sábado, 15 de outubro de 2016

Florbela Espanca – Cinema, Questão do Incesto & Suicídio Egoísta.

                                                                                      Ubiracy de Souza Braga*

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior”. Florbela Espanca
 
   
       Florbela Espanca foi uma poetisa portuguesa, autora de sonetos e contos na literatura de Portugal. Foi uma primeira feminista de Portugal. Sua poesia é conhecida por um estilo peculiar, com forte teor emocional, onde o sofrimento, a solidão, e o desencantamento estão aliados ao desejo e a dor de ser feliz. Nasceu na vila de Viçosa, Alentejo Portugal, no dia 8 de dezembro de 1894. Filha de Antónia da Conceição Lobo, que faleceu em 1908. Florbela é então educada pela madrasta Mariana e pelo pai, João Maria, que só a reconheceu como filha depois de sua morte. Estudou no Liceu, em Évora, concluindo o curso de Letras. Seu primeiro poema é escrito em 1903: “A Vida e a Morte”. Atuou como jornalista na publicação “Modas & Bordados” e “Voz Pública”, de Évora. Em 1913, casa-se com Alberto Moutinho, colega de escola. Conheceu outros poetas e participou politicamente de um grupo de escritoras. Em 1917, Florbela foi a primeira mulher a ingressar no conservador curso de Direito da Universidade de Lisboa. Seus poemas foram quase todos escritos em sonetos, e três de suas obras tornaram-se reconhecidas. Florbela concluiu o curso de Letras, e frequentou Direito em Lisboa, casou-se três vezes. Tentou três vezes o suicídio. Era muito próxima de seu irmão mais novo que, após morrer, deixou-a em profunda depressão.
Metodologicamente o panteísmo popularizou-se na modernidade como teologia e filosofia baseada na obra de Bento de Espinosa, o tratado filosófico: Ética, uma resposta à teoria que se tornou famosa na concepção de René Descartes sobre a dualidade do corpo e do espírito. Durante muito tempo os filósofos ocidentais explicaram o ser humano como composto de duas partes diferentes e separadas: o corpo (material) e a alma (espiritual e consciente). Espinosa, por exemplo, declarou que ambos eram a mesma coisa, e este monismo terminou transformando uma qualidade fundamental de sua filosofia. Ele usava a palavra “Deus” para descrever e explicar a unidade de qualquer substância. Embora o panteísmo não tivesse sido inventado durante seu tempo de vida, hoje Espinosa é considerado um dos mais célebres defensores desta crença. O panteísta é aquele que acredita e/ou tem a percepção da natureza e do Universo como divindade. O panteísta  representa a crença de que absolutamente tudo e todos compõem um Deus abrangente, e imanente, ou que o Universo (ou a Natureza) e Deus são idênticos. Não vê a Ciência de maneira diversa do ateu, não atribuindo a nenhuma divindade fatos, enquanto a origem do universo, da vida e da espécie humana.  

                         
Deus, através da representação do panteísmo é todo o Universo. O seu templo é qualquer lugar e sua lei é a Naturwissenschaften, a lei natural. Todos os templos autênticos envolvem um simbolismo cósmico. Neste sentido, é o condicionamento do mundo divino, a habitação de Deus sobre a terra, o lugar da presença real. É o resumo do macrocosmo e também a imagem do microcosmo, no sentido configurado de que o corpo é o templo do Espírito Santo. Algumas tradições religiosas mais difundidas no Ocidente dedicam nomes específicos para seus templos. Outras, como no caso da Igreja de Jesus Cristo, dão o nome de Templo para referir-se ao conceito/categoria que tinha na Antiguidade, por tratarem efetivamente de templos equivalentes no simbolismo arquitetônico e, analogamente, no propósito da Antiguidade como o “Templo de Salomão”, ou, na análise comparada Cuzco, que significa “umbigo do mundo”, situada no sudeste do Vale de Huatanay ou Vale Sagrado dos Incas, na região dos Andes, denominada Vale Sagrado dos Incas, se prolonga por mais de 100 km, sendo extremos as cidades de Pisac e Machu Picchu, e numerosos povos, entre eles Ollantaytambo, e centros administrativos que testemunham sua milenar origem indígena.
          Se encontra a uma altura média de 2800 metros sobre o nível do mar, e apresenta condições excepcionais, tais como um clima benéfico (18º C de temperatura média anual), rica flora e fauna, terra fértil e inumeráveis riachos que, nascendo das cordilheiras nevadas que o rodeiam, se precipitam em cachoeiras por entre os bosques nativos mais altos do mundo (4200 metros de altitude), provendo-o de abundante água e alimentando o rio sagrado. Vale uma digressão. É a capital do departamento de Cuzco e da província de Cuzco. A cidade de Cuzco está situada a 3400 metros acima do nível do mar. Era o mais importante centro administrativo e cultural do Tahuantinsuyu, ou Império Inca. Em Antropologia se atribui a fundação de Cuzco ao Inca Manco Capac no século XI ou XII. As paredes de granito do palácio inca ainda estão lá, bem como monumentos como o Korikancha, ou Templo do Sol. Com do império, em 1532, Francisco Pizarro invadiu e saqueou a cidade. A maioria dos edifícios incas foi destruída a mando do imperialista espanhol, com apoio de igrejas cristãs. Centros do mundo encontraram-se na Índia, em Angkor (Java), representações do monte Meru, a um só tempo, o eixo e o centro do mundo. Todos são representações na vida. A maioria dos edifícios construídos depois da conquista é de influência espanhola com uma mistura de arquitetura inca, inclusive a igreja de Santa Clara e San Blas. São justapostos edifícios sobre as volumosas paredes de pedra construídas arquitetonicamente em função da sabedoria pelos incas.  Autora polifacetada: escreveu poesia, contos, um diário e epístolas; traduziu vários romances e colaborou ao longo da sua vida em revistas e jornais de diversa índole, Florbela Espanca antes de tudo é poetisa.   
É à sua poesia quase sempre em forma de soneto que deve a fama e o reconhecimento social. A temática abordada é principalmente amorosa. Portanto, o que preocupa mais a autora são o amor e os ingredientes que romanticamente lhe são inerentes: solidão, tristeza, saudade, sedução, desejo e morte. A sua obra abrange também poemas de sentido patriótico, inclusive alguns em que é visível o seu patriotismo local: o soneto “No meu Alentejo” é uma glorificação da terra natal da autora. Somente duas antologias, o Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923), foram publicadas em vida. Mas, Charneca em Flor (1931), Juvenília (1931) e Reliquiae (1934) foram publicadas após o seu falecimento. A obra poética de Florbela foi reunida por Guido Battelli num volume chamado Sonetos Completos, publicado pela primeira vez em 1934. Em quatro décadas tinham saído 23 edições do livro (1978). As peças anteriores às primeiras publicações da poetisa foram reconstituídas por Mária Lúcia Dal Farra, que em 1994, editou o texto de Trocando Olhares. A prosa de Florbela exprime-se através do conto, em que domina a figura do irmão da poetisa, de um diário, que antecede a sua morte, e em várias cartas: algumas de natureza familiar, outras tratam de questões relacionadas com a sua produção literária, quer num sentido interrogativo quanto à sua qualidade, quer quanto a aspetos mais práticos, como a sua publicação. Outras sobressaem qualidades que nem sempre estão presentes na restante produção em prosa - naturalidade e simplicidade.  
Minha alma de sonhar-te, anda perdida/Meus olhos andam cegos de te ver/Não és sequer a razão do meu viver/Pois que tu és já toda minha vida/Não vejo nada assim, enlouquecida,/Passo no mundo meu amor a ler/O misterioso livro do teu ser,/A mesma história tantas vezes lida/Tudo no mundo é frágil, tudo passa.../Quando me dizem isso toda a graça/Tua boca divina fala em mim/E olhos postos em ti, digo de rastros: Podem voar mundos, morrer astros/Que tu és como um Deus, princípio e fim/Eu já te falei de tudo, mas tudo isto é pouco/diante do que sinto (Florbela Espanca). 
A importância de Florbela Espanca para a poesia portuguesa e para a démarche do papel da mulher em Portugal em pleno início do século XX é extraordinária. Poetisa de vida curta, plena e sofrida, Florbela Espanca teve sua imagem ressignificada pelo tipo de ideologia política que tomaria fortemente Portugal após o início da década de 1930, com a ascensão de Antônio de Oliveira Salazar (1889-1970) ao poder. O Salazarismo representa uma ideologia política. É uma das denominações aplicadas ao “Estado Novo” português (1933-1974), regime político que pôs fim ao liberalismo em Portugal e inaugurou um período histórico de 41 anos de poder com aspectos fascistas, autocrata e corporativista, nos 35 anos sob seu comando. Baseado no integralismo lusitano, bem como no fascismo italiano e na doutrina social da Igreja, o salazarismo se constituiu como um regime peculiar de interpelação do indivíduo constituindo-o em sujeito na história que se aproximava do modus operandi do caudilhismo de Getúlio Vargas e/ou de Juan Perón, na Argentina. Representou um regime autoritário e corporativista de Estado vigorando  durante 41 anos ininterruptos, desde a aprovação da Constituição de 1933 até sua queda pela Revolução de 25 de Abril de 1974.
        O primeiro sistema penal da humanidade, diria Foucault, surge enlaçado com o tabu. A condenação cerimonial provinda do tabu, muitas vezes está eivada de tal brutalidade que se reveste de um caráter de selvageria e irracionalidade. Contudo, para Freud, determinados tabus, nos parecem racionais, pois tendem a impor abstenções e privações, e ainda, faz-se necessário compreender que os deuses e os demônios temidos pelo homem são criações das forças psíquicas do mesmo. Deste modo, a psicanálise estuda o conteúdo do inconsciente contido na “construção” cultural do tabu, traduzido para a análise do homem contemporâneo e a conservação do tabu através das instituições pessoas e relações. O homem cria para si mesmo “proibições-tabus” que as observa tão rigorosamente como o selvagem às restrições de sua tribo ou de sua organização social. Os tabus são proibições antiquíssimas impostas historicamente no imaginário social desde o exterior a uma geração de homens que, quiçá inculcadas por gerações anteriores passadas, por culturas e herança psíquica. As proibições de tabu, mais antigas e importantes, aparecem nas leis fundamentais do totemismo. Freud insiste na  hipótese de que estes devem ser os desejos e os prazeres mais antigos do homem.
A dialética surge quando sentimos os desejos inconscientes como impulsos conscientes. Para Freud a proibição do incesto está determinada pela cultura e pela vida psíquica. Esta relação direciona suas investigações, imputando ao necessário estudo da vida psíquica dos povos selvagens e “semisselvagens”, sendo uma fase anterior, mas que se conserva no processo de desenvolvimento humano. Assim sendo, estabelece do ponto de vista da análise comparada um parâmetro entre a psicologia dos povos primitivos tal como a etnografia nos demonstra e a psicologia do neurótico, tal como surge nas investigações psicanalíticas, descobrindo entre ambas numerosos nexos comuns. Freud pesquisa os povos aborígines australianos, São povos que impõem a mais rigorosa interdição às relações sexuais incestuosas. Suas regras e normas se estabeleciam através do sistema totêmico, que divide sua sociedade em clãs, e cada clã tem seu totem. Este totem pode ser um animal comestível, ora inofensivo, ora perigoso, temido e, mais raramente pode vir a ser uma planta ou uma força natural como a chuva ou a água que se acha em relação particular com o grupo. O totem no âmbito etnográfico  tem representação num antepassado do grupo/clã e seu espírito protetor, o seu benfeitor.
          Para a análise de Freud  a proibição do incesto está determinada e revela-se de forma biunívoca pela cultura e pela vida psíquica. Esta relação direciona suas investigações, imputando ao necessário estudo da vida psíquica dos povos selvagens e semisselvagens, sendo uma fase anterior, mas que se conserva no processo de desenvolvimento humano. Assim sendo, estabelece uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos tal como a etnografia nos mostra e a psicologia do neurótico, tal como surge nas investigações psicanalíticas, descobrindo entre ambas numerosos nexos comuns. Freud pesquisa os povos aborígines australianos, São povos que impõem a mais rigorosa interdição às relações sexuais incestuosas. Suas regras e normas se estabeleciam através do sistema totêmico, que divide sua sociedade em clãs, e cada clã tem seu totem. Este totem pode ser um animal comestível, ora inofensivo, ora perigoso, e, mais raramente pode ser uma planta ou uma força natural como a chuva ou a água que se acha em relação particular com o grupo. O totem é  um antepassado do grupo/clã e seu espírito protetor, o seu benfeitor.
           O salazarismo é doutrinário politicamente, mas sociologicamente é positivista e normativo. Enquanto ideologia política caracterizou-se, pelo seu teor nacionalista, tradicionalista, corporativista, autoritário, antidemocrático, colonialista, anticomunista e antiparlamentarista. Apesar de existirem um Parlamento e uma Assembleia Nacional, era o Presidente do Conselho de Ministros quem centralizava os poderes: executivo e legislativo. Vale ressaltar também a aproximação do Estado Novo com a Igreja Católica colonialista, bem como do esforço do Estado português também colonialista em manter suas empresas do Ultramar. Suas fraquezas pessoais foram aumentadas e alguns comportamentos reinterpretados para mostrar às  lusitana que tipo de mulher as portuguesas salazaristas não deveriam ser. É nessa encruzilhada que o filme de Vicente Alves do Ó, Perdidamente Florbela (2012), faz um recorte, extemporâneo da vida de Florbela Espanca. No cinema existem coisas que podem fugir daquilo que o gênero exige. Ipso facto, no caso de Florbela, à exceção da infância, não há indicação, estética ou narrativa da escritora.
        Historicamente há dois tipos de causas extrasociais às quais se pode atribuir a priori uma influência sobre a taxa de suicídios: as disposições orgânico-psíquicas e a natureza do meio físico. Poderia ocorrer que, na constituição individual ou pelo menos, na constituição de uma classe importante de indivíduos, houvesse uma propensão, de intensidade variável conforme os países, que arrastasse diretamente o homem ao suicídio; por outro lado, o clima, a temperatura, etc., poderiam pela maneira como agem sobre o organismo, ter diretamente os mesmos efeitos. As hipóteses originais sustentadas por Émile Durkheim e validadas para os dias atuais com a incidência recorrente e típica de suicídios é que grande número de mortes voluntárias não entram em nenhuma dessas categorias; tendo motivos que não deixam de ter fundamento na realidade.
          Não se pode, portanto, sem fazer mau uso das palavras, considerar todo suicida um “louco”. Mas de todos os suicídios o que pode parecer mais difícil de discernir do que se observam nos homens são os de espírito melancólico; pois, com muita frequência, o homem normal que se mata também se encontra num estado de abatimento e de depressão, exatamente como o alienado. Mas sempre há entre eles a diferença essencial de que o estado do primeiro e o ato resultante dele não deixam de ter causa social objetiva, ao passo que, no segundo, não têm nenhuma relação com as circunstâncias exteriores. Para Durkheim, nas situações de degredo, como ocorre nas prisões e nos regimentos há um estado coletivo que inclina os soldados e os detentos ao suicídio diretamente quanto o pode fazer a mais violenta das neuroses. O exemplo é a causa ocasional que faz manifestar-se o impulso; mas não é aquele que o cria, e, se o impulso não existisse, o exemplo seria inofensivo. Uma observação pode servir de corolário a essa conclusão. O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, fundador do Partido dos Trabalhadores que a declarar que jamais se suicidaria. -  “A partir de agora, se me prenderem, eu viro herói. Se me matarem, viro mártir. E se me deixarem solto, viro presidente de novo”. Não, o ex-presidente passou 580 dias na prisão do TRF-4, nomeados pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal.
              É evidente que o filme se passa em meses distintos, provável do final de 1926 a final de 1927. As cenas e os momentos históricos vão surgindo na tela para quem é familiarizado com o tema, o que fica evidente sobre o teor dramático, o conteúdo e a essência da oba que compreende o período de “bloqueio criativo” da poetisa. Apesar de estar pautado na sugestão visual, o enredo pende mais para um efetivo incesto, em elipse, o que é praticamente a afirmação central da ideologia nazi- salazarista sobre Florbela Espanca. Isto é importante na medida de apropriação real das condições e possibilidades do incesto alardeado em Portugal até a era machista de Marcelo Caetano. Pretende-se denegrir a imagem da poetisa e não o tabu na vida da escritora portuguesa já que o cineasta não se mostra tão livre de pensamento. Não seria interessante que ele trabalhasse de verdade essa questão, embora não o vejamos na tela? Florbela Espanca suicidou-se (cf. Durkheim, 2011) com o uso de barbitúricos, no dia de seu aniversário, em Matozinhos, Portugal, no dia 8 de dezembro de 1930, às vésperas da publicação da obra prima Charneca em Flor, que só foi publicada em janeiro de 1931. Trata-se, sem dúvida, do livro em que Florbela que melhor consegue condensar as suas vivências, passando-as à poesia como nunca o fizera antes. É em Charneca em Flor que melhor se define a sua sensibilidade. Considerado como o seu livro mais sincero, é nele que Florbela retrata a fase mais difícil e pessoal da sua vivência como poetisa, e presta homenagem à sua terra natal.
 Contudo, segundo biógrafos como Agustina Bessa Luís ou Maria Alexandrina, não existiu, na realidade qualquer tipo de relacionamento incestuoso entre Florbela e o irmão Apeles. O fato de ser como irmã que Florbela se entrega mais profundamente, deve-se, no fundo, a Florbela ter tentado ser, mais do que uma irmã e confidente, “uma Mãe para Apeles”. Apeles nasce a 10 de março de 1897, sendo também filho de Antônia da Conceição Lobo, a mãe de Florbela que o pai novamente procurou para ter outro filho. Só que, ao contrário de Florbela, este vive com a Mãe até aos quatro anos, quando esta vai para Évora e o pequeno passa a viver com os Espanca. Pouco depois, Antônia falece, e Florbela sente-se obrigada a preencher o lugar desta e a proteger o pequeno Apeles. Maria Alexandrina, em “A Vida Ignorada de Florbela Espanca”, critica duramente esta ideia, falando de um amor tão raro que “mais tarde criaturas sem alma tentam enegrecer”. Foi uma extraordinária poetisa portuguesa, autora de sonetos e contos importantes na literatura de Portugal. Foi uma das primeiras feministas de Portugal. Sua poesia é reconhecida por um estilo peculiar, com forte teor emocional, onde o sofrimento, a solidão, e o desencanto estão aliados ao desejo de ser feliz, guardadas as proporções em relação à formação de Adelaide Cabete (1867-1935), médica, identificada como uma das precursoras do feminismo português; Maria Veleda (1871-1955), professora; e Maria Antónia Palla (1933-), jornalista feminista pioneira na imprensa diária na década de 1950.

Denomina-se como literatura portuguesa toda produção literária escrita em língua portuguesa por escritores portugueses. Por literatura lusófona, compreende-se toda  produção em língua portuguesa de diferentes países de cultura lusófona, entre eles o Brasil. Literatura brasileira e literatura portuguesa estabelecem uma enorme relação dialógica, visto que as primeiras manifestações de nossa literatura ocorreram durante o período colonial. Para compreender a literatura brasileira, sua história e origens, é imprescindível reconhecer as origens da literatura portuguesa, que influenciou e ainda influencia nossa produção literária. Com origens no século XII teve seus primeiros registros em galego-português, haja vista a integração cultural e linguística entre Portugal e Galícia, região na península Ibérica que posteriormente passou a pertencer ao território colonialista espanhol. A princípios do século XX surgiu o grupo da Renascença Portuguesa, em torno da revista A Águia, e ao redor do qual se integrava o movimento reconhecido como Saudosismo, nostálgico e de caráter subjetivo, e cujo máximo representante fora o poeta Teixeira de Pascoaes.

No entanto, o grande poeta de começos do século é Fernando Pessoa, quem não atingiu um grande sucesso em vida, mas que depois de sua morte tem passado a ser considerado a par de Camões como o melhor poeta português de todos os tempos. Sua obra poética baseia-se na invenção de diferentes vozes poéticas ou heterónimos: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Bernardo Soares, entre outros, a cada um deles com uma personalidade e um estilo poético próprios. Outro poeta desta época, que compartilhou páginas com Pessoa na revista modernista Orpheu foi Mário de Sá-Carneiro, poeta que se suicidou em Paris em 1916. José Régio sobressaiu como poeta e dramaturgo. A princípios dos anos 1970, em plena ditadura, publicaram-se uma série de obras em prosa e em verso de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa que publicaram uma grande polêmica, devido ao seu conteúdo erótico e feminista; sua publicação foi proibida, e só puderam reimprimir-se depois da queda da ditadura. Outra poetisa destacada foi Sophia de Mello Breyner Andresen, autora de uma obra poética. Nos últimos anos do século 20 e do 21, a literatura portuguesa em prosa tem demonstrado grande vitalidade, graças a escritores como António Lobo Antunes e o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, autor das novelas Ensaio sobre a Cegueira, O Evangelho segundo Jesus Cristo ou A Caverna, mas que não trataremos agora.

Uma formação de atividade generalizada que tomou lugar na vida social não pode, evidentemente, permanecer tão desregulamentada, em seu desempenho e atividade, sem que disso resulte os impactos sociais sobre a divisão do trabalho e as mais profundas perturbações. Mas sofrer no trabalho não é uma fatalidade. É, em particular, como decorre e testemunhamos, uma fonte de desmoralização geral real. Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem o maior número de cidadãos, para o pleno desenvolvimento da vida social, há uma multidão de indivíduos, como dizia Freud, cuja vida transcorre quase toda no meio industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal meio é pouco marcado pela moralidade, a maior parte da existência transcorre fora de toda e qualquer ação moral. A tese funcionalista expressa na pena de Émile Durkheim, como uma espécie de antídoto da civilização, e que o sentimento do dever cumprido se fixe fortemente em nós, é preciso que as próprias circunstâncias em que vivemos permanentemente desperto. A atividade de uma profissão só pode ser regulamentada eficazmente por “um grupo próximo o bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas”. O único grupo que corresponde a essas condições é o que seria formado por todos os agentes de uma mesma condição reunidos num mesmo corpo. E que a sociologia durkheimiana conceitua de corporação ou grupo profissional. É na ordem econômica que o grupo profissional existe tanto quanto a moral profissional. Desde que, não sem razão, com a supressão das antigas corporações, não se fizeram mais do que tentativas fragmentárias e incompletas para reconstituí-las em novas bases sociais.   

Os únicos agrupamentos dotados de permanência são os que se chamam sindicatos, seja de patrões, seja de operários. Historicamente, temos aí in statu nascendi o começo e o princípio ético de uma organização profissional, mas ainda de forma rudimentar. Isto porque, em primeiro lugar, um sindicato é uma associação privada, sem autoridade legal, desprovida, por conseguinte, de qualquer poder regulamentador. O número deles é teoricamente ilimitado, mesmo no interior de uma categoria industrial; e, como cada um é independente dos outros, se não se constituem em federação e se unificam, não há neles nada que exprima a unidade da profissão em seu conjunto de práticas e saberes sociais. Não só os sindicatos de patrões e de empregados são distintos uns dos outros, o que é legítimo e necessário, como não há entre eles contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime sem fazê-los perder sua individualidade e na qual possam elaborar em comum uma regulamentação que, estabelecendo suas relações mútuas, imponha-se a ambas as partes com a mesma autoridade; por conseguinte, é sempre a “lei dos mais forte” que resolve os conflitos, e o estado de guerra subiste inteiro. Salvo no caso de seus atos pertencentes à esfera moral comum estão na mesma situação. A tese sociológica é a seguinte: para que uma moral e um direito profissionais possam se estabelecer nas diferentes profissões, é necessário, pois, que a corporação, em vez de permanecer um agregado confuso e sem unidade, se torne, ou antes, volte a ser, um grupo definido, organizado, uma instituição pública. A primeira observação familiar da crítica de Émile Durkheim, é que a corporação tem contra si seu próprio passado histórico. De fato, ela é tida como intimamente solidária do antigo regime político e, por conseguinte, como incapaz de sobreviver a ele.

Na história da filosofia, o que permite considerar de fato as corporações uma organização temporária, boa apenas para uma época e uma civilização determinada, é, ao mesmo tempo, sua grande antiguidade e a maneira como se desenvolveram na história. Se elas datassem unicamente da Idade Média, poder-se-ia crer, de fato que, nascidas com um sistema político, deviam necessariamente desaparecer com ele. Mas, na realidade, têm uma origem bem mais antiga. Em geral, elas aparecem desde que as profissões existem, isto é, desde que a atividade deixa de ser puramente agrícola. Se não parecem ter sido conhecidas na Grécia, até o tempo da conquista romana, é porque os ofícios, sendo desprezados, eram exercidos exclusivamente por estrangeiros e, por isso mesmo, achavam-se excluídos da organização legal da cidade. Mas em Roma, comparativamente, elas datam pelo menos dos primeiros tempos da República; uma tradição chegava até a atribuir sua criação ao rei Numa, um sabino escolhido como segundo rei de Roma. Sábio, pacífico e religioso, dedicou-se a elaboração das primeiras leis de Roma, assim como dos primeiros ofícios religiosos da cidade e do primeiro calendário. É verdade que, por tempo, elas tiveram de levar uma existência bastante humilde, pois os historiadores sociais e os monumentos só raramente as mencionam; não sabemos muito bem como eram organizadas em seus detalhes minudentes. Desde de Cícero, sua quantidade tornara-se considerável e elas começavam a desempenhar um papel: diz J.-P Waltzing “todas as classes de trabalhadores parecem possuídas pelo desejo de multiplicar as associações profissionais” (cf. Durkheim, 2010).  

Mas o caráter desses agrupamentos se modificou; eles acabaram tornando-se “verdadeiras engrenagens da administração”. Desempenhavam funções oficiais; cada profissão era vista como um serviço público, cujo encargo e cuja responsabilidade ante o Estado cabiam à corporação correspondente. Foi a ruína da instituição. Porque, segundo Durkheim, essa dependência em relação ao Estado não tardou a degenerar numa servidão intolerável que os imperadores só puderam manter pela coerção. Todas as sortes de procedimentos foram empregadas para impedir que os trabalhadores escapassem das pesadas obrigações que resultavam, para eles, de sua própria profissão. Evidentemente, tal sistema de trabalho só podia durar enquanto o poder político fosse o bastante para impô-lo. É por isso que ele não sobreviveu à dissolução do Império. Aliás, as guerras civis e as invasões haviam destruído o comércio e a indústria; os artesãos aproveitaram essas circunstâncias para fugir das cidades e se dispersar nos campos. Assim, os primeiros séculos de nossa era viram produzir-se um fenômeno que devia se repetir tal qual no fim do século XVII: a vida corporativa se extinguiu quase por completo. Mal subsistiram alguns vestígios seus, na Gália e na Germânia, nas cidades de origem romana. Portanto, naquele momento, um teórico tivesse tomado consciência da situação, teria provavelmente concluído, como o fizeram mais tarde os economistas, que as corporações não tinham, ou, em todo caso, não tinham mais razão de ser, que haviam desaparecido irreversivelmente, e sem dúvida teria tratado de retrógrada e irrealizável toda tentativa de reconstituí-las. Os acontecimentos desmentiriam uma tal profecia. De fato, após um “eclipse da razão” de algum tempo caminhando para os nossos dias, as corporações recomeçaram nova existência em todas as sociedades europeias.

Elas renasceram por volta dos séculos XI e XII. Desde esse momento, diz Emile Levasseur, “os artesãos começam a sentir a necessidade de se unir e formam suas primeiras associações”.  Em todo caso, no século XII, elas estão outra vez florescentes e se desenvolvem até o dia em que começa para elas uma nova decadência. Uma instituição tão persistente assim não poderia depender de uma particularidade contingente e acidental; muito menos ainda é possível admitir que tenha sido o produto de não sei que “aberração coletiva”. Se, desde a origem da cidade até o apogeu do Império, desde o alvorecer das sociedades cristãs aos tempos modernos, elas foram necessárias, é porque correspondem a necessidades duradouras e profundas. Sobretudo, vale lembrar que o próprio fato de que, depois de terem desaparecido uma primeira vez, reconstituíram-se por si mesmas e sob uma nova forma, retira todo e qualquer valor ao argumento que apresenta sua desaparição violenta no fim do século passado como uma prova de que não estão mais em harmonia com as novas condições de existência coletiva. A necessidade que todas as grandes sociedades civilizadas sentem de chamá-las de volta à vida é o mais seguro sintoma evidente dessa supressão radical não era um remédio e de que a reforma de Jacques Turgot requeria outra que não poderia ser indefinidamente adiada. Mas nem toda organização corporativa é anacronismo histórico. Acreditamos que ela seria chamada a desempenhar, nas sociedades contemporâneas, menos pelo papel considerável que julgamos indispensável, por causa não dos serviços econômicos que ela poderia prestar, mas da influência moral que poderia ter.  O que vemos antes de mais nada no grupo profissional é um poder moral capaz de conter os egoísmos individuais, de manter no coração dos trabalhadores um sentimento vivo de solidariedade comum, de impedir que a “lei do mais forte” se aplique de maneira brutal nas relações industriais e comerciais. 

Mas é preciso evitar estender a todo regime corporativo o que pode ter sido válido para certas corporações e durante um curto lapso de tempo de seu desenvolvimento. Longe de ser atingido por uma sorte de enfermidade moral devida à sua própria constituição, foi sobretudo um papel moral que ele representou e continua representando ainda, na maior parte de sua história. Isso é particularmente evidente no caso das corporações romanas. Sem dúvida, a associação lhes dava mais forças para salvaguardar, se necessário, seus interesses comuns. Mas era isso apenas um dos contragolpes úteis que a instituição produzia, lembra Durkheim: “não era sua razão de ser, sua função principal. Antes de mais nada, a corporação era um colégio religioso”. Cada uma tinha seu deus particular, cujo culto quando ela tinha meios, era celebrado num templo especial. Do mesmo modo que cada família tinha seu Lar familiaris, cada cidade seu Genius publicus, cada colégio tinha seu deus tutelar, Genius collegi. Naturalmente, o culto profissional não se realizava sem festas, que eram celebradas em comum sem sacrifícios e banquetes. Todas as espécies de circunstâncias serviam, aliás, de ocasião para alegres reuniões, além disso, distribuições de víveres ou de dinheiro ocorriam com frequência às expensas da comunidade. Indagou-se se a corporação tinha uma caixa de auxílio, se ela assistia regularmente seus membros necessitados, e as opiniões a esse respeito são divididas. Mas o que retira da discussão parte de seu interesse e de seu alcance é que esses banquetes comuns, mais ou menos periódicos, e as distribuições que os acompanharam serviam de auxílios e faziam não raro as vezes de uma assistência direta. Os infortunados sabiam que podiam contar com essa subvenção historicamente dissimulada. Como corolário do caráter religioso, curiosamente o colégio de artesãos era, ao mesmo tempo, um parti pris colégio funerário. Unidos, como gentiles, num mesmo culto durante sua vida, os membros da corporação queriam, como eles, dormir juntos seu derradeiro sono. 

A importância tão considerável que a religião tinha em sua vida, tanto em Roma quanto na Idade Média, põe particularmente em evidência a verdadeira natureza de suas funções; porque toda comunidade religiosa constituía, então, um ambiente moral, do mesmo modo que toda disciplina moral tendia necessariamente a adquirir uma forma religiosa. A partir do instante em que, no seio de uma sociedade política, certo número de indivíduos tem em comum ideias, interesses, sentimentos, ocupações que o resto da população não partilha com eles, é inevitável que, sob a influência dessas similitudes eles sejam atraídos uns para os outros, que se procurem, teçam relações, se associem e que se forme assim, pouco a pouco, um grupo restrito, com sua fisionomia especial da sociedade em geral. Porque é impossível que homens vivam juntos, estejam regularmente em contato, sem adquirirem o sentimento do todo que formam por sua união, sem que se apeguem a esse todo, se preocupem com seus interesses e o levem em conta em sua conduta. Enfim, basta que esse sentimento se precise e se determine, que, aplicando-se às circunstâncias mais ordinárias e mais importantes da vida, se traduza em fórmulas definidas, para que se tenha um corpo de regras morais em via de se constituir. Ao mesmo tempo que se produz por si mesmo e pela força das coisas, esse resultado é útil e o sentimento de sua utilidade contribui para confirma-lo. A vida em comum é atraente, ao mesmo tempo que coercitiva. Para o ponto de vista do método analítico durkheimiano, a coerção é necessária para levar o homem a se superar, a acrescentar à sua natureza física outra natureza; mas, à medida que aprende a apreciar os encantos dessa nova existência, ele contrai a sua necessidade e não há ordem de atividade que não os busque com paixão.

A moral doméstica não se formou de outro modo. Por causa do prestígio que a família conserva ante nossos olhos, parece-nos que, se e ela foi e é sempre uma escola de dedicação e de abnegação, o foco por excelência da moralidade, é em virtude de características bastante particulares que teria o privilégio e que não se encontrariam em ouro lugar em nenhum grau. Costuma-se crer que exista na consanguinidade uma causa excepcionalmente poderosa de aproximação moral. A prova está em que, num sem-número de sociedades, os não-consanguíneos são muitos no seio da família; o parentesco dito artificial se contrai então com grande facilidade e exerce todos os efeitos do parentesco natural. Inversamente, acontece com grande frequência consanguíneos bem próximos serem, moral ou juridicamente, estranhos uns aos outros; é, por exemplo, o caso dos cognatos na família romana. Portanto, a família não deve suas virtudes à unidade de descendência: ela é, simplesmente, um grupo de indivíduos que foram aproximados uns dos outros, no seio da sociedade política, por uma comunidade mais particularmente estreita de ideias, sentimentos e interesses. A consanguinidade pode ter facilitado essa concentração, pois ela tem por efeito natural inclinar as consciências umas em relação às outras. Outros fatores intervieram: a proximidade material, a solidariedade de interesses, a necessidade de união contra um perigo, ou simplesmente de se unir, foram causas mais poderosas de comunicação social no processo produtivo.

        Mas, para dissipar todas as suas prevenções, adverte Durkheim, para mostrar bem que o sistema corporativo não é apenas uma instituição do passado, seria necessário mostrar que transformações ele deve e pode sofrer para se adaptar às sociedades modernas, pois é evidente que ele não pode ser o que era na Idade Média. Para tanto, seriam necessários estudos comparativos que não estão feitos e que não podemos fazer de passagem. Talvez, porém, não seja impossível perceber desde já, mas apenas em suas linhas mais gerais, o que foi esse desenvolvimento. O historiador que empreende resolver em seus elementos a organização política dos romanos não encontra, no decurso de sua análise, nenhum fato que possa adverti-lo da existência das corporações. Elas não entravam na constituição romana, na qualidade de unidades definidas e reconhecidas. Em nenhuma das assembleias eleitorais, em nenhuma das reuniões do exército, os artesãos se reuniam por colégios, em parte alguma o grupo profissional tomava parte, como tal, na vida pública, seja em corpo, seja por intermédio de representantes regulares. No máximo, a questão pode se colocar a propósito de três ou quatro colégios quando se imaginou poder identificar com algumas das centúrias constituídas na imaginação socialmente por Sérvio Túlio, a saber: tignari (construtores de casas), aerari (corporação clerical), tibicines (monumento funerário), corporações cornicínes (espécie de pizza enrolada), mas o fato não está bem estabelecido.

Quanto às outras corporações, estavam certamente fora da organização oficial do povo romano. Ora, por muito tempo os ofícios não foram mais do que uma forma acessória e secundária da atividade social dos romanos. Roma era essencialmente uma sociedade agrícola e guerreira. No primeiro era dividida em gentes e em cúrias; a assembleia por centúrias refletia antes a organização militar. Quanto às funções industriais, eram demasiado rudimentares para afetar a estrutura política da cidade. Aliás, até um momento bem avançado da história romana, os ofícios permaneceram marcados por um descrédito moral que não lhes permitia ocupar uma posição regular no Estado. Sem dúvida, veio um tempo em que sua condição social melhorou. Mas a própria maneira como foi obtida essa melhora é significativa. Para conseguir fazer respeitar seus interesses e desempenhar um papel na vida pública, os artesãos tiveram de recorrer a procedimentos irregulares e extralegais. Só triunfaram sobre o desprezo de que eram objeto por meios de intrigas, complôs, agitação clandestina. E, se, mais tarde, acabaram sendo integrados ao Estado, enquanto um conjunto de práticas e saberes sociais, para se tornar engrenagens da máquina administrativa, essa situação como foi, para eles, uma conquista gloriosa, mas uma penosa dependência; se entraram então no Estado, não foi para nele ocupar a posição a que seus serviços sociais podiam lhes dar direito, mas simplesmente para poder ser mais bem vigiados pelo poder governamental.

Quando as cidades se emanciparam da tutela senhorial, quando a comuna se formou, o corpo de ofícios, que antecipara e preparara esse movimento, tornou-se a base da constituição comunal. De fato, segundo J.-P Waltzing, “em quase todas as comunas, o sistema político e a eleição dos magistrados baseiam-se na divisão dos cidadãos em corpos de ofícios”. Era costumeiro votar-se por corpos de ofícios e elegiam-se ao mesmo tempo os chefes da corporação e os da comuna. – Em Amiens, por exemplo, os artesãos se reuniam todos os anos para eleger os prefeitos de cada corporação ou bandeira (bannière); os prefeitos eleitos nomeavam em seguida doze escabinos, que nomeavam outros doze, e o escabinato apresentava, por sua vez, aos prefeitos das bandeiras três pessoas, dentre as quais eles escolhiam o prefeito da comuna... Em algumas cidades, o modo de eleição era ainda mais complicado, mas, em todas, a organização política e municipal era intimamente ligada à organização do trabalho. Inversamente, assim como a comuna era um agregado de corpos de ofícios, o corpo de ofício era uma comuna em miniatura, pelo próprio fato de que fora o modelo do qual a instituição comunal era a forma ampliada e desenvolvida. Queremos dizer com isso, que sabemos o que a comuna foi na história de nossas sociedades, de que se tornou, com o tempo, a pedra angular. Ipso facto, já que era uma reunião de corporações e que se formou com base no tipo da corporação, foi esta em última análise, que serviu de base a todo o sistema político oriundo do movimento comunal. Vê-se que, em sua trajetória, ela cresceu singularmente em importância e dignidade. Em Roma, começou estando quase fora dos contextos normais, ela serviu de marco elementar para sociedades contemporâneas. É um motivo para que recusemos a considera-la uma instituição arcaica, destinada a desaparecer.

A obra do sociólogo não é a do homem público, assevera Émile Durkheim. O que a experiência do passado demonstra, antes de mais nada, é que os marcos do grupo profissional devem guardar sempre uma relação com os marcos da vida econômica; foi por ter faltado com essa condição que o regime corporativo desapareceu. Portanto, já que o mercado, de municipal que era, tornou-se nacional e internacional, a corporação deve adquirir a mesma extensão. Em vez de ser limitada apenas aos artesãos de uma cidade, ela deve ampliar-se, de maneira a compreender todo os membros da profissão, dispersos em toda a extensão do território, porque, qualquer que seja a região em que se encontram, quer no campo, todos são solidários uns com os outros e participam da vida comum. Já que essa vida comum é, sob certos aspectos, independentemente de qualquer determinação territorial, tem que ser criado um órgão apropriado, que a exprima e regularize seu funcionamento. Por causa de suas dimensões, tal órgão estaria necessariamente em contato relacional com o órgão central da vida coletiva, pois os acontecimentos importantes o bastante para envolverem toda uma categoria de empresas industriais num país tem necessariamente repercussões bastante gerais, que o Estado não pode sentir, o que o leva a intervir. Não foi sem fundamento que o poder real tendeu indistintamente a não deixar fora de sua ação a grande indústria. Era impossível que ele se desinteressasse por uma forma de atividade que por sua natureza, é capaz de afetar o conjunto da sociedade. Essa organização unitária para o conjunto de um mesmo país não exclui, de modo algum, a subdivisão na formação de órgãos secundários, que compreendam os trabalhadores similares de uma mesma região ou localidade, e cujo papel seria especializar ainda mais a regulamentação profissional segundo as necessidades locais ou regionais. A vida econômica poderia ser regulada e determinada, sem nada perder de sua diversidade. Por isso mesmo, o regime corporativo seria protegido contra essa propensão ao imobilismo, que lhe foi frequente e justamente criticada no passado, porque é um defeito que resultava do caráter estreitamente comunal da corporação.

Na síntese durkheimiana representada sobre o lugar de análise das corporações deve-se até supor que esteja destinada a se tornar a base, ou uma das bases essenciais de nossa organização política. Ela começa por ser exterior ao sistema social, tenderá a se empenhar de forma cada vez mais profunda nele, à medida que a vida econômica se desenvolve. Ela foi outrora a a divisão elementar da organização comunal. Agora que a comuna, de organismo autônomo que era outrora, veio se perder no Estado, como o mercado municipal no mercado nacional, acaso não é legítimo pensar que a corporação também deveria sofrer uma transformação correspondente e tornar-se a divisão elementar do Estado, a unidade política fundamental? A sociedade, em vez de continuar sendo o que ainda é hoje, um agregado de distritos territoriais justapostos, tornar-se-ia um vasto sistema de corporações nacionais. Mas essas divisões geográficas são, em sua maioria, artificiais e já não despertam em nós sentimentos profundos. O espírito provinciano desapareceu irremediavelmente: o patriotismo de paróquia tornou-se um arcaísmo que não se pode restaurar à vontade. Para o sociólogo uma nação só se pode manter se, entre o Estado e os particulares, se intercalar toda uma série de grupos secundários bastante próximos dos indivíduos para atraí-los fortemente em sua esfera de ação e arrastá-los, assim, na torrente geral da vida social. Isso não quer dizer, porém, que a corporação seja uma espécie de panaceia capaz de servir a tudo. Será necessário que, em cada profissão, um corpo de regras se constitua, fixando a quantidade de trabalho, a justa remuneração dos diferentes funcionários, seu dever para com os demais e para com a comunidade, etc.  Estaremos, pois, não menos que em presença de uma tábula rasa. 

A vida social deriva inexoravelmente de uma dupla fonte: a similitude das consciências e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no primeiro caso, porque, não tendo individualidade própria, confunde-se como seus semelhantes, no seio de um mesmo tipo coletivo; no segundo, porque, tendo uma fisionomia e uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles na mesma medida em que se distingue e, por conseguinte, da sociedade que resulta de sua união. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam as relações das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas reparadoras sem caráter expiatório. De todos os elementos técnicos e sociais da civilização, a ciência nada mais é que a consciência levada a seu mais alto ponto de clareza. Nunca é demais repetir que para que as sociedades possam viver nas condições de existência que lhes são dadas, é necessário que o campo da consciência se estenda e se esclareça. Quanto mais obscura uma consciência, mais é refratária à mudança social, porque não vê depressa o que é necessário mudar. Nem em que sentido é preciso mudar. Uma consciência esclarecida sabe preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança risível. Eis porque é necessário que a inteligência guiada disciplinarmente pela ciência adquira uma importância maior no curso da vida coletiva. Tais sentimentos são capazes de inspirar não apenas esses sacrifícios cotidianos, mas também atos de renúncia completa e de abnegação exclusiva. A sociedade aprende a ver os membros que a compõem como cooperadores que ela não pode dispensar e para com os quais tem deveres. Na realidade, a cooperação também tem sua moralidade intrínseca. Há apenas motivos para crer, que, em nossas sociedades, essa moralidade ainda não tem todo o desenvolvimento que lhes seria necessário. Daí resulta duas grandes correntes da vida social, que correspondem dois tipos de estrutura não menos diferentes. Dessas correntes, a que tem sua origem nas similitudes sociais ocorre quando um grupo é capaz de criar e reproduzir para si e para os outros a princípio só e sem rival.

Denomina-se como literatura portuguesa toda produção literária escrita em língua portuguesa por escritores portugueses. Por literatura lusófona, compreende-se toda  produção em língua portuguesa de diferentes países de cultura lusófona, entre eles o Brasil. Literatura brasileira e literatura portuguesa estabelecem uma enorme relação dialógica, visto que as primeiras manifestações de nossa literatura ocorreram durante o período colonial. Para compreender a literatura brasileira, sua história e origens, é imprescindível reconhecer as origens da literatura portuguesa, que influenciou e ainda influencia nossa produção literária. Com origens no século XII teve seus primeiros registros em galego-português, haja vista a integração cultural e linguística entre Portugal e Galícia, região na península Ibérica que posteriormente passou a pertencer ao território colonialista espanhol. A princípios do século XX surgiu o grupo da Renascença Portuguesa, em torno da extraolrdinária revista A Águia, e per se ao redor do qual se integrava o movimento socialmente reconhecido como Saudosismo, nostálgico e de caráter subjetivo, e cujo máximo representante fora o poeta Teixeira de Pascoaes.

No entanto, o grande poeta de começos do século é Fernando Pessoa, quem não atingiu um grande sucesso em vida, mas que depois de sua morte tem passado a ser considerado a par de Camões como o melhor poeta português de todos os tempos. Sua obra poética baseia-se na invenção de diferentes vozes poéticas ou heterónimos: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis ou Bernardo Soares, entre outros, a cada um deles com uma personalidade e um estilo poético próprios. Outro poeta desta época, que compartilhou páginas com Pessoa na revista modernista Orpheu foi Mário de Sá-Carneiro, poeta que se suicidou em Paris em 1916. José Régio sobressaiu como poeta e dramaturgo. A princípios dos anos 1970, em plena ditadura, publicaram-se uma série de obras em prosa e em verso de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa que publicaram uma grande polêmica, devido ao seu conteúdo erótico e feminista; sua publicação foi proibida, e só puderam reimprimir-se depois da queda da ditadura. Outra poetisa destacada foi Sophia de Mello Breyner Andresen, autora de uma obra poética. Nos últimos anos do século 20 e do 21, a literatura portuguesa em prosa tem demonstrado grande vitalidade, graças a escritores como António Lobo Antunes e o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago, autor das novelas Ensaio sobre a Cegueira, O Evangelho segundo Jesus Cristo ou A Caverna, mas que não trataremos agora.

Bibliografia geral consultada.

SIMONIS, Yvan, Claude Lévi-Strauss ou la Passion de l`inceste - Introduction au Structuralisme. Paris: Editeur Aubier-Montaigne, 1968; VELLEJO, Mauro, “El Incesto: Desde la Psiquiatría del Siglo XIX a Sigmund Freud y Karl Abraham. Genealogía de un Concepto, Avatares de una Problematización”. In: Revista Investigaciones en Psicología. Buenos Aires, 2008, Año 13, nº 3, pp. 87-107; SOARES, Marly Catarina, O Místico e o Erótico na Poesia de Florbela Espanca. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2008; AGAMBEN, Giorgio, Nudità. Roma: Editora Nottetempo, 2009; BOMFIM, Renata Oliveira, Vozes Femininas: A Polifonia Arquetípica em Florbela Espanca. Dissertação de Mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2009; FARIAS, Priscilla Freitas, Terra de Charneca Erma e de Saudade: A Construção Simbólica do Alentejo Português na Obra de Florbela Espanca (1916-1930). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2009; ALBERONI, Francesco, Lições de Amor: Duzentas Respostas sobre Amor, Sexo e Paixão. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2010; WEISS, Raquel Andrade, Émile Durkheim e a Fundamentação Social da Moralidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010; Idem, O Suicídio: Estudo de Sociologia. 2ª edição. São Paulo; Editora WMF Martins Fontes, 2011; BATAILLE, Georges, O Erotismo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2015; SILVA, Manuella Nogueira da, A Presença Poética da Morte em Dizeres Íntimos, Angústia e à Morte, de Florbela Espanca. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Porto Velho: Fundação Universidade Federal de Rondônia, 2014; NASCIMENTO, Michelle Vasconcelos Oliveira do, Os Desdobramentos do Feminino na Poesia de Florbela Espanca. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015; XAVIER, Iracema Goor, O Amor e a Presença do Corpo de Florbela Espanca. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; entre outros.

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