sábado, 27 de junho de 2020

Don Shirley - Música & Formas de Interverter Papéis.


Ubiracy de Souza Braga

                                                A felicidade é um problema individual”. Sigmund Freud



            Don Shirley foi um pianista, compositor, arranjador de jazz e intérprete de música clássica. Era filho do imigrante jamaicano sacerdote episcopal Edwin Shirley e de professora Stella. Começou a tocar piano aos dois anos de idade, e aos sete anos já apresentava desenvoltura e habilidade técnica suficiente para estudar no Leningrad Conservatory of Music. Aos nove anos acompanhava seu pai ao órgão da igreja. Durante a década de 1940, Shirley havia realizado um concerto menor de Tchaikovsky, além de uma composição de sua autoria na Orquestra Filarmônica de Londres. Fez seu primeiro concerto em 1945 com a Orquestra Pops de Boston, ao tocar o Concerto para Piano nº 1, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, e no ano seguinte a Orquestra Filarmônica de  Londres apresentou uma das suas composições. Na década seguinte compôs inúmeras sinfonias de órgãos, concerti de piano, violoncelo, quartetos de corda, óperas de um ato, obras para órgão, piano e violino e um poema de tom sinfônico baseado em Finnegans Wake, o último romance de James Joyce, publicado em 1939, e um dos símbolos da literatura experimental, quando escrito em uma síntese composta pela fusão de palavras, em inglês e outras línguas, tendo como escopo múltiplos significados. Isto para não falarmos da obra de maior destaque, intitulada: Orpheus in the Underworld, de 1956.  
Entre os anos de 1954 e 1968, se apresentou como solista com várias orquestras sinfônicas, incluindo a Orquestra Pops de Boston, fundada em 1885 como uma subsidiária da Orquestra Sinfônica de Boston, a Orquestra Sinfônica de Detroit, fundada em 1914 por dez mulheres da sociedade de Detroit, que contribuíram com 100 dólares para a organização, a Orquestra Sinfônica de Chicago, é uma das cinco orquestras norte-americanas referidas como Big Five, representando as cinco melhores do país. Fundada em 1897, a Sinfônica tem o Orchestra Hall de Chicago como residência e apresenta sua temporada de verão em Ravinia Festival, e a Orquestra Sinfônica Nacional, fundada em 1931 é uma orquestra sinfônica baseada no John F. Kennedy Center, em Washington, DC. A principal função da memória não é preservar as ideias simples, mas sua estrutura dual relativa à ordem e posição. Esse princípio se apoia em aspectos comuns e vulgares do cotidiano que podemos nos poupar o trabalho de continuar insistindo nele. A cooperação nem sempre é um problema. Às vezes, é uma conclusão previsível; outras vezes impossível. Como a imaginação pode separar todas as ideias cumulativas simples, analisa-las e uni-las novamente da forma que lhe aprouver, nada seria mais inexplicável que as operações dessa faculdade, se ela não fosse guiada por alguns princípios universais, que a tornam, em certa medida, uniforme em todos os momentos e lugares.          



Apesar de desejar tocar os clássicos como Chopin, pianista polonês radicado na França e compositor para piano da era romântica, amplamente reconhecido como um dos maiores compositores para piano e um dos pianistas mais importantes da história, e Liszt, compositor, pianista, maestro e professor e terciário franciscano húngaro do século XIX, um dos representantes proeminentes da Neudeutsche Schule, que deixou um legado extenso e diversificados. Influenciou seus contemporâneos e antecipou algumas ideias e tendências do século XX. Algumas de suas contribuições mais notáveis referem-se à invenção do “poema sinfônico”, desenvolvendo o conceito de transformação temática, como parte de suas experiências em forma musical e fazer rupturas radicais em harmonia. Ele também desempenhou um papel importante na popularização de uma grande variedade de música de transcrição para piano. Don Shirley recebeu a recomendação de seu empresário, Sol Hurok, de se dedicar ao jazz, um estilo típico da comunidade afrodescendente, pois não aceitariam, em seu tempo, o papel de “um músico negro tocando música europeia”. Dessa forma, Shirley uniu-se ao baixista Ken Fricker e o violoncelista Juri Taht e formou o Don Shirley Trio, onde se apresentavam e gravavam discos em estúdio. Com o trio, gravou Water Boy em 1961, seu grande sucesso, unindo Chopin à música dos anos 1960. Don Shirley não se considerou um artista e muito menos um intérprete de jazz. Gravou um concerto de Rachmaninoff com a Orquestra Filarmônica de Nova York, mas não conseguiu uma gravadora desse exemplar. Seu talento e argúcia, apesar das dificuldades que enfrentou, eram reconhecidos socialmente. O compositor russo Igor Stravinsky o elogiou dizendo que “seu virtuosismo é digno dos deuses”.
          De formação policompetente, Don Shirley era doutor em Psicologia, falava oito idiomas e, além disso, também sabia pintar. Jazz representa uma manifestação artístico-musical originária de comunidades de Nova Orleans nos Estados Unidos da América. Tal manifestação teria surgido por volta do final do século XIX na região de Nova Orleans, tendo origem na cultura popular e na criatividade das comunidades negras que ali conquistaram um desses lugares praticados mais importantes. Contudo, o jazz se desenvolveu com a associação de várias tradições religiosas, em particular de domínio afro-americano. Esta nova forma de se fazer música incorporava blue notes, chamada e resposta, forma sincopada, polirritmia, improvisação e notas com swing do ragtime. Os instrumentos musicais básicos para o Jazz são aqueles usados em bandas marciais e bandas de dança: metais, palhetas e baterias. No entanto, o jazz, em suas várias formas, aceita praticamente todo tipo de instrumento. As origens da palavra jazz são incertas. A palavra tem suas raízes na gíria norte-americana e várias derivações têm sugerido tal fato. O jazz não foi aplicado como música até 1915. Earl Hines (1903-1983) se tornou um celebrado músico de jazz, e costumava dizer que estava “tocando o piano antes mesmo de a palavra jazz ser inventada”.  Foi compositor, líder de bandas e um dos maiores pianistas da história do Jazz.
Nova Orleans, no estado norte-americano da Louisiana, era no século XIX o que Paris só viria a ser mais de 100 anos depois: uma festa. Desde o século XVIII, ainda sob o domínio dos franceses, o carnaval (Mardi Gras), era tradicionalíssimo. A cidade, fundada em 1718, havia sido território francês e espanhol antes de ser comprada pelos Estados Unidos, em 1803, numa transação de 11 milhões de dólares. Seu porto a tornara um grande polo de escravos, vindos principalmente da África ocidental. Dos antigos colonizadores, Nova Orleans herdara a tolerância da ética católica a manifestações individuais e coletivas dos escravos – bem diferente do resto do país, de orientação ética protestante. Aos domingos, os escravos exibiam suas danças e cantos em Congo Square. Um jornal de 1838 revelava a nova mania de trompetes e cornetas que tomava conta da cidade. Da fusão dos elementos musicais africanos com o som de bandas militares e a tradição erudita européia, ensinada a colonos e creoles, nasciam os embriões do gênero que tornaria a vida social dos negros mais dinâmicos e felizes. 

De 27 milhões de álbuns vendidos em 1914, houve um salto para 100 milhões sete anos depois. Mas, entre 1922 e 1923, quase meio milhão de negros deixaram o sul do país rumo a Chicago e Nova York em busca de oportunidade nos centros industriais. Nova York era a capital dos salões de dança e dos bares clandestinos pós-Lei Seca, que proliferavam: neles, o talento de inúmeros músicos eram atrações principais para chamar público. No Harlem, dois líderes de banda, um branco e um negro, lideravam este gênero na tentativa de orquestrar a música. Paul Whiteman e Fletcher Henderson eram as estrelas da cidade. Em 1924, o jovem Louis Armstrong, trompetista de Nova Orleans, deixou a banda do pioneiro Joe Oliver e se juntou à de Henderson, em Nova York. E o jazz em meados da década deixa 1920 deixa de ser o mesmo. Os Estados Unidos caminham para prosperidade e a juventude dançava ao ritmo das orquestras. A nação vivia uma busca desenfreada pelo prazer e a genialidade de Armstrong era a face  visível dessa grande festa. Entre 1925 e 1928, ele e seu grupo Hot Five e Hot Seven fizeram o estilo deixar de ser apenas uma música coletiva e virar arte. O jazz passou a ser o fascínio que o mundo ocidental tinha pela América, uma nação vibrante.
Don Shirley politicamente esteve ligado aos movimentos sociais dos direitos civis norte-americanos, mantendo amizade com o líder Martin Luther King e músicos negros renomados, tais como Nina Simone, nome artístico de Eunice Kathleen Waymon adotado aos 20 anos, para que pudesse cantar blues escondida de seus pais, que não aceitavam sua opção de ser cantora, antes de tornar-se uma pianista clássica, em bares noturnos de Nova York, Filadélfia e Atlantic City; Duke Ellington, compositor de jazz, pianista e líder de orquestra norte-americana, eternizado com a alcunha The Duke e distinção com a Presidential Medal of Freedom em 1969, e ipso facto, a Ordre National de la Légion d`Honneur, em 1973, as distinções as mais elevadas que um civil pode receber. Foi o primeiro músico de jazz a ingressar para a Academia Real de Música de Estocolmo, obtendo título honoris causa nas mais importantes universidades do mundo; e Sarah Vaughan, descrita por Scott Yanow como “uma das vozes mais maravilhosas do século 20”.  Sarah desenvolveu cedo um amor pela música popular, ouvindo gravações e rádio. No final da década de 1970, Sarah gravou discos no Brasil para as gravadoras RCA e Philips acompanhada de grandes ícones de projeção mundial como Tom Jobim, Dorival Caymmi, Milton Nascimento, Hélio Delmiro, dentre outros. Don Shirley morreu de complicações decorrentes de doenças cardíacas em sua casa em Nova York, que ficava acima da famosa Carnegie Hall, em 6 de abril de 2013, aos 86 anos de idade.
Poucos dentre estes homens resistentes não se tornam, mais cedo ou mais tarde durante a sua inversão radical de papel, clandestinos. Largam atrás de si nomes, profissões, endereços, amigos, parentes. Aprendem até a exaustão a perder o passado, a memória e a si mesmos. A profissão, a família, os laços sociais não importam mais. Vivem exclusivamente em função dos seus fins ético-políticos. A formação policompetente que se origina na Renascença é uma ação relativamente voluntária de poucos homens, por isso só aparentemente tornados exemplares. Configura um modelo de comportamento singular e de atitude individual, festejado, celebrado e idealizado  por toda a sociedade, das elites sociais ao proletariado, próximo da abnegação heroica. A dedicação à causa coletiva desdobra-se nas medidas de um apaixonado e exaltado “esquecimento de si”. Um modo político de viver foi alcançado que serve de espelho moral, que designa a dimensão bela, justa e verdadeira do dever cívico, ato simples, ao alcance de todos e próprio do sentimento humano. Riscos existem, vale advertir, nestas formas-limites do pensar e agir. Recusar a existência na qual cada um se inscreve por filiação, por pertencimento social, pode equivaler a uma espécie de denegação do passado e de suas marcas sociais. Filhos de ninguém, a quem não há diferença entre sexo, a nação, as idades, as aptidões, as circunstâncias individuais e coletivas. Negar elos de pertencimento incide no risco de desacreditar das raízes humanas e arrancá-las.          
A cultura, que caracteriza as sociedades humanas, é organizada/pela via do veículo cognitivo da linguagem, a partir do “capital cognitivo coletivo”, segundo Edgar Morin (1998),  dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. Estas regras metódicas geram processos sociais e regenera globalmente a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. Isso facto, cultura e sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual, se a cultura contém um saber coletivo acumulada em uma memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente a representação de uma dimensão cognitiva: é uma “máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva”. 
É neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem, métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, tabus, o seu etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua ignorância de ignorância. Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento, constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um contínuo, o outro descontínuo (binário).
As aptidões individuais organizadoras do cérebro humano como ocorrem na singularidade do jazzista Don Shirley, necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Nosso espírito reconhece através da nossa cultura, vivem na cultura. Meu espírito, particularmente, reconhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura reconhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras simultaneamente; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores sociais e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, ou níveos de apropriação de saber, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”. Falar em complexidade é falar em relação de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas essa complexidade que permite compreender a possível autonomia relativa do espírito (faculdades intelectuais) e no sentido técnico do cérebro individual.

Mas é assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação á sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais. E em relação à sua determinação cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, pela via de inserção da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é, assim mesmo, um elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual.
As nossas percepções ou mesmo as concepções estão sob um controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas. A percepção é submetida a categorizações, conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento intelectual organiza-se em função de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias sociais e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias. Assim se opera a construção social da realidade, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais (visão), em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (ficção), que constitui a visão social de mundo, que se concretiza em verdade, em erro, ou na mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário, segundo Morin (1998), conceber não só o enraizamento do conhecimento determinado na sociedade e a interação do conhecimento/na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão própria cognitiva.         
Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento. A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de libertá-lo. Mas isso seria, sobretudo, ignorar as potencialidades de autonomia relativa, no interior de todas aquelas culturas, dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde tira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. Assim, o conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica. Sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico. 
            Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as ajuntaria. E seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela qual, entre outras coisas, as línguas se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma forma aponta a cada um de nós as ideias  simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira, de uma ideia a outra, são três, a saber: semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causa e efeito. Dois objetos podem ser considerados como estando inseridos nessa relação pontual, seja quando um deles é a causa de qualquer ação ou movimento do outro, seja quando o primeiro é a causa da existência do segundo. 

Pois como essa ação ou movimento não é senão o próprio objeto, considerado sob um ângulo e, certamente um ponto de vista como o objeto continua o mesmo em todas as suas diferentes situações, é fácil imaginar de que forma tal influência dos objetos uns sobre os outros pode conectá-los na imaginação. Podemos prosseguir com esse raciocínio, observando que dois objetos estão conectados pela relação causa e efeito não apenas quando produz um movimento ou uma ação qualquer no outro, no outro mas também quando tem o poder de os produzir. Notemos que essa é a fonte de todas as relações de interesse e dever através dos quais os homens se influenciam mutuamente na sociedade que se ligam pelos laços de governo e subordinação. Um senhor é aquele que, por sua situação, decorrente quer da força quer de um acordo, tem o poder de dirigir, sob alguns aspectos particulares, as ações conjugadas de outro homem. Um juiz é aquele que, em quase todos os casos litigiosos entre membros da sociedade, é capaz de decidir, com sua opinião privatista a quem cabe a posse ou a propriedade de determinado objeto. Quando uma pessoa possui certo poder, nada mais é necessário para convertê-lo em ação que o exercício da vontade. E isso, em todos os casos, é considerável possível, e provável, especialmente no caso do uso da autoridade, em que a obediência do súdito representa um prazer e uma vantagem para seu superior.  
Está claro que, no curso de nosso pensamento social e na constante circulação de nossas ideias, a imaginação passa facilmente de uma ideia a qualquer outra que seja semelhante a ela. Assim como existe o nascimento de uma semiologia e sociologia da celebridade e até mesmo mais recentemente, uma economia da celebridade e tal qualidade, por si só, constitui um vínculo afetivo e uma associação suficiente para a fantasia. É também evidente que, com os sentidos, ao passarem de um objeto a outro, precisam fazê-lo de modo regular, tomando-os sua contiguidade uns em relação aos outros, a imaginação adquire, por um longo costume, o mesmo método de pensamento, e percorre as partes do espaço e do tempo ao conceber seus objetos. Quanto à conexão realizada pela relação de causa e efeito, basta observar que nenhuma relação produz uma conexão mais forte na fantasia e faz com que uma ideia evoque mais prontamente outra ideia que a relação de causa e efeito entre seus objetos. Para compreender toda a extensão dessas relações sociais, devemos considerar que dois objetos estão conectados na imaginação. Não somente quando um deles é imediatamente semelhante ou contíguo ao outro, ou quando é a representação da própria causa. Mas quando entre eles encontra-se inserido um terceiro objeto, que mantém com ambos alguma dessas notáveis relações, dentre as três relações mencionadas, a de causalidade é a de maior extensão social.
Bibliografia geral consultada.

CLAGHORN, Charles Eugene, Biographical Dictionary of American Music. New York: Parker Publishing Company, 1973; LOYONNET, Paul, Les Gestes et la Pensée du Pianist. Montreal: Éditions Louise Courteau, 1988; HERNDON, Marcia; ZIEGLER, Susanne (Eds.), Music, Gender, and Culture. Bremen (Wilhelmshaven): Editor Florian Noetzel, 1990; LEJEUNE, Philippe, Le Pacte Autobiografique. Paris: Éditions Du Seuil, 1996; KUNDERA, Milan, La Identidad. Barcelona: Tusquets Editores, 1998; MORIN, Edgar, Introducción al Pensamiento Complejo. Barcelona: Editorial Gedisa, 1998; MONTEIRO,Fabiano Dias, Retrato em Branco e Preto, Retratos sem Nenhuma Cor: A Experi~encia do Disque-Racismo da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003; NEVES, Christianne Maria De Dominicis, A Composição para Filmes no Exemplo de Dave Grusin. Dissertação de Mestrado.  Programa de Mestrado em Música. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2004; HITA, Maria Gabriela, “A Família em Parsons: Pontos, Contrapontos e Modelos Alternativos”. In: Revista Anthropologicas. Ano 9. Volume 16(1), 2005;  HOBSBAWM, Eric, História Social do Jazz. 5ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2007; FAST, Howard, Sacco & Vanzetti: A História de dois Imigrantes Italianos Condenados á Morte. Rio de Janeiro: Edições Bestbolso, 2009; LIMA, Géssica de Aguiar, A Brincadeira de Faz-de-Conta de Papéis Sociais e a Constituição da Personalidade das Crianças na Pré-escola. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Santarém: Universidade Federal do Oeste do Pará, 2018; MAFFIA, Gesualdo, Pasolini Crítico Militante. Da Passione e Ideologia a Empirismo Erético. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas. Departamento de Letras Modernas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; Artigo: “Green Book Trata da Solidão com Humor Sutil e Surpreende pela Paixão”. In:  https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/01/23; entre outros.

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