Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
“Eliminar de
uma vez por todas o sentido das palavras, eis o objetivo do terror!”. Jean
François Lyotard
Um
homem atacado por um acesso de raiva é afetado de maneira muito diferente de
outro que apenas pensa nessa emoção. Se me dizem que certa pessoa está
apaixonada, entendo facilmente o que se quer dizer e faço uma ideia adequada da
situação dessa pessoa, mas jamais confundiria essa ideia com os tumultos e
agitações reais da paixão. Quando refletimos sobre as nossas experiências e afetos
passados, o nosso pensamento age como um espelho fiel e copia corretamente os
objetos, mas as cores que emprega são pálidas e sem brilho em comparação com
aquelas de que estavam revestidas as nossas percepções originais. Não se exige
qualquer refinamento, discernimento, ou mesmo a grande capacidade metafísica
para assinalar a questão entre a diversidade e a diferença.
Ou
o discurso de esquerda perdeu definitivamente as suas defesas ou é o clima de
comunicação instalado, no âmbito do Estado de desgaste e saturação dos valores nacionais
e democráticos, que começa a instigar os novos arautos da direita protofascistas
do século XXI. Estamos diante num ponto de indefinição e de viragem
particularmente preocupante. Mas as conjunturas de crise têm pelo menos o
condão de demarcar posições e separar as águas. A atual contradição não é
apenas entre a esquerda e a direita, mas também entre a memória, a história e o
esquecimento e entre o “futuro da
democracia”, para lembrarmo-nos de Norberto Bobbio e o regresso ao elitismo
fascizante. Foram as ideias e as políticas dominantes na Europa e o neoliberalismo
que nela vingou nas últimas décadas que conduziram ao estado em que nos encontramos.
Ideias protofascistas no primeiro discurso de Marcela, esposa do golpista Michel Temer.
Protofascismo refere-se às
ideologias que antecedem diretamente e que influenciaram e formaram a base do
fascismo. A figura proeminente protofascista é Gabriele d Annunzio, o
nacionalista italiano cuja política influencia Benito Mussolini e do fascismo
italiano. Os movimentos políticos protofascistas incluem o italiano da Associação
Nacionalista (ANI), a Associação Nacional Alemã de Comerciários Empregados
(DHV) e o Partido Nacional da Alemanha Popular (DNVP). Precedência ao fascismo
moderno pode ser visto na cultura e governo das nações mais antigas baseadas na
alta cultura, lei e ordem, do Império Romano e o Ancien regime da Europa.
Historicamente
a Europa viveu a década de 1930 sob a presença do fascismo, doutrina política
de extrema-direita, que teve início na Itália e se estendeu por boa parte do
continente. As causas foram: a profunda crise econômica iniciada em 1929, que
gerou recessão mundial e proletarização das camadas médias; o abuso dos
vencedores da 1ª grande guerra (1914-18) sobre a Alemanha derrotada (Tratado de
Versalhes). A geração do medo do chamado “perigo vermelho” após a formação da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a perda de confiança de parte das
sociedades nas instituições liberais e democráticas. Enfim, a propaganda
dirigida às massas, visando despertar o sentimento patriótico, o culto ao
chefe, a disciplina, o respeito à hierarquia. A educação dirigida nas escolas
controladas para a disciplina, a obediência e o amor à pátria.
A
ideologia fascista (cf. Braga, 2004) ancorar-se em três características humanas
omnipresentes: o medo, o fanatismo e a intolerância. É um fenômeno político e
discursivo (propaganda) deste século e cuja formulação definitiva talvez não
possa se dar como concluída. Ela tem-se estabelecido pela tese autoritária: “Crer e não pensar”;
“trabalhar e não refletir”; “obedecer e não discutir”. Surgiu em torno de 1890
na Europa ocidental como “eclipse da razão”, segundo Max Horkheimer. Georg
Lukács, no “livro Destruição da Razão”, ou, Hannah Arendt, em “Eichmann em Jerusalém
- Um Relato Sobre a Banalidade do Mal”, fizeram como filósofos, uma análise
histórico-crítica esclarecedora a respeito. Temos aí o conceito de “autoridade
irracional”, que poderia ser caracterizado como o poder sobre o povo, logrado
sobre a base do terror, onde a crítica está proibida, e existe uma absoluta desigualdade entre os
membros da comunidade.
Metodologicamente
o nazismo é frequentemente considerado por historiadores, sociólogos e
analistas políticos como uma “derivação” do fascismo. Mesmo incorporando
elementos comuns tanto da direita política, quanto da esquerda política, o
nazismo é considerado de fato como ideologia de extrema direita, formando um
dos vários grupos históricos que utilizaram o termo “nacional-socialismo” para
egocentricamente “descreverem a si mesmo” e, na década de 1920, tornarem-se o
maior grupo da Alemanha. O ideal do Partido Nacional Socialista dos
Trabalhadores Alemães (Partido Nazista) são expressos no seu “Programa de 25
Pontos”. Entre os elementos-chave para interpretação histórica, teórica e
ideológica do nazismo, há o antiparlamentarismo, o pangermanismo, o racismo, o
coletivismo, a eugenia, o antissemitismo/antijudaísmo, o anticomunismo, o
totalitarismo e a oposição assimétrica ao liberalismo econômico e político,
situando-se entre a clássica dicotomia “esquerda” versus “direita”; na direção
filosófica e política de uma nova síntese dinâmica entre, os valores da
tradição, honra, senso de dever, disciplina, abnegação, coragem e ascetismo, e a
constelação de perspectivas ideológicas, referidas à dualidade estrutural cujo
sentido de gravidade se estabelece a partir da rejeição radical do liberalismo
e do capitalismo.
Justamente
graças ao seu pensamento independente, a conhecida expressão: “Theorie der
totalen Herrschaft”, de seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua
reivindicação da discussão política livre, Hannah Arendt tem um papel central
nos debates contemporâneos. Como fontes metodológicas em torno de suas
indagações Arendt utiliza, além de documentos filosóficos, no sentido que
Hans-Georg Gadamer nos adverte políticos e históricos, biografias e obras
literárias. Esses textos são interpretados de forma literal e confrontados com
o pensamento de Hannah Arendt. Seu sistema de análise - parcialmente influenciado
pela hermenêutica filosófica de Martin Heidegger, a converte em uma pensadora
original situada em diferentes campos de conhecimento e especialidades
metodológicas acadêmicas. Seu devenir e seu pensamento demonstram um importante
grau de coincidência, mas também de autonomia relativa das instâncias ou níveis
de análise da realidade social e independência de raciocínio. O paradoxo
de consequências não-intencionais constatado no plano global que constitui a coexistência da homogeneização e dos
particularismos é encontrado também no plano local que tem por campo de ação o
planeta no seu conjunto, considerado como um mercado, uma zona de extensão, um
local de concorrência ou de parceria, apesar de coexistirem de maneira espetacular
diferentes origens, línguas e culturas.
A
particularidade diz respeito ao fato de saber o que acontece com nossa relação
com o real quando mudam as condições da simbolização. Daí a importância de se
compreender e descreve e explicar no campo da imagem, de sua produção,
recepção, influência, de sua relação com o sonho, o devaneio, a criação e a
ficção, a substituição das mediações complexas pelos meios de comunicação,
posto que contenha em si uma possibilidade de violência, que hoje afeta,
contamina e penetra a vida social. A sociologia não confunde a prática dos
rituais com seu sentido. Seria preciso mencionar, assim, todos os casos de ficcionalização do real, dos quais a televisão é um instrumento
essencial, e que correspondem a uma verdadeira revolução, a partir do momento
em que não é mais a ficção que imita o real, mas o real que reproduz a ficção.
Essa ficcionalização liga-se, antes de tudo, à extrema abundância de imagens e
à abstração do olhar que a precede. A imagem televisiva equaliza os
acontecimentos sem poder jogar, como a imprensa escrita, com a paginação e a
diferença de caracteres: as imagens se sucedem ininterruptamente. Constatamos simplesmente
que a fronteira entre real e ficção, imaginário e sociedade se faz menos nítida
e que o autor, mesmo que exista, está ausente da consciência do telespectador.
Outros sinais indicam que a ficcionalização do mundo está a caminho e que ela
não passa unicamente pela imagem.
No
filme: “The Boy in the Striped Pyjamas” o menino aparentava ter medo e ao mesmo
tempo admiração pelo pai, por ser autoritário na vida familiar e
político-militar. A corrupção da consciência, fenomenologicamente falando, no
sentido que emprega Merleau-Ponty funciona como a “essência da consciência para
o mal”, ou, “essência da percepção para o mal”, posto que: a consciência só
começa a serem determinando um objeto, e mesmo os fantasmas de uma “experiência
interna” só é possível por empréstimo à experiência externa. Portanto, não há
vida privada da consciência. A consciência só tem como obstáculo o caos, que não
é nada. Mas em uma consciência que constitui tudo, ou, antes, que possui
eternamente a estrutura inteligível
de todos os seus objetos, assim como na consciência empirista que não constitui
nada, a atenção permanece um poder abstrato, ineficaz, porque ali ela não tem
nada para fazer. A amizade pura, livre e desinteressada dos meninos
Bruno e Shmuel mostrou o mundo onde os preconceitos de diversidades, sejam eles
de qualquer categoria, credo, classe social, ou cor, esmagam a esperança e a vontade
de se conviver em paz.
A
consciência não está menos intimamente ligada aos objetos em relação aos quais
ela se distrai do que aqueles aos quais ela se volta. O filme foi baseado no
best-seller homônimo de John Boyne. Diferente do seu processo de criação
normal, Boyne declarou que escreveu a primeira versão do livro em apenas dois
dias e meio. O campo de concentração no qual o pai de Bruno trabalha não é
nomeado, mas os especialistas dizem ser possível reconhecê-lo como o campo de
Auschwitz pela presença de quatro crematórios na composição do cenário. - “Auschwitz I, o principal campo do complexo
de Auschwitz, foi a primeira das unidades a serem estabelecidas, nas
proximidades da cidade polonesa de Oswiecim. Sua construção teve início em maio
de 1940, em um quartel de artilharia usado anteriormente pelo exército polonês
na região de Zasole, subúrbio de Oswiecim. O campo foi se expandindo
continuamente por meio de trabalho escravo. A câmara improvisada estava
localizada no porão da prisão (Bloco 11). Mais tarde, uma câmara de gás fixa
foi construída dentro do crematório”. A propaganda nazista do campo de
concentração que aparece no filme foi baseada em um vídeo originalmente rodado
em 1941, produzido pelos ideólogos nazistas.
ARENDT, Hannah, L` Impérialisme. Les origines du totalitarisme. Paris: Éditions du Seuil, 1980; Idem, Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1999; BECKER, Sergio, A Fantasia da Eleição Divina: Deus e o Homem. Rio de Janeiro: Editora Companhia de Freud, 1999; KONDER, Leandro, Introdução ao Fascismo. Rio de Janeiro: Graal Editor, 1977; Idem, A Questão da Ideologia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Ideologia Fascista“. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 4 de dezembro de 2004; BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edição. Espanha: Fondo de Cultura, 1999; Idem, O Filósofo e a Política. 1ª edição. São Paulo: Contraponto Editor, 2003; Idem, Il Futuro della Democrazia. 1ª ed. Itália: Einaudi Editore, 2005; BOIX, Charles & SPACKMAN, Barbara, Fascist Virilities: Rhetoric, Ideology, and Social Fantasy in Italy. Paperback, february 1, 2008; CAREY, John, “Ingeniería Electoral: qué nos Muestran las Investigaciones Académicas sobre los Efectos Anticipados de las Reformas Electorales?”. In: Arturo Fontaine; Cristián Larroulet; Jorge Navarrete e Ignacio Walker (Orgs.), Reforma del sistema Electoral chileno. 1ª edição. Santiago: PNUD, 2009; FIUZA, Guilherme, Não é A Mamãe: Para Entender A Era Dilma. Rio de Janeiro: Editora Record, 2014; Idem, “Pixuleco 171, O Herói Inflável“In: Época, 24 de agosto de 2015, página 26; entre outros.
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