terça-feira, 16 de agosto de 2016

Livre-Docência & Visão – Incognoscibilidade Acadêmica ou Política?

                                                                                                             Ubiracy de Souza Braga* 

                              “Se os pensamentos não são entes, então o ente não é pensado”. Górgias

    
 A Livre-docência é um título concedido no Brasil por uma IES - Instituição de Ensino Superior, mediante concurso público aberto, desde setembro de 1976, exclusivamente para portadores do título de doutor, e que atesta uma qualidade docente e de pesquisa. O concurso de livre-docência é aberto por edital e o candidato inscrito deverá, além de submeter-se a uma prova escrita e a uma prova didática, desenvolver também uma tese monográfica ou cumulativa sobre um tema acadêmico e defendê-la perante uma banca examinadora. Dependendo da área, como por exemplo, a música, uma prova prática pode também ser exigida no concurso. A categoria Livre-Docência é regulada pela Lei nº. 5.802/72 e nº. 6.096/74 e pelo Decreto 76.119/75 e pelo Parecer 826/78 do extinto Conselho Federal de Educação. Diferente da livre-docência é o título de Notório Saber, que é concedido com base no parágrafo único do art. 66 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional. Ela define e regulariza a organização da educação brasileira com base nos princípios presentes na Constituição. Foi citada pela primeira vez na Constituição de 1934. A primeira LDB foi criada em 1961, seguida por uma versão em 1971, que vigorou até a promulgação da mais recente em 1996.
Anteriormente, a Livre-Docência era aberta a qualquer professor da IES, mas desde 11 de setembro de 1976 só podem candidatar-se professores já portadores do título de doutor. Na Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Universidade Estadual Paulista (UNESP), a livre-docência é requisito para a candidatura ao cargo de professor Titular e o Livre-Docente recebe o título de professor-associado, quando já pertence ao quadro docente da universidade, mas o título pode ser obtido também por doutores externos à universidade. Nas universidades federais, a Livre-Docência praticamente desapareceu, dado que o doutor já é professor-adjunto e pode, havendo vaga, prestar concurso para professor Titular. Aparentemente, a Livre-Docência perdeu seu sentido nas universidades federais e estaduais. Honrosas exceções são a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) que, a exemplo das suas congêneres paulistas, mantém os concursos de Livre-Docência e a Universidade Estadual do Ceará (UECE) que provê o concurso público de provas e títulos através da Resolução n° 788/2011 – CONSU, de 21 de fevereiro de 2011. A Livre-Docência é o estágio mais elevado da carreira universitária e pode ser atingido apenas por concurso público de provas e títulos por competência, e o que é importante no âmbito da carreira é que constitui-se de forma independente da disponibilidade de vagas na carreira funcional.


                                                                                  
             Existe uma diferença entre o Privatdozent alemão e o norte-americano, posto que em geral o alemão deve se preocupar menos com a docência. Na América do Norte, afirma o sociólogo Max Weber, a carreira começa normalmente, de forma muito diferente, a saber, com a nomeação de Assistant. De modo análogo ao que costuma acontecer entre nós nos grandes institutos das faculdades de ciências e de medicina, em que só uma pequena parte dos assistentes e, muitas vezes, já tarde, aspira à habilitação formal como “Privatdozent”. O contraste significa, na prática, a carreira que um homem de ciência se constrói, em última análise, totalmente em pressupostos plutocráticos. Pois é um risco extraordinário para um cientista jovem, sem bens materiais de fortuna, expor-se às condições da carreira acadêmica. Deve, pelo menos durante alguns anos, poder sustentar-se com os seus próprios meios, e mais tarde, terá a possibilidade de obter um lugar ao sol que lhe permita viver.
Nos Estados Unidos da América (EUA) vigora o sistema burocrático como ordenamento dos sistemas sociais e políticos. Na educação o jovem é remunerado, desde o início. Com moderação, sem dúvida. O salário, na maioria dos casos, dificilmente corresponde ao nível da remuneração de um operário medianamente qualificado. De qualquer modo, ele começa com uma posição aparentemente segura, pois recebe um salário fixo. A regra, porém, tal como acontece com os nossos Assistentes, é ele poder ser despedido, e deve contar com isso de um modo bastante impiedoso, se não corresponder às expectativas. Consistem estas em ele serem capaz de “encher a sala”. Eis algo que não pode acontecer a um “Privatdozent” alemão. Uma vez nomeado, já não pode ser destituído. Não têm “direitos, é certo; mas dispõe da convicção natural de, após vários anos de atividade, ter uma espécie de direito moral a alguma consideração por ele. Inclusive - isto é, muitas vezes, importante - quando se trata da eventual habilitação de outros trabalhadores Privatdozent”.  
Na Universidade Estadual do Ceará (UECE) é o Reitor que no uso de suas atribuições legais e estatutárias, tendo em vista o que consta do Processo SPU Nº 10129261-9 e da deliberação unânime dos membros do Conselho Universitário - CONSU, em sua reunião de 21 de fevereiro de 2011, Resolve: Art. 1º - Estabelecer os procedimentos para a Habilitação à Livre Docência, que levam ao Título de Professor Livre Docente, observados o que dispõe a presente Resolução. Parágrafo Único - O título de Professor Livre Docente é de natureza meritória, pontuando para ascensão funcional por progressão, visto que o mesmo resulta de processo seletivo interno, não gerando direito a gratificação de incentivo ou promoção por titulação, não gerando direito a gratificação de incentivo ou promoção por titulação. Art. 2° - Para inscrição no processo seletivo, o interessado deverá: I - ser professor classe Titular, Associado ou Adjunto; Art. 3º - Poderão inscrever-se os prof. doutores da UECE que desejem agregar valor ao curriculum vitae ou se submeter a Concurso de Professor Classe Titular.
       Esse grau acadêmico é considerado o estágio mais elevado da carreira universitária que se pode chegar e atesta uma condição acadêmica qualitativa para/na docência e para/na pesquisa. Normalmente os concursos exigem que o livre-docente possua uma carreira universitária com experiência em ensino e em pesquisa, e título de doutorado, há pelo menos cinco anos, pois consideram que esse período é necessário para o amadurecimento da tese. Também  é exigido ao livre-docente, que demonstre capacidade de produzir linha de pesquisa própria, coerente e continuada, bem como, o exercício da docência nas áreas de graduação e pós-graduação, principalmente, orientando dissertações de mestrado e/ou tese de doutorado, orientando assim novos pesquisadores. Também  é exigido ao livre-docente, que demonstre capacidade de desenvolver linha de pesquisa própria, em tempo contínuo no mundo contemporâneo, bem como, o exercício da docência nas áreas de graduação e pós-graduação, principalmente, orientando dissertações e/ou tese de doutorado, orientando  pesquisadores. A partir da teoria formulada por Immanuel Kant, tendo como escopo a defesa do princípio da incognoscibilidade, e, portanto, acepção que diz a respeito da teoria do conhecimento, quando se trata do estudo da essência perceptiva das coisas.             
          A verdadeira percepção da natureza de qualquer fundamento. A natureza do conhecimento refere-se a dois aspectos básicos: quando se trata dos fundamentos indispensáveis ao saber, em referencia a tais sentidos, quando Kant formulou seu procedimento gnosiológico, resguardando por um lado, o espírito do idealismo, por outro, o subjetivismo. A importância de entender tais fundamentos, a essência das coisas materiais ou espirituais, que existem fora  independente de nossa consciência, em que o sujeito de algum modo tem necessidade do entendimento. Só podemos conhecer o fenômeno a coisa para nós, a manifestação exterior da coisa em si, tal como ela apresenta a nossa percepção, do modo que chega até ao sujeito, o conhecimento não determina a essencialidade de um fato, não sintoniza a complexidade da referência, a dificuldade epistemológica do saber. O que significa que a matéria do conhecimento vem tão somente do objeto, dada pela experiência, a forma do conhecimento procede também  do sujeito   não anterior a experiência pelo menos em parte,  a  defesa da  valorização do campo empírico aplicado a lógica do entendimento, na perspectiva indutiva. Apresentando as formas do conhecimento e suas relações com a subjetividade e objetividade, o conhecimento torna se por meio da posterioridade, ao que se refere ao campo empírico, sendo que o propósito a priori, as lógicas da convencionalidade servem apenas as deduções construtivas, a finalidade aplicada ao fundamento da formalidade.
As determinações das consciências são exatamente duas: a posterior e a priori, significando, portanto, que não existe realidade objetiva. Para Kant existe tão somente o nosso espírito, antes e independente de qualquer experiência, mas o saber relativamente possível verifica-se apenas na aplicação do método empírico, não por caminhos da metafísica. Assim, existem duas formas principais de representação do saber epistemológico: da sensibilidade e do entendimento. As formas das sensibilidades correspondem com o espaço e tempo, que dão ordem nas sensações caóticas numa justaposição no espaço, na sucessão do objeto no tempo, tal perspectiva meramente histórica e sucessiva ao campo das mentalidades. As formas do entendimento denominadas de conceitos puros ou categorias sintetizam formando o entendimento do mundo exterior nas suas sensibilidades, idealizado pela lógica do sujeito enquanto consciência formulada a priori. O princípio do apriorismo kantiano é o da sensibilidade que os objetos são dados. A sensibilidade nos oferecem intuições empíricas, mas é em ultima análise o entendimento humano que se reflete de forma objetiva a respeito dos objetos em operação desse conceito aparecem às formulações teoréticas.
 Esse padrão é nosso velho conhecido na fenomenologia, visto que  a filosofia durante séculos de elaboração utilizou para conhecer. Isto fica claro da seguinte maneira; se o saber é igual ao conceito e a essência corresponde o objeto, logo o conceito precisa corresponder ao objeto e vice-versa, basta para nós, portanto, verificar em nosso exame – diz Hegel – se o objeto corresponde ao conceito. Por isso, é necessário manter os dois momentos do exame; o conceito, quer dizer, ser para outro e o objeto consequentemente ser em si mesmo. Com isso verificamos que não é necessário um “padrão de medida”, um instrumento que capte o raio, mas, é necessário investigar a partir do que é dado, embora, aquilo que é dado fique no limite da própria consciência do que é verdadeiro é consciência do “seu saber da verdade”, pois o que estabelece a comparação é a própria consciência.
   No que inferimos desta relação entre limitações do discernimento, da consciência de si e da razão, Hegel se empenhou em apreender e expressar o verdadeiro não como substância, mas também, na mesma medida, como sujeito. Para Marx, o autor da “Fenomenologia do Espírito”, não se deu plenamente conta do quanto era concreta a atividade desse sujeito. “O único trabalho que Hegel conhece e reconhece” – escreve Marx – “é o trabalho espiritual abstrato”. Não enxerga o trabalho em toda a sua contraditória materialidade e por isso o idealiza e o vê de maneira unilateralmente positiva, minimizando a força da sua negatividade: a essência humana equivale para Hegel à consciência de si, em vez de reconhecer na consciência de si a consciência de si do homem, quer dizer, “de um homem real, que vive num mundo real, objetivo, e é condicionado por ele”. Por isso, Hegel, na leitura Marx, caiu na ilusão de conceber o real como resultado do pensamento, que se encontra em si mesmo, se aprofunda em si mesmo e se movimenta por si mesmo, enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de reproduzi-lo como concreto espiritual (cf. Marx, 2011: 248).
Tese de Livre Docência (2016).
           Lembramos que Hegel não é um idealista platônico para quem as Ideias constituem um campo ontológico superior à realidade material: elas formam um campo pré-ontológico das sombras. Esta é a tese defendida com sabedoria no ensaio de Slavoj Žižek: “Less Than Nothing”. Para ele, o espírito tem a natureza como seu pressuposto e é simultaneamente a verdade da natureza e, como tal, o “absolutamente primeiro”; a natureza, portanto, “desvanece” em sua verdade, é “suprassumida” (aufgehoben) na identidade-de-si do espírito: Essa identidade, afirma Hegel na Lógica: “é a negatividade absoluta, porque o conceito tem na natureza sua objetividade externa consumada, porém essa sua extrusão é suprassumida, e o conceito tornou-se nela idêntico a si mesmo. Por isso só é essa identidade enquanto é retomar da natureza”. Note-se a estrutura triádica precisa dessa passagem, ao modo hegeliano mais ortodoxo em sua concepção dialética, todavia exemplar do ponto de vista da irrefutabilidade do conhecimento de apropriação do real: tese, o conceito tem na natureza sua objetividade externa consumada; antítese (“Porém”), essa sua extrusão é suprassumida e, por meio dessa suprassunção, o conceito atinge a identidade-de-si; síntese (“por isso”), ele só é essa identidade enquanto é retomar da natureza.
É nessa maneira que devemos entender a identidade como negatividade absoluta: a identidade-de-si do espírito surge por sua “relação negativa” (suprassunção) com esses pressupostos naturais, e essa negatividade é “absoluta” não no sentido que nega a natureza “absolutamente”, de que a natureza desaparece “absolutamente” (totalmente) nele, mas no sentido de que a negatividade da suprassunção (Aufhebung) é autorrelativa; em outras palavras, o resultado desse trabalho da negatividade é a identidade-de-si positiva do espírito. As palavras principais dessa passagem são: consumada e só. O conceito “tem na natureza sua objetividade externa consumada”: não há “outra” realidade objetiva, tudo o que “realmente existe” enquanto realidade é a natureza, o espírito não é outra coisa que se acrescenta às coisas naturais. É por isso que “só é essa [sua] identidade enquanto é retomar da natureza”: não há um espírito preexistente à natureza que, de alguma maneira, “exterioriza-se” na natureza e depois se reapropria dessa realidade natural “alienada” – a natureza completamente “processual” do espírito (o espírito é seu próprio devir, é resultado de sua própria atividade) significa que o espírito é somente (ou seja, nada mais que) seu “retorno-a-si-mesmo” a partir da natureza. Em outras palavras, o “retorno a” é plenamente performativo, o movimento do retorno cria aquilo para que ele retorne. 
Portanto, ao assumir o conceito hegeliano de dialética, Marx foi levado a modificá-lo, mas a perspectiva de Marx implicava não só uma reavaliação do papel do trabalho material na autocriação e na autotransformação do ser humano, como também exigia uma reavaliação dos trabalhadores como força material de trabalho capaz de dar prosseguimento à autotransformação histórica da humanidade. Porque pode fazer história na prática e revolucionar a estrutura dessa sociedade, em sua transitoriedade assimilando assim as conquistas mais profundas da filosofia. Utilizando o conhecimento para “superar/conservar” a situação particular de classe que lhes é imposta. Em sua concepção dialética da história, a filosofia, assegura Marx, “não pode se realizar sem a superação do proletariado; e o proletariado não pode se superar sem a realização da filosofia”.  O modo de pensar dialético atento à infinitude do real e a irredutibilidade do real ao saber distingue os planos de análise e de realidade de quem opera. Implica uma interpretação constante da consciência no sentido dela se abrir para o reconhecimento do novo, inédito, no âmbito das “mediações complexas” e das contradições que irrompem no campo visual do sujeito e lhe revelam a existência de problemas que não estava enxergando. Hegel é o primeiro a ter visibilidade na Filosofia relevando a tópica da consciência e da autoconsciência vis-à-vis à consciência comum.
A exigência do reconhecimento das contradições pode entrar em choque e, de fato com frequência entra, com exigências de outro tipo que são exigências ligadas às tarefas revolucionárias urgentes que a política representa, assim, aos homens e mulheres que compreendem ou sabem que a vida vive mudando e a sua consciência participa deste movimento. Em determinadas circunstâncias, o reconhecimento da complexidade e da contraditoriedade que legitima do quadro de ação pode paralisar, ou ao menos “entorpecer”, talvez como na religião, ou, “no mito religioso da leitura” a intervenção eficaz da visão em tais circunstâncias. Os dirigentes políticos das forças pragmaticamente comprometidas com a mudança radical tendem a mobilizá-las através de fórmulas nem sempre dialéticas, com exceção de V. I. Lenin - cujo efeito político específico lhes parece ser mais direto, imediato, objetivo e eficaz para a transformação social. Daí é que parte essa investida exemplar de Hegel, o grande tema hegeliano do caminho para a verdade como arte da verdade – para se chegar à escolha certa, é preciso começar com a escolha errada – reafirma a si mesmo. A questão atual não é a de que não deveríamos ignorar Hegel, afirma Žižek, mas sim que só podemos nos permitir ignorá-lo depois de um longo e árduo estudo de Hegel. A hora é exatamente a de repetir Hegel. 
 
            O enunciado de Marx (1973: 800) é conclusivo de sua obra O Capital: - “Toda ciência seria supérflua se a forma de manifestação e a essência das coisas coincidissem imediatamente”. Em si e para si a proposição vale em sentido ontológico geral, ou seja, refere-se tanto à natureza quanto à sociedade. Todavia, a relação entre essência e fenômeno ser social, por causa de sua indissolúvel ligação com a práxis, revela traços novos, novas determinações, no que é residual. Por isso, não é casual que a frase sobre a ciência e a relação “fenômeno-essência” seja descrita por Marx no quadro de uma crítica aos economistas vulgares, em polêmica com concepções e interpretações absurdas do ponto de vista do ser, que se fecham nas formas fenomênicas e deixam inteiramente de lado as conexões reais. A constatação filosófica de Marx é de uma atualidade imprescindível e tem a função propedêutica de crítica analítica, e política, a algumas falsas representações para a questão da forma histórica de representação social da consciência e restaurar no pensamento individual (o desejo) e coletivo (o sonho, a utopia, o amor) a realidade autêntica, existente para si. 
        De fato a transformação social da mercadoria em signo representou o destino da globalização do capitalismo no século XX. Nesta direção, condenou o processo de estetização de todas as coisas que ocorre na atual fase do capitalismo, pois como dizia, “até o mais marginal, o mais banal, o mais obscuro estetiza-se”. Deixou transparecer que entendia a publicidade como a arte oficial do capitalismo, uma vez que todas as formas atuais de atividade voltam-se e esgotam-se nela. Por isto a forma ideológica da publicidade com apoio de relações técnicas de trabalho impôs-se e desenvolveu-se à custa de todas as outras linguagens contemporâneas. Portanto, reiterou que os códigos e modelos de marketing e lógicas tem o papel de formalizar e deixar mais simples os semelhantes, geraram uma produção infinita e instável de estilos de vida, dissolvendo-se o objeto reconhecido como sociedade. A estetização que fascina, manipula desejos e gostos e impulsiona na direção da produção-consumo além dos princípios da economia política. Apresenta a falsa ideia de que nas práticas consumistas está a resolução dos problemas sociológicos da vida no plano individual, bem como a transformação da insignificância do mundo.
            Reportamo-nos aqui a um libelo expresso no depoimento de Augusto Sampaio, então Vice-Reitor comunitário da PUC-Rio, ex-aluno e amigo do professor Isaac Kerstenetzky (1926-1991): - Muitos professores dos dias de hoje são, apenas, empregados de empresas que vendem cursos e diplomas - cumprem tarefas segundo esquemas e horários pré-estabelecidos pelos seus empregadores. Isaac Kertenetzky, não. Homem de saber enciclopédico, inteligência rápida, humor cáustico, paciência infinita, era antes de mais nada, amigo de seus alunos. Preocupava-se com cada um, angustiava-se com os dramas juvenis que lhe eram narrados. Alegrava-se com as pequenas conquistas dos seus discípulos - uma dissertação, uma conversa proveitosa, uma tese defendida com sucesso, um livro ou artigo publicado. Nasceu no Rio de Janeiro em agosto de 1926. Orgulhava-se de ter crescido em Vila Isabel, a terra de Noel Rosa e atribuía a este fato a sua sensibilidade musical. Estudou no Colégio Pedro II e formou-se pela antiga Universidade do Brasil, hoje a Federal do Rio de Janeiro, com 20 anos de idade. Foi aluno de Octávio Bulhões e Eugênio Gudin, que o conduziram para um mestrado na Universidade de McGuill, no Canadá, e logo em seguida para o Centro de Estudo Sociais de Haia. Voltando ao Brasil foi para a Fundação Getulio Vargas (FGV), para trabalhar no Centro de Contas Nacionais e lecionar na Escola de Pós-Graduação daquela Instituição.



Nestes mesmos anos, final dos anos de 1950, na PUC-RIO, o Pe. Fernando Bastos e Ávila S.J., fundava a Escola de Sociologia e Política que tinha, na sua estrutura, um Departamento de Economia. O Vice-Diretor era outro notável professor, Arthur Hehl Neiva, que convidou o Isaac para colaborar com a nova Escola que, pioneiramente, insistia, na sua proposta pedagógica, na necessidade de se tratar as ciências sociais de forma integrada - só assim o fenômeno social poderia ser melhor entendido. Era o que Isaac sonhara toda sua vida - aceitou na hora. Contava, rindo, que a única pergunta que lhe fora feita, pelo Professor Neiva, além do convite, era se vivia uma casamento estável... pois, na época, era um valor importante para uma Universidade Católica. Foi Professor, Diretor do Departamento de Economia, colaborou com o professor Neiva na organização do sistema de créditos na escola de Sociologia, introduziu a idéia do ciclo básico, trouxe vários outros professores da FGV e do antigo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) para lecionarem economia, estatística, história econômica.
          Em 1965, já seu aluno - uma turma de sete alunos - tínhamos aula na sua sala na Fundação, na verdade um pedaço de mesa de reuniões, antiga, perdida no meio de pilhas de revistas, livros, relatórios, todos lidos e anotados, muitas vezes fora do horário habitual, aos sábados pela manhã e à noite nos dias de semana. Foram momentos inesquecíveis de convivência e de aprendizado. Suas provas eram novidades - podíamos fazê-las com consulta a livros, ou ir até a biblioteca para uma pesquisa de última hora. Seus comentários, nas provas, eram verdadeiras cartas aconselhadoras, onde com extrema elegância e delicadeza apontava as barbaridades que muitas vezes eram escritas. Estava sempre disponível para conversar sobre tudo, inclusive sobre a sua matéria principal - Planejamento e Desenvolvimento Econômico. Até o final da sua vida, já adoentado, sua maior preocupação era não faltar a uma aula, chegar no horário, atender aos alunos, conversar. Por sonhar com a possibilidade de forjar um Centro de Ciências Sociais, com real perspectiva interdisciplinar e nem sempre encontrar apoio para esta sua idéia, pelo desejo de radicalizar a convivência de especialistas dos vários ramos do estudo do homem vivendo em sociedade, acabou seus dias no Departamento de História, o grupo da PUC-RIO que mais estimulava a idéia da interdependência e a complementaridade das especialidades do saber social. Escreveu pouco, muito pouco. Cada vez que pedíamos que colocasse aquelas conversas em forma de artigos, ou uma coletânea de artigos que pudesse se transformar em um livro dizia: “ah, outros já escreveram sobre isso, vocês é que não leram, eu já li isto, que acabei de falar, em algum lugar que não me lembro mais...”. Está cada vez mais difícil encontrar, nos campi professores reais como o Isaac.
        As estruturas sociais de classe, gênero e etnia são reduzidos às imagens do social e vividos através do meio de reprodução das imagens e de estilo de vida. Observou que os “meios realizadores” estão em coisas muito diferentes às expectativas geradas, e, ainda segundo ele, que atendam satisfações mais superficiais, mas jamais aspectos profundos da vida humana como geralmente propõem. Sob este aspecto radicalizou ao desenvolver a ideia que os indivíduos imersos nas práticas e relações de consumo, não combatem nem condenam, mas exploram ao máximo as tendências figuradas. As sensações imediatas, as experiências ardentes e isoladas, tanto quanto as intensidades da sociedade-cultura de consumo. Sem procurar significados obtém prazer estético de intensidades superficiais. Na ordem da produção, o objeto carece de unicidade e singularidade, pois, objetos tornam-se simulacros indefinidos uns dos outros como objetos, os homens que os produzem. A pretensa objetividade do mundo erigido pela racionalização técnica corresponde à universalização de um modelo arbitrário advindo da generalização da economia política na forma da lei do valor. A partir do código, considerado como sistema de signos generalizados, a simulação opera a inversão das relações sociais entre pessoas, identificada entre o real e sua representação, estabelecendo simples oposições binárias que permitem a objetividade do discurso e o controle dos objetos.
Bibliografia geral consultada.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Fenomenologia dello Spirito. Florença: La Nuova Itália, 1973; MITZMAN, Arthur, La Jaula de Hierro. Una Interpretación Histórica de Max Weber. Madrid: Alianza Universidad, 1976; MARX, Carlos. El Capital. Crítica de la Economía Política. Libro Primero. Buenos Aires: Editorial Cartago, 1973; GÓRGIAS, “Tratado do Não-Ente. Elogio de Helena”. Tradução, Introdução e comentários de Maria Cecília de Miranda Nogueira Coelho. Disponível em: Cadernos de Tradução, nº 4. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999; KERSTENETZY, Isaac, Legado e Perfil. Rio de Janeiro: IBGE: Centro de Documentação e Disseminação de Informações, 2006; COELHO, Humberto Schubert, Livre-Arbítrio e Sistema: Conflitos e Conciliações em Böhme e Goethe. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião. Juiz de Fora: Universidade de Juiz de Fora, 2012; ŽIŽEK, Slavoj, Menos Que Nada: Hegel e a Sombra do Materialismo Dialético. São Paulo: Editorial Boitempo, 2013; MEDEIROS, Stanley Kreites Bezerra, Um Estudo Lógico e Epistemológico do Fecho Epistêmico. Tese de Doutorado. Programa Integrado de Doutorado em Filosofia, UFRN-UFPB-UFPE, CCHLA. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2013; BRAGA, Ubiracy de Souza, Varnhagen, a Cultura, a Política e a História. Notas sobre a Influência na Formação de Capistrano de Abreu, Gilberto Freyre e Florestan Fernandes para Compreender o Brasil. Tese de Titular em Sociologia. Coordenação do curso de Ciências Sociais. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2009; Idem, Oligarquia Revigorada: Consciência, Autoconsciência & Consciência Comum no Brasil. Tese de Livre Docência em Sociologia. Coordenação do curso de Ciências Sociais. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2016; PERES, Elisandra de Souza, Currículo e Emancipação: Uma Articulação Possível? Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2016; MENEZES, Eunice Andrade Oliveira, A Pesquisa Potencializadora da Reflexão Crítica sobre a Formação e a Prática Docente: Um Olhar sobre a Experiência Formativa do PIBID-UECE. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará, 2017; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).


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