Ubiracy de Souza Braga
“A felicidade é um problema
individual”. Sigmund Freud
Don
Shirley foi um pianista, compositor, arranjador de jazz e intérprete de música
clássica. Era filho do imigrante jamaicano sacerdote episcopal Edwin Shirley e
de professora Stella. Começou a tocar piano aos dois anos de idade, e aos sete
anos já apresentava desenvoltura e habilidade técnica suficiente para estudar
no Leningrad Conservatory of Music.
Aos nove anos acompanhava seu pai ao órgão da igreja. Durante a década de 1940,
Shirley havia realizado um concerto menor de Tchaikovsky, além de uma
composição de sua autoria na Orquestra Filarmônica de Londres. Fez seu primeiro
concerto em 1945 com a Orquestra Pops de Boston, ao tocar o Concerto para Piano nº 1, de Piotr
Ilitch Tchaikovsky, e no ano seguinte a Orquestra Filarmônica de Londres apresentou uma das suas composições. Na
década seguinte compôs inúmeras sinfonias de órgãos, concerti de piano, violoncelo, quartetos de corda, óperas de um
ato, obras para órgão, piano e violino e um poema de tom sinfônico baseado em Finnegans
Wake, o último romance de James Joyce, publicado em 1939, e um dos símbolos
da literatura experimental, quando escrito em uma síntese composta pela fusão
de palavras, em inglês e outras línguas, tendo como escopo múltiplos
significados. Isto para não falarmos da obra de maior destaque, intitulada: Orpheus in the Underworld, de 1956.
Entre
os anos de 1954 e 1968, se apresentou como solista com várias orquestras
sinfônicas, incluindo a Orquestra Pops de Boston, fundada em 1885 como uma
subsidiária da Orquestra Sinfônica de Boston, a Orquestra Sinfônica de Detroit,
fundada em 1914 por dez mulheres da sociedade de Detroit, que contribuíram com
100 dólares para a organização, a Orquestra Sinfônica de Chicago, é uma das
cinco orquestras norte-americanas referidas como Big Five, representando as cinco melhores do país. Fundada em 1897,
a Sinfônica tem o Orchestra Hall de
Chicago como residência e apresenta sua temporada de verão em Ravinia Festival,
e a Orquestra Sinfônica Nacional, fundada em 1931 é uma orquestra sinfônica
baseada no John F. Kennedy Center, em Washington, DC. A principal função da
memória não é preservar as ideias simples, mas sua estrutura dual relativa à ordem
e posição. Esse princípio se apoia em aspectos comuns e vulgares do cotidiano
que podemos nos poupar o trabalho de continuar insistindo nele. A cooperação
nem sempre é um problema. Às vezes, é uma conclusão previsível; outras vezes
impossível. Como a imaginação pode separar todas as ideias cumulativas simples,
analisa-las e uni-las novamente da forma que lhe aprouver, nada seria mais
inexplicável que as operações dessa faculdade, se ela não fosse guiada por
alguns princípios universais, que a tornam, em certa medida, uniforme em todos
os momentos e lugares.
Apesar
de desejar tocar os clássicos como Chopin, pianista polonês radicado na França
e compositor para piano da era romântica, amplamente reconhecido como um dos
maiores compositores para piano e um dos pianistas mais importantes da história,
e Liszt, compositor, pianista, maestro e professor e
terciário franciscano húngaro do século XIX, um dos representantes proeminentes
da Neudeutsche Schule, que deixou um
legado extenso e diversificados. Influenciou seus contemporâneos e antecipou algumas ideias e tendências do século XX.
Algumas de suas contribuições mais notáveis referem-se à invenção do “poema
sinfônico”, desenvolvendo o conceito de transformação temática, como parte de
suas experiências em forma musical e fazer rupturas radicais em harmonia. Ele
também desempenhou um papel importante na popularização de uma grande variedade
de música de transcrição para piano. Don Shirley recebeu a recomendação de seu
empresário, Sol Hurok, de se dedicar ao jazz, um estilo típico da comunidade
afrodescendente, pois não aceitariam, em seu tempo, o papel de “um músico negro
tocando música europeia”. Dessa forma, Shirley uniu-se ao baixista Ken Fricker
e o violoncelista Juri Taht e formou o Don
Shirley Trio, onde se apresentavam e gravavam discos em estúdio. Com o
trio, gravou Water Boy em 1961, seu
grande sucesso, unindo Chopin à música dos anos 1960. Don Shirley não se
considerou um artista e muito menos um intérprete de jazz. Gravou um concerto
de Rachmaninoff com a Orquestra Filarmônica de Nova York, mas não conseguiu uma
gravadora desse exemplar. Seu talento e argúcia, apesar das dificuldades que
enfrentou, eram reconhecidos socialmente. O compositor russo Igor Stravinsky o
elogiou dizendo que “seu virtuosismo é digno dos deuses”.
De formação policompetente, Don Shirley era doutor em Psicologia, falava oito idiomas e, além disso, também sabia pintar. Jazz representa uma manifestação artístico-musical originária de comunidades de Nova Orleans nos Estados Unidos da América. Tal manifestação teria surgido por volta do final do século XIX na região de Nova Orleans, tendo origem na cultura popular e na criatividade das comunidades negras que ali conquistaram um desses lugares praticados mais importantes. Contudo, o jazz se desenvolveu com a associação de várias tradições religiosas, em particular de domínio afro-americano. Esta nova forma de se fazer música incorporava blue notes, chamada e resposta, forma sincopada, polirritmia, improvisação e notas com swing do ragtime. Os instrumentos musicais básicos para o Jazz são aqueles usados em bandas marciais e bandas de dança: metais, palhetas e baterias. No entanto, o jazz, em suas várias formas, aceita praticamente todo tipo de instrumento. As origens da palavra jazz são incertas. A palavra tem suas raízes na gíria norte-americana e várias derivações têm sugerido tal fato. O jazz não foi aplicado como música até 1915. Earl Hines (1903-1983) se tornou um celebrado músico de jazz, e costumava dizer que estava “tocando o piano antes mesmo de a palavra jazz ser inventada”. Foi compositor, líder de bandas e um dos maiores pianistas da história do Jazz.
De formação policompetente, Don Shirley era doutor em Psicologia, falava oito idiomas e, além disso, também sabia pintar. Jazz representa uma manifestação artístico-musical originária de comunidades de Nova Orleans nos Estados Unidos da América. Tal manifestação teria surgido por volta do final do século XIX na região de Nova Orleans, tendo origem na cultura popular e na criatividade das comunidades negras que ali conquistaram um desses lugares praticados mais importantes. Contudo, o jazz se desenvolveu com a associação de várias tradições religiosas, em particular de domínio afro-americano. Esta nova forma de se fazer música incorporava blue notes, chamada e resposta, forma sincopada, polirritmia, improvisação e notas com swing do ragtime. Os instrumentos musicais básicos para o Jazz são aqueles usados em bandas marciais e bandas de dança: metais, palhetas e baterias. No entanto, o jazz, em suas várias formas, aceita praticamente todo tipo de instrumento. As origens da palavra jazz são incertas. A palavra tem suas raízes na gíria norte-americana e várias derivações têm sugerido tal fato. O jazz não foi aplicado como música até 1915. Earl Hines (1903-1983) se tornou um celebrado músico de jazz, e costumava dizer que estava “tocando o piano antes mesmo de a palavra jazz ser inventada”. Foi compositor, líder de bandas e um dos maiores pianistas da história do Jazz.
Nova Orleans, no estado norte-americano da Louisiana, era
no século XIX o que Paris só viria a ser mais de 100 anos depois: uma festa.
Desde o século XVIII, ainda sob o domínio dos franceses, o carnaval (Mardi
Gras), era tradicionalíssimo. A cidade, fundada em 1718, havia sido território
francês e espanhol antes de ser comprada pelos Estados Unidos, em 1803, numa
transação de 11 milhões de dólares. Seu porto a tornara um grande polo de
escravos, vindos principalmente da África ocidental. Dos antigos colonizadores,
Nova Orleans herdara a tolerância da ética católica a manifestações individuais
e coletivas dos escravos – bem diferente do resto do país, de orientação ética
protestante. Aos domingos, os escravos exibiam suas danças e cantos em Congo
Square. Um jornal de 1838 revelava a nova mania de trompetes e cornetas que
tomava conta da cidade. Da fusão dos elementos musicais africanos com o som
de bandas militares e a tradição erudita européia, ensinada a colonos e creoles,
nasciam os embriões do gênero que tornaria a vida social dos negros
mais dinâmicos e felizes.
De 27 milhões de álbuns vendidos em 1914, houve um salto
para 100 milhões sete anos depois. Mas, entre 1922 e 1923, quase meio milhão de
negros deixaram o sul do país rumo a Chicago e Nova York em busca de
oportunidade nos centros industriais. Nova York era a capital dos salões de
dança e dos bares clandestinos pós-Lei Seca, que proliferavam: neles, o talento
de inúmeros músicos eram atrações principais para chamar público. No Harlem,
dois líderes de banda, um branco e um negro, lideravam este gênero na tentativa
de orquestrar a música. Paul Whiteman e Fletcher Henderson eram as estrelas da
cidade. Em 1924, o jovem Louis Armstrong, trompetista de Nova Orleans, deixou a
banda do pioneiro Joe Oliver e se juntou à de Henderson, em Nova York. E o jazz
em meados da década deixa 1920 deixa de ser o mesmo. Os Estados Unidos caminham
para prosperidade e a juventude dançava ao ritmo das orquestras. A nação vivia
uma busca desenfreada pelo prazer e a genialidade de Armstrong era a face visível dessa grande festa. Entre 1925 e
1928, ele e seu grupo Hot Five e Hot Seven fizeram o estilo deixar de ser
apenas uma música coletiva e virar arte. O jazz passou a ser o fascínio
que o mundo ocidental tinha pela América, uma nação vibrante.
Don Shirley politicamente esteve
ligado aos movimentos sociais dos direitos civis norte-americanos, mantendo
amizade com o líder Martin Luther King e músicos negros renomados, tais como
Nina Simone, nome artístico de Eunice Kathleen Waymon adotado aos 20 anos, para
que pudesse cantar blues escondida de seus pais, que não aceitavam sua opção de
ser cantora, antes de tornar-se uma pianista clássica, em bares noturnos de
Nova York, Filadélfia e Atlantic City; Duke Ellington, compositor de jazz,
pianista e líder de orquestra norte-americana, eternizado com a alcunha The
Duke e distinção com a Presidential Medal of Freedom em 1969, e ipso facto, a
Ordre National de la Légion d`Honneur, em 1973, as distinções as mais elevadas
que um civil pode receber. Foi o primeiro músico de jazz a ingressar para a
Academia Real de Música de Estocolmo, obtendo título honoris causa nas mais
importantes universidades do mundo; e Sarah Vaughan, descrita por Scott Yanow
como “uma das vozes mais maravilhosas do século 20”. Sarah desenvolveu cedo um amor pela música
popular, ouvindo gravações e rádio. No final da década de 1970, Sarah gravou
discos no Brasil para as gravadoras RCA e Philips acompanhada de grandes ícones
de projeção mundial como Tom Jobim, Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Hélio
Delmiro, dentre outros. Don Shirley morreu de complicações decorrentes de
doenças cardíacas em sua casa em Nova York, que ficava acima da famosa Carnegie
Hall, em 6 de abril de 2013, aos 86 anos de idade.
Poucos
dentre estes homens resistentes não se tornam, mais cedo ou mais tarde durante
a sua inversão radical de papel, clandestinos. Largam atrás de si nomes,
profissões, endereços, amigos, parentes. Aprendem até a exaustão a perder o
passado, a memória e a si mesmos. A profissão, a família, os laços sociais não
importam mais. Vivem exclusivamente em função dos seus fins ético-políticos. A
formação policompetente que se origina na Renascença é uma ação relativamente
voluntária de poucos homens, por isso só aparentemente tornados exemplares.
Configura um modelo de comportamento singular e de atitude individual, festejado,
celebrado e idealizado por toda a
sociedade, das elites sociais ao proletariado, próximo da abnegação heroica. A
dedicação à causa coletiva desdobra-se nas medidas de um apaixonado e exaltado
“esquecimento de si”. Um modo político de viver foi alcançado que serve de
espelho moral, que designa a dimensão bela, justa e verdadeira do dever cívico,
ato simples, ao alcance de todos e próprio do sentimento humano. Riscos
existem, vale advertir, nestas formas-limites do pensar e agir. Recusar a
existência na qual cada um se inscreve por filiação, por pertencimento social,
pode equivaler a uma espécie de denegação do passado e de suas marcas sociais.
Filhos de ninguém, a quem não há diferença entre sexo, a nação, as idades, as
aptidões, as circunstâncias individuais e coletivas. Negar elos de
pertencimento incide no risco de desacreditar das raízes humanas e arrancá-las.
A
cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada/pela via do
veículo cognitivo da linguagem, a partir do “capital cognitivo coletivo”,
segundo Edgar Morin (1998), dos conhecimentos
adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória
histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital
cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e
governam os comportamentos individuais. Estas regras metódicas geram processos
sociais e regenera globalmente a complexidade social adquirida por essa mesma
cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas
estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que
é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera.
Isso facto, cultura e sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação,
não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores
ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a
cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual, se a cultura contém um saber
coletivo acumulada em uma memória social, se é portadora de princípios,
modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e
o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta
somente a representação de uma dimensão cognitiva: é uma “máquina cognitiva
cuja práxis é cognitiva”.
É
neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as
potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza
fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus
paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem,
métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as
fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, tabus, o seu
etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua ignorância de ignorância. Ainda
aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento,
o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela
sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas,
em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória
biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a
várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é
linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento,
constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um
contínuo, o outro descontínuo (binário).
As
aptidões individuais organizadoras do cérebro humano como ocorrem na
singularidade do jazzista Don Shirley, necessitam de condições socioculturais
para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e
socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão
na cultura, vivem na cultura. Nosso espírito reconhece através da nossa
cultura, vivem na cultura. Meu espírito, particularmente, reconhece através da
minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura reconhece através do meu
espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se
coproduzem umas às outras simultaneamente; há uma unidade recursiva complexa
estabelecida entre produtores sociais e produtos do conhecimento, ao mesmo
tempo em que há relação hologramática
entre cada uma das instâncias, ou níveos de apropriação de saber, cada uma
contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”.
Falar em complexidade é falar em relação de interação
simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e
hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas
não é apenas essa complexidade que permite compreender a possível autonomia
relativa do espírito (faculdades intelectuais) e no sentido técnico do cérebro
individual.
Mas
é assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação á sua determinação biológica. Recorrendo
às suas fontes e recursos socioculturais. E em relação à sua determinação
cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o
conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a
dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode
jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o
bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a
possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de
seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em
nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento
as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização.
Impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A
cultura e, pela via de inserção da cultura, a sociedade está no interior do
conhecimento. O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação
do conhecimento. Um ato cognitivo per se
é, assim mesmo, um elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um
ato cognitivo individual.
As
nossas percepções ou mesmo as concepções estão sob um controle, não
apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de
variáveis culturais e históricas. A percepção é submetida a categorizações,
conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a
identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento intelectual
organiza-se em função de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as
ideias sociais e as informações técnicas, bem como em função de significações
mitológicas e de projeções imaginárias. Assim se opera a construção social da
realidade, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a
realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais (visão), em que
o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (ficção), que
constitui a visão social de mundo, que se concretiza em verdade, em erro, ou na mentira. Para conceber a sociologia do
conhecimento, é necessário, segundo Morin (1998), conceber não só o
enraizamento do conhecimento determinado na sociedade e a interação do
conhecimento/na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é
produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão própria
cognitiva.
Os
homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que
produz seu reconhecimento. A cultura
gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o
conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado
a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de libertá-lo.
Mas isso seria, sobretudo, ignorar as potencialidades
de autonomia relativa, no interior de todas aquelas culturas, dos espíritos
individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições
culturais mais fechadas, máquinas
triviais obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais.
Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior,
de onde tira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre
as culturas. Seria ignorar que aquisição
de uma informação, a descoberta de um
saber, a invenção de uma ideia, podem
modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. Assim, o
conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à
organização social, à práxis
histórica. Sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos
espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em
certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico.
Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as
ajuntaria. E seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de
maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre
elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz
outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma
conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia
juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo
apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela
qual, entre outras coisas, as línguas
se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma
forma aponta a cada um de nós as ideias
simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As
qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira,
de uma ideia a outra, são três, a saber: semelhança, contiguidade no tempo e no
espaço, e causa e efeito. Dois objetos podem ser considerados como estando
inseridos nessa relação pontual, seja quando um deles é a causa de
qualquer ação ou movimento do outro, seja quando o primeiro é a causa da
existência do segundo.
Pois
como essa ação ou movimento não é senão o próprio objeto, considerado sob um
ângulo e, certamente um ponto de vista como o objeto continua o mesmo em todas
as suas diferentes situações, é fácil imaginar de que forma tal influência dos
objetos uns sobre os outros pode conectá-los na imaginação. Podemos prosseguir
com esse raciocínio, observando que dois objetos estão conectados pela relação
causa e efeito não apenas quando produz um movimento ou uma ação qualquer no
outro, no outro mas também quando tem o poder de os produzir. Notemos que essa
é a fonte de todas as relações de interesse e dever através dos quais os homens
se influenciam mutuamente na sociedade que se ligam pelos laços de governo e
subordinação. Um senhor é aquele que, por sua situação, decorrente quer da
força quer de um acordo, tem o poder de dirigir, sob alguns aspectos
particulares, as ações conjugadas de outro homem. Um juiz é aquele que, em
quase todos os casos litigiosos entre membros da sociedade, é capaz de decidir,
com sua opinião privatista a quem cabe a posse ou a propriedade de determinado
objeto. Quando uma pessoa possui certo poder, nada mais é necessário para
convertê-lo em ação que o exercício da vontade. E isso, em todos os casos, é
considerável possível, e provável, especialmente no caso do uso da autoridade, em que a obediência do
súdito representa um prazer e uma vantagem para seu superior.
Está
claro que, no curso de nosso pensamento social e na constante circulação de
nossas ideias, a imaginação passa facilmente de uma ideia a qualquer outra que
seja semelhante a ela. Assim como existe o nascimento de uma semiologia e
sociologia da celebridade e até mesmo mais recentemente, uma economia da
celebridade e tal qualidade, por si só, constitui um vínculo afetivo e uma
associação suficiente para a fantasia. É também evidente que, com os sentidos,
ao passarem de um objeto a outro, precisam fazê-lo de modo regular, tomando-os
sua contiguidade uns em relação aos outros, a imaginação adquire, por um longo
costume, o mesmo método de pensamento, e percorre as partes do espaço e do
tempo ao conceber seus objetos. Quanto à conexão realizada pela relação de
causa e efeito, basta observar que nenhuma relação produz uma conexão mais
forte na fantasia e faz com que uma
ideia evoque mais prontamente outra ideia que a relação de causa e efeito entre
seus objetos. Para compreender toda a extensão dessas relações sociais, devemos
considerar que dois objetos estão conectados na imaginação. Não somente quando
um deles é imediatamente semelhante ou contíguo ao outro, ou quando é a
representação da própria causa. Mas quando entre eles encontra-se inserido um terceiro
objeto, que mantém com ambos alguma dessas notáveis relações, dentre as três
relações mencionadas, a de causalidade é a de maior extensão social.
Bibliografia geral consultada.
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Aguiar, A Brincadeira de Faz-de-Conta de Papéis Sociais e a Constituição da Personalidade
das Crianças na Pré-escola. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação
em Educação. Santarém: Universidade Federal do Oeste do Pará, 2018; MAFFIA, Gesualdo, Pasolini Crítico
Militante. Da Passione e Ideologia a Empirismo Erético. Tese de Doutorado.
Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas.
Departamento de Letras Modernas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; Artigo: “Green Book Trata da Solidão com Humor Sutil e Surpreende pela Paixão”. In: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/01/23; entre outros.
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