“Quem não se movimenta, não
sente as correntes que o prendem”. Rosa Luxemburgo
Rosa Luxemburg é reconhecidamente fundadora e líder da social-democracia polonesa, líder da ala esquerda da social-democracia alemã, jornalista, polemista, teórica da ação política, teórica da Economia Política, além de protagonista e mártir de duas extraordinárias revoluções: a russa de 1905 e a alemã de 1918-1919, num grau de perfeição e disciplina tão destacado que não fica nada a dever a um Rudolf Hilferding, V. I. Lênin ou Leon Trotsky. Sua posição na história do movimento operário e na formação do pensamento socialista é singular. Embora pertencesse a minorias oprimidas, na política, como a questão judia e polonesa, defendeu uma estratégia estritamente internacionalista, contra qualquer aliança de classes em prol de interesses nacionais; enquanto teórica da revolução, opôs-se com o mesmo vigor ao voluntarismo centralista do bolchevismo e ao fatalismo revolucionário do “centro marxista”; e como herdeira de Marx, no âmbito da Economia Política, analisou criticamente a teoria da reprodução do capital, extraindo dela uma teoria do imperialismo. A independência intelectual e de raciocínio na história econômica e política, fora de dúvida foi sua marca inquestionável, contribuindo, sobretudo, com uma profunda identificação com as massas trabalhadoras, os oprimidos e explorados, e desprezo ilimitado pela autossuficiência da burocracia, com cargos formais bem definidos, o técnico burocrata acomodado com a função, sem vontade de desempenhar como deveria e a ordem hierárquica com linhas de autoridade e responsabilidades sociais bem delimitadas.
Rosa Luxemburg, cujo nome, no
registro de nascimento era Rosalia Lowenstein Luxemburg, nasceu em 5 de março
de 1870, numa família judia assimilada, relativamente próspera, no pequeno
vilarejo de Zamosc, na parte da Polônia que se encontrava sob o domínio russo.
Para proporcionar melhor educação aos filhos, seu pai levou a família a
Varsóvia quando ela contava cerca de 3 anos. Ali Rosa frequentou o primário e
depois o 2º ginásio feminino, pois o 1º ginásio estava
reservado preferencialmente aos filhos dos altos funcionários russos e de
algumas famílias ricas polonesas. Aos judeus, o acesso ao 1º ginásio estava
impedido e ao 2º limitado a um número limite (numerus clausus). No ginásio, apenas a língua russa podia ser usada, inclusive entre alunos. Tais
medidas de “russificação” eram naturalmente objeto de resistência por parte dos
alunos e Rosa Luxemburg, que tinha sido criada no amor à poesia polonesa, cedo
aderiu à insubordinação estudantil. Quando ela se formou no ginásio, a medalha
de ouro, a que fazia jus, foi-lhe negada “por causa de sua atitude de oposição
às autoridades”. Ao deixar o ginásio, a jovem polonesa se uniu à oposição
socialista, representada pelos remanescentes do partido “Proletariat”. Não
tardou que a polícia ficasse sabendo de sua atividade e, para evitar a prisão,
em 1889 ela foi para o exílio. Os sete anos seguintes passou em Zurique
(Suíça), onde ela se ligou a outros exilados poloneses, estudou na universidade
Economia Política e militou tanto no movimento polonês quanto no suíço. Época
em que Zurique concentrava grande número de exilados do império czarista,
inclusive alguns destacados líderes da socialdemocracia russa como Georges
Plekhanov, Vera Sassulitch e Paul Axelrod, com os quais Rosa Luxemburg travou
conhecimento. Mas seu encontro mais significativo foi com o jovem exilado de
Vilna (Lituânia) Leo Jogiches, com o qual estabeleceu uma relação amorosa, que
durou muitos anos, e uma camaradagem política durante toda a vida.
Rosa Luxemburg é uma mulher
franzina, delicada, inequivocamente feminina. Não lhe falta valentia, segundo
Konder (2009), como demonstrou ao longo de sua vida, mas tem horror à
violência. Disciplinada, lê muito, adora música, ouve com enlevo Mozart e
Beethoven, curte a pintura de Rembrandt. Gosta de desenhar, o que o faz bem e se
diverte com caricaturas. Aprecia gestos elegantes. No congresso socialista
internacional de 1904, realizado em Amsterdam, Rosa teve discussões veementes
com o líder socialista francês Jean Jaurès. Quando Jaurès precisou falar em
plenário, não havia intérpretes. Rosa, deixando de lado as divergências,
imediatamente assumiu o posto e traduziu, na hora, o discurso de Jaurès do
francês para o alemão. Além de falar fluentemente o francês e o alemão, ela dominava
o russo e o polonês. No entanto, Rosa era discreta. Quando as circunstâncias a
forçavam a mostrar as coisas que conhecia, achava sempre um jeito de advertir
seus interlocutores das lacunas existentes em sua formação cultural. Diante
daqueles que reconhecia serem mais cultos do que ela estava sempre disposta a
aprender. Ficou fascinada pela vastidão de conhecimentos de Plekhanov. Mas o
respeito não paralisava seu senso crítico e nem impedia que lhe viessem à
cabeça divertidas fantasias adolescentes. Acompanhando a argumentação um tanto
professoral do velho Plekhanov, uma vez, Rosa, teve uma reação que nós,
brasileiros, não podemos deixar de associar à Emília, personagem das histórias
infantis de Monteiro Lobato: “Gostaria muito de encará-lo e mostrar-lhe a
língua”. Decididamente, esse senso de humor não combina com o estereótipo revolucionário. Porém, o traço da personalidade de Rosa que mais a afasta da
imagem do revolucionário se acha provavelmente na relação dela com o
amor.
Rosa Luxemburg se põe toda, apaixonadamente, nos diversos planos da sua vida: no estudo dos problemas teóricos, na militância política e – não menos – na relação amorosa. Seu espírito se movimenta na organização do movimento operário, no combate pela transformação da sociedade - e igualmente – na busca da felicidade pessoal. Não lhe basta prestar sua contribuição aos esforços emancipatórios da humanidade; ela sente que precisa dar conta de suas necessidades afetivas mais profundas como indivíduo. E assume com a mesma coragem e com a mesma lucidez que revelou seu engajamento político. O volume intitulado Camarada Amante contém uma seleção das quase mil cartas que Rosa escreveu a Leo Jogiches, o homem que, nas palavras de Peter Nettl, foi “a figura central” na vida dela. Ou, segundo Gilbert Badia (1986), “o companheiro de sua vida”. Os dois se conheceram na Suíça, em Zurique, em 1890. Rosa tinha 20 anos, ele tinha 23. Ela tinha atravessado a fronteira polonesa, fugindo da polícia, escondida no meio de um carregamento de feno, transportado por uma carroça. Ele vinha da Lituânia, também perseguido. Conversando, Rosa era capaz de fascinar os homens, com sua graça, seus olhos escuros, expressivos, sua vitalidade. Bruno Schönlank, redator-chefe do Leipziger Volkszeitung, cortejava-a (ou ´fazia-lhe a corte`) como se dizia. Outro jornalista, Julius Bruhns, também se mostrou sensível aos encantos dela. E mais tarde Rosa ainda inspirou uma paixão a Konstantin, filho de sua amiga Clara Zetkin. Em Zurique, Rosa se apaixonou por Leo Jogiches que tocado por essa paixão e, à sua maneira, retribuiu os sentimentos dela.
Um problema particular surge quando a teoria deve desbravar um território onde não há mais discursos. A operação teorizante se encontra aí nos limites do território onde funciona normalmente. É um espaço delimitado na natureza por um grupo social ou indivíduo, animal ou humano. Território com o qual se identificam & via de regra são identificados. Onde encontram e ou produzem os meios materiais à sua existência. A interrogação teórica, não esquece, não pode esquecer, que além da relação desses discursos, uns com os outros, existe a sua relação comum com aquilo que eles tomaram cuidado para excluir de seu campo para constituí-lo. Uma reflexão teórica não escolhe manter as práticas à distância de seu lugar, de maneira que tenha de sair para analisa-las, mas basta-lhe invertê-las para se encontrar em casa. Os procedimentos sem discurso são coligidos e fixados e uma região que o passado organizou e que lhes dá o papel, determinante da teoria, de ser constituídos em “reservas” selvagens para o saber abstrato e policompetente da ciência esclarecido. À medida em que a razão que surgiu da Aufklärung ia determinando suas disciplinas, suas coerências e seus poderes sociais. A distinção não se refere mais essencialmente ao binômio tradicional que divide o abstrato do concreto, especificado pela separação entre a especulação imaginária que decifra o livro do cosmos, e as aplicações concretas, mas visa duas operações diferentes, uma discursiva (na e pela linguagem) e a práxis não discursiva. Desde o século XVI, a ideia de método abala progressivamente a relação prática entre o conhecer e o fazer, impõe-se o esquema fundamental de um discurso que organiza a maneira de pensar em maneira de fazer, em gestão racional da produção e em operação sobre campos apropriados.
Fato notável, desde o século XVIII e no decorrer do século XIX, os etnólogos ou os historiadores da ciência ou da técnica consideram as técnicas respeitáveis em si mesmas. Destacam aquilo que fazem. Não sentem necessidade exclusivamente de interpretar. Basta descrever. Enquistada na particularidade, desprovida das generalizações que fazem a competência exclusiva do discurso, a arte nem por isso deixa de formar um “sistema” e organizar-se por “fins” – dois postulados que permitem a uma ciência e a uma ética conservar em seu lugar o discurso “próprio” de que está privada, isto é, escrever-se no lugar e em nome dessas práticas. A arte constitui em relação à ciência um saber em si mesmo essencial, mas ilegível sem ela. Entre a ciência e a arte, considera-se não uma alternativa, mas a complementaridade e, se possível, a articulação. O lugar que lhe foi atribuído é relativo ao trabalho que, ao longo do século XIX, de um lado isolou da arte as suas técnicas e, de outro, “geometrizou” e matematizou essas técnicas. No saber-fazer se conseguiu aos poucos isolar tecnicamente aquilo que poderia ser destacado da performance individual e isto se “aperfeiçoou” em máquinas que constituem combinações controláveis de formas materiais e forças. Esses “órgãos técnicos” são retirados da competência manual e colocados num espaço próprio. Passam a subordinar-se ao domínio de uma tecnologia. E agora o saber-fazer se acha lentamente privado daquilo que o articulava objetivamente num fazer. Aos poucos essas técnicas lhe são tiradas para serem transformadas em máquinas, e então o saber-fazer parece retirar-se para um saber no plano subjetivo, separado através da divisão do trabalho social e da particularidade da linguagem de seus procedimentos científicos.
A otimização técnica do século XIX, indo inspirar-se no tesouro das artes e ofícios para criar os modelos, pretextos ou regras obrigatórias para suas invenções mecânicas, deixa às práticas cotidianas apenas um solo privado de meios ou de produtos próprios. Ela o constitui em região folclórica ou em uma terra duplamente silenciosa, sem discurso verbal como outrora e agora sem linguagem manual. O “retorno” dessas práticas na narração, segundo Michel de Certeau, está ligado a um fenômeno mais amplo, e historicamente menos determinado, que se poderia designar como “estetização do saber” implícito no saber-fazer. Separado de seus procedimentos, este saber é considerado um “gosto” ou um “tato”, quem sabe mesmo “genialidade”. A ele se emprestam os caracteres sociais de uma intuição ora artística, ora reflexa. Trata-se, como se costuma dizer, de um conhecimento que não se conhece. Este “fazer cognitivo” não viria acompanhado de uma autoconsciência que lhe desse um domínio por meio de uma reduplicação ou “reflexão” interna. Entre a prática e a teoria, esse conhecimento ocupa ainda uma “terceira” posição, não discursiva, mas primitiva. Acha-se recolhido, originário, como uma “fonte” daquilo que se diferencia e se elucida mais tarde. Trata-se de um saber não sabido. Há, nas práticas, um estatuto análogo aquele que se atribui às fábulas ou aos mitos, como os dizeres de conhecimentos que não se conhecem em si mesmos. Tanto num caso como no outro, trata-se de um saber sobre os quais os sujeitos não refletem. Dele dão testemunho sem poderem apropriar-se dele. São afinal locatários e não os proprietários do seu próprio saber-fazer. A respeito deles não se pergunta se há saber (supõe-se que deva haver), mas este é sabido apenas por outros e não por seus portadores. Tal como o dos poetas ou pintores, o saber-fazer das práticas cotidianas não seria conhecido senão pelo intérprete que o esclarece no seu espelho discursivo, mas que não o possui tampouco. Não pertence a ninguém. Fica circulando entre a inconsciência dos praticantes e a reflexão dos não praticantes. Trata-se de um saber anônimo referencial, uma condição de possibilidade das práticas técnicas ou eruditas.
Vale lembrar que ela era uma aluna
brilhante: seu diretor de tese na universidade, Julius Wolf, adversário
resoluto das concepções de Marx, acolheu com entusiasmo o trabalho de doutorado
da jovem marxista sobre a industrialização na Polônia. Nos anos que precederam
a irrupção da 1ª grande guerra, Rosa se dedicou ao trabalho. Já era uma autora
consagrada, desde o sucesso de seu livro Reforma social ou revolução (polêmica
com Bernstein), publicado em 1899. Escreveu então sua Introdução à Economia
Política, bem como sua famosa obra sobre A Acumulação do capital.
Redigiu, também, uma série de artigos polêmicos, obras-primas do jornalismo
político, dentre alguns dos quais em controvérsia com V. I. Lenin. Em sua
atividade política fora presa várias vezes por ser considerada como política “subversiva”.
Na cadeia após o começo da guerra, continuou a escrever, sustentando que a
humanidade se achava diante de um dilema: ou avançava para o socialismo ou
seria levada a recuar para a barbárie. De fato, em Berlim, no final de 1918, a
revolução socialista esteve a pique de se realizar; as massas se sublevaram,
foram para as ruas, fizeram barricadas, e Rosa se colocou ao lado delas,
dirigindo-lhes palavras simultaneamente sensatas e revolucionárias. A barbárie
acabou prevalecendo: desencadeou-se uma onda política feroz de repressão e Rosa
Luxemburg foi assassinada por militantes de uma organização de extrema direita
(os Freikorps), em 15 de janeiro de 1919, eram grupos paramilitares que
surgiram em toda a Alemanha em dezembro de 1918, logo após a derrota do país na
1ª grande guerra (1914-1918). Leo Jogiches, que
estivera ao lado dela nas lutas berlinenses, empenhou-se na identificação
dentro do grupo e de seus violentos assassinos; mas desgraçadamente acabou
sendo assassinado, também ele, dois meses depois.
O número de membros total chegou a
cerca de 250 mil homens e os grupos variavam em status, tamanho, função e orientação
política; alguns eram relativamente legais ao serem reconhecidos tanto pelos
Aliados, quanto pelo governo alemão. O significado da palavra tem mudado
culturalmente ao longo tempo. Depois de 1918, o termo foi usado pelas
organizações paramilitares que se espalharam pela Alemanha à medida que os
soldados retornavam da derrota na guerra mundial. Eles foram a chave dos Grupos
Paramilitares de Weimar ativos durante aquele tempo. Muitos veteranos alemães
sentiam-se profundamente isolados da vida civil, e uniram-se a Freikorps em
busca de estabilidade em uma estrutura militar. Outros, decepcionados pela
repentina, aparentemente inexplicável derrota da Alemanha na guerra,
alistaram-se num esforço coletivo de derrotar os levantes comunistas ou obter
alguma forma de vingança. Eles receberam considerável apoio de Gustav Norske, o
ministro alemão da Defesa, que os utilizou como máquina para derrotar a Liga
Espartaquista com enorme violência política, incluindo os assassinatos de Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburgo em 15 de janeiro de 1919. Eles também foram usados
para derrubar a República Soviética da Baviera em 1919.
No Congresso de Essen na cidade da
Alemanha localizada na Renânia do Norte-Vestefália do Partido Social-Democrata
Alemão, em setembro de 1907, Clara Zetkin – a amiga de Rosa Luxemburg, também
situada na esquerda do partido – fala da “pátria” que o proletariado deve
conquistar na luta contra o “inimigo interno”, e que é preciso transformar na
“pátria de todos”. Segundo Gallissot (cf. Hobsbawm, 1984: 201 e ss.), dirigindo-se à direita
do partido, particularmente a Norske, que invoca a “solidariedade nacional”,
lembra que o capital despoja os proletários de sua pátria; mas ela quer
replicar também àqueles que, por influência de Gustave Hervé, proclamam: - “A
nossa pátria é a nossa classe”. Fazia pouco tempo, ela havia publicado no
semanário das mulheres socialistas, Die Gleichheit (A Igualdade),
uma série de artigos sobre o “nosso patriotismo”, nos quais havia afirmado que
a classe operária se bate “para fazer do Estado dos exploradores uma verdadeira
pátria para os explorados”: o proletariado “é obrigado, antes de mais nada, a
conquistas a própria pária”. Não estamos longe das palavras de Jaurès: que
mudança de tom e de linguagem, se pensamos no que trinta anos antes proclamavam
Guesde ou W. Liebknecht a propósito do proletariado internacional que se
levantava contra a nação burguesa! A social-democracia parece querer arrancar a
“pátria” aos partidos burgueses e empulhá-los como reivindicação do movimento
operário. Enquanto os nacionalismos europeus se fazem cada vez mais
ameaçadores, no final do século XIX e no início do século XX, surgindo como
portadores da guerra, no interior da Segunda Internacional assediada pelo
espectro nacionalista, aumenta a tensão entre defensores do “interesse
nacional” – levados a identificar-se com o Estado nacional, mesmo quando
burguês – e os fiéis do marxismo, que tentam substituir o Estado nacional pela
pátria do proletariado.
A reconstrução de uma Internacional
operária a partir de 1899 ocorre, sem que a regra seja exatamente definida,
através do envio aos congressos de uma delegação por país, formada por
representantes das organizações políticas e sindicais, a não ser que estas
sejam, como no caso do Partido Operário Belga, por assim dizer uma só coisa. A
elucidação das formas de representação dá-se em sentido inverso ao do
anarquismo, ou melhor, ao daqueles para os quais a luta operária é uma. É este
o tema central no Congresso de Londres de 1896; mas, precisamente neste
Congresso, abre-se em tom menor o debate sobre a questão nacional, por
iniciativa de Rosa Luxemburg. O conflito, como geralmente vai acontecer também
outras vezes, é antes de mais nada organizativo, uma vez que contrapõe ao Partido
Socialista Polonês (PPS) – que apresenta uma resolução em favor da
independência polonesa através da União dos Socialistas Poloneses no Exterior –
o pequeno partido de que Rosa Luxemburg é uma das animadoras, a Social-Democracia
do Reino da Polônia (SDKP), fundada em 1893. O texto proposto parece
retomar as posições de Marx no interior da Primeira Internacional a propósito
da Polônia e mais ainda da Irlanda. Mas Rosa Luxemburg, no entanto, recusa-se a
submeter o internacionalismo proletário, que deve constituir o fundamento dos
partidos socialistas, ao primado moral do direito das nacionalidades oprimidas,
convencida de que a questão nacional é, como qualquer outra questão social e
política, uma questão de interesse de classe.
Ipso facto, não é só por
ocasião do Congresso de Londres que Rosa Luxemburg aborda, como marxista, a
questão nacional: ela já havia comentado as posições polêmicas de seu partido
(SDKP) a respeito destes temas em alguns artigos em polonês, e havia publicado,
em seguida, um opúsculo com o pseudônimo de Maciel Rozga sobre a causa operária
na Polônia (1895). O Congresso de Londres, foi, para ela, uma ocasião para
preparar alguns artigos e um apelo à discussão internacional publicados no Neue
Zeit, que graças a Kautsky torna-se o ponto de referência para o debate da
questão nacional. Rosa Luxemburg rejeita, antes de mais nada, a organização da
Internacional por nacionalidades: os partidos operários conduzem a luta no
quadro político dos Estados existentes, ou seja, no de Estados que não
correspondem a uma divisão nacional ou são mesmo multinacionais. Aceitar a
regra do direito das nacionalidades provocaria divisões perigosas no seio de
movimento operário. Deste modo Rosa Luxemburg aponta a contradição funcional da
Segunda Internacional: a admissão aos congressos se faz por países, e o mesmo
acontecerá depois quanto aos mandatos na secretaria (o Bureau Socialista
Internacional – BSI), mesmo quando, a partir de 1905, Camille Huysmans
pretender criar uma rede de correspondência com vários partidos d até frações,
e não somente na Europa, justamente com o fim de fundar as bases da
Internacional em realidades nacionais. As ideias de Rosa Luxemburg caminham em
outra direção. A Rússia, com seu desenvolvimento capitalista, particularmente
na parte polonesa do Império, superou a fase nacional. Não faz sentido
recomeçar na Polônia uma nova insurreição: é o proletariado que deve ser
organizado em vista da revolução que se vai anunciando e a Revolução de 1905 parecerá
dar-lhe razão. Para provar esta tese política, lança-se num grande trabalho,
que constituirá a sua tese de doutorado, sobre o desenvolvimento industrial da
Polônia: defendida em 1897 e publicada nos anos seguinte, ela deve ser
comparada com o trabalho quase contemporâneo de Lênin sobre o desenvolvimento
do capitalismo na Rússia (1898) e com os trabalhos mais gerais de Plekhânov
sobre o fim da comuna rural russa, o enfraquecimento da base camponesa, o
fracasso do populismo. O crescimento econômico está se realizando no Império
Russo, transformando a situação políticas e tornando-a revolucionária.
Profundas mudanças impõem, pois, segundo Rosa Luxemburg, o abandono das
posições assumidas por Marx, Engels e pela Primeira Internacional, sobre a
questão polonesa, ainda que isto não afete o que possa ser uma nação e uma
política de nacionalidades logo em seguida à revolução socialista, segundo ela
iminente.
Com Clara Zetkin, a feminista antifascista que impulsionou o Dia Internacional da Mulher. |
Ainda que continuassem existindo
disputas no interior da nova esquerda sobre os escritos de Rosa Luxemburg, e
por quê não, essas discussões tinham sido, todavia, conduzidas com mito maior
exasperação pelos marxistas antidogmáticos da geração da qual Lelio Basso foi,
talvez o representante mais significativo, na tentativa de encontrar uma
“terceira via” para o socialismo, uma via com solidada por uma política
operária coerente e por um autogoverno democrático. No momento de protesto dos
estudantes e dos jovens, Rosa Luxemburg é, ao contrário, símbolo de uma nova
moral política e de uma democracia socialista, o personagem modelar de um
empenho existencial sem comprometimentos, que terminou sendo pago com a morte.
Ela “encarna”, em certo sentido, o que esta geração, saída dos “aparelhos da
classe burguesa”, para lembramos de uma expressão de Antonio Gramsci, imagina
nos conceitos de espírito combativo, coragem e elaboração política, em vista de
uma transformação das condições de vida. Considerada as relações de uma
sociedade burguesa-industrial desenvolvida e, em particular, as dolorosas
experiências da história alemã, ela representa o ideal de si desta
geração de protesto. Embora certos temas como sexualidade, disciplina,
carecimentos, autodecisão, não possam ser traduzidos diretamente na linguagem
de Rosa Luxemburg, ainda substancialmente marcada pelo contexto político e
social em que se travaram as discussões da Segunda Internacional: os
debates sobre a greve geral e sobre o revisionismo, sobre a guerra e sobre as
experiências imediatas da Revolução de Outubro. Mas ela permaneceu fiel, como
nenhum entre seus companheiros, inclusive Lenin, à questão tópica de
emancipação do indivíduo singular; combateu com toda a força o “socialismo por
decretos”, a ideia de que se pudesse instaurar o socialismo sem a vontade e a
consciência ativa das massas proletárias.
O
socialismo é a questão que mais diretamente diz respeito às massas; e, se essas
o repelem, se não são envolvidas no processo revolucionário, por não sentirem
que estão em jogo seus próprios interesses e carecimentos, de nada vale a
melhor das vanguardas operárias; e o resultado, que possa levar á conquista do
poder estatal em consequência de uma conjuntura favorável qualquer, será um
socialismo já corrompido antes de nascer. É precisamente este páthos da
emancipação subjetiva e objetiva que perpassa os escritos de Rosa Luxemburg e
marca suas teorias políticas, comparativamente, sobre a solução do problema
organizativo quanto sua concepção da greve geral. É a guerra que demonstra a falência da
social-democracia numa questão de princípio até então considerada inviolável: o
internacionalismo proletário. Mas nesta relação dialética que integra o sistema
imperialista de relações interestatais, que fora combatido ao preço de milhares
de vítimas, não está em condições de travar, no interior da própria sociedade,
uma luta consequente para sua transformação revolucionária. Quem abandonou os
compromissos internacionais, também perdeu a força interior para fazer frente
aos compromissos nacionais. Sua atividade política é concentrada contra a
guerra, porque, “qualquer que seja o desfecho militar”, este representa, de
qualquer maneira, “a derrota imaginável para o proletariado europeu”. De fato,
“a atual expansão da bestialidade imperialista pelas planícies europeias”
implica “a destruição em massa do proletariado”. Partindo dessas considerações Rosa Luxemburg
se empenha resolutamente em desenvolver alternativas organizativas à
social-democracia, que abandonou suas tarefas essenciais. De qualquer modo, ela
estava consciente de que, com o final da guerra mundial, uma crise nacional
global sacudiria as instituições políticas e a hegemonia burguesa, de tal forma
que, no momento decisivo, seria de fundamental importância contrapor à corrupta
social-democracia uma alternativa organizativa para a tomada do poder. Sabemos que
ela, como ninguém, considerava a revolução não como uma concepção meramente
programática no interesse da emancipação de uma classe singular, mas como
necessidade existencial para a autoconservação da humanidade. O termo Menschheit
(humanidade), sempre recorrente em seus discursos, não era apenas uma
metáfora, mas a essência do que é historicamente inalienável. No congresso de
fundação política do KPD (Kommunistische Partei Deutschlands), ela
resume este seu programa peculiar nos seguintes termos: - “Marx e Engels
enunciaram, pela primeira vez, como base científica do socialismo, no grandioso
documento que é o Manifesto do Partido Comunista: o socialismo se
tornará uma necessidade histórica. O socialismo se tornará uma necessidade
histórica não só porque o proletariado não quer mais viver nas condições de
vida que lhe são impostas pelas classes capitalistas, mas também porque, se o
proletariado não cumpre seu dever de classe e não realiza o socialismo, a ruína
paira sobre todos nós”.
Ipso facto, partidária de uma
democracia de base, que se desenvolvesse através da greve de massa e que
tivesse nos conselhos dos operários e dos soldados o fundamento essencial de
sua forma político-organizativa, Rosa Luxemburg combateu desde o princípio toda
forma especulativa de mero socialismo. Neste ponto crucial de seu
desenvolvimento, delineia-se agora outro elemento de fratura, isto é, sua
relação específica com a Revolução de Outubro, que pode ser definida como de solidariedade
crítica. Toda vez que a Revolução de Outubro foi hostilizada e criticada a
partir de uma falsa posição, como é o caso, por exemplo, de Kautsky, ela
testemunhou a sua solidariedade ilimitada com aquele acontecimento histórico tão
decisivo na história mundial. Quando se tratava de críticas social-democratas
ou reacionárias, colocou-se sempre, sem reservas, em frente única com Lênin e
com o Partido Bolchevique, firmemente convencida de que só os socialistas
coerentes, não comprometidos com a gestão das questões da velha sociedade,
tinha direito de submeter a uma crítica radical os métodos e as dificuldades
contra os quais o Partido Bolchevique tinha que lutar, num pais arruinado e
industrialmente subdesenvolvido. Contudo, não se deixou condicionar pela
exigência de demonstrar a todo custo a própria solidariedade à Revolução de
Outubro. Isto é, antes de qualquer outro, ela havia identificado na concepção
leniniana de partido, bom como em outros pontos, alguns traços que prenunciavam
as possíveis involuções da sociedade soviética e que punham em risco os
elementos fundamentais de uma democracia socialista. Seu profundo conhecimento
do método materialista e sua competente aplicação da dialética revelam-se
precisamente quando se trata de investigar tendências latentes, ainda não
desenvolvidas completamente na realidade social.
Nada acontece por acaso, fora da luta política, pois situar historicamente a teoria política de Rosa Luxemburg cria evidentes dificuldades no plano abstrato. Ela está naturalmente em estreito contato com os radicais de esquerda; socialistas conselhistas resolutos e críticos coerentes da falência da social-democracia alemã, eles não consideram o materialismo dialético, segundo Negt (1984), simplesmente como uma estrutura onicompreensiva para uma visão do mundo unificante, mas sobretudo como uma componente da práxis, historicamente necessária e determinante. Sob este aspecto, cabe recordar Anton Pannekoek, que antes do conflito mundial desenvolvera atividades políticas em Bremen, com Radek, Fröhlich e Johann Knief. Trata-se daquela frente comum contra a guerra, que reunia Rosa Luxemburg, Franz Mehring, Karl Liebknecht, por um lado, e, por outro, Anton Pannekoek, Herman Gorter e Henriette Roland-Holst. De qualquer forma, Pannekoek permanecerá fiel, durante toda a sua vida, diante de qualquer virada possível do movimento operário, à própria concepção conselhista. Em Zimmerwald e em Kienthal, Gorter e Pannekoek, ainda em frente comum com Lênin, rapidamente se dão conta das diferenças que, precisamente neste ponto, separam-nos do revolucionário russo; e, de resto, O Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, de Lênin se voltará, antes de mais nada, contra Gorter e Pannekoek, porta-vozes do comunismo conselhista. Rosa Luxemburg é, certamente, uma partidária da democracia conselhistas tão resoluta quanto Pannekoek, mas tem uma ideia totalmente diversa da organização, da força que sintetiza a vontade das massas, e, diferentemente de Pannekoek, sua concepção da dialética materialista, completamente determinada por processos históricos, não apresenta nenhum traço de mentalidade naturalista. Isto confere a esse aspecto a ortodoxia no método, desde o início, revelando uma base substancialmente crítica. Tal contingência indica, ao contrário, uma probabilidade de alternativas quase idêntica em determinadas conjunturas históricas: socialismo ou barbárie. Precisamente isso faz da ortodoxia crítica de Rosa Luxemburg, voltada para uma revivescência da dialética, uma forma particular de heresia no movimento operário.
Neste sentido a relação com as
massas é, efetivamente, um elemento essencial na teoria política de Rosa
Luxemburg. É precisamente isto que a impede de poder aceitar o rígido partido
de quadros, fechado em uma férrea disciplina conspirativa, como alternativa ao
Partido Social-Democrata, que se havia transformado em uma mera união
eleitoral. Ainda que o jovem Lukács de História e Consciencia de Classe
se refira a Rosa Luxemburg precisamente em relação à aberta dialética entre
massas e partido, não deformada por nenhum esquematismo, o que, por outro lado,
significa que um afastamento entre o partido proletário e as massas é sempre
possível, tal relação dialética é de novo ofuscada, em seguida, pelo próprio
Lukács. Em termos filosóficos, poder-se-ia dizer que as condições contingentes
do objeto, o pesado material da ação consciente na história, na forma das
relações de classe, assim como dos proletários em carne e osso, é por ele
reduzidas novamente a um “sujeito-objeto”, ao proletariado enquanto sujeito
idêntico e indestrutível, que intervém na história e, queira-o ou não, leva à
realização a virada histórica. Para Rosa Luxemburg, ao contrário, os
proletários são indivíduos empíricos, os soldados são proletários fardados, cujas
qualidades individuais, que são marcadas de vários modos pela ordem hegemônica
existente, somente se recompõem em uma vontade capaz de ação na luta de classe.
Lukács transpõe a cisão entre sujeito e objeto, que nas lutas reais se
mediatizam reciprocamente, na indestrutível identidade de um partido
representante do proletariado inteiro, que se apresenta como único sujeito real
e que, qualquer que seja a situação histórica, está sempre em condições de
agir. O proletário singular é, ao contrário, em maior ou menor grau, objeto do
trabalho de partido; tal proletário exprime unicamente uma “consciência
psicológica”. Diante do partido, que encarna o segredo enfim revelado da ação
fichtiana, o singular é mera matéria-prima, uma inversão que se tornará cruel
realidade no stalinismo.
O “luxemburguismo” enquanto ideologia política é essencialmente produto das lutas de frações no interior do Partido Comunista Soviético, no qual a teoria da revolução – de onde partem igualmente Lênin e Rosa Luxemburg, - guardas as proporções, mesmo em suas controvérsias, são reduzidas em certo sentido a uma mera teoria política do partido. Por isso, na sua carta de protesto à redação da revista Proletarskaia Revolutzia, Stálin situou Rosa Luxemburg, em hábil combinação com uma acentuação de seus méritos revolucionários, na série de precursores ideológicos de Trótski, criticando-a juntamente com Parvus, por ter “fabricado” o “esquema utópico e semimenchevique da revolução permanente”, indicando como “uma monstruosa deformação do esquema da revolução dado por Marx”. Em 1931, estas palavras não constituíam só uma crítica, mas uma condenação. A divergência em face de Rosa Luxemburg, que aberta ou veladamente irrompe a propósito do significado revolucionário da espontaneidade, prosseguiu nos partidos comunistas até depois de 1956; na fase de desestalinização, pretendeu-se superar o irritante “problema Rosa Luxemburg”, que continuava ainda a a subsistir, com a suposição de que, no final da sua vida, ela estivesse prestes a corrigir a maior parte de seus erros. Decerto, na base dessa conjectura há um mal-entendido. Como se disse, a solidariedade prática com o partido de Lênin, quando este especialmente depois da Revolução de Outubro estava exposto aos ataques de direita, desde os social-democratas e sindicalistas até os partidos burgueses, jamais foi posta em questão por Rosa Luxemburg: como revolucionária, em situações de luta de interesse imediato, sempre punha na mesma frene com Lênin, o que, por outro lado, não chegava a afetar de fato a sua crítica de princípio ao partido de Lênin ou a alguns pontos pragmáticos dos bolcheviques. Enfim, quando Ernst Thälmann e outros comunistas alemães acreditaram poder se valer do legado de Rosa Luxemburg, ignoraram que, na sua avaliação fundamental do significado revolucionário da greve de massa, não ocorreria até sua morte nenhuma modificação, e que é, ao mesmo tempo, de explosiva atualidade, pela multiplicidade de questões postas, delineia-se nitidamente em seu fio condutor.
A questão do objeto de investigação de Rosa Luxemburg, a saber a acumulação do capital, constitui o problema fundamental da reprodução do capital social total de Marx à economia política teórica. É significativo que na história da Economia Política só se encontram duas tentativas de expor o problema com exatidão: na origem, a de Quesnay, pai da escola dos fisiocratas, e a de Marx, na solução. Dado o significado fundamental desse problema, a autora se pergunta em que consiste o problema da reprodução do capital total? Reprodução, tomada literalmente, é simplesmente reiteração, repetição, renovação do processo de produção. Mas à primeira vista, não se percebe em que se diferenciaria o conceito de reprodução do conceito de produção universalmente entendido como tal, e por que motivo seria necessária aqui uma expressão nova e estranha. O que ocorre é que exatamente na repetição, na constante retomada do processo de produção, que se coloca um aspecto importante. Em primeiro lugar, a repetição regular do processo de produção é o pressuposto geral e fundamento de um consumo regular; com isso, constituindo a condição prévia para a existência cultural da sociedade humana sob todas as formas históricas. Nesse sentido, o conceito de reprodução inclui um aspecto histórico-cultural. A produção não pode ser retomada e a reprodução não pode ocorrer, se não existirem condições prévias resultantes de período produtivo anterior: ferramentas, matérias-primas e mão-de-obra. Nos estágios históricos e transitórios do desenvolvimento humano, o processo consiste na unidade precisa de dois elementos diferentes, ainda que estreitamente interligados: as condições técnicas e sociais, ou seja, a configuração específica da relação dos homens com a Natureza e a configuração das relações sociais dos homens entre si.
A produção total capitalista
é realizada por um número ilimitado de produtores particulares, número esse que
oscila continuamente. Eles produzem independentemente uns dos outros, sem
nenhum outro controle socia, além da observação das oscilações de preço, e sem
nenhuma vinculação social, exceto a da troca de mercadorias. Como surgirá
então, a partir desses incontáveis movimentos desvinculados uns dos outros, uma
produção total efetiva? Colocando o problema dessa forma, afirma Luxemburg, que
é a primeira forma geral sob a qual o problema se apresenta de imediato,
passou-nos despercebido o fato de que os produtores privados não são produtores
simples de mercadorias, mas produtores capitalistas; também que a produção
total da sociedade não é nenhuma produção voltada simplesmente para a
satisfação das necessidades de consumo, nem tampouco se trata de simples
produção mercantil, mas sim de produção capitalista. O produtor, que não
produz apenas mercadorias, mas capital, precisa produzir mais-valia antes de
tudo. A mais-valia é a meta final e mola propulsora do produtor capitalista. As
mercadorias que ele fabrica devem, após a realização, repor todos os gastos,
além de render determinada soma de valor, que, não correspondendo a quaisquer
daqueles gastos, seja um excedente líquido. Do ponto de vista da produção dessa
mais-valia, o capital adiantado pelo capitalista decompõe-se em duas partes:
uma parte que representa seus gastos com os meios de produção (edifícios
fabris, matérias-primas e matérias auxiliares, instrumentos de trabalho); outra
parte que será gasta com salários. Marx denomina capital constante aquela parte
do capital que representa os gastos com os meios de produção, cuja magnitude de
valor é transposta, inalterada, para o produto, mediante seu emprego no
processo de trabalho.
Chegamos assim a um segundo aspecto importante. A determinação das proporções da reprodução depende, em uma forma privada de economia, da vontade e do arbítrio dos capitalistas individuais. Na produção de mais-valia, a grande empresa tem, sob todos os pontos de vista, vantagens em relação à pequena empresa. O modo de produção capitalista engendra, portanto, não somente um motivo permanente para a reprodução em geral, mas igualmente um motivo para ampliação constante da reprodução, para a retomada da produção em proporção sempre maior do que a vigente até então. E não é só. O modo de produção capitalista, a força propulsora para a ampliação incessante da reprodução; transforma praticamente essa ampliação em lei propulsora, em condição de existência econômica dos capitalistas individuais. Sob o domínio da concorrência, a mais importante arma do capitalista individual, em sua luta por um lugar no mercado, consiste em oferecer preços mais baratos pelos quis possa vender suas mercadorias. Todos os métodos permanentes de redução dos custos de produção de mercadorias – os quais não visam a redução dos salários, nem a dilatação da jornada de trabalho em busca de um aumento adicional de mais-valia, ou métodos por si só sujeitos a entraves – conduza, todos eles, a uma ampliação da produção. Quer se trate de economizar em instalações e instrumentos, ou de empregar meios de produção mais eficientes, ou da progressiva substituição do trabalho manual por máquinas, ou se trate ainda de aproveitar a oportunidade de uma conjuntura favorável de mercado, adquirindo matérias-primas mais baratas, em todos esses casos a grande empresa leva vantagem sobre a pequena e a média empresa.
Observa Luxemburg que a reprodução
ampliada não é nenhuma invenção do capital. Na verdade, ela sempre constituiu a
regra em toas as formas sociais históricas marcadas pelo progresso econômico e
cultural. A reprodução simples que representa a mera repetição do processo
produtivo em sua proporção original, é possível de fato, e pode ser observada
durante longos períodos do desenvolvimento social. Era o que se sucedia nas
ladeias pré-históricas do comunismo agrário, nas quais o aumento da população
não implicava a paulatina ampliação da produção, mas a exclusão periódica das novas
gerações e a fundação de outras comunidades igualmente minúsculas, filiadas e
auto-suficientes. As pequenas empresas artesanais antigas, na China, ou na
Índia, também oferecem o exemplo de uma tradição hereditária de gerações, de
repetir a forma e a mesma dimensão da produção. Mas, em todos esses casos, a
reprodução simples constitui a base, sendo uma indicação segura da estagnação
geral, tanto cultural como econômica. Todos os progressos decisivos verificados
na produção e os grandes monumentos da cultura, como as obras hidráulicas do
oriente, as pirâmides egípcias, as estradas militares romanas, as ciências e as
artes gregas, o desenvolvimento do artesanato e das cidades da Idade Média,
seriam impossíveis sem a reprodução ampliada. O movimento geral da reprodução,
deixando de lado as oscilações periódicas das alterações cíclicas conjunturais,
caminha para uma ampliação incessante. A impossibilidade de acompanhar o ritmo
desse movimento geral significa, para o capitalista individual, seu afastamento
da competição, ou seja, sua morte econômica. E acrescente-se ainda o seguinte.
Em qualquer modo de produção pertinente a uma economia de ordem pura ou
predominantemente natural – seja em uma aldeia indiana na qual o comunismo
agrário se pratica, seja em uma vila romana servida de trabalho escravo, ou
numa propriedade agrícola feudal da Idade Média – o conceito e a finalidade da
reprodução mais ampla apenas se referem à quantidade do produto, ao volume dos
objetos de consumo produzidos. O consumo como objetivo domina as proporções e o
caráter tanto do processo de trabalho em particular, como da reprodução no
geral. Na forma capitalista é diferente.
A produção capitalista não é uma produção voltada para fins de consumo, mas para a produção de valor. As relações de valor dominam totalmente o processo de produção, assim como o de reprodução. Produção capitalista não é produção de objetos de consumo, nem de mercadorias simplesmente, mas uma produção de mais-valia. Em termos capitalistas, a reprodução ampliada significa, portanto, incremento de produção de mais-valia. A produção de mais-valia se processa, de fato, sob a forma de produção de mercadorias, ou seja, em última análise, como produção de objetos de consumo. É somente na reprodução que esses dois aspectos voltam sempre a distinguir-se em função das variações que se observam na produtividade de trabalho. Para poder realizar sua massa aumentada de produtos, o capitalista necessita de um mercado mais amplo. Mas uma ampliação efetiva da demanda em geral, especialmente de uma que se refira ao gênero de produto que ele fabrica, constitui um problema que ele é totalmente incapaz de resolver. Sob esse prisma, portanto, a questão não se coloca em temos gerais, mas como pode cada capitalista individual encontrar os meios de produção e a força de trabalho de que necessita? E como pode colocar no mercado as mercadorias que produziu, se não há nenhum controle e nenhum planejamento que façam coincidir a produção e a demanda? A resposta a essa pergunta seria que, por um lado, a obsessão dos capitalistas individuais pela mais-valia e a concorrência entre eles, assim como os resultados automáticos da exploração e concorrência capitalistas, incumbem-se da produção tanto de tais mercadorias como dos respectivos meios de produção, e da disponibilidade, em relação ao capital, de uma classe crescente de trabalhadores proletarizados. Por outro lado, a ausência de um plano de tais contextos se expressa no fato de que a coincidência entre oferta e demanda em todos os domínios só se impõe mediante desvios constantes em torno do ponto de equilíbrio, mediante oscilações de preço a cada hora, ou mediante oscilações conjunturais a crises periódicas. Isto quer dizer o seguinte: que a desvalorização do ser no mundo aumenta em proporção direta com a valorização do mundo das coisas.
Bibliografia
geral consultada.
GERAS, Norman, A Actualidade de Rosa Luxemburgo. 1ª edição. Lisboa: Edições Antídoto, 1978; HOBSBAWM, Eric (Org.), História do Marxismo III: O Marxismo na Época da Segunda Internacional: segunda parte. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1984; LUXEMBURG, Rosa, Reforma, Revisionismo e Oportunismo. Rio de Janeiro: Editora Laemmert, 1970; Idem, A Acumulação do Capital. Contribuição ao Estudo Econômico do Imperialismo. 2ª edição. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1985; LASCHITZA, Annelies, “Une Marxiste Éminente”. In: BADIA, Gilbert, WEILL, Claudie, Rosa Luxemburg Aujourd’hui. Paris: Presses Universitaires de Vincennes, 1986; ROTOLO, Tatiana de Macedo Soares, O Socialismo Democrático segundo Rosa Luxemburg. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2007; KONDER, Leandro, “Rosa Luxemburg e o Amor”. In: O Marxismo na Batalha da Ideias. 2ª edição. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2009; SOARES, Sheila Aparecida Rodrigues, Organização e Espontaneidade: A Autonomia das Massas no Pensamento Dialético de Rosa Luxemburg. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências. Marília: Universidade Estadual Paulista, 2009; HILFERDING, Rudolf, Il Capitale Financiario. Milano: Editore Mimesis, 2011; LŐWY, Michael, “O Pensamento de Rosa Luxemburgo”. In: https://blogdaboitempo.com.br/2015/03/05/; GOMES, Rosa Rosa de Souza Rosa, A Teoria da Acumulação de Rosa Luxemburgo e o SPD: da ´Reforma Social ou Revolução` ao ´Socialismo ou Barbárie` (1898-1913). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Econômica. Departamento de História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; LOUREIRO, Isabel, Rosa Luxemburgo: Os Dilemas da Ação Revolucionária. São Paulo: Editora Unesp; Editora Fundação Perseu Abramo, 2003; Idem, (Org.), Rosa Luxemburgo e o Protagonismo das Lutas de Massa. 1ª edição. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2018; OLIVEIRA, Aislan Jonis Estevam Bertolucci, O Conceito de Democracia no Pensamento de Rosa Luxemburgo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. Centro de Ciências Humanas e Sociais. Toledo: Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2018; STABELINI, Ana Maria, O Mundo Público e a Autogestão em Rosa Luxemburgo: Uma Análise do Movimento das Ocupações das Escolas no Estado de São Paulo em 2015. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Centro de Educação e Ciências Humanas. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2019; VIUDES, Amanda Cristina das Candeias Ramos, Rosa Luxemburgo - Sobre a Questão nacional: em geral e nos debates com Lenin em particular. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo; Universidade de São Paulo, 2021; OUVIÑA, Hermán, Rosa Luxemburgo e a Reinvenção da Política - Uma Leitura Latino-americana. 1ª edição. São Paulo: Boitempo Editorial; Fundação Rosa Luxemburgo, 2021; entre outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário