sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Educação, Tecnocracia & Colegiado em Tempos Sombrios.

                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga*

 “Infelizmente, não temos como cortar o recesso dos professores pela metade”. Jackson Sampaio, 21.10.2016    

                        
O tema da diferença e da identidade cultural assim como o reconhecimento da diversidade e da diferença apresenta-se como irredutível a esquemas explicativos gerais eficazes. É justamente isso que torna o debate profícuo e particularmente criativo e aberto. A sua riqueza consiste justamente na multiplicidade de perspectivas que interagem. Que não podem ser reduzidas a um único código e/ou a um único esquema proposto como modelo transferível universalmente. Tal debate polissêmico e polifônico é motivado, contudo, por uma necessidade teórica, histórica e ideológica que se manifesta nas mais diferentes práticas sociais. Na governabilidade o estereótipo resulta como um instrumento das frações das classes dominantes que justifica a incoerência de determinadas atitudes, assim como comportamentos pessoais e perversos individual ou coletivamente no âmbito dos conflitos sociais e políticos gerados nas sociedades.  
A direita política inscreve-se numa “visão” ou “posição específica” que aceita a hierarquia social ou desigualdade social como inevitável, natural, normal, ou desejável. Esta postura política geralmente justifica esta posição com base em “lei natural” ou tradição. A palavra “direita” tem sido utilizada para se referir a diferentes posições políticas na démarche da história. Os termos “política de direita” versus “política de esquerda” foram cunhados durante a revolução clássica francesa, e referiam-se ao lugar onde políticos se sentavam no parlamento francês. Os que estavam sentados à direita da cadeira do presidente parlamentar foram amplamente favoráveis ao Ancien Régime. A expressão “le droite” tornou-se proeminente após a restauração de 1815, quando “le droit” foi aplicado para descrever a ultra-monarquia. Em países de língua inglesa, o termo não foi utilizado até o século 20, quando passou a descrever a posição que políticos e ideólogos defendiam no plano de governo que apresentavam.   


A primeira aparição do caráter nos escritos freudianos se dá nos “Estudos sobre a Histeria”. Relatando dois pacientes o inventor da psicanálise  faz menção ao caráter como um conjunto de traços ou características psicológicas pessoais, como, por exemplo, a desobediência, a ambição, a violência, a independência, a irritabilidade etc. Este seria um uso descritivo e moral do vocábulo, bastante convencional. No capítulo VII de “A Interpretação de Sonhos”, Freud faz também uma pequena referência ao caráter. Apenas para auxiliar seu esforço de formular um modelo do aparelho psíquico, sem acréscimos de qualquer elemento novo ao uso dessa noção. Também no artigo “O método psicanalítico de Freud”, no qual apresenta sua técnica psicanalítica desde sua origem, no método catártico, até sua proposta de então, baseada na regra da associação livre. É possível observar a utilização do termo caráter no sentido mais convencional, moral, acrescido, porém, de outra perspectiva que vai repetir-se, de maneira mais desenvolvida, em escritos subsequentes: a do “caráter como fonte de resistência”.
            Ao abordar a manifestação do caráter como resistência, Wilhelm Reich retoma outro aspecto que enunciara antes: as resistências de caráter ligar-se-iam à forma dos comportamentos, aos pequenos traços de caráter que, revelando dimensões resistentes à análise, davam novas possibilidades interpretativas ao psicanalista. Certas considerações clínicas obrigam-nos a designar como “resistências de caráter” ao fato de aparecerem e operarem não por algum conteúdo ideativo isolado. Mas por modos de agir próprios da pessoa, que carregam em si, de forma inconsciente, tendências resistentes e defensivas. Essa direção define o caráter como o conjunto de “maneirismos”, de modos de pensar e agir do homem, os quais, na análise, cumprem uma função de política de resistência. Assim, pensado como modo de agir de um indivíduo, o caráter se distancia ainda mais da noção de “sintoma”: a) sendo diferentemente deste, não pode ser localizado e isolado num evento específico; b) também se notabiliza por não ser estranho ao paciente; c) o caráter consiste justamente no que lhe é mais próprio e particular e sua forma de se comportar. Na crença do “imbecil coletivo”, tudo o que não possa ser confirmado pelo testemunho unânime da intelligentsia simplesmente não existe como realidade política.
            Compromisso diz respeito à representação pública de se vincular ou assumir uma obrigação contratual com alguém com determinado objetivo. Há diversos tipos de compromissos sociais e políticos como o compromisso político, compromisso religioso, compromisso amoroso, compromisso de negócios, compromissos familiares etc. Compromisso é, portanto, uma responsabilidade social adquirida em virtude de uma afirmação verbal ou escrita, feita por nós mesmos. A expressão “ter um compromisso” significa estar ocupado em uma data, ou ter um vínculo ou acordo com alguém. A palavra deriva de promessa, ou seja, “com promessa”. Quer dizer que quando há um compromisso político há uma promessa. Mas historicamente, o termo “commitment” e o termo “compromise” pode ser um falso cognato, cuja tradução do vocábulo é “meio-termo”, quando “não conseguiu exatamente o queria, e negociamos um meio-termo”.
            A UECE necessita com urgência uma reforma administrativa em seu staff administrativo. Apesar do modelo de organização variar de instituição para instituição, quase todas as universidades dispõem de alguns órgãos centrais comuns, como um reitor, chanceler ou presidente, um conselho de curadores, um senado universitário e decanos das várias unidades orgânicas. O provimento destes órgãos varia conforme o estatuto da instituição, indo desde a nomeação por uma autoridade superior à eleição pelos próprios membros da universidade.  Decano é um termo latino que, em latim tardio, significou “chefe de dez”. Originou-se no exército romano tardio e passou a ser usado posteriormente para os funcionários subalternos no Império Bizantino, bem como para diversos cargos na Igreja, de onde deriva o título “deão”, “decano”. É, por definição, um dignitário capitular que preside ao cabido, em razão da sua precedência por idade. Costumamos chamar Deão ou Decano ao cônego mais idoso da Diocese. Além de ser um posto acadêmico e uma posição canonical, o deão é um dos cônegos escolhido pelo seu bispo, a quem é confiada “uma autoridade determinada e especial nas atividades pastorais específicas da sua Diocese”. Os Cânones estabelecem que o deão desempenhe o papel de auxiliar e conselheiro do clero da zona da sua Diocese, especialmente da sagrada Liturgia e assistir-lhes espiritualmente nas suas doenças.
            Decano, em diplomacia, é o título que se dá ao chefe de uma missão estrangeira num país que maior antiguidade tenha e, por isso, tem precedência sobre os seus demais colegas ali creditados. Em muitos dos países que mantém relações com a Santa Sé é comum caber ao núncio apostólico este papel pelo só fato de representar ao Papa, e noutros como, por exemplo, Costa do Marfim e Senegal, se outorga o título ao representante de suas antigas metrópoles. Na atualidade as funções do decano são limitadas e reduzidas a atuar como porta-voz do corpo diplomático nalgumas cerimônias. Alguns países não aceitam esta função, ao argumento de que não há necessidade de intermediário entre o chefe de uma delegação legalmente constituída e sua entidade ministerial de relações exteriores. Em muitos casos o decano também intermedia assuntos conflituosos entre os membros de uma representação diplomática e o país de acolhida, como ocorre em impasses internacionais, por exemplo, ou entre as diversas representações políticas e diplomáticas. O Embaixador da Nicarágua nos Estados Unidos da América (EUA) Guillermo Sevilla Sacasa, que ocupou ali este posto diplomático por 36 anos, era chamado de Decano “do corpo diplomático naquele país”. 
            Os alunos da Universidade Estadual do Ceará (UECE) enfrentam a segunda greve mais longa da história da instituição, paralisada há pouco mais de 5 meses durante o governo reformista de Camilo Santana (PT). A primeira greve mais longa da história da instituição ocorreu no governo coronelista de Cid Ferreira Gomes com duração em torno de 8 meses. Diante do impasse, a instituição irá precisar de 3 anos para reajustar o calendário acadêmico, conforme a análise ingênua e governista da Reitoria. O governo do Estado em análise meramente econômica ainda ressaltou alguns repasses de recursos para o ensino superior revelando que, de 2011 a 2015, os recursos ultrapassaram de R$ 262, 3 mi para R$ 390 mi. Alegando, antes mesmo do fim das negociações com o movimento grevista para 2016, uma previsão de 424, 1 mi, um aumento quantitativo de 52%. Vale lembrar que são medidas circunstanciais e estão longe de resolver o impasse entre governo e categoria. De fato, o calcanhar de Aquiles destas políticas públicas refere-se à Lei nº 14.116, de 26 de maio de 2008 que sanciona o PCCV - Plano de Cargos, Carreira e Vencimentos – mas que não contempla em tempo contínuo os concursos públicos para professores Assistentes, Adjuntos, Titulares e professores Livre Docentes. Os últimos concursos nestas classes ocorreram entre 2000 e 2003.   
            O “Termo de Compromisso” do governador Camilo Santana (PT-CE), assinado em 11 de outubro de 2016 com o movimento sindical (Sinduece) e reitorias das universidades estaduais do Ceará é um engodo em sua forma e conteúdo político. Em primeiro lugar porque não contempla o PCCV dos servidores públicos estaduais. É evasivo, mentiroso e arcaico, pois se refere à “data-base mantida para janeiro e deseja dar alguma reposição da inflação em 2017”. A falta de ética na política é demonstrada claramente com o jogo sujo na política expressa pelo governador Camilo Santana. - “O governo reconhece que existe uma distorção no salário dos professores e se comprometeu a ampliar a folha de pagamentos dos professores substitutos das três (3) universidades em 6 milhões de reais ao ano, sendo 3 milhões em janeiro de 2017 e 3 milhões em janeiro de 2018, sem prejuízo da revisão geral (...). Nomeação dos 84 professores concursados efetivos “no dia útil seguinte ao encerramento/suspensão da greve”. O governador, faz tempo, não tem cumprido acordos trabalhistas. 
É de domínio público que o cenário para a inflação este ano permaneceu inalterado. Mas para 2017 apresentou novo alívio, de acordo com a pesquisa Focus do Banco Central, que demonstrou ainda que a taxa básica de juros deve ser mantida em 14,25% nesta semana. A projeção para a alta do IPCA em 2016 ficou em 7,26% após duas semanas de quedas, segundo o levantamento divulgado, continuando assim acima do teto da meta do governo, de 4,5% com tolerância de 2 pontos percentuais. Para 2017, a estimativa permanece dentro da tolerância de 1,5 pontos percentuais para a meta de 4,5% ao cair para 5,30%, contra 5,40% na semana anterior. Em relação à política monetária, os especialistas não alteraram a visão de que a Selic será mantida em 14,25% pelo Comitê de Política Monetária, a primeira de Ilan Goldfajn. Em economia não existe a expressão “alguma reposição da inflação de 2017”. Um médico não diz para sua paciente que ela está ligeiramente grávida! É o que o govenador pretende insinuar com o sentido autoritário das oligarquias que serve: - “As questões referentes ao custeio das universidades serão tratadas diretamente com as reitorias das universidades”.
     
A mudança social ou política das coisas é sempre a mudança para melhor. Mas quando, em tempos como os nossos, a penúria é extrema, pois vivemos em tempos sombrios, os céus se abrem e despejam seu fogo sobre aqueles que, de qualquer modo, já estão perdidos. O que era comumente designado como o campo do social e do político, é a primeira coisa a dar essa impressão. A primeira página dos jornais, o rearmamento, os acontecimentos de ultramar, a tensão no Mediterrâneo etc. faz com que a essência do mundo coincida com a lei estática pela qual sua superfície é classificada. A comunicação cuida da assimilação dos homens isolando-os. O espírito é uma monstruosidade e tudo o que há de bom em sua origem e em sua existência está inextricavelmente envolvido neste terror.  Mas essa teoria, que pretendia cinicamente servir à crítica da filosofia da história em Hegel e Marx, é ela própria excessivamente antropocêntrica para se impuser com correta. A razão desempenha o papel do instrumento de adaptação. Sua astúcia consiste em fazer os homens dotados de um saber cada vez mais extenso, e assim estabelecer a identidade do sujeito com o objeto.
É fácil identificar o lugar da ciência e da política na divisão social do trabalho. Atualmente, o declínio da individualidade não ensina simplesmente a compreender sua categoria como ente histórico, mas também desperta dúvidas quanto à sua essência positiva. A injustiça que sofre o indivíduo vivifica o princípio de sua própria existência na fase da concorrência. A divisão técnica do trabalho, tal como se formou sob a dominação, não é absolutamente ignorada neste caso. A filosofia acredita na divisão do trabalho e que ela exista para homens e mulheres; acredita no progresso e que ele leve à liberdade. É por isso que entra facilmente em conflito com a divisão técnica do trabalho e com o progresso. A divisão do trabalho imposta pelo homem foi-lhe pouco favorável. As massas uniformizadas estão tão pouco conscientes de sua própria transformação radical, da qual, no entanto participaram tão convulsivamente, que não precisam mais de uma exibição ideológica dessa transformação.

Bibliografia geral consultada.

REICH, Wilhelm, Analisis del Carácter. Buenos Aires: Ediciones Paidos, 1957; GOFFFMAN, Erving, La Mise en Scene de la Vie Cotidienne. Paris: Éditions Minuit, 1973; COVRE, Maria de Lourdes Manzini, Educação, Tecnocracia e Democratização. São Paulo: Editora Ática, 1990; SCMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich, Pedagogia Dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Editora Brasiliense, 1983; BOBBIO, Norberto, Il Futuro della Democrazia. 1ª edição. Itália: Einaudi Editore, 2005; Idem, Direita e Esquerda. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 2012; MÜHL, Eldon Henrique, Racionalidade Comunicativa e Educação Emancipadora. Tese de Doutorado em Educação. Campinas: Universidade de Campinas, 1999; ALVA, Blanca Beatriz Díaz, “Pessoa, Utopia e Formação de Professores”. In: Educar. Curitiba: Editora da Universidade Federal do Paraná, n°19, pp.73-84, 2002; SHELLEY, Mary, Frankenstein or The Modern Prometheus. London: Collector`s Library, 2004; KOEHLER, Solange Ester, A Trajetória Institucional/Docente do Professor Substituto da UFSM. Dissertação de Mestrado em Educação. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2006; SPIRANDELLI, Claudinei Carlos, Trajetórias Intelectuais: Professoras do Curso de Ciências Sociais da FFCL-USP (1934-1969). São Paulo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Sociologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009; RODRIGUES, Lidiane Soares, Produção Social do Marxismo em São Paulo: Mestres, Discípulos e Um Seminário (1958-1978). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Departamento de História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011; Artigo: “Concurso Público de Fortaleza tem 500 Vagas para Professor Substituto”. In: www.http:g1.globo.com/21/03/2016; Artigo: “UECE levará 3 Anos para Repor Aulas”. In: Diário do Nordeste, 21 de outubro de 2016; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE). 

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