O Partido-Ônibus – Punição & Golpe Institucional no Brasil.
Ubiracy de Souza Braga*
“No
poder, estará a mais crassa casta oligárquica à frente de um governo ilegítimo”. Vladimir Safatle
O
primeiro indício de que o governo
brasileiro poderia ser deposto por razões petrolíferas ocorreu em 2012, quando
o influente Wall StreetJournal criticou a lentidão do Brasil em
explorar o pré-sal. Esta notícia foi divulgada durante a crise que envolveu a
Chevron: Lobão ameaça Chevron de expulsão se não cumprir determinações da ANP.
A petrolífera norte-americana causou um vazamento de petróleo na Bacia de
Campos e estava explorando nosso Pré-Sal sem autorização do governo. O senador Aécio
Neves iniciou a campanha do golpe após ser derrotado nas eleições, mas não
conseguiu ser o seu beneficiário. Um ano após a derrota do candidato tucano, o
PMDB se apropriou da ideologia econômica do PSDB, intitulada: “Uma ponte para o
futuro” para liderar o golpe nas sombras, enquanto o vice-presidente Michel Temer
alegava na TV que o “impedimento” de Dilma Rousseff não ocorreria.
O
PMDB, chamado com orgulho de “partido-ônibus” pelo senador-sociólogo Fernando
Henrique Cardoso, então uma de suas lideranças. Maria D`Alva Kinzo, professora da
Universidade de São Paulo (USP) e especialista em partidos políticos
brasileiros, diz que “a força do PMDB é exatamente a razão de sua fraqueza”. O
PMDB provavelmente adotou um programa chamado de “neoliberal” tucano por dois
motivos: obter o apoio da imprensa brasileira que havia apoiado Aécio Neves e
legitimar o golpe de Estado perante os norte-americanos. O primeiro objetivo
foi amplamente conquistado, o segundo não. A resistência da imprensa
internacional ao golpe de 2016 inibiu o apoio imediato do governo dos EUA ao
Temer, que parece temer o retorno de Dilma Rousseff (PT) ao poder em razão de
ainda não ter recebido uma ligação telefônica de felicitações de Barack Obama. A
liderança de Michel Temer durante a preparação do golpe institucional é
evidente e indiscutível. Ele desconversou enquanto tramava. Quando o processo
político do “impedimento” finalmente começou, ele assumiu aparentemente o papel
de vice-presidente que seria levado ao poder por fatos políticos alheios à sua
vontade. Empossado, ele passou a não admitir que é um golpista e se diz
ofendido sempre que os jornalistas chamam de golpe, o golpe institucional de
2016.
O
problema dela é, pelo contrário, definir os discursos em sua especificidade;
mostrando em que sentido o jogo das regras que utilizam é irredutível a
qualquer outro; segui-los ao longo de suas arestas exteriores para melhor
salientá-los. Ela não vai, afirma, em progressão lenta, do campo do confuso da
opinião à singularidade do sistema ou à estabilidade definitiva da ciência; não
é uma “doxologia”, mas uma análise diferencial das modalidades de discurso; 3ª)
A arqueologia não é ordenada pela figura soberana da obra; não busca
compreender o momento em que esta se destacou no horizonte anônimo. Não quer
reencontrar o ponto enigmático em que o individual e o social se invertem um no
outro. Ela não é nem psicologia, sociologia, ou “antropologia da criação”. Não é para Michel Foucault um recorte pertinente,
mesmo se se tratasse de recolocá-la em contexto das causalidades que a
sustentam.
Ela
define tipos e regras de práticas discursivas que atravessam obras individuais,
às vezes as comandam inteiramente e as dominam sem que nada lhes escape; mas às
vezes, também, só lhes rege uma parte. A instância do sujeito criador, enquanto
razão de ser de uma obra e princípio de sua unidade lhe é estranha. Finalmente,
a arqueologia não procura reconstituir o que pôde ser pensado, desejado,
visado, experimentado, almejado pelos homens no próprio instante em que
proferiam o discurso; ela não se propõe a recolher esse núcleo fugidio onde autor
e obra trocam de identidade; onde o pensamento permanece ainda o mais próximo
de si, na forma ainda não alterada do mesmo, e onde a linguagem não se
desenvolveu ainda na dispersão espacial e sucessiva do discurso. Não tenta
repetir o que foi dito, reencontrando a sua própria identidade. Não se pretende
apagar na modéstia ambígua de uma leitura que deixaria voltar, em sua pureza, a
luz longínqua, precária, quase extinta da origem. Não é nada além e nada
diferente de uma reescrita; isto é, na forma mantida da exterioridade, uma
transformação regulada do que já foi escrito.
Não
é o retorno ao próprio segredo da origem; é a descrição sistemática de um
discurso-objeto. Arqueologia do silêncio tem como representação social a
reconstrução de práticas, saberes, regras e normas que determinam à percepção
social do louco, o imaginário individual (os sonhos) e coletivo (os mitos, os
ritos, os símbolos) que nele se investe, o medo que dele se tem, a proteção que
dele se necessita, o espaço peculiar onde é enclausurado pela família, pelo
Estado, pelos juízes, pelos médicos, o olhar que o objetiva. É desse pano de fundo
que se pode reconstituir os processos insidiosos de estigmatização,
discriminação, marginalização, patologização e confinamento, operando no nível
da percepção social, do espaço social, das instituições sociais, do senso
comum, do aparelho judiciário, da família, do Estado, do saber médico. O
resultado é o mesmo: o silêncio dos sujeitados, silêncio que é o primeiro e
mais forte componente da situação de exclusão, a marca mais forte da
impossibilidade de se considerar sujeito aquele a quem a fala é de antemão
desfigurada ou negada. Do ponto de vista
metodológico Carlo Ginzburg tem um percurso de pesquisa dos mais originais e
criativos, que extravasa o quadro da historiografia italiana e mesmo da
historiografia europeia. A sua obra, com efeito, introduziu diversas rupturas
nas maneiras de pensar em História, “mobilizou”, por assim dizer, metodologias
e instrumentos de conhecimento analítico oriundos de outras áreas de saber,
estabeleceu novas zonas de diálogo com as restantes perspectivas das ciências
humanas e sociais, nomeadamente com a antropologia e a filosofia.
Enfim,
trata-se aqui de uma intervenção ativa, que procura inverter as relações
tradicionais de subordinação da História no que diz respeito à produção dos
meios de conhecimento, centrada numa forte preparação filológica, caracterizada
pela atenção ao detalhe, ao estudo de caso, à análise do processo
significativo, com a valorização dos fenômenos aparentemente marginais, como os
ritos de passagem de fertilidade, ou dos casos obscuros, protagonizados
pelos pequenos e excluídos, cuja dimensão cultural e social vem sendo
valorizada de forma lenta e desigual. O
indivíduo, ator, identidade, grupo social, classe social, etnia, minoria,
movimento social, partido político, corrente de opinião pública, poder estatal,
todas estas “manifestações de vida”, não mais se esgotam no âmbito da sociedade
nacional, o que nos faz admitir que a diferenciação em comunidades locais,
tribos, clãs, grupos étnicos, nações e até mesmo Estados, perderam ao menos
algo do seu significado anterior. Na “sociedade global” generalizam-se
as relações, processos e estruturas de dominação e apropriação,
antagonismo e integração. Modificam-se os indivíduos, as coletividades, as
instituições, as formas culturais, os significados das coisas, gentes e ideias,
vistos em configurações histórico-sociais.
Se
as ciências sociais nascem e desenvolvem-se como forma de autoconsciência
científica da realidade social, pode-se imaginar que elas podem ser seriamente
desafiadas quando essa realidade já não é mais a mesma. Nesse sentido é que a
formação da sociedade global pode envolver novos problemas epistemológicos,
além de históricos e/ou ontológicos. É o êxtase do estranhamento absoluto que
na realidade é fruto de análise e interpretação. Metodologicamente para Carlo
Ginzburg as vítimas da “exclusão social” tornam-se os depositários do único
discurso que representa uma alternativa radical às mentiras da sociedade
constituída – um discurso que passa pelo delito, pelo canibalismo, que é
encarnado indiferentemente nas memórias redigidas por Pierre Rivière ou no seu
matricídio. É um populismo às avessas, um populismo “negro” – mas assim mesmo
populismo. O que foi dito até aqui para Ginzburg demonstra com clareza a
ambiguidade do conceito de “cultura popular”. Às classes subalternas das
sociedades pré-industriais é atribuída ora uma passiva adequação aos
subprodutos culturais distribuídos com generosidade pelas classes dominantes,
ora uma tácita proposta de valores, ao menos em parte autônomos em relação à
cultura dessas classes, ora um estranhamento absoluto que se coloca até mesmo
para além, ou melhor, para aquém da cultura. É bem frutífera a hipótese
formulada por Bakhtin de uma influência recíproca entre a cultura das culturas
subalternas e a cultura dominante. Mas precisar os modos e os tempos dessa
influência significa enfrentar o problema posto pela documentação.
O filósofo Vladimir Safatle ironizou
o “golpe primário” em ação contra o governo Dilma. - “Depois de anos operando
nas sombras, o vice-presidente conspirador resolveu transformar seu
partido-ônibus em uma máquina monofônica organizada para garantir que ele será,
enfim, alçado à Presidência da República nos próximos meses”, comentou ele
sobre Michel Temer. Fala ainda da sua aliança com Eduardo Cunha (PMDB) pelo
golpe e para afastar o líder do partido Leonardo Picciani. Quanto ao PSDB, cita
os casos de corrupção envolvendo o partido, como os esquemas de Delcídio do
Amaral quando participava da Petrobras no governo FHC. - “De fato, ninguém
melhor para liderar tal indignação do que o partido de Geraldo Alstom Alckmin,
de Marconi Carlos Cachoeira Perillo, partido já comandado por pessoas do
quilate de Eduardo Azeredo, recém-condenado a 20 anos de prisão por idealizar o
mensalão”. Menciona o “Superpato da FIESP e de seu presidente vitalício, que
não deixou de anunciar a esperada adesão dos empresários paulistas, ou do que
restou deles, ao golpe”. - “É certo que este álbum de fotografias inacreditável
de um golpe primário mostra muito mais do que a inanidade da oposição e a
inépcia do governo. Se, por sua vez, a oposição der o golpe de Estado, este será só o
começo de uma das mais profundas e retrógradas crises institucionais, políticas e sociais que o país
reconhecerá como um triste legado. No poder, estará a mais crassa casta oligárquica à frente de um
governo ilegítimo, com poderes policiais e repressivos reforçados”.
Entre seus votos como deputado
federal constituinte, foi favorável à jornada de trabalho de 44 horas semanais,
que foi aprovada, e apoiou o adicional de hora extra de 50%, que foi derrotado
pela proposta de adicional de 100%. Defendeu o mandato presidencial de quatro
anos para José Sarney, mas acabou votando a favor do de cinco anos. Foi
contrário ao monopólio na distribuição do petróleo e ao sistema
presidencialista, preferindo ao invés deste o sistema parlamentarista. Também
votou a favor do direito de greve, da reforma agrária, do piso salarial, da
aposentadoria proporcional e do salário mínimo real. No livro: “Quem foi quem
foi na Constituinte”, um pierranking
criado pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) para
mensurar positiva ou negativamente na esfera parlamentar os votos dos congressistas, recebeu nota média de 5,5.
Em
1987, recebeu do presidente José Sarney a concessão da rádio Arco-Íris, inicialmente
sediada em Betim, mas depois transferida para Belo Horizonte. Oficialmente, no
entanto, passou a integrar legalmente como sócio da rádio apenas em dezembro de
2010; além dele, Andrea Neves e Inês Maria que também são sócias. Atualmente, a
rádio é uma retransmissora da rádio Jovem Pan FM. Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo realizado no final do
ano de 2014, as rádios Arco-Íris, São João Del Rey e Vertentes FM, todas
controladas oligarquicamente pela família Neves, receberam pouco mais de R$ 1 milhão do governo
mineiro entre os anos de 2003 a 2014. Durante campanha presidencial de 2014, declarou
sobre a mídia: - “Na questão da publicidade, eu atendi a uma reivindicação do
sindicato e das rádios do interior do estado bem situado históricamente de Minas Gerais. Todas as mais de trezentas rádios
do estado, sem exceção, tiveram exatamente a mesma publicidade. O meu governo
segue aquilo que prevê a Constituição, o princípio da impessoalidade”.
Em
30 de março de 1989, filiaram-se ao Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), que tinha sido fundado nove meses antes. Em retrospecto, afirmou, em um
site oficial, que a mudança partidária era justificada como uma forma de
resgatar e defender a coerência ideológica de sua formação liberal e continuar
a trajetória que seu avô, Tancredo Neves, havia iniciado. Nas eleições gerais
de 1990, foi reeleito deputado federal, mas como uma votação muito menor do que
aquela obtida quatro anos antes. Desta vez pelo PSDB, conseguiram 42 mil votos
e foi o deputado federal mais votado da sigla no Estado. Entre julho e setembro
de 1991, no início do novo mandato, licenciou-se em
seus 4 mandatos para “tratar de interesses particulares”. No segundo mandato (1991–1995), fez parte como titular, da Comissão
de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias e Comissão de Relações
Exteriores.
Na
política contemporânea, um partido “pega-tudo”, também chamado “partido-ônibus”
(“catch-all party”), segundo a definição de Otto Kirchheimer, considerado um
dos maiores constitucionalistas alemães, é um partido político que tem como
escopo atrair pessoas para a cena pública com diversos pontos de vista. O
partido não exige a adesão a alguma ideologia como critério para a adesão. Em
1928, Kirchheimer conclui sua graduação com o título de Doutor (Dr. jur., “magna
cum laude”) pela Universidade de Bonn, apresentando o trabalho “Acerca da
teoria do Estado do Socialismo e Bolchevismo”. Em Bonn, Kirchheimer era
conhecido como o “preferido” de Carl Schmitt, torna-se adepto do ideário
socialista, filiando-se mais tarde membro do Partido Socialista Alemão (PSD). Entre
1930 e 1933, Kirchheimer trabalha como colaborador do periódico socialdemocrata
’A Sociedade’ e como professor de Ciência Política na escola técnica de
comércio. Entre 1932 e 1933, advoga em Berlim. Durante a República de Weimar, estabelecida
na Alemanha após a 1ª grande guerra, em 1919, e que durou até ao início do
regime “nazi”, em 1933, tendo como sistema de governo uma democracia
representativa compreendida como “semi-presidencial”.
O
Presidente da República nomeava um chanceler que era responsável pelo poder
executivo. Quanto ao poder legislativo, era constituído por um parlamento
federal (“Reichstag”) e por parlamentos estaduais (“Landtag”). O nome oficial
da Alemanha continuou, sob a República de Weimar ideologicamente a ser chamado “Deutsches
Reich”. Este período ratifica o nome Weimar, pois foi nesta cidade Alemanha central
(Turíngia) que reuniu desde 6 de fevereiro até 11 de Agosto de 1919, data da
aprovação da nova Constituição, a Assembleia Nacional Constituinte da
República. Kirchheimer trava polêmica
sobre a relação entre a estrutura social e a Constituição. Num polêmico artigo,
“Weimar e o que mais? Origem e Presente da Constituição de Weimar“, diz que a Constituição
de Weimar não é voltada para o futuro. Junto com Ernst Fraenkel e Franz L.
Neumann, Kirchheimer permanece próximo do publicista conservador Carl Schmitt.
Em 1932, Kirchheimer publica um artigo intitulado “Legalidade e Legitimidade”
no periódico socialista “A Sociedade”.
O ensaio “Punição e estrutura social”,
de Georg Rusche e Otto Kirchheimer, é a primeira obra da Escola de Frankfurt
editada pela Columbia University Press de Nova Iorque, em 1939. A produção do
livro e sua recepção foram afetadas pelas dificuldades que o nazismo e a 2ª
guerra mundial criaram para os autores, mas não impediram que o livro se
tornasse um clássico mundial na literatura de Direito. As relações entre o
crime e o meio social, a questão social como causa básica da quantidade de
crimes, métodos de punição e práticas penais são alguns dos temas abordados. O
objeto da investigação é a pena em suas manifestações específicas. O
elemento-chave da obra é o nascimento das prisões, forma especificamente
burguesa de punição, na passagem ao capitalismo. Georg Rusche baseia sua análise no
princípio de que as condições de vida no cárcere e as oferecidas pelas
instituições assistenciais devem ser inferiores às das categorias mais baixas
dos trabalhadores livres, de modo a constranger ao trabalho e salvaguardar os
efeitos dissuasivos da pena, relacionado ao mercado de trabalho.
Gizlene Neder analisa a ideia de
autoridade presente nas instituições políticas periféricas do Estado na
passagem à modernidade no Brasil. O período histórico enfocado engloba as
últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX, quando ocorreram rupturas
significativas devido ao fim do trabalho escravo (1888) e do regime monárquico
(1889). Analisamos o processo de estruturação político-institucional do Estado,
levando em conta as concepções sobre o desempenho da autoridade pública em
relação aos alienados, presos, órfãos, velhos, mendigos e indigentes. A
historiadora destaca a situação dos asilos para alienados que, sob os emblemas
dos ideais monárquicos ou republicanos, informam e dão suporte doutrinário às
múltiplas tecnologias de controle social, empreendidas para assistir, reprimir,
confinar, ou simplesmente abandonar a parte vulnerável da sociedade brasileira.
O estudo do pensamento destes ideólogos do terceiro/quarto escalão da estrutura
administrativa do Estado brasileiro tem como objetivo identificar aspectos da
cultura política nas formas de conceber, instituir e investir de autoridade os
operadores sociais, designados na formação social brasileira como servidores
públicos. Objetiva, também, descrever e interpretar a dinâmica, pendular e
contraditória, do processo de sacralização e secularização do poder na
sociedade brasileira, pontuada pelas opções entre a caridade e o dever, no caso
brasileiro.
O início da República de Weimar data de
1918, quando o país começou a ser controlado pelos militares logo após a fuga
do Kaiser Guilherme II. Quando se tornou evidente que a 1ª Guerra estava
perdida, o “Comando Supremo do Exército” (“Oberste Heeresleitung”), induziu a
constituição de um governo civil para facilitar as negociações de paz com os
aliados. Em 28 de outubro de 1918, a nova Constituição alemã estava pronta,
convertendo o Reich numa república parlamentar, que havia sido evitado pelo
Kaiser. Dessa forma, o Chanceler devia responsabilizar-se à nação perante o Reichstag (Parlamento Alemão) e não mais
perante o imperador. O príncipe Maximiliano de Baden assumiu o cargo. O plano de transformar a Alemanha veio a
fracassar devido às condições impostas pelo Tratado de Versalhes, que limitavam
qualquer possibilidade de ressurgimento econômico do país por causa das
reparações de guerra, e as restrições à indústria e ao exército alemão. As
consequências econômicas da paz (1919), formuladas pelo economista John Maynard
Keynes, que assistiu como observador às deliberações expõe de maneira
pormenorizada, e com sagacidade qual haveria de ser o impacto das reparações
sobre o frágil esquema das relações econômicas internacionais durante a década
de 1920. Isso, somado ao regresso dos soldados da frente, muitos dos quais
vinham feridos não apenas física mas psicologicamente, aumentou enormemente o
clima de fracasso e descontentamento que assombrava a nação.
A escalada de violência entre os “movimentos
sociais” à direita e à esquerda culminaram em 29 de outubro de 1918, ao estalar
a rebelião de parte do exército. O governo prendeu os amotinados,
principalmente da divisão naval, e muitos estudantes, operários e militares
solidarizaram-se com eles, agrupando-se em conselhos similares aos sovietes,
que tomaram o poder militar e civil em diversas cidades. A 7 de novembro, a
revolução alcançou a cidade de Munique, provocando a fuga do rei Luís III da
Baviera. O país esteve perto de se converter num Estado socialista. A 9 de
novembro, o príncipe von Baden transferiu os seus poderes legais a Friedrich
Ebert, líder do Partido Socialista da Alemanha (“Sozialistische Partei
Deutschlands”), de influência operária, mas sem intenções de abandonar o
sistema parlamentar. Esperava-se que esse ato bastaria para acalmar as massas,
mas tal não ocorreu. No dia seguinte, instaurou-se um governo revolucionário
sob o nome de “Rat der Volksbeauftragten”, ("Conselho dos Encarregados do
Povo”), que era formado por três membros do MSPD e três membros do Partido
Social Democrata Independente (“Unabhängige Sozialdemokraten (USPD), liderado
por Ehbert e Hugo Haase. Esse conselho governou a Alemanha de
novembro de 1918 até janeiro de 1919, mas em 1949, a República Federal da
Alemanha adotou todas as três insígnias da República de Weimar.
O que importa nesse momento é a
realização dos objetivos punitivos do
Estado, tornando-se descartáveis as garantias conquistadas pelos cidadãos ao longo
da história da punição. Os esforços do
Estado convergiram para a introdução de uma política punitiva mais severa e
brutal, baseada em princípios pretensamente educacionais. Para o sucesso da
empreitada, foi fundamental a mantença de um baixo nível de vida das classes
subalternas – que não era difícil em
vista a crise econômica na Alemanha – e incutir nelas a distinção moral entre
pobres honestos e desonestos, com a consequente execração dos últimos. O novo
sistema penal ostentava três características marcantes: o retorno da pena
capital; a demonização do delinquente, sendo o crime por ele perpetrado
considerado uma traição à comunidade e nunca a manifestação de uma oposição ao
Estado; bem como a supressão da assistência judicial. Todas elas demonstram o
incremento do poderio do Estado à custa da insegurança dos cidadãos. Rusche e
Kirchheimer, pelo estudo das estatísticas criminais de diversos países
europeus, colhidas ao longo das primeiras décadas do século XX, defendem que a
adoção de uma política criminal mais liberal não tem nenhum efeito negativo
sobre a criminalidade, sendo, em contrapartida, coincidente com a queda dos
citados índices.
E vão além ao defender que “a conclusão
é inegável. Uma vez mais, vemos que a taxa de criminalidade não é afetada pela
política penal, mas está intimamente dependente do desenvolvimento econômico”. Diante
deste breve comentário, fica evidente que a obra: “Punição e estrutura social”
despe o sistema penal da análise ingênua que muitas vezes é realizada sobre
ele, revelando, em contrapartida, que esse sistema não pode ser compreendido
isoladamente, como se fosse distinto e segregado de toda a realidade social que
vivenciamos, especialmente a econômica. Não é a quantidade e a qualidade das
penas que determina uma maior ou menor prática de crimes, mas as condições de
vida oferecidas à população, muitas vezes vitimada pela falta de assistência
dos governos e pela ganância das classes dominantes. O sistema penal de uma
dada sociedade não é isolado sujeito apenas às suas leis especiais.
É parte de todo o sistema social, e compartilha suas aspirações e seus defeitos.
Bibliografia geral consultada.
BRANDÃO, Ignácio de Loyola, Zero. Porto Alegre: Editora Global, 1975; CARDOSO,
Fernando Henrique, Teoria da Dependência
ou Análises Concretas deSituações de
Dependência. São Paulo: Estudos CEBRAP (1), 1971; Idem, Les Idées àleur Place: Le Concept de Développement en Amérique Latine. Paris:
Anne Marie Métaillé/Maison des Sciences de l`Homme, 1984; GINZBURG, Carlo, Miti,
Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1986; GINZBURG,
Carlo “et alii”, A Micro-História e Outros Ensaios. São Paulo: Difel, 1989; CERTEAU, Michel de, L`Inventiondu Quotidien. Arts de Faire (Union générale éditions. Collection
(10-18), 1980; RUSCHE, Georg; KIRCHEIMER, Otto, Punição eEstruturaSocial. Tradução de Gizlene Neder. 2ª
edição. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004; NEDER, Gizlene, Criminalidade, Justiça e Constituição do
Mercado de Trabalho no Brasil - 1890-1927. Tese de Doutorado em Ciências
Humanas. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1986; Idem, Discurso
Jurídico e OrdemBurguesa no Brasil.
Porto Alegre: Fabris Editor, 1995; Idem, “Cultura Política, Prática Ideológica
e Formação de Servidores Públicos no Brasil”. In: Achegas Net. Rio de Janeiro, vol. 2, n°13, pp. 1-6, 2003; Idem,
“Entre o Dever e a Caridade: Assistência, Abandono, Repressão e
Responsabilidade Parental do Estado”. In: DiscursosSediciosos. Rio de Janeiro, v. Ano
9, n° 14, pp. 199-231, 2004; Idem, “Casamento Perfeito-, Cultura Religiosa e
Sentimentos Políticos”. In: Passagens:
Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, volume 8, pp.
3-20, 2016; REIS, Daniel Aarão, Ditadura e Democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2014; LÖWY, Michael, “O Golpe de Estado de 2016 no Brasil”. Disponível
em: http:www.revistaforum.com.br/2016/05/17; entre outros.
_________________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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