que é fornecida pelas guerras ou
pelo comércio; com o feudalismo, e numa época em que a moeda e a produção estão
pouco desenvolvidas, assistiríamos a um brusco crescimento dos castigos
corporais – sendo o corpo na maior parte dos casos o único bem acessível; a
casa de correção – o Hospital Geral, o Spinhuis ou Rasphuis – o trabalho
obrigatório, a manufatura penas apareceriam com o desenvolvimento da economia e
do comércio. Mas como o sistema industrial exigia um mercado de mão de obra
livre, a parte do trabalho obrigatório diminuiria no século XIX nos mecanismos
de punição, e seria substituída por uma detenção com fim corretivo, pois é
sempre do corpo que se trata. É certamente legítimo fazer uma história dos
castigos com base nas ideias morais ou nas estruturas jurídicas.
Depois
de torturarem o assistente de alfaiate de 16 anos, Ernst Jansz, jovem de boa
família, ele confessou dois pequenos
roubos do seu chefe. Mas como ele tinha um bom temperamento e tal, o pessoal da
época resolveu mostrar clemência e, em vez da tradicional tunda de chicote em
praça pública, resolveram colocá-lo na prisão pra tentar recuperá-lo. Problema
era que não havia prisão em Amsterdam em 1588. Foi assim que construíram a
Rasphuis, a prisão de Amsterdam, inaugurada em 1596. Lá eram jogados os jovens
transviados da sociedade, onde eram usados em trabalhos forçados e outros meios
disciplinadores. Caso algum se recusasse a trabalhar, era jogado em um porão.
Para maior efeito pedagógico, inundavam lentamente o porão, não sem antes
fornecer uma pequena bomba d'água manual, tornando mais concreta a existencial
questão de “trabalhar ou morrer”. Mas tamanha mão-de-obra barata não poderia
ser desperdiçada assim, tirando água de porões. Por um tempo, curiosamente a
Rasphuis tinha o monopólio no processamento do Pau-Brasil em tinta, movido a delinquentes arrependidos ou em
processo de arrependimento. Em 1815, a prisão foi fechada, aparentemente não se
recuperando da perda do monopólio do processamento de Pau-Brasil, e em 1892 o
prédio foi demolido. Um dos portões da prisão sobreviveu. É chamada Castigatio
e mostra uma austera senhora com o escudo de Amsterdam e um chicote, botando na
linha dois musculosos rapazes, possivelmente devido à muita moeção de
Pau-Brasil. Mas apesar de tudo a Rasphuis é considerada uma evolução: antes os
criminosos eram simplesmente fustigados e torturados. É a primeira instituição
da Europa construída com a idéia de reabilitação com de mão-de-obra escrava,
embora se alegue que isso foi uma deturpação posterior dos ideais dos
fundadores.
Antes
de tudo, politicamente, temos que admitir que o poder produz um saber, e não simplesmente favorecendo-o porque o serve, ou
aplicando-o porque é útil; que poder e saber estão diretamente implicados; que
não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem
saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Essas
relações de “poder-saber” não devem então ser analisadas a partir de um sujeito
do conhecimento que seria ou não livres em relação ao sistema de poder; mas é
preciso considerar ao contrário que o sujeito que conhece, os objetos a
conhecer e as modalidades de conhecimentos são outros tantos efeitos dessas
implicações fundamentais do poder-saber e de suas transformações históricas.
Portanto, não é a atividade do sujeito de conhecimento que produziria um saber,
útil ou arredio ao poder, mas o poder-saber, os processos e as lutas que o
atravessam e que o constituem, que terminam as formas e os campos possíveis do
conhecimento. Analisar o investimento políticas do corpo, de tal forma que o
sofrimento, a ferida narcísica e a morte sejam sempre a um só tempo
reivindicadas e temidas, a microfísica do
poder supõe que se renuncie – no que se refere ao poder – à oposição articulada
em torno da violência-ideologia, à metáfora da propriedade, ao modelo do
contrato ou ao da conquista; no que se refere ao saber, que se renuncie à
oposição do que é “interessado” e do que é “desinteressado”, ao modelo de
conhecimento e ao primado do sujeito, de recolocar as técnicas punitivas, quer
elas se apossem do corpo no ritual dos suplícios, quer se dirijam à alma na história desse corpo político. Considerar
as práticas mais como um capítulo da
anatomia política do que uma consequência das teorias jurídicas.
Esta
alma real e incorpórea não é
absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de certo
tipo de poder e a referência de um saber, a engrenagem pela qual as relações de
poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos de
poder. Sobre essa realidade-referência, segundo Foucault, vários conceitos
foram construídos pari passu e campos
de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência
etc. Sobre ela, técnicas e discursos científicos foram edificados; a partir
dela, valorizaram-se as reivindicações morais do humanismo. Mas não devemos nos
enganar: a alma, ilusão dos teólogos, não foi substituída por um homem real,
objeto de saber, de reflexão filosófica ou de intervenção técnica. O homem de
que nos falam e que nos convidam a liberar já é em si mesmo o efeito de uma
sujeição bem mais profunda que ele. Uma “alma” o habita e o leva à existência,
que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo poder sobre o corpo. A alma,
efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma prisão do corpo. O que
estava em jogo não era o quadro rude demais ou ascético demais, rudimentar
demais ou aperfeiçoado demais da prisão, era sua materialidade na medida em que
ele é instrumento e vetor de poder; era toda essa tecnologia do poder sobre o
corpo, que a tecnologia da “alma” – a dos educadores, dos psicólogos e dos
psiquiatras – não conseguiram mascarar nem compensar, pela razão de que não
passa de um de seus instrumentos.
O
que determina a escolha de um ponto de vista sobre o sujeito e o mundo são os
objetivos pragmáticos. Deixamos de lado a posse de uma teoria fundada em
exigências lógicas ou achados empíricos incontestáveis. Poder, interesse,
dominação, realidade material, são indispensáveis à análise que nos habituaram
a aceitar como verdadeira, pela força ou pela persuasão dos costumes. Para
efeitos da ação, só existem eventos descritivos. A descrição preferida do
intérprete será a mais adequada às suas convicções morais e não a mais
iluminada pela Razão. Política é regulação da existência coletiva, poder
decisório, disputa por posições de mando no mundo, confrontos entre mil formas.
Violência em última análise. Assim, é também diferente da produção simbólica
porque se exercita sobre o interesse dos agentes sociais, quando não sobre o
seu próprio corpo. Não produz mensagens, discursos cotidianos, produz, todavia obediências,
obrigações, submissões, controles. Poder é uma relação social de mando e
obediência. São decisões tomadas que se impõe num dado
território ou unidade social.
Todavia,
convertem-se em atividades coercitivas, administrativas, jurídico-judiciárias e
deliberativas. Eis a grande questão: o processo político diz respeito a
pergunta: “Quem pode o quê sobre quem”? Na verdade uma minoria escalafobética. A
mesma pulsão escópica frequenta a ficção que cria leitores, que muda de
legibilidade a complexidade urbana. Não é mais suficiente para compreender as
estruturas de poder deslocar para os dispositivos e os procedimentos técnicos
uma multiplicidade humana, capaz de transformar, disciplinar e depois gerir,
classificar e hierarquizar todos os desvios concernentes à aprendizagem, saúde,
justiça, forças armadas ou trabalho. Na política
contemporânea o que faz andar são relíquias de sentido e às vezes seus
detritos, os restos invertidos de grandes ambições. Nome que no sentido preciso
da história e da memória deixaram de ser próprios. Nesses núcleos
simbolizadores se esboçam e talvez se fundem três funcionamentos distintos, mas,
todavia conjugados, das relações políticas entre práticas espaciais e
significantes: o crível, o memorável e o primitivo.
Outro
aspecto da conjuntura é o crescimento do aparelho
de produção, cada vez mais extenso e complexo, cada vez mais custoso também
e cuja rentabilidade urge fazer crescer. A sociedade disciplinar, no momento de
sua plena eclosão, assume ainda com o imperador o velho aspecto do pode de espetáculo.
Além disso, o desenvolvimento dos modos disciplinares de proceder responde a
esses dois processos, ou sem dúvida, à necessidade de ajustar sua correlação. O
desenvolvimento das disciplinas marca a aparição de técnicas elementares e
ajustadas do poder que derivam de uma economia totalmente diversa: mecanismos
de poder que, em vez de vir em dedução, integram-se à eficácia simbólica
produtiva dos aparelhos, ao crescimento dela e à utilização do que ela produz.
As disciplinas substituem o esquema do envelhecido princípio
“retirada-violência” que regia a economia ideológica e do poder através do
princípio “suavidade-produção-lucro”. Devem ser tomadas como técnicas que permitem ajustar, segundo esse
princípio, a multiplicidade dos homens e mulheres e a multiplicação dos
aparelhos de produção: a produção de saber nas universidades e de aptidões tecnicistas
na escola, a produção de saúde nos hospitais, a produção maquínica da força
coletiva de trabalho e da força coletiva de controle social da coletividade com
a autonomia do exército.
Mas o corpo também está diretamente
mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre
ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a
trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento
político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua
utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo
é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua
constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema
de sujeição. Onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente
organizado, calculado e utilizado; o corpo só se torna força útil se é ao mesmo
tempo corpo produtivo e submisso. Essa sujeição não é obtida só pelos
instrumentos da violência simbólica ou da ideologia;
pode muito bem ser direta, usar a força contra a força, agir sobre elementos
materiais sem ser violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente
pensada, pode ser sutil, não fazer uso de armas nem de terror, como vem
ocorrendo desde tempos imemoriais e, no entanto continuar a ser de ordem
física.
Quer
dizer que poderá haver um “saber” delicado na manifestação do corpo que não é
exatamente a ciência de seu funcionamento, e um controle de suas forças que é
mais a capacidade de vencê-las: esse saber e esse controle constituem o que se
poderia chamar a “tecnologia política do corpo”. Essa tecnologia é difusa, claro,
raramente formulado em discursos contínuos e sistemáticos. Ipso facto, compõe-se muitas vezes de peças ou de pedaços; utiliza
um material e processos sem relação entre si. O mais das vezes, apesar da
coerência de seus resultados, ela não passa de “uma instrumentação multiforme”.
Além disso, seria impossível localizá-la, como um emblema de cultura, uma farsa,
quer num tipo definido de instituição, quer num aparelho de Estado. Estes
recorrem a ela; utilizam-na, valorizam-na ou impõem algumas de suas maneiras de
agir. Ela mesma, em seus mecanismo e efeitos, se situa num nível diferente. Trata-se de alguma maneira de uma microfísica do poder posta em jogo pelos aparelhos e instituições,
mas cujo campo de validade se coloca de algum modo entre esses grandes
funcionamentos e os próprios corpos com sua materialidade e suas forças.
O estudo desta microfísica supõe que
o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia, que seus efeitos de
dominação não sejam atribuídos a uma “apropriação”, mas a disposições, a
manobras, a táticas, a funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de
relações sempre tensas, sempre em atividade, que um privilégio que se pudesse deste;
que lhe seja dado como um modelo antes a batalha dos saberes perpétua, como
acentua Foucault, mas que o contrato que faz uma coesão ou uma conquista que se
apodera de um domínio que não é um “privilégio” adquirido ou conservado das frações
da classe dominante, mas o efeito de conjunto de suas posições estratégicas –
efeito manifestado e às vezes reconduzido pela posição dos que são dominados.
Esse poder, por outro lado, não se aplica pura e simplesmente como uma
obrigação ou uma proibição, aos que “não têm”; ele os investe, passa por eles e
por meio deles; apoia-se neles, do mesmo modo que eles, em sua luta contra esse
poder, apoiam-se por sua vez nos pontos em que ele os alcança.
O
que significa que essas relações se aprofundam dentro da sociedade, que não se localizam
nas relações do Estado com os cidadãos ou na fronteira das classes e que não se
contentam em reproduzir ao nível dos indivíduos, dos corpos, dos gestos e dos
comportamentos, a forma geral da lei ou do governo; que se há continuidade realmente
elas se articulam bem, nessa forma, de acordo com toda uma série de complexas
engrenagens, não há analogia nem homologia, mas especificidade do mecanismo e
de modalidade. Finalmente, não são unívocas; definem inúmeros pontos de luta,
focos de instabilidade que penetram comportando cada um seus riscos de conflito, de lutas e de inversão pelo menos transitória
da relação de forças. A derrubada desses micropoderes não obedece à
lei real do tudo ou nada; ele não é adquirido de uma vez por todas por um novo
controle dos aparelhos nem por um novo funcionamento ou uma destruição das
instituições; em compensação nenhum de seus episódios localizados por ser
inscrito na história social senão pelos efeitos em toda a rede em que se encontra.
Politicamente ela deve também
dominar todas as forças que se formam a partir da própria constituição de uma
multiplicidade organizada; deve neutralizar
os efeitos de contrapoder que dela nascem e que formam resistência ao poder que
quer dominá-la: agitações, revoltas, organizações espontâneas, conclui-os, ou
seja, tudo o que pode se originar das conjunções horizontais. Daí o fato crível
delas, as disciplinas, utilizarem processos de separação e de verticalidade. E de
introduzirem entre os diversos elementos de planos de barreiras tão estanques
quanto possível, de definirem redes hierárquicas precisas, em suma de oporem à
força intrínseca e adversa da multiplicidade o processo da pirâmide contínua e
individualizante, como é notável na estrutura autoritária de universidades
públicas brasileiras. Elas devem também fazer crecer a utilidade singular de
cada elemento da multiplicidade, mas por meios que sejam os mais rápidos e
menos custosos, ou seja, utilizando a própria multiplicidade como instrumento
desse crescimento: isto é, para extrair dos corpos o máximo de tempo e de
forças, esses métodos de conjunto que são horários, os treinamentos coletivos,
os exercícios, a vigilância ao tempo global e minuciosa, e que seus efeitos de
utilidade próprios às multiplicidades, tornem cada uma delas mais útil que a
simples soma dos elementos.
É para fazer crescer os efeitos
utilizáveis do múltiplo que as disciplinas definem táticas de distribuição, de
ajustamento recíproco dos corpos, dos gestos e dos ritmos, de diferenciação das
capacidades, de coordenação recíproca em relação a aparelhos ou a tarefas que proporcionam.
A disciplina tem que fazer funcionar as relações de poder não acima, mas na própria trama das
multiplicidades, da maneira mais discreta possível, articulada do melhor modo
que as outras funções dessas multiplicidades
como próprio, e também o menos dispendiosamente: atendem a isso instrumentos de
poder anônimos e coextensivo à multiplicidade que regimentam, como a vigilância
hierárquica, o registro contínuo, o julgamento e a classificação perpétuos. Em
suma, substituir um poder que se manifesta pelo brilho dos que o exercem, por
um poder que objetiva insidiosamente aqueles aos quais é aplicado; formar um
saber a respeito destes, mais que patentear os sinais faustosos que circundam a
prosopopeia das disciplinas, segundo Foucault, representam
o conjunto das minúsculas invenções
técnicas que permitiriam fazer crescer a extensão útil das multiplicidades,
fazendo diminuir os inconvenientes do poder que, justamente para torna-las
úteis, deve regê-las.
Uma
multiplicidade seja uma oficina ou
uma nação, um exército ou uma universidade pública, atinge o limiar da
disciplina quando a necessidade de uma para com a outra se torna favorável.
Comparativamente, se a decolagem econômica do Ocidente começou com os processos
que permitiram a acumulação do
capital, pode-se dizer, talvez, que os métodos para gerir a acumulação dos
homens permitiram uma decolagem política em relação a formas de poder
tradicionais, rituais, dispendiosas, violentas e que logo caídas em desuso,
forma substituídas por uma tecnologia minuciosa e calculada de sujeição. Na verdade
os dois processos, acumulação de homens e acumulação de capital, não podem ser
separados, pois não teria sido possível resolver o problema da acumulação de
homens sem o crescimento de um aparelho de produção capaz ao mesmo tempo de
mantê-los e de utilizá-los; inversamente, as técnicas que tornam útil a
multiplicidade cumulativa, uma relação complexa com a pluralidade de objetos e de
homens que aceleram o movimento de acumulação de capital. Em 1660, Velázquez tinha o encargo da última
maior cerimónia: o casamento da infanta D. Maria Teresa de Luís XIV de França.
Desgastado por esses trabalhos, Velázquez contraiu uma febre que lhe fez morrer
a 6 de agosto em Madrid. A sua fama veio logo após a morte, começando no início
do século XIX, quando se provou um modelo para os artistas realistas e
impressionistas, em especial para Edouard Manet. Sua influência estendeu-se para
artistas como Pablo Picasso e Salvador Dali. Até o interesse por Velázquez no
século XIX, suas pinturas situadas nos palácios e o museu de Madrid foram pouco
conhecidos pelo mundo exterior; elas escaparam do roubo pelos soldados
franceses durante a Guerra Peninsular. Em 1828, sir David Wilkie escreveu de
Madrid que ele próprio sentiu a presença de um novo poder na arte quando
observou os trabalhos de Velázquez, passando a usar um estilo mais variado e
ousado da cor.
Bibliografia
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Laci Cecilia, A Formação dos Sentidos do
Ver a partir da Percepção de Las Meninas. Dissertação de Mestrado. Programa de
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2008; SPANIOL, José Paiani, Verticalidade
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2009; NEVES, Auricléa Oliveira das, Imagens
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Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Departamento de Letras. Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2009; SILVA, Susana Aparecida da, Diego Velázquez e os Retratos de Felipe IV:
A Pintura Barroca e a Ideia de Tempo na Sociedade Espanhola do Século XVII.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social.
Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2011; FOUCAULT, Michel, As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das Ciências Humanas. 7ª edição. Editora Martins Fontes, 1995; Idem, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão.
42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; LAVAL, Christian, “et alii”,
Marx & Foucault. Lectures, Usages, Confrontations.
Paris: Éditions La Découverte, 2015; CARVALHO, Juliana Damázio, Espaços Outros: Brechas do Pensamento em
Michel Foucault. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Programa de
Pòs-Graduação em Filosofia. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2017; ALCÂNTARA, Patrícia Colmenero Moreira de, Eu, Frosina: Comunicação Romanesca como Reconstrução de Memórias Cinematográficas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Faculdade de Comunicação. Brasília: Universidade de Brasília, 2018; MEDEIROS,
Claudio Vinicius Felix, “Duas Saídas pela Esquerda: Marx e Foucault às Voltas
com a Liberdade”. In: Argumentos. Ano 11, n° 21. Fortaleza, jan./jun. 2019; ONOFRE, Marcílio Fagner, Ekphrasis: Por um Viés Ecológico da Criação Musical Contextualizado pela Memória, pelo Esquecimento e pela Referencialidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Música. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2020; entre outros.
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