terça-feira, 11 de outubro de 2016

Privatização das Universidades é Conjuntural & Política no Brasil.

     Ubiracy de Souza Braga*

                              “Mestrado é só para mostrar que o sujeito é alfabetizado”. Darcy Ribeiro
 

Nos dias de hoje o ensino superior no Brasil apresenta a seguinte lógica política: Alunos que têm uma “boa formação” nos ensinos fundamental e médio ingressam em universidades públicas. Esses alunos fazem os melhores cursos. Mas não são raros os alunos de escolas públicas que cursam essas universidades. Os incentivos dados pelos governos brasileiros como o modelo das “cotas”, “Exame Nacional do Ensino Médio”, “Programa Universidade para Todos”, do Ministério da Educação e Cultura, criado pelo governo federal em 2004, concedem bolsas de estudo integral e parcial (50%) em instituições privadas de ensino superior, em cursos de graduação e ditas “sequenciais” de formação específica, a estudantes brasileiros, sem diploma de nível superior. A privatização cria muitos outros problemas. Os cursos oferecidos e as regiões onde eles se instalam nada têm a ver com as necessidades sociais e/ou econômicas das diferentes profissões e áreas de conhecimento. Cursos de Direito e Medicina, são bons exemplos. O “Exame Nacional do Ensino Médio” criado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) surge tendo como escopo testar o nível de aprendizado dos alunos que concluíram o ensino médio no Brasil. O resultado obtido no Enem em tese contribui no ensino-aprendizagem dos estudantes que objetivam ingressar em universidades públicas e/ou ganhar bolsas de estudos em instituições particulares.


 
     Criado em 1998, é o maior processo seletivo público a nível nacional, abrangendo mais de 7 milhões de candidatos inscritos para a realização das provas. E o mais importante do ponto de vista de espaço e lugar. É inclusivo aos estudantes que estão concluindo o último ano do ensino médio ou aqueles que já o concluíram. Em oposição à educação, o processo de privatização no Brasil representa uma mudança radical do papel, até então preponderante, reservado ao Estado na atividade econômica. As empresas estatais eram submetidas à supervisão de diversos ministérios, cada qual impondo suas próprias regras de administração. Critérios técnicos não raro eram preteridos por razões de. conveniência política Por exemplo, aumentos de capital eram decididos sem a prévia definição de recursos orçamentários para esse fim, revelando nenhuma preocupação com relação a seus reflexos sobre o gasto público em geral. Para impor alguma uniformidade à gestão empresarial, decidiu-se concentrar seu controle social na área econômica do Governo, por meio de órgãos subordinados à então Secretaria de Planejamento da Presidência da República e ao Ministério da Fazenda.
            A compra de serviços educacionais ofertados pelo setor privado por prefeituras, como a formação ou treinamento de professores e apostilas, vem crescendo no Brasil: em alguns casos, grupos empresariais chegam a assumir a orientação da política de educação do município, criando situações que violam aspectos importantes do direito à educação, como a adaptabilidade e a acessibilidade. É o que diz estudo coordenado pela Organização Não-Governamental Ação Educativa e desenvolvido com a participação do Grupo de Estudo e Pesquisas em Políticas Educacionais (GREPPE) da Faculdade de Educação (FE) da Universidade de Campinas, Universidade de São Paulo e Universidade Estadual de São Paulo, e realizado com apoio da “Open Society Foundations” e da Campanha Latino-Americana pelo Direito à Educação. O Relatório publicado sobre o assunto, intitulado “Sistemas de Ensino Privados na Educação Pública Brasileira: Consequências da Mercantilização para o Direito à Educação”, analisa concretamente a conjuntura econômica indicando que “a municipalização abrupta e mal planejada do ensino fundamental nas últimas duas décadas (...) explicitou a precariedade de muitas das administrações locais, gerando um promissor mercado para assessorias privadas nos campos pedagógico e de gestão”.


A mercantilização das universidades públicas é mais um problema a ser combatido no governo golpista, de Temer, e descompromissado, de Camilo Santana.
Historicamente foi criada a Secretaria de Controle de Empresas Estatais – SEST (1979), voltada para a eficiência da gestão, e, em 1980, atribuiu-se à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a competência para representar a União na assembleia geral das empresas estatais. Em 1986, já no Governo de José Sarney, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional, com a atribuição, entre outras, de administrar os ativos da União junto às empresas estatais. Mas como a supervisão ministerial foi mantida, essas medidas tiveram eficácia relativa. Cabia à SEST recomendar a privatização de empresas, mas nada de significativo foi feito na década de 1980, salvo a devolução à iniciativa privada de empresas em dificuldades econômicas absorvidas pelo Estado. A posse de Fernando Collor de Mello (PRN) trouxe consigo outra etapa no processo brasileiro de privatizações.
Aproveitando a confiança inicialmente adquirida em torno das suas propostas populistas, o Presidente incluiu uma medida provisória no bojo das medidas do “Plano Brasil Novo” e criou o Programa Nacional de Desestatização – PND. Em menos de um mês, a medida provisória converteu-se na Lei n. 8.031, de 12 de abril de 1990, cujo art. 1° fixou como objetivos fundamentais do programa: I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público. Fernando Collor foi o primeiro presidente brasileiro a adotar as privatizações como parte de seu programa econômico, ao instituir o PND – Programa Nacional de Desestatização pela Lei nº 8.031, de 1990. No entanto, das 68 empresas incluídas no programa, apenas 18 foram efetivamente privatizadas, pois Fernando Collor teve sua ação obstaculizada com os problemas surgidos na privatização da Viação Aérea São Paulo – VASP. O Plano Collor, elaborado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, programou um modelo neoliberal de abertura às importações, processos de privatização, modernização industrial e tecnológica. Desnecessário dizer que a política econômica desenvolvida desencadeou um dos maiores programas de políticas públicas de privatização do mundo ocidental.
          Com a destituição de Fernando Collor e a posse de seu vice-presidente Itamar Franco (1992-1995) – o qual também foi favorável às privatizações, apesar de que em menor grau –, o processo também não foi adiante. Durante o governo Itamar Franco, a Medida Provisória n°. 327, de 14 de junho de 1993, e as suas sucessivas reedições modificaram a Lei n°. 8.031/90 em alguns pontos importantes, dentre os quais se destacam a admissão da participação do capital estrangeiro em até 100% do capital votante das empresas, cujas ações forem alienadas, e a aceitação de utilização, como forma de pagamento, das chamadas moedas sociais tais como o Fundo de Garantia sobre o Tempo de Serviço (FGTS). Além disso, foi modificado o Art. 30 da Lei n°. 8.177, de 1º de março de 1991, determinando-se que os recursos em moeda corrente, obtidos nos leilões de privatização, fossem usados para amortizar a dívida pública federal de emissão do Tesouro Nacional e custear programas ou projetos nas áreas da ciência e tecnologia, da saúde, da defesa nacional, da segurança pública e do meio ambiente, aprovados pelo presidente da República. Por fim, o Decreto n°. 1.068, de 02 de março de 1994, dispôs sobre a inclusão no PND de participações societárias minoritárias de que são titulares as fundações, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e quaisquer outras entidades controladas, direta e indiretamente, pela União.
Com a criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), ao adotar algumas recomendações então em vigor do Consenso de Washington e do FMI deixou claro seu propósito de desenvolver um amplo programa de privatizações. Ao mesmo tempo, fez bem sucedidas gestões na área política e financeira para enquadrar os estados no programa, condicionando as transferências de recursos financeiros da União para os estados à submissão dos governadores às políticas recomendadas pelo FMI. Continuado no governo Fernando Henrique, o processo de privatização ocorreu em vários setores da economia: a Companhia Vale do Rio Doce, empresa de minério de ferro e pelotas, a Telebrás, monopólio estatal de telecomunicações e a Eletropaulo. Enquanto a quase totalidade dos defensores do keynesianismo apoiavam a concepção do projeto de desestatização, economistas de escolas de pensamento econômico, partidos de oposição, sindicatos trabalhistas e respectivas centrais sindicais, bem como juristas e outros setores representativos da sociedade civil manifestaram-se contrários ao processo de privatização. Tentaram, sem sucesso, inviabilizá-lo por meio de manifestações e medidas judiciais.
        Os leilões de privatização, públicos, se realizaram na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro e foi objeto de mobilização e de protestos de militantes esquerdistas. Para a privatização dos serviços de telefonia fixa, houve o “desmembramento” do patrimônio da empresa estatal Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, realizando-se leilões separados para os serviços do Estado de São Paulo, da Região Sul juntamente com a Região Centro-Oeste e das demais regiões do Brasil, que formaram três companhias: Telesp, Tele Centro-Sul e Tele Norte Leste, adjudicados, respectivamente, para a Telefônica de Espanha, consórcio liderado pela Telecom Itália e grupo AG Telecom. Ao todo, a Telebrás foi dividida em 12 empresas que seriam levadas a leilão: três de telefonia fixa (Telesp, Tele Centro Sul e Tele Norte Leste), oito de telefonia celular (Telesp Celular, Tele Sudeste Celular, Telemig Celular, Tele Celular Sul, Tele Nordeste Celular, Tele Centro Oeste Celular, Tele Leste Celular e Tele Norte Celular) e uma de telefonia de longa distância (Embratel). O que foi levado a leilão correspondia a 20% do valor das empresas, que representava o controle acionário das empresas. Foi a maior privatização ocorrida no Brasil, realizada em 29 de julho de 1998 na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, arrecadando R$ 22,058 bilhões, o que representou um ágio médio de 63,7% sobre os valores econômicos mínimos do leilão.
No governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), o objetivo de aprofundar o programa brasileiro de privatização conduziu à aprovação, no dia 15 de agosto de 1995, das Emendas Constitucionais n° 5, 6, 7 e 8. A Emenda Constitucional n° 5 alterou o art. 25, § 2°, permitindo aos Estados explorarem os serviços locais de gás canalizado, diretamente ou mediante concessão, abolindo a obrigatoriedade de outorga dessa as empresas estatais somente, conforme dispunha a redação original do dispositivo. A Emenda Constitucional n°. 6, por sua vez, revogou o Art. 171 da Constituição Federal, que definia empresa de capital nacional e lhe dava proteção especial. Alterou, ainda, o art. 176, § 1°, dispondo que a pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica sejam efetuados, mediante autorização ou concessão da União, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras que tenha sede e administração no País, admitindo, tais atividades sejam exercidas por subsidiárias de empresas estrangeiras.
Do ponto de vista estatístico entre os dias 24 e 31 de outubro de 2007, o instituto Ipsos, sob a encomenda do jornal O Estado de S. Paulo, realizou uma pesquisa sobre privatização com hum (01) mil eleitores brasileiros em setenta cidades e nove regiões metropolitanas. Essa pesquisa, cuja margem de erro é de 3 pontos porcentuais, apontou que 62% dos entrevistados é contra a privatização de serviços públicos, feita por quaisquer governos. Apenas 25% dos eleitores brasileiros aprovam o método. De acordo com o jornal, “a percepção dos brasileiros é que as privatizações pioraram os serviços prestados à população nos setores de telefonia, estradas, energia elétrica e água e esgoto. As mais altas taxas de rejeição (73%) estão no segmento de nível superior e nas classes A e B”. Segundo a pesquisa de opinião a rejeição à privatização não tem razão partidária ou ideológica: ela atinge por igual as privatizações feitas no governo FHC, no governo Lula ou em diversos governos estaduais e municipais. Enquanto 55% acharam que o governo FHC fez mal em privatizar a telefonia, apenas 33% disseram que fez bem. Em nenhuma região a maioria da população aprova a privatização.



O Nordeste registra a maior taxa de rejeição (73%), enquanto o Norte e o Centro-Oeste registram a menor (51%). A maioria absoluta da população condena uma hipotética privatização do Banco do Brasil (77%), da Caixa Econômica Federal (78%) ou da Petrobrás (78%). Em contraste, uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública em dezembro de 1994, evidenciava que 57% dos entrevistados eram a favor da privatização total ou parcial dos bancos públicos naquela conjuntura de transição. Outra pesquisa de opinião, realizada entre os dias 20 e 23 de julho de 2016, sugere que a opinião dos brasileiros não mudou: 61% deles reportaram ao Paraná Pesquisas que são contrários a “privatizar algumas empresas e ativos estatais”. Mais especificamente, 68% seriam contrários a uma privatização da Caixa Econômica e do Banco do Brasil; 64%, da Petrobras - Empresa Brasileira de Petróleo; e 62%, dos Empresa de Correios e Telégrafos.
Inúmeros estudos sobre desenvolvimento internacional demonstram que formar quadros qualificados de nível superior e promover ciência & tecnologia de qualidade são investimentos que produzem efeitos sociais benéficos a toda a sociedade, e não apenas aos indivíduos que conquistaram propriamente um diploma ou um título de pós-graduação, seja de mestrado ou doutorado. Em países ditos desenvolvidos, onde algumas universidades datam de muitos séculos, sobram exemplos de como a divisão internacional do trabalho intelectual, a produção, a disseminação e a aplicação do conhecimento estão diretamente relacionadas com o avanço de indicadores socioeconômicos mais amplos, na produtividade do trabalho e na redução dos gastos com licenciamento e importação e de transferências de tecnologias. No Ceará há uma tendência histórica, oligárquica e retrógrada de punição aos movimentos docentes de liberdade de expressão e de pensamento enquanto atividade intelectual criadora. Tendem à privatização das universidades públicas, e podem? Tendem à privatização dos espaços públicos, mas não podem. Essa concepção utilitarista conservadora, elitista e racista está abrindo e abrigando espaço para ideologias fascistas.
 
Bibliografia geral consultada.
MERCADANTE, Paulo, A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1965; TOURAINE, Alain, Production de la Societé. Paris: Éditions du Seuil, 1973; GUILHON ALBUQUERQUE, José Augusto, Instituição e Poder. Análise Concreta das Relações de Poder nas Instituições. Tese de Livre Docência. Rio de Janeiro: Graal Editor, 1980; PRADO, Sergio Roberto Rios do, Intervenção Estatal, Privatização e Fiscalidade: Um Estudo sobre a Constituição e Crise do Setor Produtivo no Brasil e os Processos de Privatização a Nível Mundial. Tese Doutorado. Universidade Estadual de Campinas.Instituto de Economia, 1994; MONCKEBERG, María Olivia, El Saqueo: De los Grupos Económicos al Estado Chileno. Santiago de Chile: Ediciones B Chile, 2001; STIGLITZ, Joseph Eugene, Making Globalization Work. New York, London: W. W. Norton, 2006; PAMPLONA, Nicola, “BNDES vai vender ações de holding da Eletropaulo”. In: O Estado de S. Paulo, 14/3/2007; ALMEIDA, Monica Piccolo, Reformas Neoliberais no Brasil: A Privatização nos Governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Tese de Doutorado. Departamento de História. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Universidade Federal Fluminense, 2010; Artigo: “Possibilidade de privatização das universidades públicas gera debate entre deputados”. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/21/10/2015; BRITO, Fernando, “História de universidade pública para rico é desculpa para privatização”. Disponível em: http:www.tijolaco.com.br/19/08/2016; entre outros.
 
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).       

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