“Ser poeta é ser mais alto, é ser maior”. Florbela Espanca
Se encontra a uma altura média de 2800 metros sobre o nível do mar, e apresenta condições excepcionais, tais como um clima benéfico (18º C de temperatura média anual), rica flora e fauna, terra fértil e inumeráveis riachos que, nascendo das cordilheiras nevadas que o rodeiam, se precipitam em cachoeiras por entre os bosques nativos mais altos do mundo (4200 metros de altitude), provendo-o de abundante água e alimentando o rio sagrado. Vale uma digressão. É a capital do departamento de Cuzco e da província de Cuzco. A cidade de Cuzco está situada a 3400 metros acima do nível do mar. Era o mais importante centro administrativo e cultural do Tahuantinsuyu, ou Império Inca. Em Antropologia se atribui a fundação de Cuzco ao Inca Manco Capac no século XI ou XII. As paredes de granito do palácio inca ainda estão lá, bem como monumentos como o Korikancha, ou Templo do Sol. Com do império, em 1532, Francisco Pizarro invadiu e saqueou a cidade. A maioria dos edifícios incas foi destruída a mando do imperialista espanhol, com apoio de igrejas cristãs. Centros do mundo encontraram-se na Índia, em Angkor (Java), representações do monte Meru, a um só tempo, o eixo e o centro do mundo. Todos são representações na vida. A maioria dos edifícios construídos depois da conquista é de influência espanhola com uma mistura de arquitetura inca, inclusive a igreja de Santa Clara e San Blas. São justapostos edifícios sobre as volumosas paredes de pedra construídas arquitetonicamente em função da sabedoria pelos incas. Autora polifacetada: escreveu poesia, contos, um diário e epístolas; traduziu vários romances e colaborou ao longo da sua vida em revistas e jornais de diversa índole, Florbela Espanca antes de tudo é poetisa.
“Minha alma de sonhar-te, anda perdida/Meus olhos andam cegos de te ver/Não és sequer a razão do meu viver/Pois que tu és já toda minha vida/Não vejo nada assim, enlouquecida,/Passo no mundo meu amor a ler/O misterioso livro do teu ser,/A mesma história tantas vezes lida/Tudo no mundo é frágil, tudo passa.../Quando me dizem isso toda a graça/Tua boca divina fala em mim/E olhos postos em ti, digo de rastros: Podem voar mundos, morrer astros/Que tu és como um Deus, princípio e fim/Eu já te falei de tudo, mas tudo isto é pouco/diante do que sinto (Florbela Espanca).
O primeiro sistema penal da humanidade, diria Foucault, surge enlaçado com o tabu. A condenação cerimonial provinda do tabu, muitas vezes está eivada de tal brutalidade que se reveste de um caráter de selvageria e irracionalidade. Contudo, para Freud, determinados tabus, nos parecem racionais, pois tendem a impor abstenções e privações, e ainda, faz-se necessário compreender que os deuses e os demônios temidos pelo homem são criações das forças psíquicas do mesmo. Deste modo, a psicanálise estuda o conteúdo do inconsciente contido na “construção” cultural do tabu, traduzido para a análise do homem contemporâneo e a conservação do tabu através das instituições pessoas e relações. O homem cria para si mesmo “proibições-tabus” que as observa tão rigorosamente como o selvagem às restrições de sua tribo ou de sua organização social. Os tabus são proibições antiquíssimas impostas historicamente no imaginário social desde o exterior a uma geração de homens que, quiçá inculcadas por gerações anteriores passadas, por culturas e herança psíquica. As proibições de tabu, mais antigas e importantes, aparecem nas leis fundamentais do totemismo. Freud insiste na hipótese de que estes devem ser os desejos e os prazeres mais antigos do homem.
O salazarismo é doutrinário politicamente, mas sociologicamente é positivista e normativo. Enquanto ideologia política caracterizou-se, pelo seu teor nacionalista, tradicionalista, corporativista, autoritário, antidemocrático, colonialista, anticomunista e antiparlamentarista. Apesar de existirem um Parlamento e uma Assembleia Nacional, era o Presidente do Conselho de Ministros quem centralizava os poderes: executivo e legislativo. Vale ressaltar também a aproximação do Estado Novo com a Igreja Católica colonialista, bem como do esforço do Estado português também colonialista em manter suas empresas do Ultramar. Suas fraquezas pessoais foram aumentadas e alguns comportamentos reinterpretados para mostrar às lusitana que tipo de mulher as portuguesas salazaristas não deveriam ser. É nessa encruzilhada que o filme de Vicente Alves do Ó, Perdidamente Florbela (2012), faz um recorte, extemporâneo da vida de Florbela Espanca. No cinema existem coisas que podem fugir daquilo que o gênero exige. Ipso facto, no caso de Florbela, à exceção da infância, não há indicação, estética ou narrativa da escritora.
Denomina-se
como literatura portuguesa toda produção literária escrita em língua portuguesa
por escritores portugueses. Por literatura lusófona, compreende-se toda produção em língua portuguesa de diferentes
países de cultura lusófona, entre eles o Brasil. Literatura brasileira e
literatura portuguesa estabelecem uma enorme relação dialógica, visto que as
primeiras manifestações de nossa literatura ocorreram durante o período
colonial. Para compreender a literatura brasileira, sua história e origens, é
imprescindível reconhecer as origens da literatura portuguesa, que influenciou
e ainda influencia nossa produção literária. Com origens no século XII teve
seus primeiros registros em galego-português, haja vista a integração cultural
e linguística entre Portugal e Galícia, região na península Ibérica que
posteriormente passou a pertencer ao território colonialista espanhol. A
princípios do século XX surgiu o grupo da Renascença Portuguesa, em torno da
revista A Águia, e ao redor do qual se integrava o movimento reconhecido como
Saudosismo, nostálgico e de caráter subjetivo, e cujo máximo representante fora
o poeta Teixeira de Pascoaes.
No entanto, o grande poeta de
começos do século é Fernando Pessoa, quem não atingiu um grande sucesso em
vida, mas que depois de sua morte tem passado a ser considerado a par de Camões
como o melhor poeta português de todos os tempos. Sua obra poética baseia-se na
invenção de diferentes vozes poéticas ou heterónimos: Álvaro de Campos, Alberto
Caeiro, Ricardo Reis ou Bernardo Soares, entre outros, a cada um deles com uma
personalidade e um estilo poético próprios. Outro poeta desta época, que compartilhou
páginas com Pessoa na revista modernista Orpheu foi Mário de Sá-Carneiro, poeta
que se suicidou em Paris em 1916. José Régio sobressaiu como poeta e
dramaturgo. A princípios dos anos 1970, em plena ditadura, publicaram-se uma
série de obras em prosa e em verso de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta
e Maria Velho da Costa que publicaram uma grande polêmica, devido ao seu
conteúdo erótico e feminista; sua publicação foi proibida, e só puderam
reimprimir-se depois da queda da ditadura. Outra poetisa destacada foi Sophia
de Mello Breyner Andresen, autora de uma obra poética. Nos últimos anos do
século 20 e do 21, a literatura portuguesa em prosa tem demonstrado grande
vitalidade, graças a escritores como António Lobo Antunes e o Prêmio Nobel de Literatura
José Saramago, autor das novelas Ensaio sobre a Cegueira, O Evangelho segundo
Jesus Cristo ou A Caverna, mas que não trataremos agora.
Uma
formação de atividade generalizada que tomou lugar na vida social não pode,
evidentemente, permanecer tão desregulamentada, em seu desempenho e atividade,
sem que disso resulte os impactos sociais sobre a divisão do trabalho e as mais
profundas perturbações. Mas sofrer no trabalho não é uma fatalidade. É, em
particular, como decorre e testemunhamos, uma fonte de desmoralização geral
real. Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem o maior número
de cidadãos, para o pleno desenvolvimento da vida social, há uma multidão de
indivíduos, como dizia Freud, cuja vida transcorre quase toda no meio
industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal meio é pouco
marcado pela moralidade, a maior parte da existência transcorre fora de toda e
qualquer ação moral. A tese funcionalista expressa na pena de Émile
Durkheim, como uma espécie de antídoto da civilização, e que o sentimento do
dever cumprido se fixe fortemente em nós, é preciso que as próprias
circunstâncias em que vivemos permanentemente desperto. A atividade de uma
profissão só pode ser regulamentada eficazmente por “um grupo próximo o
bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir
todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas”. O único
grupo que corresponde a essas condições é o que seria formado por todos os
agentes de uma mesma condição reunidos num mesmo corpo. E que a sociologia
durkheimiana conceitua de corporação ou grupo profissional. É na ordem
econômica que o grupo profissional existe tanto quanto a moral profissional.
Desde que, não sem razão, com a supressão das antigas corporações, não se
fizeram mais do que tentativas fragmentárias e incompletas para reconstituí-las
em novas bases sociais.
Os
únicos agrupamentos dotados de permanência são os que se chamam sindicatos,
seja de patrões, seja de operários. Historicamente, temos aí in statu nascendi
o começo e o princípio ético de uma organização profissional, mas ainda de
forma rudimentar. Isto porque, em primeiro lugar, um sindicato é uma associação
privada, sem autoridade legal, desprovida, por conseguinte, de qualquer poder
regulamentador. O número deles é teoricamente ilimitado, mesmo no interior de
uma categoria industrial; e, como cada um é independente dos outros, se não se
constituem em federação e se unificam, não há neles nada que exprima a unidade
da profissão em seu conjunto de práticas e saberes sociais. Não só os
sindicatos de patrões e de empregados são distintos uns dos outros, o que é
legítimo e necessário, como não há entre eles contatos regulares. Não existe
organização comum que os aproxime sem fazê-los perder sua individualidade e na
qual possam elaborar em comum uma regulamentação que, estabelecendo suas
relações mútuas, imponha-se a ambas as partes com a mesma autoridade; por
conseguinte, é sempre a “lei dos mais forte” que resolve os conflitos, e o
estado de guerra subiste inteiro. Salvo no caso de seus atos pertencentes à
esfera moral comum estão na mesma situação. A tese sociológica é a seguinte:
para que uma moral e um direito profissionais possam se estabelecer nas
diferentes profissões, é necessário, pois, que a corporação, em vez de
permanecer um agregado confuso e sem unidade, se torne, ou antes, volte a ser,
um grupo definido, organizado, uma instituição pública. A primeira observação
familiar da crítica de Émile Durkheim, é que a corporação tem contra si seu
próprio passado histórico. De fato, ela é tida como intimamente solidária do
antigo regime político e, por conseguinte, como incapaz de sobreviver a ele.
Na
história da filosofia, o que permite considerar de fato as corporações uma organização
temporária, boa apenas para uma época e uma civilização determinada, é, ao
mesmo tempo, sua grande antiguidade e a maneira como se desenvolveram na
história. Se elas datassem unicamente da Idade Média, poder-se-ia crer, de fato
que, nascidas com um sistema político, deviam necessariamente desaparecer com
ele. Mas, na realidade, têm uma origem bem mais antiga. Em geral, elas aparecem
desde que as profissões existem, isto é, desde que a atividade deixa de ser
puramente agrícola. Se não parecem ter sido conhecidas na Grécia, até o tempo
da conquista romana, é porque os ofícios, sendo desprezados, eram exercidos
exclusivamente por estrangeiros e, por isso mesmo, achavam-se excluídos da
organização legal da cidade. Mas em Roma, comparativamente, elas datam pelo
menos dos primeiros tempos da República; uma tradição chegava até a atribuir
sua criação ao rei Numa, um sabino escolhido como segundo rei de Roma. Sábio,
pacífico e religioso, dedicou-se a elaboração das primeiras leis de Roma, assim
como dos primeiros ofícios religiosos da cidade e do primeiro calendário. É
verdade que, por tempo, elas tiveram de levar uma existência bastante humilde,
pois os historiadores sociais e os monumentos só raramente as mencionam; não sabemos
muito bem como eram organizadas em seus detalhes minudentes. Desde de Cícero, sua quantidade tornara-se
considerável e elas começavam a desempenhar um papel: diz J.-P Waltzing “todas
as classes de trabalhadores parecem possuídas pelo desejo de multiplicar as
associações profissionais” (cf. Durkheim, 2010).
Mas
o caráter desses agrupamentos se modificou; eles acabaram tornando-se
“verdadeiras engrenagens da administração”. Desempenhavam funções oficiais;
cada profissão era vista como um serviço público, cujo encargo e cuja
responsabilidade ante o Estado cabiam à corporação correspondente. Foi a ruína
da instituição. Porque, segundo Durkheim, essa dependência em relação ao Estado
não tardou a degenerar numa servidão intolerável que os imperadores só puderam
manter pela coerção. Todas as sortes de procedimentos foram empregadas para
impedir que os trabalhadores escapassem das pesadas obrigações que resultavam,
para eles, de sua própria profissão. Evidentemente, tal sistema de trabalho só
podia durar enquanto o poder político fosse o bastante para impô-lo. É por isso
que ele não sobreviveu à dissolução do Império. Aliás, as guerras civis e as
invasões haviam destruído o comércio e a indústria; os artesãos aproveitaram
essas circunstâncias para fugir das cidades e se dispersar nos campos. Assim,
os primeiros séculos de nossa era viram produzir-se um fenômeno que devia se
repetir tal qual no fim do século XVII: a vida corporativa se extinguiu quase
por completo. Mal subsistiram alguns vestígios seus, na Gália e na Germânia,
nas cidades de origem romana. Portanto, naquele momento, um teórico tivesse
tomado consciência da situação, teria provavelmente concluído, como o fizeram
mais tarde os economistas, que as corporações não tinham, ou, em todo caso, não
tinham mais razão de ser, que haviam desaparecido irreversivelmente, e sem
dúvida teria tratado de retrógrada e irrealizável toda tentativa de
reconstituí-las. Os acontecimentos desmentiriam uma tal profecia. De fato, após
um “eclipse da razão” de algum tempo caminhando para os nossos dias, as
corporações recomeçaram nova existência em todas as sociedades europeias.
Elas
renasceram por volta dos séculos XI e XII. Desde esse momento, diz Emile
Levasseur, “os artesãos começam a sentir a necessidade de se unir e formam suas
primeiras associações”. Em todo caso, no
século XII, elas estão outra vez florescentes e se desenvolvem até o dia em que
começa para elas uma nova decadência. Uma instituição tão persistente assim não
poderia depender de uma particularidade contingente e acidental; muito menos
ainda é possível admitir que tenha sido o produto de não sei que “aberração
coletiva”. Se, desde a origem da cidade até o apogeu do Império, desde o
alvorecer das sociedades cristãs aos tempos modernos, elas foram necessárias, é
porque correspondem a necessidades duradouras e profundas. Sobretudo, vale
lembrar que o próprio fato de que, depois de terem desaparecido uma primeira
vez, reconstituíram-se por si mesmas e sob uma nova forma, retira todo e
qualquer valor ao argumento que apresenta sua desaparição violenta no fim do
século passado como uma prova de que não estão mais em harmonia com as novas
condições de existência coletiva. A necessidade que todas as grandes sociedades
civilizadas sentem de chamá-las de volta à vida é o mais seguro sintoma
evidente dessa supressão radical não era um remédio e de que a reforma de
Jacques Turgot requeria outra que não poderia ser indefinidamente adiada. Mas
nem toda organização corporativa é anacronismo histórico. Acreditamos que ela
seria chamada a desempenhar, nas sociedades contemporâneas, menos pelo papel
considerável que julgamos indispensável, por causa não dos serviços econômicos
que ela poderia prestar, mas da influência moral que poderia ter. O que vemos antes de mais nada no grupo
profissional é um poder moral capaz de conter os egoísmos individuais, de
manter no coração dos trabalhadores um sentimento vivo de solidariedade comum,
de impedir que a “lei do mais forte” se aplique de maneira brutal nas relações
industriais e comerciais.
Mas é preciso evitar estender a todo regime corporativo o que pode ter sido válido para certas corporações e durante um curto lapso de tempo de seu desenvolvimento. Longe de ser atingido por uma sorte de enfermidade moral devida à sua própria constituição, foi sobretudo um papel moral que ele representou e continua representando ainda, na maior parte de sua história. Isso é particularmente evidente no caso das corporações romanas. Sem dúvida, a associação lhes dava mais forças para salvaguardar, se necessário, seus interesses comuns. Mas era isso apenas um dos contragolpes úteis que a instituição produzia, lembra Durkheim: “não era sua razão de ser, sua função principal. Antes de mais nada, a corporação era um colégio religioso”. Cada uma tinha seu deus particular, cujo culto quando ela tinha meios, era celebrado num templo especial. Do mesmo modo que cada família tinha seu Lar familiaris, cada cidade seu Genius publicus, cada colégio tinha seu deus tutelar, Genius collegi. Naturalmente, o culto profissional não se realizava sem festas, que eram celebradas em comum sem sacrifícios e banquetes. Todas as espécies de circunstâncias serviam, aliás, de ocasião para alegres reuniões, além disso, distribuições de víveres ou de dinheiro ocorriam com frequência às expensas da comunidade. Indagou-se se a corporação tinha uma caixa de auxílio, se ela assistia regularmente seus membros necessitados, e as opiniões a esse respeito são divididas. Mas o que retira da discussão parte de seu interesse e de seu alcance é que esses banquetes comuns, mais ou menos periódicos, e as distribuições que os acompanharam serviam de auxílios e faziam não raro as vezes de uma assistência direta. Os infortunados sabiam que podiam contar com essa subvenção historicamente dissimulada. Como corolário do caráter religioso, curiosamente o colégio de artesãos era, ao mesmo tempo, um parti pris colégio funerário. Unidos, como gentiles, num mesmo culto durante sua vida, os membros da corporação queriam, como eles, dormir juntos seu derradeiro sono.
A
importância tão considerável que a religião tinha em sua vida, tanto em Roma
quanto na Idade Média, põe particularmente em evidência a verdadeira natureza
de suas funções; porque toda comunidade religiosa constituía, então, um
ambiente moral, do mesmo modo que toda disciplina moral tendia necessariamente
a adquirir uma forma religiosa. A partir do instante em que, no seio de uma
sociedade política, certo número de indivíduos tem em comum ideias, interesses,
sentimentos, ocupações que o resto da população não partilha com eles, é
inevitável que, sob a influência dessas similitudes eles sejam atraídos uns
para os outros, que se procurem, teçam relações, se associem e que se forme
assim, pouco a pouco, um grupo restrito, com sua fisionomia especial da sociedade
em geral. Porque é impossível que homens vivam juntos, estejam regularmente em
contato, sem adquirirem o sentimento do todo que formam por sua união, sem que
se apeguem a esse todo, se preocupem com seus interesses e o levem em conta em
sua conduta. Enfim, basta que esse sentimento se precise e se determine, que,
aplicando-se às circunstâncias mais ordinárias e mais importantes da vida, se
traduza em fórmulas definidas, para que se tenha um corpo de regras morais em
via de se constituir. Ao mesmo tempo que se produz por si mesmo e pela força
das coisas, esse resultado é útil e o sentimento de sua utilidade contribui
para confirma-lo. A vida em comum é atraente, ao mesmo tempo que coercitiva.
Para o ponto de vista do método analítico durkheimiano, a coerção é
necessária para levar o homem a se superar, a acrescentar à sua natureza física
outra natureza; mas, à medida que aprende a apreciar os encantos dessa nova
existência, ele contrai a sua necessidade e não há ordem de atividade que não
os busque com paixão.
A moral doméstica não se formou de outro modo. Por causa do prestígio que a família conserva ante nossos olhos, parece-nos que, se e ela foi e é sempre uma escola de dedicação e de abnegação, o foco por excelência da moralidade, é em virtude de características bastante particulares que teria o privilégio e que não se encontrariam em ouro lugar em nenhum grau. Costuma-se crer que exista na consanguinidade uma causa excepcionalmente poderosa de aproximação moral. A prova está em que, num sem-número de sociedades, os não-consanguíneos são muitos no seio da família; o parentesco dito artificial se contrai então com grande facilidade e exerce todos os efeitos do parentesco natural. Inversamente, acontece com grande frequência consanguíneos bem próximos serem, moral ou juridicamente, estranhos uns aos outros; é, por exemplo, o caso dos cognatos na família romana. Portanto, a família não deve suas virtudes à unidade de descendência: ela é, simplesmente, um grupo de indivíduos que foram aproximados uns dos outros, no seio da sociedade política, por uma comunidade mais particularmente estreita de ideias, sentimentos e interesses. A consanguinidade pode ter facilitado essa concentração, pois ela tem por efeito natural inclinar as consciências umas em relação às outras. Outros fatores intervieram: a proximidade material, a solidariedade de interesses, a necessidade de união contra um perigo, ou simplesmente de se unir, foram causas mais poderosas de comunicação social no processo produtivo.
Mas, para dissipar todas as suas prevenções, adverte Durkheim, para mostrar bem que o sistema corporativo não é apenas uma instituição do passado, seria necessário mostrar que transformações ele deve e pode sofrer para se adaptar às sociedades modernas, pois é evidente que ele não pode ser o que era na Idade Média. Para tanto, seriam necessários estudos comparativos que não estão feitos e que não podemos fazer de passagem. Talvez, porém, não seja impossível perceber desde já, mas apenas em suas linhas mais gerais, o que foi esse desenvolvimento. O historiador que empreende resolver em seus elementos a organização política dos romanos não encontra, no decurso de sua análise, nenhum fato que possa adverti-lo da existência das corporações. Elas não entravam na constituição romana, na qualidade de unidades definidas e reconhecidas. Em nenhuma das assembleias eleitorais, em nenhuma das reuniões do exército, os artesãos se reuniam por colégios, em parte alguma o grupo profissional tomava parte, como tal, na vida pública, seja em corpo, seja por intermédio de representantes regulares. No máximo, a questão pode se colocar a propósito de três ou quatro colégios quando se imaginou poder identificar com algumas das centúrias constituídas na imaginação socialmente por Sérvio Túlio, a saber: tignari (construtores de casas), aerari (corporação clerical), tibicines (monumento funerário), corporações cornicínes (espécie de pizza enrolada), mas o fato não está bem estabelecido.
Quanto
às outras corporações, estavam certamente fora da organização oficial do povo
romano. Ora, por muito tempo os ofícios não foram mais do que uma forma
acessória e secundária da atividade social dos romanos. Roma era essencialmente
uma sociedade agrícola e guerreira. No primeiro era dividida em gentes e em
cúrias; a assembleia por centúrias refletia antes a organização militar. Quanto
às funções industriais, eram demasiado rudimentares para afetar a estrutura
política da cidade. Aliás, até um momento bem avançado da história romana, os
ofícios permaneceram marcados por um descrédito moral que não lhes permitia
ocupar uma posição regular no Estado. Sem dúvida, veio um tempo em que sua
condição social melhorou. Mas a própria maneira como foi obtida essa melhora é
significativa. Para conseguir fazer respeitar seus interesses e desempenhar um
papel na vida pública, os artesãos tiveram de recorrer a procedimentos
irregulares e extralegais. Só triunfaram sobre o desprezo de que eram objeto
por meios de intrigas, complôs, agitação clandestina. E, se, mais tarde,
acabaram sendo integrados ao Estado, enquanto um conjunto de práticas e saberes sociais, para se tornar engrenagens da máquina
administrativa, essa situação como foi, para eles, uma conquista gloriosa, mas
uma penosa dependência; se entraram então no Estado, não foi para nele ocupar a
posição a que seus serviços sociais podiam lhes dar direito, mas simplesmente
para poder ser mais bem vigiados pelo poder governamental.
Quando
as cidades se emanciparam da tutela senhorial, quando a comuna se formou, o
corpo de ofícios, que antecipara e preparara esse movimento, tornou-se a base
da constituição comunal. De fato, segundo J.-P Waltzing, “em quase todas as
comunas, o sistema político e a eleição dos magistrados baseiam-se na divisão
dos cidadãos em corpos de ofícios”. Era costumeiro votar-se por corpos de
ofícios e elegiam-se ao mesmo tempo os chefes da corporação e os da comuna. –
Em Amiens, por exemplo, os artesãos se reuniam todos os anos para eleger os
prefeitos de cada corporação ou bandeira (bannière); os prefeitos
eleitos nomeavam em seguida doze escabinos, que nomeavam outros doze, e
o escabinato apresentava, por sua vez, aos prefeitos das bandeiras três
pessoas, dentre as quais eles escolhiam o prefeito da comuna... Em algumas
cidades, o modo de eleição era ainda mais complicado, mas, em todas, a organização
política e municipal era intimamente ligada à organização do trabalho.
Inversamente, assim como a comuna era um agregado de corpos de ofícios, o corpo
de ofício era uma comuna em miniatura, pelo próprio fato de que fora o modelo
do qual a instituição comunal era a forma ampliada e desenvolvida. Queremos
dizer com isso, que sabemos o que a comuna foi na história de nossas
sociedades, de que se tornou, com o tempo, a pedra angular. Ipso facto, já que
era uma reunião de corporações e que se formou com base no tipo da corporação,
foi esta em última análise, que serviu de base a todo o sistema político
oriundo do movimento comunal. Vê-se que, em sua trajetória, ela cresceu
singularmente em importância e dignidade. Em Roma, começou estando quase fora
dos contextos normais, ela serviu de marco elementar para sociedades
contemporâneas. É um motivo para que recusemos a considera-la uma instituição
arcaica, destinada a desaparecer.
A
obra do sociólogo não é a do homem público, assevera Émile Durkheim. O que a
experiência do passado demonstra, antes de mais nada, é que os marcos do grupo
profissional devem guardar sempre uma relação com os marcos da vida econômica;
foi por ter faltado com essa condição que o regime corporativo desapareceu.
Portanto, já que o mercado, de municipal que era, tornou-se nacional e
internacional, a corporação deve adquirir a mesma extensão. Em vez de ser
limitada apenas aos artesãos de uma cidade, ela deve ampliar-se, de maneira a
compreender todo os membros da profissão, dispersos em toda a extensão do
território, porque, qualquer que seja a região em que se encontram, quer no
campo, todos são solidários uns com os outros e participam da vida comum. Já
que essa vida comum é, sob certos aspectos, independentemente de qualquer
determinação territorial, tem que ser criado um órgão apropriado, que a exprima
e regularize seu funcionamento. Por causa de suas dimensões, tal órgão estaria
necessariamente em contato relacional com o órgão central da vida coletiva,
pois os acontecimentos importantes o bastante para envolverem toda uma
categoria de empresas industriais num país tem necessariamente repercussões
bastante gerais, que o Estado não pode sentir, o que o leva a intervir. Não foi
sem fundamento que o poder real tendeu indistintamente a não deixar fora de sua
ação a grande indústria. Era impossível que ele se desinteressasse por uma
forma de atividade que por sua natureza, é capaz de afetar o conjunto da
sociedade. Essa organização unitária para o conjunto de um mesmo país não
exclui, de modo algum, a subdivisão na formação de órgãos secundários, que compreendam os
trabalhadores similares de uma mesma região ou localidade, e cujo papel seria
especializar ainda mais a regulamentação profissional segundo as necessidades
locais ou regionais. A vida econômica poderia ser regulada e determinada, sem
nada perder de sua diversidade. Por isso mesmo, o regime corporativo seria
protegido contra essa propensão ao imobilismo, que lhe foi frequente e
justamente criticada no passado, porque é um defeito que resultava do caráter
estreitamente comunal da corporação.
Na síntese durkheimiana representada sobre o lugar de análise das corporações deve-se até supor que esteja destinada a se tornar a base, ou uma das bases essenciais de nossa organização política. Ela começa por ser exterior ao sistema social, tenderá a se empenhar de forma cada vez mais profunda nele, à medida que a vida econômica se desenvolve. Ela foi outrora a a divisão elementar da organização comunal. Agora que a comuna, de organismo autônomo que era outrora, veio se perder no Estado, como o mercado municipal no mercado nacional, acaso não é legítimo pensar que a corporação também deveria sofrer uma transformação correspondente e tornar-se a divisão elementar do Estado, a unidade política fundamental? A sociedade, em vez de continuar sendo o que ainda é hoje, um agregado de distritos territoriais justapostos, tornar-se-ia um vasto sistema de corporações nacionais. Mas essas divisões geográficas são, em sua maioria, artificiais e já não despertam em nós sentimentos profundos. O espírito provinciano desapareceu irremediavelmente: o patriotismo de paróquia tornou-se um arcaísmo que não se pode restaurar à vontade. Para o sociólogo uma nação só se pode manter se, entre o Estado e os particulares, se intercalar toda uma série de grupos secundários bastante próximos dos indivíduos para atraí-los fortemente em sua esfera de ação e arrastá-los, assim, na torrente geral da vida social. Isso não quer dizer, porém, que a corporação seja uma espécie de panaceia capaz de servir a tudo. Será necessário que, em cada profissão, um corpo de regras se constitua, fixando a quantidade de trabalho, a justa remuneração dos diferentes funcionários, seu dever para com os demais e para com a comunidade, etc. Estaremos, pois, não menos que em presença de uma tábula rasa.
A
vida social deriva inexoravelmente de uma dupla fonte: a similitude das
consciências e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no
primeiro caso, porque, não tendo individualidade própria, confunde-se como seus
semelhantes, no seio de um mesmo tipo coletivo; no segundo, porque, tendo uma
fisionomia e uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles
na mesma medida em que se distingue e, por conseguinte, da sociedade que
resulta de sua união. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam
as relações das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas
reparadoras sem caráter expiatório. De todos os elementos técnicos e sociais da
civilização, a ciência nada mais é que a consciência levada a seu mais alto
ponto de clareza. Nunca é demais repetir que para que as sociedades possam
viver nas condições de existência que lhes são dadas, é necessário que o campo
da consciência se estenda e se esclareça. Quanto mais obscura uma consciência,
mais é refratária à mudança social, porque não vê depressa o que é necessário
mudar. Nem em que sentido é preciso mudar. Uma consciência esclarecida sabe
preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança risível. Eis porque
é necessário que a inteligência guiada disciplinarmente pela ciência adquira
uma importância maior no curso da vida coletiva. Tais sentimentos são capazes
de inspirar não apenas esses sacrifícios cotidianos, mas também atos de
renúncia completa e de abnegação exclusiva. A sociedade aprende a ver os
membros que a compõem como cooperadores que ela não pode dispensar e para com
os quais tem deveres. Na realidade, a cooperação também tem sua moralidade
intrínseca. Há apenas motivos para crer, que, em nossas sociedades, essa
moralidade ainda não tem todo o desenvolvimento que lhes seria necessário. Daí
resulta duas grandes correntes da vida social, que correspondem dois tipos de
estrutura não menos diferentes. Dessas correntes, a que tem sua origem nas
similitudes sociais ocorre quando um grupo é capaz de criar e reproduzir para
si e para os outros a princípio só e sem rival.
Denomina-se
como literatura portuguesa toda produção literária escrita em língua portuguesa
por escritores portugueses. Por literatura lusófona, compreende-se toda produção em língua portuguesa de diferentes
países de cultura lusófona, entre eles o Brasil. Literatura brasileira e
literatura portuguesa estabelecem uma enorme relação dialógica, visto que as
primeiras manifestações de nossa literatura ocorreram durante o período
colonial. Para compreender a literatura brasileira, sua história e origens, é
imprescindível reconhecer as origens da literatura portuguesa, que influenciou
e ainda influencia nossa produção literária. Com origens no século XII teve
seus primeiros registros em galego-português, haja vista a integração cultural
e linguística entre Portugal e Galícia, região na península Ibérica que
posteriormente passou a pertencer ao território colonialista espanhol. A
princípios do século XX surgiu o grupo da Renascença Portuguesa, em torno da extraolrdinária revista A Águia, e per se ao redor do qual se integrava o movimento socialmente reconhecido como
Saudosismo, nostálgico e de caráter subjetivo, e cujo máximo representante fora
o poeta Teixeira de Pascoaes.
No entanto, o grande poeta de
começos do século é Fernando Pessoa, quem não atingiu um grande sucesso em
vida, mas que depois de sua morte tem passado a ser considerado a par de Camões
como o melhor poeta português de todos os tempos. Sua obra poética baseia-se na
invenção de diferentes vozes poéticas ou heterónimos: Álvaro de Campos, Alberto
Caeiro, Ricardo Reis ou Bernardo Soares, entre outros, a cada um deles com uma
personalidade e um estilo poético próprios. Outro poeta desta época, que compartilhou
páginas com Pessoa na revista modernista Orpheu foi Mário de Sá-Carneiro, poeta
que se suicidou em Paris em 1916. José Régio sobressaiu como poeta e
dramaturgo. A princípios dos anos 1970, em plena ditadura, publicaram-se uma
série de obras em prosa e em verso de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta
e Maria Velho da Costa que publicaram uma grande polêmica, devido ao seu
conteúdo erótico e feminista; sua publicação foi proibida, e só puderam
reimprimir-se depois da queda da ditadura. Outra poetisa destacada foi Sophia
de Mello Breyner Andresen, autora de uma obra poética. Nos últimos anos do
século 20 e do 21, a literatura portuguesa em prosa tem demonstrado grande
vitalidade, graças a escritores como António Lobo Antunes e o Prêmio Nobel de Literatura
José Saramago, autor das novelas Ensaio sobre a Cegueira, O Evangelho segundo
Jesus Cristo ou A Caverna, mas que não trataremos agora.
Bibliografia geral
consultada.
SIMONIS, Yvan, Claude Lévi-Strauss ou la Passion de l`inceste - Introduction au Structuralisme. Paris: Editeur Aubier-Montaigne, 1968; VELLEJO, Mauro, “El Incesto: Desde la Psiquiatría del Siglo XIX a Sigmund Freud y Karl Abraham. Genealogía de un Concepto, Avatares de una Problematización”. In: Revista Investigaciones en Psicología. Buenos Aires, 2008, Año 13, nº 3, pp. 87-107; SOARES, Marly Catarina, O Místico e o Erótico na Poesia de Florbela Espanca. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2008; AGAMBEN, Giorgio, Nudità. Roma: Editora Nottetempo, 2009; BOMFIM, Renata Oliveira, Vozes Femininas: A Polifonia Arquetípica em Florbela Espanca. Dissertação de Mestrado em Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2009; FARIAS, Priscilla Freitas, Terra de Charneca Erma e de Saudade: A Construção Simbólica do Alentejo Português na Obra de Florbela Espanca (1916-1930). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2009; ALBERONI, Francesco, Lições de Amor: Duzentas Respostas sobre Amor, Sexo e Paixão. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2010; WEISS, Raquel Andrade, Émile Durkheim e a Fundamentação Social da Moralidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010; Idem, O Suicídio: Estudo de Sociologia. 2ª edição. São Paulo; Editora WMF Martins Fontes, 2011; BATAILLE, Georges, O Erotismo. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2015; SILVA, Manuella Nogueira da, A Presença Poética da Morte em Dizeres Íntimos, Angústia e à Morte, de Florbela Espanca. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Porto Velho: Fundação Universidade Federal de Rondônia, 2014; NASCIMENTO, Michelle Vasconcelos Oliveira do, Os Desdobramentos do Feminino na Poesia de Florbela Espanca. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2015; XAVIER, Iracema Goor, O Amor e a Presença do Corpo de Florbela Espanca. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; entre outros.
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