quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Sônia Braga - Arte Cinematográfica & Vida entre Paixões.

        Ubiracy de Souza Braga*
 

Não quero ser a estrela do nosso cinema, mas que o nosso cinema seja a estrela no qual trabalho”. Sonia Braga
                                        
           
                         
Sônia Braga estreou na carreira artística aos 18 anos, na peça teatral Hair, da qual foi a grande estrela. No cinema protagonizou importantes papéis em Dona Flor e Seus Dois Maridos, Eu Te Amo e A Dama do Lotação. No primeiro caso, trata-se de um filme baseado em um dos romances mais conhecidos do escritor brasileiro Jorge Amado, membro da ABL, que o publicou em 1966, em plena ditadura militar castilhista (cf. Figueiredo, 1980). Na terceira parte do livro os acontecimentos se “atropelam” e assumem um estilo do “realismo fantástico”, quando o espírito de Vadinho (que era filho assumem um estilo do “realismo fantástico”, quando o espírito de Vadinho (que era filho de Exu) retorna e passa a atormentar Dona Flor. Somente ela vê Vadinho, que quando está com Dona Flor parece ser capaz de realizar as mesmas coisas que fazia na cama quando estava vivo. Dona Flor hesita em se manter fiel ao novo marido ou ceder ao espírito do primeiro. Queremos dizer com isto que o realismo mágico está presente na literatura e na realidade latino-americana. A fantasia do escritor, trabalhada por sua linguagem, produz a magia da escritura. O que há de novo é que ressoa a realidade na ficção, da mesma forma que esta naquela. Uma povoa a outra. Há acontecimentos, situações, figuras, sombras, ecos, labirintos que aparecem pela aura da escritura.
Há expressões, imagens, metáforas, alegorias no romance que revelam a fantasia do real. Assim como pode ser um traço fundamental de uma época da história da literatura latino-americana. Um estilo literário que revela o espírito da cultura dessa época. E esta altura, por sua vez, ressoa os trabalhos e os dias, os impasses e as lutas, as derrotas e as façanhas da vida das pessoas, famílias, grupos, classes, movimentos sociais e outros setores ou “manifestações de vida” no sentido simmeliano do termo, nas sociedades nacionais, do continente e das ilhas. Talvez tenham sido os desafios característicos da história social e política que transformaram a cultura da América Latina em um vasto arsenal de fatos surpreendentes, insólitos, brutais, incríveis, encantados; isto  é, “uma profusão de fantasias, maravilhas e barroquismos”. Os impasses e as façanhas de uma época permitem reler o passado e o presente. É como se um novo horizonte iluminasse de repente todo o vasto mural da história, revelando fatos e feitos que adquire outro movimento, som, cor. O romancista pode ser um cronista “fora do tempo”, narrando o imaginado e o acontecido segundo a luz que o ilumina. Ele pode representar “um estilo de olhar” na medida em que o realismo mágico parece uma “superação do realismo social, crítico”. Tem sido visto como um estilo diferente, novo.
 

Destarte a estreia de Sonia Braga como atriz ocorreu no teatro, e logo num papel pra lá de polêmico. Pela insistência do produtor, conseguiu, aos 18 anos, um papel com nudez na peça “Hair”. Foi a primeira peça a trazer atores nus para os palcos brasileiros. No cinema, conseguiu sua primeira oportunidade no mesmo ano, no antológico “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla. Vale lembrar que João Acácio Pereira da Costa, conhecido como “Bandido da Luz Vermelha” (1942-1998), foi um notório criminoso brasileiro. O reconhecimento internacional veio com “O Beijo da Mulher Aranha” (“Kiss of the Spider Woman”, 1985), de Hector Babenco. O filme narra uma história estereotipada do prisioneiro político de esquerda Valentín Arregui (Raul Julia) e Luís Molina (William Hurt), que em como representação social um “homossexual afeminado”  condenado por “corrupção de menor”. Os dois dividem uma cela numa prisão brasileira. Molina relembra, na prisão, um de seus filmes favoritos, um suspense romântico de guerra que também é uma propaganda nazista. Ele descreve os personagens do filme numa narrativa que traz conforto a Arregui para distraí-lo da dura realidade da prisão e da separação social da mulher que ama. Arregui permite que Molina penetre sua auto-defensiva intimidade e abre seu coração para ele.
     Dirigido magistralmente por Hector Babenco, ”O Beijo da Mulher-Aranha” é uma obra prima, com roteiro primoroso de Leonard Shrader baseado no best-seller de Manuel Puig, tornou-se um clássico absoluto imediatamente, aclamado no Festival de Cannes e posteriormente pelo Globo de Ouro, BAFTA e o Oscar. Apesar de suas boas discussões sobre a política como background no cinema, uma quase improvável amizade se desenvolve entre os dois prisioneiros: o sonhador e o ativista político. À medida que a história se desenvolve, fica claro que Arregui está sendo envenenado pelos carcereiros para que revele o que sabe. Molina, ao que tudo indica, também pode ter outras intenções, ou seja, seus sentimentos românticos por Arregui. Produzido em conjunto entre Brasil e Estados Unidos, reuniu ao lado de Sônia Braga os renomados atores William Hurt e Raul Julia. O trio de atores e o diretor ganharam destaque na mídia norte-americana, tendo suas carreiras projetadas internacionalmente. Foi indicado ao Oscar de Melhor Filme, com Sônia Braga sendo indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz. Atingia, ali, o auge de sua popularidade internacional.           
Aproveitando o bom momento de realização profissional, estética e artística, Sônia Braga deixou o Brasil ainda em 1985, logo após a concretização do movimento político Diretas Já de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido entre 1983-1984, indo morar nos Estados Unidos. Lá, artisticamente envolveu-se com os mais diversos tipos de produção cinematográfica como: “Moon over Parador” (Br/Pt: “Luar sobre Parador”) é um filme estadunidense de 1988, do gênero comédia, dirigido por Paul Mazursky, com roteiro de Leon Capetanos e Paul Mazursky, baseado em história social de Charles G. Booth, música de Maurice Jarre e direção de arte do brasileiro Marcos Flaksman. O filme teve locações em Nova Iorque, e no Brasil especificamente ans cidades históricas de Ouro Preto, Rio de Janeiro e Salvador. “Rebelião em Milagro” (1988), a morte do presidente/ditador de um país latino-americano faz com o chefe de seu gabinete, Roberto Strausmann, convença o ator Jack Noah, que “é um sósia do morto, a assumir seu lugar”. Desta forma, Strausmann pode governar, usando Noah como fantoche. Porém, a namorada do falecido, Madonna Mendez, ao contrário da população sabe da verdade da substituibilidade.

                             
Sonia Braga fez alguns telefilmes incluindo sua participação no seriado “The Bill Cosby Show”. Um dos visionários a levar cinema para TV foi o genial Alfred Hitchcock. Na primeira metade dos anos 1990, Sônia Braga percebe que os papéis começavam aparentemente a diminuir. Depois de fazer “A Última Prostituta” (1991) onde um ancião conta aos sobrinhos a história da cortesã Loah Campos, que foi amante de homens poderosos. Ao descobrirem que a mulher vive agora reclusa numa fazenda do Texas, os dois partem para lá e buscam emprego, “a fim de perder a virgindade com uma mulher experiente” e “Amazônia em Chamas” (1994), que narra a história política de Chico Mendes, (Xapuri, 15 de dezembro de 1944 - Xapuri, 22 de dezembro de 1988) um seringueiro, sindicalista e ativista ambiental brasileiro assassinado. O homem condenado por ser o mandante da morte do sindicalista Chico Mendes, o fazendeiro Darly Alves da Silva, afirmou em entrevista concedida pelas lentes do Fantástico (Rede Globo de Televisão) que o seringueiro “não valia nada”. Segundo ele, foi Chico Mendes “quem se matou” porque “mexeu com todo mundo”. Sua atividade política visada à preservação da Floresta Amazônica lhe deu projeção mundial. Neste período, como vimos, Sônia Braga voltou a se dedicar a algumas produções no Brasil. E, logo de cara, retornou às adaptações de Jorge Amado, com “Tieta do Agreste” (1996), de Cacá Diegues.   
A partir daí, começou a fazer participações especiais em novelas, mas sempre aparecendo hic et nunc em outro filme, tais como: “Cidade do Silêncio”, “Um Amor Jovem” ou nas séries norte-americanas: “CSI: Miami”, “Alias: Codinome Perigo”, “Ghost Whisperer”. Em “Páginas da Vida”, apelava Sônia Braga aos jornalistas que acompanharam, no Rio de Janeiro, as gravações do último episódio: - “Vocês têm que compreender que eu estou sempre fazendo uma novela”. Como toda celebridade, vidrada em fama e holofotes, a atriz não escondeu a cara perante as câmaras e as objetivas. E na festa, que ocorreu no Porcão Rio’s, Sônia Braga parecia ser a “estrela da novela”, pela atitude de vedete que revestiu a sua entrada no recinto. O objetivo era mesmo chamar a atenção. Uma mulher sabe chamar atenção. Sorrisos, beijos lançados para os fãs, piscares de olho e um insinuante despir-se do casaco para os fotógrafos, marcaram a entrada da atriz, que demorou mais tempo na “passarela vermelha” do que provavelmente qualquer outro colega. Na novela escrita por Manoel Carlos, conhecido pelos cariocas como Maneco e morador da bela praia do Leblon, em exibição na SIC, a pose é a mesma e Sônia Braga “bebe cada cena como se fosse a derradeira”. Como que agradecendo a Deus o fato de, com a proximidade dos 6o anos ter a oportunidade de brilhar no gênero que, na década de 1970, a lançou para a fama na interpretação da doce e sensual “Gabriela”.
Em “Páginas da Vida”, uma novela em meu modo de entender claustrofóbica, Sônia Braga interpreta a escultora Tônia Werneck. Tônia é uma artista plástica sedutora, que vive uma paixão tórrida com um homem mais novo e casado (Edson Celulari) e termina a história nos braços de um galã serôdio (Tarcísio Meira) que, curiosamente, é sogro do primeiro. Depois de várias décadas vivendo nos Estados Unidos, onde protagonizou um tórrido romance com Robert Redford, a própria atriz responde à imprensa: - “Graças a vocês [jornalistas] eu tive um marido e um namorado. Espero que não me separem agora que acabou a novela”. A imprensa brasileira relata ao pormenor o seu namoro com o ator Sidney Sampaio, 29 anos mais novo. Mas Sônia Braga nega ter uma relação séria: “Isso foi a imprensa que inventou”, disse ao canal  Correio TV na festa que se seguiu às gravações da trama escrita por Manoel Carlos, afirmando ainda: - “Desde o começo que nós somos amigos. Um dia, num desfile, eu disse que usava uma aliança criada pelo joalheiro Antônio Bernardo e depois dei-lhe uma igual, no Natal, porque ele adora anéis. Foi um presente de amigo”. No entanto, este é apenas mais um maravilhoso caso, seja verdadeiro ou não, que a atriz coleciona na memória como qualquer ser humano feliz com as suas realizações em seu campo afetivo e de trabalho.
Foi com as personagens de Jorge Amado que ela redescobriu sua sensualidade como “Gabriela”, “Dona Flor” e “Tieta”. Uma mulher, para lembrarmo-nos de Simone de Beauvoir, “não nasce mulher, torna-se”. Na tranquilidade de Petrópolis, em 1958, escreve “Gabriela, cravo e canela”. O livro, publicado em agosto, esgota 20 mil exemplares em apenas duas semanas; até dezembro venderia mais de 50 mil exemplares. Sai o disco “Canto de amor à Bahia e quatro acalantos de Gabriela, cravo e canela”, trazendo leituras de Jorge Amado e música de Dorival Caymmi. No ano seguinte, “Gabriela” coleciona prêmios: Machado de Assis, do Instituto Nacional do Livro; Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro e Luiza Cláudio de Souza, do Pen Club, são alguns deles. O romance ultrapassa a casa dos 100 mil exemplares vendidos. Recebe em Salvador, do Axé Opô Afonjá, Muniz Sodré de Araújo Cabral, autor de livros e artigos, entre eles: “O dono do corpo” (1998), “La Città e il Tempi” (1998), “Multiculturalismo” (1999), “Corpo de Mandinga” (2002), “Antropológica do Espelho” (2002) , um dos mais altos títulos do candomblé, o de obá orolu, também receberam tal distinção o compositor Dorival Caymmi e o artista plástico Carybé. “Obá, no sentido primitivo, é um dos doze ministros de Xangô”, explica Jorge Amado. Funda a Academia de Letras de Ilhéus. Lança na revista Senhor, do Rio de Janeiro, a novela “A morte e a morte de Quincas Berro D`água”; a ideia inicial era que este texto, de 98 páginas e escrito em dois dias, integrasse o romance “Os pastores da noite”. Naquela mesma publicação sairia o conto: “De como o mulato Porciúncula descarregou o seu defunto”.
Sonia Braga se transformou em sinônimo dos principais personagens libertários femininos deste escritor baiano e no símbolo sexual do cinema brasileiro. Com 12 milhões de espectadores, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” até então recordista de público do cinema brasileiro. Raul Julia foi seu parceiro em quatro filmes. O ator porto-riquenho morreu em 1994 e foi um dos colegas mais especiais da vida de Sonia Braga. São púbicos seus flertes e namoros com Robert Redford, Clint Eastwood, Caetano Veloso, Warren Beatty, Chico Buarque, Djavan, Pelé, Mick Jagger e Pat Metheny. Grande sucesso de público nos anos 1980, Eu Te Amo é uma fantasia romântica sobre o desejo e a paixão. Tudo se passa dentro de um apartamento fantástico, como um caleidoscópio ou um palácio de espelhos, onde “os delírios do amor e do sexo se refletem num ritmo alucinante”. É a história de um homem, industrial falido no chamado “milagre econômico” dos anos 1970, e de uma mulher que deseja desesperadamente se amar e que, ao mesmo tempo, têm um medo brutal desse encontro. O filme Eu Te Amo começa como drama psicológico, evolui para a comédia e erotismo e acaba como um grande delírio musical. Mas o que há de fantástico/mágico é que este filme tendo sido rodado em 1981 atravessa duas décadas e continua com uma projeção atual, não apenas nos discursos amorosos, mas, sobretudo nos sentimentos que deveríamos todos ter o sentimento à flor da pele, a sede de amar e de descobrir um mundo novo atrás do amor.
       Enfim, A Dama do Lotação é um filme brasileiro de 1978 do gênero drama erótico, dirigido por Neville de Almeida baseado em uma história de Nélson Rodrigues. O filme é “a quarta maior bilheteria da história do cinema brasileiro, com 6 508 182 espectadores”. Na televisão, um de seus primeiros trabalhos deu-se na versão brasileira do programa educativo infantil Vila Sésamo (“Sesame Street”), em que interpretava a professora Ana Maria. Vila Sésamo foi uma série de televisão, uma versão brasileira baseada no programa infantil norte-americano “Sesame Street”, criado pela Children’s Television Workshop de Nova York, baseado em opiniões e conceitos emitidos por técnicos de educação e agência de publicidade norte-americana. Mas seus maiores sucessos foram as telenovelas Gabriela e Dancin`Days, sendo esta uma telenovela brasileira, produzida e exibida pela Rede Globo de 10 de julho de 1978 a 27 de janeiro de 1979, às 20 horas. Foi escrita por Gilberto Braga e dirigida por Daniel Filho, Gonzaga Blota, Dênis Carvalho, Marcos Paulo e José Carlos Pieri, tendo contado com 173 capítulos. Júlia de Souza Matos é uma ex-presidiária, que ganha liberdade condicional após onze anos de prisão. Ela foi presa por atropelar acidentalmente, um homem durante a fuga a um assalto a um banco. Após sair da cadeia, onde sofreu muito, ela tenta se reaproximar da filha, Marisa de Souza Matos, tendo como obstáculo a irmã.

Após vinte anos viver nos Estados Unidos da América, em 2006, Sônia Braga regressou ao Brasil para participar de uma telenovela inteira, Páginas da Vida, de Manoel Carlos, “onde interpretou uma escultora internacionalmente reconhecida”. É uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Globo no horário nobre da emissora, entre 10 de julho de 2006 e 2 de março de 2007, totalizando 203 capítulos. A novela, que substituiu Belíssima, de Sílvio de Abreu, foi escrita por Manoel Carlos com colaboração de Fausto Galvão, Maria Carolina, Leandra Pires, Juliana Peres, Ângela Chaves e Daisy Chaves, dirigida por Jayme Monjardim, Fabrício Mamberti, Teresa Lampreia, Fred Mayrink e Luciano Sabino e com direção de núcleo de Jayme Monjardim. Sua última participação completa fora em 1980, em Chega Mais. Na trama Tom e Gelly vivem uma relação difícil. Ela se complica ainda mais quando Tom é sequestrado no dia do seu casamento com Gelly deixando-a aflita no altar. Ele planejou o sequestro para a família de Gelly pagar o resgate.
        O que Tom não sabia é que a família composta pelos pais Agda e Belmiro, o irmão Dadá, a tia Lili e a avó Cândida, vivem em uma crise financeira. Depois disso, ela participou dos primeiros quinze capítulos da telenovela dita “de época”: Força de um Desejo, em 1999. No Século XIX, Vale do Paraíba, Rio de Janeiro. Higino Ventura (Paulo Betti) é o ex-mascate que enriqueceu com negócios escusos e que comprou a fazenda Morro Alto, na localidade de Vila de Sant`Anna, para se aproximar de sua antiga paixão, Helena (Sônia Braga), moradora da fazenda vizinha, a Ouro Verde, agora casada com o poderoso Barão Henrique Sobral (Reginaldo Faria). Ele está disposto a tudo para reconquistar Helena, inclusive comprar a Ouro Verde e obter o título de nobreza e o mesmo status do barão. Mas Helena, apesar de amar o marido e desprezar Higino, sofre nas mãos do barão, pois este sabe que Abelardo (Selton Mello), que criou como seu filho, é na verdade filho de Higino. O segredo é uma lei de atração

Bibliografia geral consultada. 
FIGUEIREDO, Eurico de Lima, Os Militares e a Democracia. Rio de Janeiro: Graal Editor, 1980; SODRÉ, Muniz, Samba - O Dono do Corpo. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 1998; Idem, Reinventando la Cultura. Barcelona: Ediciones Gedisa, 1998; Idem, Claros e Escuros. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1999; RODRIGUES, Nelson, A Dama do Lotação e outros contos e crônicas. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1992; Idem, Flor de Obsessão. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1997; AMADO, Jorge, Bahia de Tous les Saints. Paris: Éditions Gallimard, 1979; ALBERONI, Francesco, O Erotismo, Fantasias e Realidades do Amor e da Sedução. São Paulo: Editora Circulo do Livro, 1986; RIBEIRO, Darcy, O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do Brasil. 2ª edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1995; CALDAS, Sonia Regina de Araújo, Gabriela, Baiana de Todas as Cores. Tese de Doutorado. Departamento de Letras e Linguística. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2003; SILVA, Marcia Regina Carvalho da, A Canção Popular na História do Cinema Brasileiro. Tese de Doutorado em Multimeios. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2009; HERMAN, Gláucia Jacuk, Os Passos de Gabriela: Adaptação para Televisão (1975-2012). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. São Paulo: Universidade Paulista, 2016; entre outros.   
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Ley Maria da Penha – Diez Años Después!

                                                                                                             Ubiracy de Souza Braga*

Neste momento, venho a público lamentar que versões distorcidas sobre um episódio ocorrido na intimidade estejam sendo divulgadas como única expressão da verdade”. Lírio Albino Parisotto.
 

                 Lírio Albino Parisotto é um empresário brasileiro e um dos bilionários mais ricos do Brasil e do mundo (1577º). É também segundo suplente do Senador Eduardo Braga (PMDB). Segundo a revista Forbes, tem uma fortuna superior a US$1,43 bilhão. Tem um fundo de investimentos superior a R$1 bilhão na corretora Geração Futuro. É controlador da petroquímica Innova. Natural de Nova Bassano no Rio Grande do Sul. Passou infância e adolescência na área rural da Serra Gaúcha, Rio Grande do Sul.  Cursou o seminário para tornar-se padre e formou-se em Medicina pela Universidade de Caxias do Sul. Lírio Parisotto namorou Luíza Brunet. Foi denunciado por agredi-la em 2016. Segundo Luíza Brunet, Lírio lhe dera um soco no olho e uma sequência de chutes que lhe teriam quebrado quatro costelas. Devido à denuncia, o Ministério Público de São Paulo proibiu Lirio de se aproximar e de manter contato com Luíza. Lírio afirma também que Luíza já o havia agredido em 2015, quando precisou tomar 10 pontos.
               A proposição de que toda a explicação linguística deve ser baseada na relação social entre linguagem, uso e contexto, conduz à tarefa de explicar o objeto linguístico tendo como referência o contexto da interação social no qual estão situados falantes, ouvintes e a fala pragmática de ambos. A perspectiva da linguagem, como instrumento de interação social, tem por objetivo revelar a instrumentalidade da linguagem no quadro das circunstancias sociais. Consideramos que o processo de interação social é uma atividade cooperativa estruturada em torno de regras sociais e convenções. Por sua vez, as regras inerentemente linguísticas devem ser consideradas instrumentais em relação aos objetivos associados aos princípios comunicativos compreendidos na interação social. As metáforas são fundamentadas em correlações sistemáticas encontradas em nossa experiência.
                No âmbito sociológico das emoções através das metáforas do poder apresenta uma estreita e singular correlação ideológica com o campo de poder semântico da guerra. Sabemos que o cotidiano da vida é marcado pela luta diária pela vida; quer seja pela sobrevivência, quer seja pelo status de poder. No contexto social e ideológico das notícias tratam de política ou a violência do dia a dia nos quais predominam os exemplos de violência contra a mulher, a linguagem reflete e se materializa, simbolizando esse embate de forças sociais e políticas presentes em nosso cotidiano. A estrutura gramatical está vinculada ao uso social que se faz da língua, no contexto da situação comunicativa, que impõe compreender a gramática motivada pelas circunstâncias específicas do uso. A motivação tanto pode estar embasada nas necessidades comunicativas não satisfeitas pelas formas existentes, como na existência de conteúdos cognitivos para os quais aparentemente não existem designações linguístico-sociológicas, devendo-se observar ainda que,  as novas formas gramaticais podem desenvolver-se a despeito da existência de estruturas anteriores funcionalmente equivalentes.


            
Luíza Botelho da Silva é atriz, modelo e empresária. Nasceu em 24 de maio de 1962. É considerada um dos maiores símbolos sexuais brasileiros do século 20. Entre 1995 e 2001, ganhou quatro títulos como Madrinha de Bateria da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense. É mãe da modelo Yasmin Brunet, que tem uma sólida carreira internacional.  Luíza Botelho da Silva nascida em Itaporã, em 24 de maio de 1962, é reconhecida internacionalmente com o nome artístico Luíza Brunet. Filha de Luiz da Silva, agricultor cearense de Sobral, e de Alzira Botelho, uma costureira carioca, Luíza Brunet nasceu numa casa humilde de madeira em Itaporã, no Mato Grosso do Sul. Foi a segunda de oito irmãos. Aos 9 anos, seus pais decidem deixar sua vida humilde com seus seis filhos rumo a Inhaúma, subúrbio do Rio de Janeiro. Como o pai vivia de “bicos”, Luiza logo começou a trabalhar. Aos doze anos, era babá, depois virou empregada doméstica, empacotadora e vendedora.
Aos 16 anos, conheceu e casou-se com o engenheiro Gumercindo Brunet, onze anos mais velho, do qual viria a se separar após 6 anos. Tornou-se famosa no início da década de 1980, quando se tornou “top model” exclusiva das calças Dijon e ensaios nus para revistas masculinas, como “Ele e Ela” (1983) e “Playboy” (1984-1986). Com forte apelo visual, Luiza tornou-se um dos grandes símbolos sexuais do Brasil. Em 1985, casou-se com Armando Fernandez, um antiquário argentino radicado no Brasil. Com ele teve dois filhos, Yasmin, em 1988, e Antônio, em 1997. Sua filha tem uma sólida carreira como modelo. Luiza e Armando se divorciaram em 2008. Como atriz, Luíza Brunet teve uma carreira curtíssima, com apenas dois papéis longos em novelas, diversas participações especiais, e o filme “Os Trapalhões e o Rei do Futebol”. A própria atriz declara que era despreparada para “atuar”, e foi muito criticada em resenhas do filme dos Trapalhões. Politicamente já tomou parte numa campanha de prevenção ao câncer de mama e também se engajou numa campanha de amamentação.  
A modelo e atriz Luiza Brunet abriu o jogo sobre o fim de seu relacionamento com o empresário Lírio Albino Parisotto. Em entrevista à coluna de Ancelmo Gois, do jornal “O Globo”, ela revelou ter sido espancada pelo ex-namorado na madrugada do dia 21 de maio. Segundo o relato de Luiza, eles estavam em Nova York por conta de uma premiação, e ela teve que voltar às escondidas após sofrer uma série de agressões, iniciada por um momento de exaltação de Lírio. Luiza representou queixa no Ministério Público de São Paulo, com um laudo de corpo de delito do IML. Enquanto jantavam em um restaurante com amigos, o empresário se enfureceu ao ser questionado se iria a uma exposição de fotos. Ele teria dito que não, pois da última vez havia sido confundido com Armando, ex-marido da modelo. A partir de então, ele se manteve em total descontrole. -  Fui para Nova York acompanhá-lo para o evento “Homem do Ano”. Saímos do restaurante e pegamos um Uber.



A biofarmacêutica Maria da Penha Maia lutou durante 20 anos para ver seu agressor condenado na cidade de Fortaleza, Ce. Desde a criação da Lei Maria da Penha, segundo dados da Delegacia da Mulher, foram feitos 19.528 atendimentos; 1.576 inquéritos foram enviados à Justiça; 800 agressores foram presos; e 4.600 medidas protetivas foram expedidas. Houve ainda a redução das mortes. Ela virou símbolo contra a violência doméstica como representante da lei que leva seu nome: Maria da Penha! Um balanço divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha demonstra que existem aproximadamente 150.532 processos tramitando nas varas especializadas de violência doméstica e familiar contra a mulher, cuja criação está prevista na Lei. Segundo o que foi divulgado pela mídia, dois anos e sete meses depois de sancionada a legislação, o Relatório apresenta índices que foram decretadas 11.175 prisões em flagrante e 915 preventivas. Dos 75.826 processos que já tiveram sentença, 1.808 levaram o réu para trás das grades – 2% do total. Em relação às medidas protetivas, como retirar o agressor de casa ou impedi-lo de aproximar-se da vítima, foram 88.972 pedidos desde a criação da lei, mas apenas 19,4 mil (ou 22%) deferidos, segundo o balanço (Cf. Soares, CLAM, 15.04.2009).            
Ao chegar ao apartamento, ele me deixou dentro do carro e subiu - disse Luiza ao jornal. Ela diz ter subido para o apartamento logo na sequência e deparado com Lírio já de roupão assim que entrou na residência. Luiza afirma que ele iniciou uma série de agressões verbais e, em seguida, a acertou com um soco no olho e lhe disparou uma sequência de chutes. - Eu sempre tive uma família estruturada e sempre fui discreta em minha vida pessoal. É doloroso aos 54 anos ter que me expor dessa maneira. Mas eu criei coragem, perdi o medo e a vergonha por causa da situação que nós, mulheres, vivemos no Brasil. É um desrespeito em relação à gente. O que mais nos inibe é a vergonha. Há mulheres com necessidade de ficar ao lado do agressor por questões econômicas, porque está acostumada ou mesmo por achar que a relação vai melhorar - relatou à publicação. Ainda consta que o empresário a teria imobilizado e quebrou quatro (04) de suas costelas. O fim da tortura acabou quando a modelo ameaçou gritar pelo concièrge. Ela teria conseguido escapar e se trancou no quarto da manhã seguinte, quando pode retornar provavelmente escondida e às pressas ao Brasil.
O conservadorismo, em certo sentido, surgiu do tradicionalismo: de fato, ele é primordialmente nada mais do que o “tradicionalismo tornado consciente”. Apesar disso, os dois não são sinônimos, na medida em que o tradicionalismo só assume seus traços especificamente conservadores, enquanto expressão de um modo de vida e pensamento, como um movimento relativamente autônomo no processo social. Uma das características mais essenciais desse modo de vida e desse pensamento conservador parece ser a forma como ele se apega ao imediato, o real, o concreto. O conservador vivifica em termos dos “sistemas como reação”, quando é forçado a desenvolver um sistema próprio para contrapor ao dos progressistas ou quando a marcha dos acontecimentos, o priva de qualquer influência sobre o  imediato, de tal forma que ele seria obrigado a “girar a roda da história para trás” a fim de reconquistar a sua influência ao nível ideológico ou de efeitos propriamente dito de poder.
Sua natureza peculiar pode ser mais claramente percebida no seu conceito de propriedade de forma anteriormente diversa da propriedade de hoje. Aquele sentido genuíno trazia consigo certos privilégios para seu dono; dava-lhe vez nas questões de Estado, o direito de caçar, de se tornar membro de júri. Dessa forma (a propriedade) estava estreitamente ligada à honra pessoal e, portanto, era em certo sentido inalienável. Assim, existia uma relação completamente intransferível e recíproca entre uma propriedade em particular e um dono em particular. O conceito abstrato de propriedade da burguesia suprimiu a antiga concretização do conhecimento. A abstração das relações humanas sob o capitalismo, que é constantemente enfatizada na dialética por Marx, e é claro depois dele, foi originalmente uma descoberta sociológica dos observadores do campo conservador por que são conservadores. 
O fundamental é que essa insistência sobre o “concreto”, ou antiga concretização do conhecimento, é um sintoma do fato ontológico de que o conservadorismo conhece os processos históricos em termos de relações sociais e situações políticas que existem apenas como restos do passado, e do fato de que os impulsos em direção à ação, que brotam dessa maneira de se conhecer a história, são também centradas sobre relações passadas que ainda sobrevivem cotidianamente no presente. O pensamento conservador autêntico tem sua relevância e dignidade baseada em algo mais do que mera especulação baseada no fato de que as atitudes vistas desse tipo ainda sobrevivem em vários setores da sociedade. Somente quando a natureza peculiar da objetividade de uma configuração estrutural dinâmica for apreendida pode-se distinguir um comportamento autoritário/conservador de um  tradicionalista. É o caso particular/concreto de analisar “o crescente número de assassinatos de mulheres e a omissão do poder público no estado do Ceará, onde os criminosos se utilizaram de outros meios violentos, tais como espancamento, pauladas, pedradas, sufocamento e maus-tratos. Houve, inclusive, o caso de uma jovem que foi decapitada (…). A maioria absoluta dos crimes de assassinato de mulheres tem motivo passional”.
Apesar de ser um crime e grave violação de direitos humanos, a violência contra as mulheres segue vitimando milhares de brasileiras reiteradamente: 38,72% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente; para 33,86%, a agressão é semanal. Esses dados foram divulgados no Balanço dos atendimentos realizados de janeiro a outubro de 2015 pela Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR). Na Apresentação – “Uma Vida sem Violência”, Maria da Penha afirma o seguinte: “a Lei Federal nº. 11.340, representa um marco na história de luta dos movimentos de mulheres. Ela veio para corrigir a desigualdade de poder que existe entre homens e mulheres em nossa sociedade e que se expressa de forma oculta, protegida pelas paredes do lar e naturalizada pela cultura machista (…). Em 2001 o Brasil foi condenado pela CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos ´ante a impunidade e o padrão de ineficácia da ação judicial e tolerância estatal frente aos casos de violência doméstica contra as mulheres no Brasil`(…) ´a violação contra Maria da Penha faz parte de um padrão geral de negligência e falta de efetividade do Estado para processar e condenar aos agressores, e prevenir essas práticas degradantes” (cf. Lei Maria da Penha, p. 7). Dos relatos etnográficos de violência registrados na Central de Atendimento nos dez primeiros meses de 2015, representam dados em torno de 85,85% que corresponderam a situações concretas de violência doméstica e familiar contra as mulheres.
           Em 67,36% dos relatos, as violências foram cometidas por homens com quem as vítimas tinham ou já tiveram algum vínculo afetivo: companheiros, cônjuges, namorados ou amantes, ex-companheiros, ex-cônjuges, ex-namorados ou ex-amantes das vítimas. Em torno de 27% dos casos, o agressor era um familiar, amigo, vizinho ou conhecido. Em relação ao momento em que a violência começou dentro do relacionamento, os atendimentos de 2014 revelaram que os episódios de violência acontecem desde o início da relação (13,68%) ou de um até cinco anos (30,45%).  Nos dez primeiros meses de 2015, do total de 63.090 denúncias de violência contra a mulher, 31.432 corresponderam a denúncias de violência física (49,82%), 19.182 de violência psicológica (30,40%), 4.627 de violência moral (7,33%), 1.382 de violência patrimonial (2,19%), 3.064 de violência sexual (4,86%), 3.071 de cárcere privado (1,76%) e 332 envolvendo tráfico (0,53%). Os atendimentos meramente estatísticos registrados pelo Ligue 180 revelaram que 77,83% das vítimas possuem filhos (as) e que 80,42% desses (as) filhos(as) presenciaram ou sofreram a violência doméstica.
Dos 4.762 homicídios de mulheres registrados em 2013, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo a maioria desses crimes (33,2%) cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Isso significa que a cada sete feminicídios, quatro foram praticados por pessoas que tiveram ou tinham relações íntimas de afeto com a mulher. A estimativa feita pelo Mapa da Violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil, com base em dados de 2013 do Ministério da Saúde, alerta para o fato de ser a violência doméstica e familiar a principal forma de violência letal praticada contra as mulheres no Brasil. O Mapa da Violência 2015 também mostra que o número de mortes violentas de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, passando de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. No mesmo período, a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%, caindo de 1.747, em 2003, para 1.576, em 2013. A Pesquisa “Avaliando a Efetividade da Lei Maria da Penha” (IPEA, março/2015) demonstrou indicadores sociais que a Lei nº 11.340/2004 fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídios contra mulheres praticados dentro das residências das vítimas, o que “implica dizer que a LMP foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país”. Na literatura Marilena Chauí indica pistas frequentes nos textos dos historiadores e cientistas sociais, em que o autoritarismo brasileiro torna-se compreensível na medida em que são esclarecidas tanto a gênese histórica de sua eficácia quanto a natureza de suas manifestações conjunturais mais flagrantes no que se refere às vítimas da violência doméstica. Em outro registro, o enigma do autoritarismo permanece, isto é, fica a pergunta: como se entrelaçam debilidade teórica e eficácia prática? 
        A questão é: O que pode suscitar no intérprete um impulso à desqualificação imediata do discurso autoritário, como ocorre, por exemplo, a Sergio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, ao considerar o integralismo um produto das elucubrações de “intelectuais neurastênicos”, ávidos de “obter a chancela, o nihil obstat da autoridade civil”. Ou, em Dante Moreira Leite quando começa a escrever acerca de Oliveira Vianna. Apesar das críticas – e felizmente já havia no Brasil, quem percebesse os absurdos de suas afirmações, a ausência de documentos – esses livros tiveram várias edições e foram citados a sério, ou, como afirma Marilena Chauí, “como se representassem algo mais do que a imaginação doentia de um homem que deve ter sido profundamente infeliz”. Compreende-se bem que o prócer Oliveira Vianna tenha exercido certa atração sobre os elementos que hoje se dedicam à mesma tarefa, conjunturalmente com o Golpe de Estado legal de 2016. O seu “pseudonacionalismo” e o seu “pseudopopulismo”, apresentados sob uma aparência científica, têm, no entanto conduzido a muitos equívocos, como operar como arsenal de argumentos e armas ideológicas das forças reacionárias, autoritárias e antinacionais; ela está dedicada à apologia das classes dominantes e ao combate à democracia, à justificação do racismo e da exploração imperialista. Uma redescoberta de O. Vianna pelas esquerdas só pode ocorrer pelo absurdo, ou seja, pelo pinçamento de algumas ideias que, retiradas do contexto e isoladas de suas conexões, deixam de ter algo a ver com o autor. A aparência nacionalista e populista de seus escritos precisa, por isso, ser analisada dentro do conjunto da obra e de seu tempo histórico e social.


     De fato um traço negativo, obscuro, na obra de Oliveira Vianna é o preconceito racial. A força e o perigo dos preconceitos se explicam, entre outros, pelo fato de terem sempre oculto dentro de si algo do passado. Examinando com atenção, percebemos que um preconceito genuíno sempre esconde algum juízo anteriormente formado que em sua origem teve uma base apropriada e legítima na experiência e evoluiu como preconceito por ter sido arrastado ao longo do tempo sem ter sido reexaminado ou revisto. Expressar um preconceito é bem diferente de um palpite. Este não vai além do âmbito da conversa, como vemos na  hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, “onde as opiniões e juízos mais heterogêneos são jogados de um lado para outro como fragmentos de vidro em um caleidoscópio”. O perigo do preconceito diz respeito ao fato de sempre estar ancorado no passado como memória – tão notavelmente bem ancorado, muitas vezes, que não só antecipa e bloqueia o juízo, mas torna impossíveis tanto o próprio quanto a autêntica experiência do presente.
Do contrário, batalhões de oradores ilustrados e bibliotecas inteiras não servem para nada, como deixam cristalinamente claro os esforços infindáveis e infindavelmente infrutíferos para resolver questões carregadas de antigos preconceitos, como os problemas dos judeus ou dos negros nos Estados Unidos, ou das mulheres espancadas ou assassinadas no Estado do Ceará, ou respeitar um professor de formação teórica diversa que queira defender Tese de Titular, para ficarmos nestes exemplos. Dado que o preconceito se antecipa ao juízo recorrendo ao passado, sua justificação temporal se limita aos períodos da história – em termos quantitativos a maior parte dela – em que o novo é relativamente raro e o velho predomina no tecido político e social. A palavra juízo tem dois significados que se devem distinguir com clareza, mas que se confundem sempre que falamos. Juízo significa, primeiramente, organização e subsunção do individual e particular ao geral e universal, procedendo-se então a uma avaliação ordenada com a aplicação de parâmetros pelos quais se identifica o concreto e de acordo com decisões. Seu único pré-requisito é a faculdade de julgar, o que tem a ver mais com a capacidade de discernir do que com a capacidade de organizar e subordinar.
        Tais juízos sem parâmetros nos são bastante familiares quando se trata de questões de estética e gosto, desde Immanuel Kant, que  não se podem “discutir”, mas de que se pode,  discordar e concordar. Na nossa vida cotidiana isso se verifica sempre que dizemos, em face de uma situação desconhecida, que fulano ou beltrano “fez um juízo correto ou equivocado”. No Brasil, uma a cada cinco mulheres é vítima de violência doméstica, segundo dados da Secretaria de Política para Mulheres. Cerca de 80% dos casos são cometidos por parceiros ou ex-parceiros. Há dez anos, uma lei foi criada no país para punir os autores da violência no ambiente familiar. Batizada de Maria da Penha, em homenagem a uma das tantas vítimas de agressão, ela é considerada uma das melhores legislações do mundo no combate à violência contra as mulheres pela Organização das Nações Unidas (ONU). Mas ainda há inúmeros desafios seja de ordem política, como a não aplicação da lei em inúmeros casos, de ordem social, como a falta de grupos temáticos de recuperação para agressores e de atendimento especializado às vítimas, e ainda a não conscientização desprezada pelo Estado e pela mídia dominante hegemônica de parte da população sobre o que é violência doméstica.
Bibliografia geral consultada.
SORMAN, Guy, La Solution Libérale. Paris: Éditions Fayard, 1984; ALMEIDA, Rosemary de Oliveira, Mulheres que Matam: Universo Imaginário do Crime no Feminino. Tese de Doutorado em Sociologia. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumara, 2001; 192 páginas; Filme: Te doy mis ojos. Direção: Icíar Bollaín. Produção: Santiago García de Leániz e Enrique González Macho. Intérpretes: Laia Marull; Luís Tosar e outros. Roteiro: Icíar Bollaín e Alicia Luna. Música: Alberto Iglesias. Toledo: La Iguana, 2003; PERROT, Michele, As Mulheres ou os Silêncios da História. Bauru: EDUSC, 2005; PENNA, Paula Dias Moreira, A Mulher em Situação de Violência Doméstica: um Diálogo entre a Psicanálise e o Direito. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2014; KNIPPEL, Edson Luz, A Lei Maria da Penha como Instrumento de Transformação Social. Tese de Doutorado em Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015; VASCONCELLOS, Fernanda Besteti de, Punir, Proteger, Prevenir? A Lei Maria da Penha e as Limitações da Administração dos Conflitos Conjugais Violentos através da Utilização do Direito Penal. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015;  FERNANDES, Gabriela Andrade, Memória e Eficácia Social da Lei Maria da Penha no Município de Vitória da Conquista - Bahia. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade. Vitória da Conquista: Universidade do Sudoeste da Bahia, 2017;  entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O Partido-Ônibus – Punição & Golpe Institucional no Brasil.

                                                                                                             Ubiracy de Souza Braga*
No poder, estará a mais crassa casta oligárquica à frente de um governo ilegítimo. Vladimir Safatle
 

O primeiro indício de que o governo brasileiro poderia ser deposto por razões petrolíferas ocorreu em 2012, quando o influente Wall Street Journal criticou a lentidão do Brasil em explorar o pré-sal. Esta notícia foi divulgada durante a crise que envolveu a Chevron: Lobão ameaça Chevron de expulsão se não cumprir determinações da ANP. A petrolífera norte-americana causou um vazamento de petróleo na Bacia de Campos e estava explorando nosso Pré-Sal sem autorização do governo. O senador Aécio Neves iniciou a campanha do golpe após ser derrotado nas eleições, mas não conseguiu ser o seu beneficiário. Um ano após a derrota do candidato tucano, o PMDB se apropriou da ideologia econômica do PSDB, intitulada: “Uma ponte para o futuro” para liderar o golpe nas sombras, enquanto o vice-presidente Michel Temer alegava na TV que o “impedimento” de Dilma Rousseff  não ocorreria.
O PMDB, chamado com orgulho de “partido-ônibus” pelo senador-sociólogo Fernando Henrique Cardoso, então uma de suas lideranças. Maria D`Alva Kinzo, professora da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em partidos políticos brasileiros, diz que “a força do PMDB é exatamente a razão de sua fraqueza”. O PMDB provavelmente adotou um programa chamado de “neoliberal” tucano por dois motivos: obter o apoio da imprensa brasileira que havia apoiado Aécio Neves e legitimar o golpe de Estado perante os norte-americanos. O primeiro objetivo foi amplamente conquistado, o segundo não. A resistência da imprensa internacional ao golpe de 2016 inibiu o apoio imediato do governo dos EUA ao Temer, que parece temer o retorno de Dilma Rousseff (PT) ao poder em razão de ainda não ter recebido uma ligação telefônica de felicitações de Barack Obama. A liderança de Michel Temer durante a preparação do golpe institucional é evidente e indiscutível. Ele desconversou enquanto tramava. Quando o processo político do “impedimento” finalmente começou, ele assumiu aparentemente o papel de vice-presidente que seria levado ao poder por fatos políticos alheios à sua vontade. Empossado, ele passou a não admitir que é um golpista e se diz ofendido sempre que os jornalistas chamam de golpe, o golpe institucional de 2016.   
 O problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua especificidade; mostrando em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a qualquer outro; segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor salientá-los. Ela não vai, afirma, em progressão lenta, do campo do confuso da opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não é uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª) A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca compreender o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no outro. Ela não é nem psicologia, sociologia, ou  “antropologia da criação”. Não é para Michel Foucault um recorte pertinente, mesmo se se tratasse de recolocá-la em contexto das causalidades que a sustentam.

                          

Ela define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais, às vezes as comandam inteiramente e as dominam sem que nada lhes escape; mas às vezes, também, só lhes rege uma parte. A instância do sujeito criador, enquanto razão de ser de uma obra e princípio de sua unidade lhe é estranha. Finalmente, a arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado, visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde autor e obra trocam de identidade; onde o pensamento permanece ainda o mais próximo de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Não tenta repetir o que foi dito, reencontrando a sua própria identidade. Não se pretende apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua pureza, a luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada diferente de uma reescrita; isto é, na forma mantida da exterioridade, uma transformação regulada do que já foi escrito.

Não é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um discurso-objeto. Arqueologia do silêncio tem como representação social a reconstrução de práticas, saberes, regras e normas que determinam à percepção social do louco, o imaginário individual (os sonhos) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) que nele se investe, o medo que dele se tem, a proteção que dele se necessita, o espaço peculiar onde é enclausurado pela família, pelo Estado, pelos juízes, pelos médicos, o olhar que o objetiva. É desse pano de fundo que se pode reconstituir os processos insidiosos de estigmatização, discriminação, marginalização, patologização e confinamento, operando no nível da percepção social, do espaço social, das instituições sociais, do senso comum, do aparelho judiciário, da família, do Estado, do saber médico. O resultado é o mesmo: o silêncio dos sujeitados, silêncio que é o primeiro e mais forte componente da situação de exclusão, a marca mais forte da impossibilidade de se considerar sujeito aquele a quem a fala é de antemão desfigurada ou negada.  Do ponto de vista metodológico Carlo Ginzburg tem um percurso de pesquisa dos mais originais e criativos, que extravasa o quadro da historiografia italiana e mesmo da historiografia europeia. A sua obra, com efeito, introduziu diversas rupturas nas maneiras de pensar em História, “mobilizou”, por assim dizer, metodologias e instrumentos de conhecimento analítico oriundos de outras áreas de saber, estabeleceu novas zonas de diálogo com as restantes perspectivas das ciências humanas e sociais, nomeadamente com a antropologia e a filosofia.

Enfim, trata-se aqui de uma intervenção ativa, que procura inverter as relações tradicionais de subordinação da História no que diz respeito à produção dos meios de conhecimento, centrada numa forte preparação filológica, caracterizada pela atenção ao detalhe, ao estudo de caso, à análise do processo significativo, com a valorização dos fenômenos aparentemente marginais, como os ritos de passagem de fertilidade, ou dos casos obscuros, protagonizados pelos pequenos e excluídos, cuja dimensão cultural e social vem sendo valorizada de forma lenta e desigual.  O indivíduo, ator, identidade, grupo social, classe social, etnia, minoria, movimento social, partido político, corrente de opinião pública, poder estatal, todas estas “manifestações de vida”, não mais se esgotam no âmbito da sociedade nacional, o que nos faz admitir que a diferenciação em comunidades locais, tribos, clãs, grupos étnicos, nações e até mesmo Estados, perderam ao menos algo do seu significado anterior. Na “sociedade global” generalizam-se as relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, antagonismo e integração. Modificam-se os indivíduos, as coletividades, as instituições, as formas culturais, os significados das coisas, gentes e ideias, vistos em configurações histórico-sociais.

Se as ciências sociais nascem e desenvolvem-se como forma de autoconsciência científica da realidade social, pode-se imaginar que elas podem ser seriamente desafiadas quando essa realidade já não é mais a mesma. Nesse sentido é que a formação da sociedade global pode envolver novos problemas epistemológicos, além de históricos e/ou ontológicos. É o êxtase do estranhamento absoluto que na realidade é fruto de análise e interpretação. Metodologicamente para Carlo Ginzburg as vítimas da “exclusão social” tornam-se os depositários do único discurso que representa uma alternativa radical às mentiras da sociedade constituída – um discurso que passa pelo delito, pelo canibalismo, que é encarnado indiferentemente nas memórias redigidas por Pierre Rivière ou no seu matricídio. É um populismo às avessas, um populismo “negro” – mas assim mesmo populismo. O que foi dito até aqui para Ginzburg demonstra com clareza a ambiguidade do conceito de “cultura popular”. Às classes subalternas das sociedades pré-industriais é atribuída ora uma passiva adequação aos subprodutos culturais distribuídos com generosidade pelas classes dominantes, ora uma tácita proposta de valores, ao menos em parte autônomos em relação à cultura dessas classes, ora um estranhamento absoluto que se coloca até mesmo para além, ou melhor, para aquém da cultura. É bem frutífera a hipótese formulada por Bakhtin de uma influência recíproca entre a cultura das culturas subalternas e a cultura dominante. Mas precisar os modos e os tempos dessa influência significa enfrentar o problema posto pela documentação. 

O filósofo Vladimir Safatle ironizou o “golpe primário” em ação contra o governo Dilma. - “Depois de anos operando nas sombras, o vice-presidente conspirador resolveu transformar seu partido-ônibus em uma máquina monofônica organizada para garantir que ele será, enfim, alçado à Presidência da República nos próximos meses”, comentou ele sobre Michel Temer. Fala ainda da sua aliança com Eduardo Cunha (PMDB) pelo golpe e para afastar o líder do partido Leonardo Picciani. Quanto ao PSDB, cita os casos de corrupção envolvendo o partido, como os esquemas de Delcídio do Amaral quando participava da Petrobras no governo FHC. - “De fato, ninguém melhor para liderar tal indignação do que o partido de Geraldo Alstom Alckmin, de Marconi Carlos Cachoeira Perillo, partido já comandado por pessoas do quilate de Eduardo Azeredo, recém-condenado a 20 anos de prisão por idealizar o mensalão”. Menciona o “Superpato da FIESP e de seu presidente vitalício, que não deixou de anunciar a esperada adesão dos empresários paulistas, ou do que restou deles, ao golpe”. - “É certo que este álbum de fotografias inacreditável de um golpe primário mostra muito mais do que a inanidade da oposição e a inépcia do governo. Se, por sua vez, a oposição der o golpe de Estado, este será só o começo de uma das mais profundas e retrógradas crises institucionais, políticas  e sociais que o país reconhecerá como um triste legado. No poder, estará a mais crassa casta oligárquica à frente de um governo ilegítimo, com poderes policiais e repressivos reforçados”.

            Entre seus votos como deputado federal constituinte, foi favorável à jornada de trabalho de 44 horas semanais, que foi aprovada, e apoiou o adicional de hora extra de 50%, que foi derrotado pela proposta de adicional de 100%. Defendeu o mandato presidencial de quatro anos para José Sarney, mas acabou votando a favor do de cinco anos. Foi contrário ao monopólio na distribuição do petróleo e ao sistema presidencialista, preferindo ao invés deste o sistema parlamentarista. Também votou a favor do direito de greve, da reforma agrária, do piso salarial, da aposentadoria proporcional e do salário mínimo real. No livro: “Quem foi quem foi na Constituinte”, um pier ranking criado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) para mensurar positiva ou negativamente na esfera parlamentar os votos dos congressistas, recebeu nota média de 5,5.
Em 1987, recebeu do presidente José Sarney a concessão da rádio Arco-Íris, inicialmente sediada em Betim, mas depois transferida para Belo Horizonte. Oficialmente, no entanto, passou a integrar legalmente como sócio da rádio apenas em dezembro de 2010; além dele, Andrea Neves e Inês Maria que também são sócias. Atualmente, a rádio é uma retransmissora da rádio Jovem Pan FM. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo realizado no final do ano de 2014, as rádios Arco-Íris, São João Del Rey e Vertentes FM, todas controladas oligarquicamente pela família Neves, receberam pouco mais de R$ 1 milhão do governo mineiro entre os anos de 2003 a 2014. Durante campanha presidencial de 2014, declarou sobre a mídia: - “Na questão da publicidade, eu atendi a uma reivindicação do sindicato e das rádios do interior do estado bem situado históricamente de Minas Gerais. Todas as mais de trezentas rádios do estado, sem exceção, tiveram exatamente a mesma publicidade. O meu governo segue aquilo que prevê a Constituição, o princípio da impessoalidade”.       
Em 30 de março de 1989, filiaram-se ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que tinha sido fundado nove meses antes. Em retrospecto, afirmou, em um site oficial, que a mudança partidária era justificada como uma forma de resgatar e defender a coerência ideológica de sua formação liberal e continuar a trajetória que seu avô, Tancredo Neves, havia iniciado. Nas eleições gerais de 1990, foi reeleito deputado federal, mas como uma votação muito menor do que aquela obtida quatro anos antes. Desta vez pelo PSDB, conseguiram 42 mil votos e foi o deputado federal mais votado da sigla no Estado. Entre julho e setembro de 1991, no início do novo mandato, licenciou-se em seus 4 mandatos para “tratar de interesses particulares”. No segundo mandato (1991–1995), fez parte como titular, da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e Comissão de Relações Exteriores.                         
Na política contemporânea, um partido “pega-tudo”, também chamado “partido-ônibus” (“catch-all party”), segundo a definição de Otto Kirchheimer, considerado um dos maiores constitucionalistas alemães, é um partido político que tem como escopo atrair pessoas para a cena pública com diversos pontos de vista. O partido não exige a adesão a alguma ideologia como critério para a adesão. Em 1928, Kirchheimer conclui sua graduação com o título de Doutor (Dr. jur., “magna cum laude”) pela Universidade de Bonn, apresentando o trabalho “Acerca da teoria do Estado do Socialismo e Bolchevismo”. Em Bonn, Kirchheimer era conhecido como o “preferido” de Carl Schmitt, torna-se adepto do ideário socialista, filiando-se mais tarde membro do Partido Socialista Alemão (PSD). Entre 1930 e 1933, Kirchheimer trabalha como colaborador do periódico socialdemocrata ’A Sociedade’ e como professor de Ciência Política na escola técnica de comércio. Entre 1932 e 1933, advoga em Berlim. Durante a República de Weimar, estabelecida na Alemanha após a 1ª grande guerra, em 1919, e que durou até ao início do regime “nazi”, em 1933, tendo como sistema de governo uma democracia representativa compreendida como “semi-presidencial”.
O Presidente da República nomeava um chanceler que era responsável pelo poder executivo. Quanto ao poder legislativo, era constituído por um parlamento federal (“Reichstag”) e por parlamentos estaduais (“Landtag”). O nome oficial da Alemanha continuou, sob a República de Weimar ideologicamente a ser chamado “Deutsches Reich”. Este período ratifica o nome  Weimar, pois foi nesta cidade Alemanha central (Turíngia) que reuniu desde 6 de fevereiro até 11 de Agosto de 1919, data da aprovação da nova Constituição, a Assembleia Nacional Constituinte da República. Kirchheimer  trava polêmica sobre a relação entre a estrutura social e a Constituição. Num polêmico artigo, “Weimar e o que mais? Origem e Presente da Constituição de Weimar“, diz que a Constituição de Weimar não é voltada para o futuro. Junto com Ernst Fraenkel e Franz L. Neumann, Kirchheimer permanece próximo do publicista conservador Carl Schmitt. Em 1932, Kirchheimer publica um artigo intitulado “Legalidade e Legitimidade” no periódico socialista “A Sociedade”.
O ensaio “Punição e estrutura social”, de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, é a primeira obra da Escola de Frankfurt editada pela Columbia University Press de Nova Iorque, em 1939. A produção do livro e sua recepção foram afetadas pelas dificuldades que o nazismo e a 2ª guerra mundial criaram para os autores, mas não impediram que o livro se tornasse um clássico mundial na literatura de Direito. As relações entre o crime e o meio social, a questão social como causa básica da quantidade de crimes, métodos de punição e práticas penais são alguns dos temas abordados. O objeto da investigação é a pena em suas manifestações específicas. O elemento-chave da obra é o nascimento das prisões, forma especificamente burguesa de punição, na passagem ao capitalismo. Georg Rusche baseia sua análise no princípio de que as condições de vida no cárcere e as oferecidas pelas instituições assistenciais devem ser inferiores às das categorias mais baixas dos trabalhadores livres, de modo a constranger ao trabalho e salvaguardar os efeitos dissuasivos da pena, relacionado ao mercado de trabalho.
Gizlene Neder analisa a ideia de autoridade presente nas instituições políticas periféricas do Estado na passagem à modernidade no Brasil. O período histórico enfocado engloba as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, quando ocorreram rupturas significativas devido ao fim do trabalho escravo (1888) e do regime monárquico (1889). Analisamos o processo de estruturação político-institucional do Estado, levando em conta as concepções sobre o desempenho da autoridade pública em relação aos alienados, presos, órfãos, velhos, mendigos e indigentes. A historiadora destaca a situação dos asilos para alienados que, sob os emblemas dos ideais monárquicos ou republicanos, informam e dão suporte doutrinário às múltiplas tecnologias de controle social, empreendidas para assistir, reprimir, confinar, ou simplesmente abandonar a parte vulnerável da sociedade brasileira. O estudo do pensamento destes ideólogos do terceiro/quarto escalão da estrutura administrativa do Estado brasileiro tem como objetivo identificar aspectos da cultura política nas formas de conceber, instituir e investir de autoridade os operadores sociais, designados na formação social brasileira como servidores públicos. Objetiva, também, descrever e interpretar a dinâmica, pendular e contraditória, do processo de sacralização e secularização do poder na sociedade brasileira, pontuada pelas opções entre a caridade e o dever, no caso brasileiro.  
O início da República de Weimar data de 1918, quando o país começou a ser controlado pelos militares logo após a fuga do Kaiser Guilherme II. Quando se tornou evidente que a 1ª Guerra estava perdida, o “Comando Supremo do Exército” (“Oberste Heeresleitung”), induziu a constituição de um governo civil para facilitar as negociações de paz com os aliados. Em 28 de outubro de 1918, a nova Constituição alemã estava pronta, convertendo o Reich numa república parlamentar, que havia sido evitado pelo Kaiser. Dessa forma, o Chanceler devia responsabilizar-se à nação perante o Reichstag (Parlamento Alemão) e não mais perante o imperador. O príncipe Maximiliano de Baden assumiu o cargo. O plano de transformar a Alemanha veio a fracassar devido às condições impostas pelo Tratado de Versalhes, que limitavam qualquer possibilidade de ressurgimento econômico do país por causa das reparações de guerra, e as restrições à indústria e ao exército alemão. As consequências econômicas da paz (1919), formuladas pelo economista John Maynard Keynes, que assistiu como observador às deliberações expõe de maneira pormenorizada, e com sagacidade qual haveria de ser o impacto das reparações sobre o frágil esquema das relações econômicas internacionais durante a década de 1920. Isso, somado ao regresso dos soldados da frente, muitos dos quais vinham feridos não apenas física mas psicologicamente, aumentou enormemente o clima de fracasso e descontentamento que assombrava a nação.
A escalada de violência entre os “movimentos sociais” à direita e à esquerda culminaram em 29 de outubro de 1918, ao estalar a rebelião de parte do exército. O governo prendeu os amotinados, principalmente da divisão naval, e muitos estudantes, operários e militares solidarizaram-se com eles, agrupando-se em conselhos similares aos sovietes, que tomaram o poder militar e civil em diversas cidades. A 7 de novembro, a revolução alcançou a cidade de Munique, provocando a fuga do rei Luís III da Baviera. O país esteve perto de se converter num Estado socialista. A 9 de novembro, o príncipe von Baden transferiu os seus poderes legais a Friedrich Ebert, líder do Partido Socialista da Alemanha (“Sozialistische Partei Deutschlands”), de influência operária, mas sem intenções de abandonar o sistema parlamentar. Esperava-se que esse ato bastaria para acalmar as massas, mas tal não ocorreu. No dia seguinte, instaurou-se um governo revolucionário sob o nome de “Rat der Volksbeauftragten”, ("Conselho dos Encarregados do Povo”), que era formado por três membros do MSPD e três membros do Partido Social Democrata Independente (“Unabhängige Sozialdemokraten (USPD), liderado por Ehbert e Hugo Haase. Esse conselho governou a Alemanha de novembro de 1918 até janeiro de 1919, mas em 1949, a República Federal da Alemanha adotou todas as três insígnias da República de Weimar.

O que importa nesse momento é a realização dos objetivos punitivos do Estado, tornando-se descartáveis as garantias conquistadas pelos cidadãos ao longo da história da punição.  Os esforços do Estado convergiram para a introdução de uma política punitiva mais severa e brutal, baseada em princípios pretensamente educacionais. Para o sucesso da empreitada, foi fundamental a mantença de um baixo nível de vida das classes subalternas –  que não era difícil em vista a crise econômica na Alemanha – e incutir nelas a distinção moral entre pobres honestos e desonestos, com a consequente execração dos últimos. O novo sistema penal ostentava três características marcantes: o retorno da pena capital; a demonização do delinquente, sendo o crime por ele perpetrado considerado uma traição à comunidade e nunca a manifestação de uma oposição ao Estado; bem como a supressão da assistência judicial. Todas elas demonstram o incremento do poderio do Estado à custa da insegurança dos cidadãos. Rusche e Kirchheimer, pelo estudo das estatísticas criminais de diversos países europeus, colhidas ao longo das primeiras décadas do século XX, defendem que a adoção de uma política criminal mais liberal não tem nenhum efeito negativo sobre a criminalidade, sendo, em contrapartida, coincidente com a queda dos citados índices.    
E vão além ao defender que “a conclusão é inegável. Uma vez mais, vemos que a taxa de criminalidade não é afetada pela política penal, mas está intimamente dependente do desenvolvimento econômico”. Diante deste breve comentário, fica evidente que a obra: “Punição e estrutura social” despe o sistema penal da análise ingênua que muitas vezes é realizada sobre ele, revelando, em contrapartida, que esse sistema não pode ser compreendido isoladamente, como se fosse distinto e segregado de toda a realidade social que vivenciamos, especialmente a econômica. Não é a quantidade e a qualidade das penas que determina uma maior ou menor prática de crimes, mas as condições de vida oferecidas à população, muitas vezes vitimada pela falta de assistência dos governos e pela ganância das classes dominantes. O sistema penal de uma dada sociedade não é isolado sujeito apenas às suas leis especiais. É parte de todo o sistema social, e compartilha suas aspirações e seus defeitos.
Bibliografia geral consultada.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola, Zero. Porto Alegre: Editora Global, 1975; CARDOSO, Fernando Henrique, Teoria da Dependência ou Análises Concretas de Situações de Dependência. São Paulo: Estudos CEBRAP (1), 1971; Idem, Les Idées à leur Place: Le Concept de Développement en Amérique Latine. Paris: Anne Marie Métaillé/Maison des Sciences de l`Homme, 1984; GINZBURG, Carlo, Miti, Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1986; GINZBURG, Carlo “et alii”, A Micro-História e Outros Ensaios. São Paulo: Difel, 1989; CERTEAU, Michel de, L`Invention du Quotidien. Arts de Faire (Union générale éditions. Collection (10-18), 1980; RUSCHE, Georg; KIRCHEIMER, Otto, Punição e Estrutura Social. Tradução de Gizlene Neder. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004; NEDER, Gizlene, Criminalidade, Justiça e Constituição do Mercado de Trabalho no Brasil - 1890-1927. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1986; Idem, Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil. Porto Alegre: Fabris Editor, 1995; Idem, “Cultura Política, Prática Ideológica e Formação de Servidores Públicos no Brasil”. In: Achegas Net. Rio de Janeiro, vol. 2, n°13, pp. 1-6, 2003; Idem, “Entre o Dever e a Caridade: Assistência, Abandono, Repressão e Responsabilidade Parental do Estado”. In: Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro, v. Ano 9, n° 14, pp. 199-231, 2004; Idem, “Casamento Perfeito-, Cultura Religiosa e Sentimentos Políticos”. In: Passagens: Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, volume 8, pp. 3-20, 2016; REIS, Daniel Aarão, Ditadura e Democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2014; LÖWY, Michael, “O Golpe de Estado de 2016 no Brasil”. Disponível em: http:www.revistaforum.com.br/2016/05/17;   entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).