quinta-feira, 6 de outubro de 2016

As Ideias Protofascistas no Mundo Contemporâneo.

   Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

    “Eliminar de uma vez por todas o sentido das palavras, eis o objetivo do terror!”. Jean François Lyotard

             
Um homem atacado por um acesso de raiva é afetado de maneira muito diferente de outro que apenas pensa nessa emoção. Se me dizem que certa pessoa está apaixonada, entendo facilmente o que se quer dizer e faço uma ideia adequada da situação dessa pessoa, mas jamais confundiria essa ideia com os tumultos e agitações reais da paixão. Quando refletimos sobre as nossas experiências e afetos passados, o nosso pensamento age como um espelho fiel e copia corretamente os objetos, mas as cores que emprega são pálidas e sem brilho em comparação com aquelas de que estavam revestidas as nossas percepções originais. Não se exige qualquer refinamento, discernimento, ou mesmo a grande capacidade metafísica para assinalar a questão entre a diversidade e a diferença. 
Ou o discurso de esquerda perdeu definitivamente as suas defesas ou é o clima de comunicação instalado, no âmbito do Estado de desgaste e saturação dos valores nacionais e democráticos, que começa a instigar os novos arautos da direita protofascistas do século XXI. Estamos diante num ponto de indefinição e de viragem particularmente preocupante. Mas as conjunturas de crise têm pelo menos o condão de demarcar posições e separar as águas. A atual contradição não é apenas entre a esquerda e a direita, mas também entre a memória, a história e o esquecimento e entre o “futuro da democracia”, para lembrarmo-nos de Norberto Bobbio e o regresso ao elitismo fascizante. Foram as ideias e as políticas dominantes na Europa e o neoliberalismo que nela vingou nas últimas décadas que conduziram ao estado em que nos encontramos.



Ideias protofascistas no primeiro discurso de Marcela, esposa do golpista Michel Temer.

       Protofascismo refere-se às ideologias que antecedem diretamente e que influenciaram e formaram a base do fascismo. A figura proeminente protofascista é Gabriele d Annunzio, o nacionalista italiano cuja política influencia Benito Mussolini e do fascismo italiano. Os movimentos políticos protofascistas incluem o italiano da Associação Nacionalista (ANI), a Associação Nacional Alemã de Comerciários Empregados (DHV) e o Partido Nacional da Alemanha Popular (DNVP). Precedência ao fascismo moderno pode ser visto na cultura e governo das nações mais antigas baseadas na alta cultura, lei e ordem, do Império Romano e o Ancien regime da Europa.
Historicamente a Europa viveu a década de 1930 sob a presença do fascismo, doutrina política de extrema-direita, que teve início na Itália e se estendeu por boa parte do continente. As causas foram: a profunda crise econômica iniciada em 1929, que gerou recessão mundial e proletarização das camadas médias; o abuso dos vencedores da 1ª grande guerra (1914-18) sobre a Alemanha derrotada (Tratado de Versalhes). A geração do medo do chamado “perigo vermelho” após a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e a perda de confiança de parte das sociedades nas instituições liberais e democráticas. Enfim, a propaganda dirigida às massas, visando despertar o sentimento patriótico, o culto ao chefe, a disciplina, o respeito à hierarquia. A educação dirigida nas escolas controladas para a disciplina, a obediência e o amor à pátria.
                                  
                                           
                              Gabriele d'Annunzio in 1921, an Italian nationalist is considered a proto-fascist.
 
A ideologia fascista (cf. Braga, 2004) ancorar-se em três características humanas omnipresentes: o medo, o fanatismo e a intolerância. É um fenômeno político e discursivo (propaganda) deste século e cuja formulação definitiva talvez não possa se dar como concluída. Ela tem-se estabelecido pela tese autoritária: “Crer e não pensar”; “trabalhar e não refletir”; “obedecer e não discutir”. Surgiu em torno de 1890 na Europa ocidental como “eclipse da razão”, segundo Max Horkheimer. Georg Lukács, no “livro Destruição da Razão”, ou, Hannah Arendt, em “Eichmann em Jerusalém - Um Relato Sobre a Banalidade do Mal”, fizeram como filósofos, uma análise histórico-crítica esclarecedora a respeito. Temos aí o conceito de “autoridade irracional”, que poderia ser caracterizado como o poder sobre o povo, logrado sobre a base do terror, onde a crítica está proibida, e  existe uma absoluta desigualdade entre os membros da comunidade.
Metodologicamente o nazismo é frequentemente considerado por historiadores, sociólogos e analistas políticos como uma “derivação” do fascismo. Mesmo incorporando elementos comuns tanto da direita política, quanto da esquerda política, o nazismo é considerado de fato como ideologia de extrema direita, formando um dos vários grupos históricos que utilizaram o termo “nacional-socialismo” para egocentricamente “descreverem a si mesmo” e, na década de 1920, tornarem-se o maior grupo da Alemanha. O ideal do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista) são expressos no seu “Programa de 25 Pontos”. Entre os elementos-chave para interpretação histórica, teórica e ideológica do nazismo, há o antiparlamentarismo, o pangermanismo, o racismo, o coletivismo, a eugenia, o antissemitismo/antijudaísmo, o anticomunismo, o totalitarismo e a oposição assimétrica ao liberalismo econômico e político, situando-se entre a clássica dicotomia “esquerda” versus “direita”; na direção filosófica e política de uma nova síntese dinâmica entre, os valores da tradição, honra, senso de dever, disciplina, abnegação, coragem e ascetismo, e a constelação de perspectivas ideológicas, referidas à dualidade estrutural cujo sentido de gravidade se estabelece a partir da rejeição radical do liberalismo e do capitalismo.
Justamente graças ao seu pensamento independente, a conhecida expressão: “Theorie der totalen Herrschaft”, de seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre, Hannah Arendt tem um papel central nos debates contemporâneos. Como fontes metodológicas em torno de suas indagações Arendt utiliza, além de documentos filosóficos, no sentido que Hans-Georg Gadamer nos adverte políticos e históricos, biografias e obras literárias. Esses textos são interpretados de forma literal e confrontados com o pensamento de Hannah Arendt. Seu sistema de análise - parcialmente influenciado pela hermenêutica filosófica de Martin Heidegger, a converte em uma pensadora original situada em diferentes campos de conhecimento e especialidades metodológicas acadêmicas. Seu devenir e seu pensamento demonstram um importante grau de coincidência, mas também de autonomia relativa das instâncias ou níveis de análise da realidade social e independência de raciocínio. O paradoxo de consequências não-intencionais constatado no plano global que constitui a coexistência da homogeneização e dos particularismos é encontrado também no plano local que tem por campo de ação o planeta no seu conjunto, considerado como um mercado, uma zona de extensão, um local de concorrência ou de parceria, apesar de coexistirem de maneira espetacular diferentes origens, línguas e culturas.
A particularidade diz respeito ao fato de saber o que acontece com nossa relação com o real quando mudam as condições da simbolização. Daí a importância de se compreender e descreve e explicar no campo da imagem, de sua produção, recepção, influência, de sua relação com o sonho, o devaneio, a criação e a ficção, a substituição das mediações complexas pelos meios de comunicação, posto que contenha em si uma possibilidade de violência, que hoje afeta, contamina e penetra a vida social. A sociologia não confunde a prática dos rituais com seu sentido. Seria preciso mencionar, assim,  todos os casos de ficcionalização do real, dos quais a televisão é um instrumento essencial, e que correspondem a uma verdadeira revolução, a partir do momento em que não é mais a ficção que imita o real, mas o real que reproduz a ficção. Essa ficcionalização liga-se, antes de tudo, à extrema abundância de imagens e à abstração do olhar que a precede. A imagem televisiva equaliza os acontecimentos sem poder jogar, como a imprensa escrita, com a paginação e a diferença de caracteres: as imagens se sucedem ininterruptamente. Constatamos simplesmente que a fronteira entre real e ficção, imaginário e sociedade se faz menos nítida e que o autor, mesmo que exista, está ausente da consciência do telespectador. Outros sinais indicam que a ficcionalização do mundo está a caminho e que ela não passa unicamente pela imagem.



No filme: “The Boy in the Striped Pyjamas” o menino aparentava ter medo e ao mesmo tempo admiração pelo pai, por ser autoritário na vida familiar e político-militar. A corrupção da consciência, fenomenologicamente falando, no sentido que emprega Merleau-Ponty funciona como a “essência da consciência para o mal”, ou, “essência da percepção para o mal”, posto que: a consciência só começa a serem determinando um objeto, e mesmo os fantasmas de uma “experiência interna” só é possível por empréstimo à experiência externa. Portanto, não há vida privada da consciência. A consciência só tem como obstáculo o caos, que não é nada. Mas em uma consciência que constitui tudo, ou, antes, que possui eternamente a estrutura inteligível de todos os seus objetos, assim como na consciência empirista que não constitui nada, a atenção permanece um poder abstrato, ineficaz, porque ali ela não tem nada para fazer. A amizade pura, livre e desinteressada dos meninos Bruno e Shmuel mostrou o mundo onde os preconceitos de diversidades, sejam eles de qualquer categoria, credo, classe social, ou cor, esmagam a esperança e a vontade de se conviver em paz.
A consciência não está menos intimamente ligada aos objetos em relação aos quais ela se distrai do que aqueles aos quais ela se volta. O filme foi baseado no best-seller homônimo de John Boyne. Diferente do seu processo de criação normal, Boyne declarou que escreveu a primeira versão do livro em apenas dois dias e meio. O campo de concentração no qual o pai de Bruno trabalha não é nomeado, mas os especialistas dizem ser possível reconhecê-lo como o campo de Auschwitz pela presença de quatro crematórios na composição do cenário.  - “Auschwitz I, o principal campo do complexo de Auschwitz, foi a primeira das unidades a serem estabelecidas, nas proximidades da cidade polonesa de Oswiecim. Sua construção teve início em maio de 1940, em um quartel de artilharia usado anteriormente pelo exército polonês na região de Zasole, subúrbio de Oswiecim. O campo foi se expandindo continuamente por meio de trabalho escravo. A câmara improvisada estava localizada no porão da prisão (Bloco 11). Mais tarde, uma câmara de gás fixa foi construída dentro do crematório”. A propaganda nazista do campo de concentração que aparece no filme foi baseada em um vídeo originalmente rodado em 1941, produzido pelos ideólogos nazistas. 
 
Bibliografia geral consultada:

ARENDT, Hannah, L` Impérialisme. Les origines du totalitarisme. Paris: Éditions du Seuil, 1980; Idem, Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1999; BECKER, Sergio, A Fantasia da Eleição Divina: Deus e o Homem. Rio de Janeiro: Editora Companhia de Freud, 1999; KONDER, Leandro, Introdução ao Fascismo. Rio de Janeiro: Graal Editor, 1977; Idem, A Questão da Ideologia. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2002; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Ideologia Fascista“. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 4 de dezembro de 2004; BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edição. Espanha: Fondo de Cultura, 1999; Idem, O Filósofo e a Política. 1ª edição. São Paulo: Contraponto Editor, 2003; Idem, Il Futuro della Democrazia. 1ª ed. Itália: Einaudi Editore, 2005; BOIX, Charles & SPACKMAN, Barbara, Fascist Virilities: Rhetoric, Ideology, and Social Fantasy in Italy. Paperback, february 1, 2008; CAREY, John, “Ingeniería Electoral: qué nos Muestran las Investigaciones Académicas sobre los Efectos Anticipados de las Reformas Electorales?”. In: Arturo Fontaine; Cristián Larroulet; Jorge Navarrete e Ignacio Walker (Orgs.), Reforma del sistema Electoral chileno. 1ª edição. Santiago: PNUD, 2009; FIUZA, Guilherme, Não é A Mamãe: Para Entender A Era Dilma. Rio de Janeiro: Editora Record, 2014; Idem, “Pixuleco 171, O Herói Inflável“In: Época, 24 de agosto de 2015, página 26; entre outros. 
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