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sábado, 25 de março de 2017

Conselheiros do CNPq - Carreira & Normalização da Ciência.

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

    “Se os pensamentos não são entes, então o ente não é pensado”. Górgias

 
            
Do ponto de vista histórico e pontual o conceito de “carreira” deriva da palavra latina “carraria” e passou por diversas transformações no decorrer de sua aplicabilidade teórica e historicamente determinada. Por volta de 1530, no período renascentista, simplificadamente, “carreira” identificava um caminho, ou o “curso do sol através dos céus”. Nas disputas de Justa, em 1590, a palavra “carreira” estava inserida no seguinte contexto: o cavalo que, durante o combate, passava uma “carreira” em seu oponente. A partir de 1803, o significado contemporâneo da palavra “carreira” passou a se relacionar ao mundo perigoso dos negócios, quando o termo foi associado à ideia de “caminho na vida profissional”. Nos dias atuais, comumente entende-se “carreira” como a soma de “todos os cargos” ou “posições” ocupadas por uma pessoa durante sua vida profissional. Este entendimento contraria a raiz etimológica do termo e impede que o conceito real da palavra seja plenamente assimilado no mercado, inclusive por alguns profissionais de renome em nível globalizado. Não está associado a restrições temporais, mas sim espaciais. Não revela um histórico profissional, propriamente dito, mas um caminho particular rumo a um objetivo institucional.
No sentido pontual é um termo disciplinar que designa um determinado campo do conhecimento.  Como campos específicos de saber, as disciplinas se referem aos mais diversos âmbitos de produção de conhecimento técnico e científico. Tem como representação a produção social através de instâncias ou níveis de análises sobre a realidade social, a constituição de uma linguagem aparentemente comum entre os seus praticantes, a definição e constante redefinição de seus objetos de estudo, uma singularidade que as diferencia de outros saberes, uma complexidade interna que termina por gerar novas modalidades no interior da disciplina. Enfim, a rede de conexão humana de conhecimentos que constitui determinado campo de saber, com a formação progressiva da chamada “comunidade científica” compartilhada pelos diversos praticantes do campo disciplinar. Há de fato um processo de trabalho, com a fundação e manutenção de revistas científicas especializadas, a ocorrência constante de congressos frequentados pelos praticantes do campo disciplinar, a criação de instituições científicas que representam os profissionais do campo de saber vinculando seu nome, seu cargo no âmbito do processo de trabalho e de pesquisa nas instituições e assim por diante.


Neste aspecto, vale lembrar que Thomas Kuhn (1962) ocupou-se principalmente do estudo da história da ciência, no qual demonstra um contraste entre duas concepções da ciência: por um lado entendida como uma atividade completamente racional e controlada, e por outro, a ciência enquanto uma atividade concreta que se dá ao longo do tempo e que em cada época histórica apresenta peculiaridades e características próprias. Decorre daí que e noção de “paradigma” resulta fundamental na perspectiva historicista e não é mais que uma macroteoria, um marco ou perspectiva que se aceita de forma geral por toda a chamada “comunidade científica” que compartilham um mesmo paradigma e realizam a mesma atividade científica e a partir do qual se realiza a atividade científica, cujo objetivo é esclarecer as possíveis falhas do paradigma ou extrair todas as suas consequências. No ensaio: “Estrutura das Revoluções Científicas” (1962), o termo paradigma causou interpretações errôneas a uma série de estudiosos. Kuhn esclareceria posteriormente que o termo pode ser utilizado num sentido geral e num sentido restrito. O primeiro diz respeito à noção de matriz disciplinar, significando “o conjunto de compromissos de pesquisa de uma comunidade científica”. O segundo sentido denota os paradigmas exemplares, decerto positivistas/tecnicistas que são a base da “formação científica”, uma vez que o pesquisador passa a dominar o conteúdo cognitivo da ciência através da experimentação dos exemplos compartilhados.
Thomas Kuhn é um dos principais pensadores que entende e procura demonstrar que a ciência é uma atividade intrinsecamente comunitária. O indivíduo continua fazendo ciência, mas ele necessita estar vinculado a uma comunidade científica de pesquisa. Seu trabalho individual feito de forma independente, fora da comunidade científica não adquire reconhecimento, pois o “campo fértil” para o desenvolvimento científico está na estrutura comunitária. A comunidade científica passa a ser a fonte de solidariedade necessária para a resolução de um determinado problema de ordem científica. Uma “comunidade científica”, ipso facto, passa a ser entendida como uma instituição, ou seja, é mais do que uma simples união ou junção de cientistas. Para definir o que seja uma comunidade científica, não basta enumerar os indivíduos que dela fazem parte. Uma comunidade científica representa um grupo de praticantes de uma especialidade científica que se encontram unidos por elementos comuns que foram incorporados através da iniciação da prática científica. É nos ambientes oferecidos pela comunidade científica que os cientistas veem-se a si mesmos e são vistos pelos outros como os responsáveis pela resolução de um conjunto de problemas de ordem social.      
O engenheiro eletricista Mário Neto Borges é nomeado o novo presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Ele substitui o químico Hernan Chaimovich, que “deixa o cargo por motivos de saúde”, segundo nota divulgada no site do Ministério da Ciência e Tecnologia. A nomeação foi publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira (20/10/2016). Mário Neto Borges ocupou os cargos de diretor científico e de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), além de ter comandado o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (CONFAP) entre 2009 e 2013. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) é mestre em engenharia elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutor em IA aplicada à educação pela Universidade de Huddersfield da Inglaterra. É professor titular da Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ).

Fundado em 15 de janeiro de 1951 pela Lei nº 1.310, o Conselho Nacional de Pesquisas e posteriormente Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, cuja sigla se manteve, é um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para incentivo à pesquisa no Brasil. É considerada uma das instituições mais sólidas na área de pesquisa entre os chamados “países em desenvolvimento”, seu objetivo principal. O período de perplexidade internacional do pós-guerra (1949-1954), também marcado por contradições do nacionalismo desenvolvimentista, ampliou o interesse do CNPq em sua iniciativa de capacitar pesquisadores. Porém, seu papel institucional intensificou-se historicamente em termos de espaço/tempo para o financiamento de pesquisas científicas e tecnológicas nas diversas áreas do conhecimento, com subvenção de bolsas e auxílios. Com sede em Brasília, o CNPq centralizava a coordenação da política nacional de C & T até a criação do ministério em 1985, com órgãos federais e agências de fomento estrangeiras como parceiros. O CNPq é presidido pelo engenheiro eletricista Mário Neto Borges.
Atualmente, a gestão administrativa do CNPq é de responsabilidade de uma diretoria executiva, enquanto o conselho deliberativo é responsável pela política institucional. Por meio de “comitês de assessoramento”, a comunidade científica e tecnológica contribui na gestão e na política do CNPq que oferece “bolsas” e auxilio à pesquisa em diferentes modalidades. As “bolsas” são destinadas a pesquisadores experientes, a indivíduos recém-doutorados, a alunos de pós-graduação, graduação e ensino médio. Os valores das bolsas são variados. Existem duas categorias de bolsas: bolsas individuais no Brasil ou no exterior, ou bolsa por “quotas”. As bolsas individuais, tanto no país, como no exterior, são de fomento científico ou tecnológico. O auxilio oferecido pelo CNPq pode ser destinado a instituições, a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), a pesquisadores e a Fundações de apoio à pesquisa. São várias modalidades de auxílio, como financiamento para publicação científica, promoção de congressos, intercâmbios científicos para capacitação de pesquisadores e projetos de pesquisa. O relatório de “prestação de contas” é obrigatório para bolsistas.
            A base do conceito de carreira é expressa no curriculum Lattes, elaborado nos padrões da “plataforma” gerida pelo CNPq, tendo como resultado a experiência individual cumulativa na integração de bases de dados de currículos, de grupos de pesquisa e de instituições em um único sistema de informação, “tornando-se um padrão nacional no registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores do Brasil”. Atualmente é adotado pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do país. A “riqueza” do controle de informações, a abrangência e confiabilidade são elementos indispensáveis aos pleitos de financiamentos na área de ciência e tecnologia. O curriculum Lattes é mais abrangente que o curriculum vitae, sendo esta a principal diferença entre os dois. Além disso, é mais longo, pois deve mencionar detalhadamente tudo o que está relacionado com a carreira do profissional.
            Pode-se entender carreira como uma série de estágios que variam conforme forças de trabalho exercido sobre o indivíduo. Tem-se a relação entre a organização e o profissional, como fator de conciliação das expectativas entre ambas a partes. A carreira é um dos termos das ciências sociais que não é ambígua e está relacionada a uma gama ampla de definições. Pode significar, ao mesmo tempo, emprego assalariado ou atividade não remunerada, profissão, vocação, ocupação, estágio, posição em uma organização, trajetória de um indivíduo que trabalha, uma fonte de informação para as empresas alocarem recursos humanos, ou até “um roteiro pessoal para a realização dos próprios desejos”. Carreira inclui os estudos ou a preparação acadêmica e integram as capacidades laborais, as novas aprendizagens, as mudanças pessoais sobre a própria imagem, as metas e os valores, assim como a resposta para as novas oportunidades e mudanças tanto sociais como políticas. A carreira é um caminho de maturação, de crescimento em conhecimentos, habilidades e responsabilidades sobre a própria vida.
            É neste sentido que a carreira profissional está indissociavelmente ligada ao  positivismo, corrente filosófica que Auguste Comte fundou com o objetivo de reorganizar o conhecimento humano, seu caráter e que tem grande influência no Brasil e de resto no mundo ocidental. O positivismo é, enquanto sistema, simultaneamente, uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como desenvolvimento do iluminismo. Das crises sociais e moral do fim da Idade Média e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como marco a revolução clássica francesa. Em linhas gerais, ele propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a metafísica. O positivismo comtiano associa uma interpretação positiva das ciências; uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical. Defende a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro. Com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é correta se ela foi comprovada empiricamente através de métodos científicos válidos. O progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos.
            Uma organização observa Marilena Chauí (2003), difere de uma instituição por definir-se por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular. Não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser uma administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe.
            Do ponto de vista do trabalho a gestão de carreira envolve duas partes principais: a da organização e a concepção do indivíduo. Diferentemente de décadas passadas, quando as organizações definiam as carreiras de seus empregados, na modernidade o papel do indivíduo na gestão da carreira se torna relevante e assume um papel progressivamente mais atípico. Os empregados assumem, na atualidade, o papel de planejar sua própria carreira, sendo estimulados a acumular conhecimentos científicos e administrar suas carreiras para garantir mobilidade no mercado de trabalho. No início  indivíduos buscam desafios, salários atrativos e responsabilidades, após amadurecerem, passam a se interessar por trabalhos que demandem: autonomia e independência, segurança e estabilidade, competência técnica e funcional, competência gerencial, criatividade intelectual, serviço e dedicação a uma causa, desafio político, estilo de vida.
A instituição social aspira à universalidade. A organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de sua particularidade. Isso significa que a instituição tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência, num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos particulares. Em outras palavras, a instituição se percebe inserida na divisão social e política e pretende definir uma universalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às contradições, impostas pela divisão. Ao contrário, a organização busca gerir seu espaço e tempo particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos polos da divisão social, e seu alvo não é responder às contradições, e sim vencer a competição com seus supostos iguais. A questão nevrálgica refere-se à pergunta: Como foi possível passar da ideia da universidade como instituição à definição como organização prestadora de serviços?
            Em primeiro lugar através da passagem da produção de massa e da economia de mercado para as sociedades de conhecimento baseadas na informação e comunicação. Na esfera de ação política é regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças sociais, violência em última análise. Só que a produção dos processos políticos, baseados em instituições sociais como esfera de poder, em segundo lugar, se diferencia radicalmente da produção econômica porque usam eventualmente suportes materiais, como armas, livros, processos, papéis onde se inscrevem as ordens, os atos de gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma produção material no sentido marxista do termo.  

Imagens: Portal CNPq.
Porque consiste em decisões imperativas, decisões que podem mudar o plano de vida individual (os sonhos) e da coletividade (os mitos, os ritos, os símbolos). É também diferente da produção simbólica porque se exercita sobre o interesse dos agentes sociais, quando não sobre os próprios tabus do corpo. Corresponde a atos de vontade que regulam atividades coletivas; disciplina práticas sociais. Não produzem mensagens, discursos; produzem isto sim: obediências, obrigações, submissões, direitos, deveres, controles. Poder, para sermos breves, é uma relação social de mando e obediência. As decisões tomadas politicamente se impõem a todos num dado território ou numa dada unidade social. Convertem-se em atividades coercitivas (esfera da segurança), administrativas (esfera da administração), jurídico-judiciárias (esfera da justiça) e legislativas (esfera da deliberação). Simplificadamente, processo político diz respeito à pergunta: Quem pode o quê sobre quem? Eis a grande questão do processo político, do confronto entre forças sociais, da sujeição de vontades a outras vontades.
O anúncio foi feito no início de agosto, com a divulgação, pelo CNPq, do resultado das Chamadas 2016-2018 das bolsas de iniciação científica. Serão 26.169 bolsas concedidas neste ano - 20% a menos do que em 2015. A Iniciação Científica (IC) é importante para despertar o interesse dos alunos para a ciência. Trata-se, nas palavras do CNPq, de uma forma de “integração do aluno de graduação à cultura científica e/ou tecnológica, por meio do desenvolvimento de atividades de pesquisa sob a supervisão de um orientador qualificado”. O “orientador qualificado”, que trabalha com o jovem estudante em uma pesquisa de Iniciação Científica, acaba fazendo também um trabalho de supervisão e de mentoria, atividade que tem ganhado cada vez mais espaço nas instituições de ensino superior de ponta no mundo. Aqui, entende-se como “mentor” um professor com o qual o aluno trabalhou de maneira bem próxima durante a graduação, que auxiliou nos estudos, na definição de quais disciplinas cursarem e que deu alguma orientação em termos de carreira. No cenário acadêmico brasileiro, reduzir o número de bolsas no começo da carreira científica pode significar menos cientistas qualificados no país no futuro. - “O problema é que sem ciência não dá para fazer nada, nem exportar soja”, diz Nader, da SBPC. Ligado ao MCTIC, “o CNPq tem sofrido cortes juntamente com a pasta de ciência, que deve receber cerca de R$3,5 bilhões neste ano”. É uma ideia do que isso significa: “o orçamento do ex-MCTI em 2014 tinha mais do que o dobro desse valor  - antes de todas as pastas começarem a sofrer cortes”.
Bibliografia geral consultada.
BRAVERMAN, Harry, Travail et Capitalisme Monopoliste. La Degradation du Travail au XXe Siêcle. Paris: Éditions François Maspéro, 1976; OLIVEIRA, Marlene de, A Investigação Científica na Ciência da Informação: Análise da Pesquisa Financiada pelo CNPq. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Faculdade de Estudos Sociais Aplicados. Departamento de Ciência da Informação e Documentação. Brasília: Universidade de Bradília, 1998; LOMBARDI, Maria Rosa, Perseverança e Resistência: A Engenharia como Profissão Feminina. Tese de Doutorado em Ciências. Campinas: Faculdade de Educação da Universidade de Campinas, 2005; CABRAL, Carla, O Conhecimento Dialogicamente Situado: Histórias de Vida, Valores Humanistas e Consciência Crítica de Professoras do Centro Tecnológico da UFSC. Tese de Doutorado em Educação Científica e Tecnológica. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2006; CHAUI, Marilena, “A Universidade Pública sob Nova Perspectiva”. In: Revista Brasileira de Educação, n° 24, 2003; HENNING, Paula Corrêa, Efeitos de Sentido em Discursos Educacionais Contemporâneos: Produção de Saber e Moral nas Ciências Humanas. Tese Doutorado em Educação. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2008; BLAY, Eva Alterman, “Mulheres Cientistas: Aspectos da Vida e Obra de Khäte Schwarz”. In: Revista Estudos Feministas (18:2). Florianópolis-SC, 2010, pp.473-489; GONTIJO, Aldriana Azevedo, O Lugar do Currículo no Conselho de Classe. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (FE-UnB). Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE), 2015; RIGHETTI, Sabine, “CNPq Corta 20% das Bolsas Nacionais de Pesquisa na Graduação”. Disponível em: http://www.adufg.org.br/noticias/08/08/2016FREITAS, Leandro Alexandre, Programação de Espaços Inteligentes Utilizando Modelos em Tempo de Execução. Tese de Doutorado.  Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação em Rede UFG/UFMS. Instituto de Informática. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017; Artigo: “Confira 10 Bancos de Dados para Auxiliar Pesquisas e Aprovação em Mestrado e Doutorado”. In: https://www2.ufjf.br/noticias/2017/03/30/entre outros.  

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Privatização das Universidades é Conjuntural & Política no Brasil.

     Ubiracy de Souza Braga*

                              “Mestrado é só para mostrar que o sujeito é alfabetizado”. Darcy Ribeiro
 

Nos dias de hoje o ensino superior no Brasil apresenta a seguinte lógica política: Alunos que têm uma “boa formação” nos ensinos fundamental e médio ingressam em universidades públicas. Esses alunos fazem os melhores cursos. Mas não são raros os alunos de escolas públicas que cursam essas universidades. Os incentivos dados pelos governos brasileiros como o modelo das “cotas”, “Exame Nacional do Ensino Médio”, “Programa Universidade para Todos”, do Ministério da Educação e Cultura, criado pelo governo federal em 2004, concedem bolsas de estudo integral e parcial (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação e ditas “sequenciais” de formação específica, a estudantes brasileiros, sem diploma de nível superior. A privatização cria muitos outros problemas. Os cursos oferecidos e as regiões onde eles se instalam nada têm a ver com as necessidades sociais e/ou econômicas das diferentes profissões e áreas de conhecimento. Cursos de Direito e Medicina, são bons exemplos. O “Exame Nacional do Ensino Médio” criado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) surge tendo como escopo testar o nível de aprendizado dos alunos que concluíram o ensino médio no Brasil. O resultado obtido no Enem em tese contribui no ensino-aprendizagem dos estudantes que objetivam ingressar em universidades públicas e/ou ganhar bolsas de estudos em instituições particulares.


 
     Criado em 1998, é o maior processo seletivo público a nível nacional, abrangendo mais de 7 milhões de candidatos inscritos para a realização das provas. E o mais importante do ponto de vista de espaço e lugar. É inclusivo aos estudantes que estão concluindo o último ano do ensino médio ou aqueles que já o concluíram. Em oposição à educação, o processo de privatização no Brasil representa uma mudança radical do papel, até então preponderante, reservado ao Estado na atividade econômica. As empresas estatais eram submetidas à supervisão de diversos ministérios, cada qual impondo suas próprias regras de administração. Critérios técnicos não raro eram preteridos por razões de. conveniência política Por exemplo, aumentos de capital eram decididos sem a prévia definição de recursos orçamentários para esse fim, revelando nenhuma preocupação com relação a seus reflexos sobre o gasto público em geral. Para impor alguma uniformidade à gestão empresarial, decidiu-se concentrar seu controle social na área econômica do Governo, por meio de órgãos subordinados à então Secretaria de Planejamento da Presidência da República e ao Ministério da Fazenda.
            A compra de serviços educacionais ofertados pelo setor privado por prefeituras, como a formação ou treinamento de professores e apostilas, vem crescendo no Brasil: em alguns casos, grupos empresariais chegam a assumir a orientação da política de educação do município, criando situações que violam aspectos importantes do direito à educação, como a adaptabilidade e a acessibilidade. É o que diz estudo coordenado pela Organização Não-Governamental Ação Educativa e desenvolvido com a participação do Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE) da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Campinas, Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de São Paulo, e realizado com apoio da “Open Society Foundations” e da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação. O Relatório publicado sobre o assunto, intitulado “Sistemas de Ensino Privados na Educação Pública Brasileira: Consequências da Mercantilização para o Direito à Educação”, analisa concretamente a conjuntura econômica indicando que “a municipalização abrupta e mal planejada do ensino fundamental nas últimas duas décadas (...) explicitou a precariedade de muitas das administrações locais, gerando um promissor mercado para assessorias privadas nos campos pedagógico e de gestão”.


A mercantilização das universidades públicas é mais um problema a ser combatido no governo golpista, de Temer, e descompromissado, de Camilo Santana.
Historicamente foi criada a Secretaria de Controle de Empresas Estatais – SEST (1979), voltada para a eficiência da gestão, e, em 1980, atribuiu-se à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a competência para representar a União na assembleia geral das empresas estatais. Em 1986, já no Governo de José Sarney, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional, com a atribuição, entre outras, de administrar os ativos da União junto às empresas estatais. Mas como a supervisão ministerial foi mantida, essas medidas tiveram eficácia relativa. Cabia à SEST recomendar a privatização de empresas, mas nada de significativo foi feito na década de 1980, salvo a devolução à iniciativa privada de empresas em dificuldades econômicas absorvidas pelo Estado. A posse de Fernando Collor de Mello (PRN) trouxe consigo outra etapa no processo brasileiro de privatizações.
Aproveitando a confiança inicialmente adquirida em torno das suas propostas populistas, o Presidente incluiu uma medida provisória no bojo das medidas do “Plano Brasil Novo” e criou o Programa Nacional de Desestatização – PND. Em menos de um mês, a medida provisória converteu-se na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, cujo art. 1° fixou como objetivos fundamentais do programa: I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. Fernando Collor foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o PND – Programa Nacional de Desestatização pela Lei nº 8.031, de 1990. No entanto, das 68 empresas incluídas no programa, apenas 18 foram efetivamente privatizadas, pois Fernando Collor teve sua ação obstaculizada com os problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo – VASP. O Plano Collor, elaborado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, programou um modelo neoliberal de abertura às importações, processos de privatização, modernização industrial e tecnológica. Desnecessário dizer que a política econômica desenvolvida desencadeou um dos maiores programas de políticas públicas de privatização do mundo ocidental.
          Com a destituição de Fernando Collor e a posse de seu vice-presidente Itamar Franco (1992-1995) – o qual também foi favorável às privatizações, apesar de que em menor grau –, o processo também não foi adiante. Durante o governo Itamar Franco, a Medida Provisória n°. 327, de 14 de junho de 1993, e as suas sucessivas reedições modificaram a Lei n°. 8.031/90 em alguns pontos importantes, dentre os quais se destacam a admissão da participação do capital estrangeiro em até 100% do capital votante das empresas, cujas ações forem alienadas, e a aceitação de utilização, como forma de pagamento, das chamadas moedas sociais tais como o Fundo de Garantia sobre o Tempo de Serviço (FGTS). Além disso, foi modificado o Art. 30 da Lei n°. 8.177, de 1º de março de 1991, determinando-se que os recursos em moeda corrente, obtidos nos leilões de privatização, fossem usados para amortizar a dívida pública federal de emissão do Tesouro Nacional e custear programas ou projetos nas áreas da ciência e tecnologia, da saúde, da defesa nacional, da segurança pública e do meio ambiente, aprovados pelo presidente da República. Por fim, o Decreto n°. 1.068, de 02 de março de 1994, dispôs sobre a inclusão no PND de participações societárias minoritárias de que são titulares as fundações, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e quaisquer outras entidades controladas, direta e indiretamente, pela União.
Com a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ao adotar algumas recomendações então em vigor do Consenso de Washington e do FMI deixou claro seu propósito de desenvolver um amplo programa de privatizações. Ao mesmo tempo, fez bem sucedidas gestões na área política e financeira para enquadrar os estados no programa, condicionando as transferências de recursos financeiros da União para os estados à submissão dos governadores às políticas recomendadas pelo FMI. Continuado no governo Fernando Henrique, o processo de privatização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro e pelotas, a Telebrás, monopólio estatal de telecomunicações e a Eletropaulo. Enquanto a quase totalidade dos defensores do keynesianismo apoiavam a concepção do projeto de desestatização, economistas de escolas de pensamento econômico, partidos de oposição, sindicatos trabalhistas e respectivas centrais sindicais, bem como juristas e outros setores representativos da sociedade civil manifestaram-se contrários ao processo de privatização. Tentaram, sem sucesso, inviabilizá-lo por meio de manifestações e medidas judiciais.
        Os leilões de privatização, públicos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foi objeto de mobilização e de protestos de militantes esquerdistas. Para a privatização dos serviços de telefonia fixa, houve o “desmembramento” do patrimônio da empresa estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, realizando-se leilões separados para os serviços do Estado de São Paulo, da Região Sul juntamente com a Região Centro-Oeste e das demais regiões do Brasil, que formaram três companhias: Telesp, Tele Centro-Sul e Tele Norte Leste, adjudicados, respectivamente, para a Telefônica de Espanha, consórcio liderado pela Telecom Itália e grupo AG Telecom. Ao todo, a Telebrás foi dividida em 12 empresas que seriam levadas a leilão: três de telefonia fixa (Telesp, Tele Centro Sul e Tele Norte Leste), oito de telefonia celular (Telesp Celular, Tele Sudeste Celular, Telemig Celular, Tele Celular Sul, Tele Nordeste Celular, Tele Centro Oeste Celular, Tele Leste Celular e Tele Norte Celular) e uma de telefonia de longa distância (Embratel). O que foi levado a leilão correspondia a 20% do valor das empresas, que representava o controle acionário das empresas. Foi a maior privatização ocorrida no Brasil, realizada em 29 de julho de 1998 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, arrecadando R$ 22,058 bilhões, o que representou um ágio médio de 63,7% sobre os valores econômicos mínimos do leilão.
No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o objetivo de aprofundar o programa brasileiro de privatização conduziu à aprovação, no dia 15 de agosto de 1995, das Emendas Constitucionais n° 5, 6, 7 e 8. A Emenda Constitucional n° 5 alterou o art. 25, § 2°, permitindo aos Estados explorarem os serviços locais de gás canalizado, diretamente ou mediante concessão, abolindo a obrigatoriedade de outorga dessa as empresas estatais somente, conforme dispunha a redação original do dispositivo. A Emenda Constitucional n°. 6, por sua vez, revogou o Art. 171 da Constituição Federal, que definia empresa de capital nacional e lhe dava proteção especial. Alterou, ainda, o art. 176, § 1°, dispondo que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica sejam efetuados, mediante autorização ou concessão da União, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras que tenha sede e administração no País, admitindo, tais atividades sejam exercidas por subsidiárias de empresas estrangeiras.
Do ponto de vista estatístico entre os dias 24 e 31 de outubro de 2007, o instituto Ipsos, sob a encomenda do jornal O Estado de S. Paulo, realizou uma pesquisa sobre privatização com hum (01) mil eleitores brasileiros em setenta cidades e nove regiões metropolitanas. Essa pesquisa, cuja margem de erro é de 3 pontos porcentuais, apontou que 62% dos entrevistados é contra a privatização de serviços públicos, feita por quaisquer governos. Apenas 25% dos eleitores brasileiros aprovam o método. De acordo com o jornal, “a percepção dos brasileiros é que as privatizações pioraram os serviços prestados à população nos setores de telefonia, estradas, energia elétrica e água e esgoto. As mais altas taxas de rejeição (73%) estão no segmento de nível superior e nas classes A e B”. Segundo a pesquisa de opinião a rejeição à privatização não tem razão partidária ou ideológica: ela atinge por igual as privatizações feitas no governo FHC, no governo Lula ou em diversos governos estaduais e municipais. Enquanto 55% acharam que o governo FHC fez mal em privatizar a telefonia, apenas 33% disseram que fez bem. Em nenhuma região a maioria da população aprova a privatização.



O Nordeste registra a maior taxa de rejeição (73%), enquanto o Norte e o Centro-Oeste registram a menor (51%). A maioria absoluta da população condena uma hipotética privatização do Banco do Brasil (77%), da Caixa Econômica Federal (78%) ou da Petrobrás (78%). Em contraste, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública em dezembro de 1994, evidenciava que 57% dos entrevistados eram a favor da privatização total ou parcial dos bancos públicos naquela conjuntura de transição. Outra pesquisa de opinião, realizada entre os dias 20 e 23 de julho de 2016, sugere que a opinião dos brasileiros não mudou: 61% deles reportaram ao Paraná Pesquisas que são contrários a “privatizar algumas empresas e ativos estatais”. Mais especificamente, 68% seriam contrários a uma privatização da Caixa Econômica e do Banco do Brasil; 64%, da Petrobras - Empresa Brasileira de Petróleo; e 62%, dos Empresa de Correios e Telégrafos.
Inúmeros estudos sobre desenvolvimento internacional demonstram que formar quadros qualificados de nível superior e promover ciência & tecnologia de qualidade são investimentos que produzem efeitos sociais benéficos a toda a sociedade, e não apenas aos indivíduos que conquistaram propriamente um diploma ou um título de pós-graduação, seja de mestrado ou doutorado. Em países ditos desenvolvidos, onde algumas universidades datam de muitos séculos, sobram exemplos de como a divisão internacional do trabalho intelectual, a produção, a disseminação e a aplicação do conhecimento estão diretamente relacionadas com o avanço de indicadores socioeconômicos mais amplos, na produtividade do trabalho e na redução dos gastos com licenciamento e importação e de transferências de tecnologias. No Ceará há uma tendência histórica, oligárquica e retrógrada de punição aos movimentos docentes de liberdade de expressão e de pensamento enquanto atividade intelectual criadora. Tendem à privatização das universidades públicas, e podem? Tendem à privatização dos espaços públicos, mas não podem. Essa concepção utilitarista conservadora, elitista e racista está abrindo e abrigando espaço para ideologias fascistas.
 
Bibliografia geral consultada.
MERCADANTE, Paulo, A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965; TOURAINE, Alain, Production de la Societé. Paris: Éditions du Seuil, 1973; GUILHON ALBUQUERQUE, José Augusto, Instituição e Poder. Análise Concreta das Relações de Poder nas Instituições. Tese de Livre Docência. Rio de Janeiro: Graal Editor, 1980; PRADO, Sergio Roberto Rios do, Intervenção Estatal, Privatização e Fiscalidade: Um Estudo sobre a Constituição e Crise do Setor Produtivo no Brasil e os Processos de Privatização a Nível Mundial. Tese Doutorado. Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Economia, 1994; MONCKEBERG, María Olivia, El Saqueo: De los Grupos Económicos al Estado Chileno. Santiago de Chile: Ediciones B Chile, 2001; STIGLITZ, Joseph Eugene, Making Globalization Work. New York, London: W. W. Norton, 2006; PAMPLONA, Nicola, “BNDES vai vender ações de holding da Eletropaulo”. In: O Estado de S. Paulo, 14/3/2007; ALMEIDA, Monica Piccolo, Reformas Neoliberais no Brasil: A Privatização nos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Tese de Doutorado. Departamento de História. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal Fluminense, 2010; Artigo: “Possibilidade de privatização das universidades públicas gera debate entre deputados”. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/21/10/2015; BRITO, Fernando, “História de universidade pública para rico é desculpa para privatização”. Disponível em: http:www.tijolaco.com.br/19/08/2016; entre outros.
 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).