quarta-feira, 3 de agosto de 2016

A Questão Argelina – Movimento Celular

                                                                                                             Ubiracy de Souza Braga*
                                                                                                   
                    “En la calle, en Orán, se hablaba sobre todo español". Marcelino Camacho

                         

O território da Argélia constituiu-se o centro do império otomano na África do Norte no século XVI. As populações tribais mantiveram suas culturas ao permanecerem no interior da Argélia, pois a dominação otomana ocorria principalmente nos meios urbanos. No século XIX a Argélia foi invadida pela França. Através da tática de criar colônias agrícolas militares que seriam bases de provisões junto às áreas de luta, os franceses procuraram minar a resistência nativa. Destruindo a agricultura árabe em razias com uma violência sem precedentes que não poupava mulheres e crianças.  Apesar do bombardeio e pilhagem das aldeias, os berberes, sob a liderança de Abd-el-Kader, não se renderam e foram expulsos para o sul. Kader foi preso na fronteira com Marrocos em 1847, quando franceses apoiados na antiga administração turca defenderam a participação árabe no governo, iniciando-se uma fase de “negociações” às instituições locais. Em 1845, embora persistisse a insegurança, 40.000 colonos franceses haviam se estabelecido na Argélia. Em 1850 eram 110.000 o número de colonos, entre franceses, italianos e espanhóis.  O berbere, perdendo a terra, tornou-se o proletário rural, em meio a miséria social, econômica e brutalidade da política.
O governo de Napoleão III demarcou uma forte militarização na Argélia. Dissolveu o sistema de propriedade tribal, fixando árabes e berberes em minifúndios e aumentando a miséria dos agricultores. Em 1870, a região da Kabilia revoltou-se. Reprimida a insurreição, os colonos franceses apossaram-se de 500.000 hectares em detrimento da população árabe. Em 1918 um grupo de intelectuais árabes, “os Jovens Argelinos” se organizam baseando-se em ideias nacionalistas, reivindicando melhorias para a população árabe. Nos anos 1930 já se falava em supressão do governo francês e igualdade entre nativos e europeus, mas foi após a 2ª guerra mundial que a “questão argelina” agravara-se, pois, na medida em que a França deu aos colonos o direito de se estabelecerem nas melhores terras, quando mais de 1.500.000 famílias berberes não possuíam terras, provocou êxodo rural e miséria, agravando-se os problemas nas áreas metropolitanas e fazendo com que um décimo da população vivesse, então, da “caridade” pública. Nesse ambiente surge a chamada “Questão Argelina”, um dos maiores problemas internacionais do pós-guerra. Em maio de 1945 houve uma grande chacina de civis argelinos por soldados franceses, no massacre de Setif. A repressão francesa é intensa, militares admitem entre 6 e 8 mil mortos, nacionalistas falam de 40 a 50 mil. Em 1º de novembro de 1954, foi anunciada oficialmente a Revolução Argelina.


Sociologicamente falando os movimentos de Libertação Nacional são aqueles movimentos de caráter nacionalistas que pretendem a Independência política ou económica de um território, denunciando a opressão e a dependência nacional sob regimes coloniais, neocoloniais, racistas ou de ocupação militar. Amiúde, os movimentos de libertação nacional aderiram a programas de libertação nacional que incluíam a nacionalização de setores básicos da economia e também medidas de limitação ou restrição das atividades de empresas multinacionais. Diferentes organizações têm utilizado o conceito “Movimento de Libertação Nacional” no seu próprio nome, como acontece no caso do “Movimento de Libertação Nacional” – Tupamaros (MLN-T) do Uruguai ou o “Movimento de Libertação Nacional Basco” (MLNB). Outras organizações, embora não o utilizem, mantêm claramente as mesmas características, como no caso do FLN, EZLN, o IRA, as FARC ou o EGPGC.
Guerre d'Algérie foi um movimento de libertação nacional da Argélia do domínio francês, que tomou curso entre 1954 e 1962. Caracterizou-se por ataques de guerrilha e atos de violência contra civis - perpetrados tanto pelo exército e “pied-noirs” (colonos franceses) quanto pelo Front de Libération Nationale - FLN e outros grupos argelinos pró-independência. – “Tras ocho años de contienda, con dos intentonas golpistas y cerca de medio millón de muertos, en su abrumadora mayoría argelinos, Argelia será el último país del Magreb en acceder a la independencia el 3 de julio de 1962” (cf. Cembrero, 2004). O governo interino francês considerava criminoso ou terrorista todo ato de violência cometido por argelinos contra franceses, sobretudo militares. No entanto, alguns franceses, como o antigo guerrilheiro antinazista e advogado Jacques Vergès, compararam a Resistência francesa à ocupação “nazi” com a resistência argelina à ocupação francesa.  
Uma campanha de atentados antiárabes (1950-1953) havia sido praticada por colonos direitistas, desencadeando, em contrapartida, a luta lançada pela FLN em 1954, apenas dois anos antes dos franceses serem obrigados a desistir do controle sobre a Tunísia e Marrocos. O principal rival argelino da FLN tendo como escopo o mesmo objetivo de independência para a Argélia era o Mouvement National Algérien - MNA, criado posteriormente, cujos membros principais eram constituídos por trabalhadores argelinos em França. A FLN e o MNA lutaram entre si durante quase toda a duração do conflito. Na madrugada de 1º de novembro de 1954, militantes da FLN lançaram ataques em vários locais da Argélia, contra instalações militares, postos de polícia, armazéns, infraestrutura de comunicações e serviços de utilidade pública. O general Raoul Salan argumentou que aderiu ao golpe de Estado sem se preocupar com o seu planejamento técnico, no entanto, sempre foi considerado como um dos quatro homens do golpe, ou como De Gaulle notoriamente classificou, "un quarteron de généraux en retraite". Foi, contudo, politicamente quem estrategicamente comandou a oposição ao processo de descolonização da Argélia.

                                                
Foi criado em 1º de novembro de 1954 como uma fusão de pequenos partidos, com o objetivo de obter a independência da Argélia frente à França. O partido representou parte do corpo revolucionário que dirigiu a guerra pela independência. A FLN foi criada pelo Comitê Nacional de Unidade e Ação. Este comitê pretendia unir todas as facções de luta contra a França. Em 1956 quase todas as organizações nacionalistas na Argélia tinham se juntado à FLN. Nesse mesmo período a FLN se reorganizou em um governo provisório. Consistia de 5 homens fortes e um corpo legislativo. A guerra continuou até março de 1962, quando o governo francês assinou um cessar-fogo com a FLN, como parte dos Acordos de Évian. Em julho do mesmo ano, a população argelina votou em um referendo que aprovava o cessar-fogo com a França e concordava com a cooperação econômica e social entre os dois países.
Após a independência, o partido sofreu uma cisão. Um departamento político foi criado por Ahmed Ben Bella, pelo Coronel Houari Boumédiène e por Muhammad Khidr. Foi o primeiro presidente da Argélia e principal líder da guerra da Argélia pela independência em relação à França. Teve uma breve passagem como futebolista no Olympique de Marseille entre os anos 1939 e 1940 e também pelo IRB Maghnia. Ben Bella se tornou líder do partido em 1963, mas, em 1965, foi derrotado por Boumédiène, que manteve o controle do partido até a sua morte, em 1978, quando o partido reorganizou suas estruturas, as quais se mantiveram inalteradas desde então. A FLN foi o partido único na Argélia até o fim dos anos 1980, quando a Constituição argelina foi modificada e instaurou o sistema multipartidário. O processo político decisivo para a independência do país teve início em 1954, embora Ben Bella e outros já se encontrassem empenhados nesse objetivo desde vários anos antes.
Ben Bella e os líderes nacionalistas argelinos residentes no Egito encontraram-se secretamente na Suíça, onde criaram o movimento FLN e decidiram realizar a insurreição contra os franceses. Em 1956, Ben Bella foi preso depois de ter escapado com vida a dois atentados, um no Cairo e outro em Trípoli. Foi posto em liberdade em 1962, ano da independência. Em 1963, o país encontrava-se numa situação grave e Ben Bella foi eleito, aparentemente sem oposição, para a presidência da Argélia com imensa maioria. Restabeleceu a ordem no território, operou um conjunto de nacionalizações e programou uma reforma agrária, encaminhando o país para uma economia socialista. Ben Bella foi o primeiro chefe de Governo e o primeiro presidente eleito (1963-1965) da República da Argélia. Em 1965, foi deposto, na sequência de um golpe de Estado. Passou dez anos no exílio e regressou ao seu país em 1990, quando a Frente de Salvação Islâmica estava no poder. Ben Bella conseguiu o apoio de seis partidos políticos e, um ano depois, convocou eleições. Seu partido perdeu as eleições de 1991 para a FSI. Ahmed Ben Bella morreu em 11 de abril de 2012.
Uma guerra colonial que ocorreu há 50 anos não é justificativa para assassinatos em massa, mas fornece um contexto sem o qual nenhuma explicação do porquê dos ataques terem ocorrido na França faz qualquer sentido. A identidade franco-argelina de um dos agressores demonstra o quanto a selvagem guerra da França na Argélia (1956-1962) segue influenciando as atrocidades de hoje. A recusa absoluta de considerar o papel da Arábia Saudita como fornecedora da seita Wahabi-sunita, a mais extremista do Islã, na qual o Exército Islâmico (EI) acredita, pois demonstra como seus líderes ainda se recusam a reconhecer ligações entre o reino e a organização política que atingiu Paris. E nessa relutância total em aceitar que a única força militar oficial em constante combate com o EI é o exército sírio - que luta por um regime social e político que a França também deseja destruir - o que para eles significa que não podem entrar em contato com os impiedosos soldados que estão em ação contra o EI, ainda mais politicamente organizados do que os curdos.
 Sempre que o Ocidente é atacado e nossos inocentes são mortos, nosso banco de memória é apagado. Assim, quando os repórteres nos dizem que os 129 mortos em Paris representam a pior atrocidade na França desde a II Guerra Mundial, eles não mencionam o massacre em Paris de até 200 argelinos que participavam de uma marcha ilegal contra selvagem guerra colonial da França na Argélia. A maioria foi assassinada pela polícia francesa, muitos foram torturados no Palais des Sports, tendo seus corpos lançados no rio Sena. Os franceses apenas assumem 40 mortos. O oficial de polícia encarregado era Maurice Papon, que trabalhava para a polícia colaboracionista de Pétain na 2ª guerra mundial e deportou mais de hum mil judeus para a morte. Omar Ismail Mostafai, um dos assassinos-suicidas em Paris, tem origem argelina – e também podem ter os demais suspeitos nomeados. Uma fonte oficial da Turquia disse ao The Guardian que as autoridades turcas enviaram dois avisos sobre o suicida bombista Omar Ismail Mostefai, em dezembro de 2014 e junho de 2015, mas que só receberam um pedido de informações sobre ele depois dos atentados em Paris. A fonte oficial turca revelou que Mostefai entrou na Turquia em 2013, não existindo nenhum registo sobre o momento em que ele abandonou o país. Em 2014 o país recebeu um pedido de informações sobre quatro suspeitos de terrorismo, sendo que Omar Ismail Mostefai não estava entre eles.




 
Os irmãos Said e Cherif Kouachi, acusados do massacre na revista satírica Charlie Hebdo, fazem parte de um grupo de jovens muçulmanos franceses doutrinados nos anos 2000 em Paris. Ambos estiveram vinculados à chamada rede de Buttes-Chaumont, o nome de um parque do norte de Paris, onde os integrantes faziam exercícios físicos e recrutavam combatentes para a jihad ("Guerra Santa") no Iraque. Depois de desbaratar a rede, a polícia descreveu Cherif Kouachi como um jovem que odiava os infiéis e que tinha a intenção de agir na França. Em 2008 foi julgado e condenado a três anos de prisão, com 18 meses de pena condicional. Said, seu irmão mais velho, mais discreto, esteve no Iêmen em 2011, onde recebeu treinamento militar, segundo uma autoridade norte-americana. Cherif e Said Kouachi, os irmãos que mataram os jornalistas da Charlie Hebdo, eram também de ascendência argelina. Eles vieram da comunidade argelina de cinco milhões de pessoas na França, para muitos dos quais a guerra da Argélia nunca terminou, e que vivem hoje nas favelas de Saint-Denis e outros bairros argelinos de Paris. No entanto, a origem dos 13 assassinos de novembro - e a história da nação de onde seus pais vieram - tem sido largamente suprimida da narrativa em torno dos acontecimentos horríveis e fatais. Um passaporte sírio com um selo grego é mais interessante, por razões óbvias. Assim, também, a seita Wahabi-sunita da Arábia Saudita, que é uma fundação do chamado "califado islâmico" e de seus assassinos pragmáticos. Mohammed ibn Abdel al-Wahab era o clérigo purista e filósofo cujo desejo de expurgar os xiitas e demais infiéis do Oriente Médio levou aos massacres cruéis ocorridos no  século 18 em que a original dinastia al-Saud estava profundamente envolvida em banhos de sangue. O Estado Islâmico terrorista formado por sunitas, pretende criar um califado onde estão os territórios da Síria e do Iraque. Minorias das regiões, como católicos e yazidis, estão deixando suas moradias nesses países para fugir do conflito com os extremistas.
Bibliografia geral consultada.

EAGLETON JR., William, The Kurdish Republic of 1946. London: Oxford University Press, 1963; Idem, La république kurde.  Bruxelles:  Éditions Complexe, 1992; LENIN, Vladimir, L`État et la Révolution. Édition en Langues Étrangère. Pékin, 1966; Idem, “Que Fazer? Problemas candentes do nosso movimento”. In: Obras Escolhidas. 2ª edição. São Paulo: Editora Alfa-ômega, 1982; FRONT NATIONAL, “Défendre les Français. C’est le programme du Front National”. In: Supplement to Front National, n° 3, february 1973; CHIROUX, René, L’Extrême-droite sous la Ve République. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 1974,  n° 419; GONZALES, Horácio, Albert Camus a libertinagem do sol. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983; MARAN, Rita, Torture. The role of  ideology in the French-Algerian war. New York: Prager Publishers 1989; CEMBRERO, Ignácio, “El Doble Juego de Franco en la Guerra de Argélia”. Disponível em: http://elpais.com/diario/2004/10/31; Pierre Abramovici, Le Putsch des Généraux. Paris: Editions Fayard
, 2011; JAUFFRET, Jean-Charles; VAÏSSE, Maurice, Militaires et Guérilla dans la Guerre d'Algérie. Bruxelles: André Versaille Éditeur, 2012; ANDRADE, Guilherme Ignácio Franco de, “A Organização Armada Secreta: A Participação da Extrema Direita Francesa na Luta Armada durante a Guerra da Argélia (1954 - 1962)”. In: Revista Contemporânea. Dossiê Guerras e Revoluções no Século XX. Ano 5, n° 8, 2015, volume 2; entre outros.
____________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário