sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Faixas Urbanas - Mobilidade e Segurança em Fortaleza - Ceará.

Giuliane de Alencar
Resumo

A mobilidade urbana no município de Fortaleza é um problema que se estende para além da questão da segurança no trânsito, refletindo inclusive na racionalização do espaço público. No presente ensaio abordar-se-á o imbróglio em torno da utilização das faixas preferenciais para ônibus e ciclo-faixas adotadas recentemente pela política municipal, na gestão do prefeito Roberto Cláudio, que procura adequar-se às exigências da Política Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU. Também serão abordadas de maneira complementar ao assunto as respostas dos destinatários às mudanças ocorridas nesta estrutura urbana. O principal problema, portanto, limitar-se-á a tentativa de compreender as ações e interações dos sujeitos perante o novo cenário no qual eles passaram a deparar-se em seu cotidiano.

Palavras-chave: Faixas Exclusivas, Mobilidade Urbana, Segurança, Fortaleza.


Introdução

Os problemas da mobilidade e da segurança nos trajetos urbanos em Fortaleza não são recentes. O crescimento da cidade gerou tanto um resultado demográfico maior quanto o surgimento da região metropolitana. Esta mudança foi gerada a partir de ações em cadeia que levaram a uma maior preocupação, ao longo do tempo, com as políticas públicas voltadas para o planejamento urbano. O serviço de transportes coletivos[1] em Fortaleza, por sua vez, começou a funcionar em 1880, cinco anos após contratação do assentamento dos trilhos, com bondes movidos por tração animal.
O bonde elétrico só passou a ser utilizado em 1913, tendo sido desativado para que a produção de energia fosse restrita ao uso particular em 1947. Os ônibus só passaram a circular na capital em 1920, com estrutura equipada para transportar pessoas e cargas. A frota de ônibus de grande porte começou a funcionar no início da década de 40. Diante das mudanças ocorridas durante as primeiras décadas do século XX, seguidas até o término deste, a população passou adaptar-se aos itinerários que eram estabelecidos. No entanto, os critérios de renovação, vistoria, controle operacional e de gestão tiveram seu amadurecimento condicionado às mudanças ocorridas ao longo do tempo.
Atualmente, os avanços que são percebidos se devem ao processo de racionalização do sistema de transportes. Como exemplo temos a criação de terminais de integração, implantação de linhas interbairros, renovação das frotas em funcionamento (incluindo aparelhos de ar-condicionado em parte dos veículos, com a promessa de implantação em toda a frota além de conexão de internet sem fio), revitalização das ruas e avenidas, sinalização adequada em vários pontos da cidade, fiscalização eletrônica, criação de faixas e corredores específicos, razoável reforço educativo no trânsito, mapeamento dos itinerários úteis em algumas paradas de ônibus e troca de suas estruturas (passando de bancos de concreto para novos de ferro), entre outros. No entanto, o que nos interessa aqui são as mudanças relativas à implantação de faixas exclusivas para ônibus e de ciclo-faixas nas principais ruas de Fortaleza.
As mudanças registradas podem ser consideradas, entre outras razões, como resultantes da a) reivindicação popular – em particular por parte dos moradores de bairros que carecem da conexão com outros locais, através da câmara municipal ou das organizações comunitárias -, b) das ações provenientes das promessas de campanha com a finalidade de tornar público o “compromisso firmado”, seja como forma de convencimento ou de manutenção de um eleitorado cativo, com elevadas chances de interferir em uma possível reeleição e da c) segurança e melhoria geral para os usuários de veículos coletivos das prestadoras de serviço público de transporte e de bicicletas.
Isto posto, passaremos a analisar as circunstâncias pontuais que desencadearam na preocupação desta gestão em fornecer as melhorias aqui especificadas, bem como o comportamento dos seus usuários frente às mudanças estabelecidas nos últimos meses. Resultados como o descaso, o desrespeito por parte dos condutores de veículos particulares, os acidentes, avanços não permitidos nas faixas de trânsito caracterizando ultrapassagem perigosa, etc., justificam a opção pelo assunto e são motivos que dão sentido à análise ora desenvolvida.


Ativismo e Gestão: Iniciativas de mobilidade urbana

Os integrantes do movimento Massa Crítica, cujo nome surgiu a partir de um evento internacional que leva o mesmo nome, organizaram passeios ciclísticos na cidade de Fortaleza repetindo o que já aconteceu em outras cidades como Londres e Nova Yorque. Diante do aumento de usuários de bicicletas, o coletivo passou a adotar os passeios como tática de protesto e pressão popular desde agosto de 2013. Entre outras intervenções, os integrantes fizeram intervenções nas ruas e avenidas que davam acesso aos principais pontos da cidade. No período noturno alguns colaboradores saiam pintando e sinalizando uma “ciclovia”, que foi denominada de “ciclofaixa cidadã”. Quarenta dias depois, a prefeitura implantou uma ciclofaixa no local. A ação oficial foi considerada uma vitória pelo grupo.
Segundo Relatório[2] de 2015 produzido pela prefeitura municipal, o plano de mobilidade urbana de Fortaleza encontra-se em fase de estudos para a etapa de diagnóstico. Por enquanto os estudos ainda estão em fase de apuração de dados, sendo conduzidos por uma equipe multidisciplinar formada para o projeto “Fortaleza 2040”. Este projeto pretende elaborar planos econômicos, de mobilidade e urbanísticos. O prazo para elaboração dos planos com os índices que contemplem o corrente ano será janeiro de 2016. O Relatório atual indica que:

[...] ano de 2014, implantaram-se sete faixas dedicadas de ônibus distribuídas pela cidade, o que refletiu no pequeno aumento na porcentagem de área atendida por vias exclusivas ou preferenciais (16,90%) (Projeto Copa, 2014). Para 2015, a meta é expandir dos 53 quilômetros de faixas exclusivas para ônibus existentes no fim de 2014, para 122 quilômetros, atingindo mais que o dobro de desempenho do cenário anterior. (2015, p.15)

Os dados apresentados referentes àquele momento estão claramente ligados às melhorias realizadas em decorrência das proximidades do evento da Copa do Mundo. Fortaleza sediou alguns jogos e muitas obras foram realizadas para recepcionar o evento, vale lembrar que muitas estavam vinculadas à segurança e infraestrutura. Voltando à análise atual, o presidente da Associação de Ciclistas Urbanos de Fortaleza - Ciclovida, o engenheiro de transportes Phelipe Rabay, em entrevista[3] concedida ao site “O Estado”, em 28 de março 2016, disse que a inclusão de ciclo-faixas em Fortaleza foi vantajosa para a capital cearense, porém esbarra com alguns erros em seu modelo de implantação.
As críticas são muitas em torno do tema, ele pontuou problemas relacionados a lentidão, ao elitismo do projeto que prioriza áreas centrais da cidade enquanto a maioria dos usuários está nas áreas periféricas e dos problemas de manutenção, por exemplo:

“As ciclofaixas em Fortaleza, no geral, são bem planejadas e de boa qualidade, mas tem outras que fogem do ideal, como a da Avenida Antônio Sales, que finaliza no viaduto do Cocó e a da Avenida Rui Barbosa, pois quando foi implantada não foi feito um tratamento anterior e, por isso, está esburacada”.

Mesmo após as providências tomadas pela prefeitura de Fortaleza nos últimos meses, uma parcela da população continua descontente com a falta de proteção do ciclista. Em março deste ano cerca de 50 ciclistas percorreram o bairro Benfica concluindo o percurso no Aterro da Praia de Iracema. O que chamou atenção nesta manifestação de ativismo foi o fato da maioria ter pedalado sem roupas ou seminus. O ato foi chamado de “pedalada pelada”. Em resposta ao Jornal O Povo[4], os ativistas explicaram que o ato de tirar a roupa para pedalar tinha por objetivo chamar a atenção para a fragilidade do ciclista nas vias de Fortaleza. Esse tipo de movimento já foi realizado em outras capitais do Brasil.
A “pedalada pelada” em termos da teoria da ação para Jon Elster, que explicou a possibilidade de que algumas ações mesmo sendo racionais possam ser consideradas irracionais, isso em relação à preocupação com o seu resultado. Embora represente uma causa legítima e importante, a maneira como ela foi realizada provocou nas pessoas que presenciaram uma interpretação distanciada da intenção inicial dos ciclistas. Tanto é que um dos participantes contou ao jornal como conseguiu esquivar-se de um acidente durante a manifestação, e a maneira depreciativa com que os motoristas e pedestres se dirigiam ao grupo.



            Tomando a opinião de quatro entrevistados - sendo dois deles um casal de jornalistas que usam a bicicleta para se dirigirem diariamente ao trabalho (respectivamente, com iniciais B.C.R. e R.D.R., 37 e 31 anos), um terceiro colaborador estudante do curso de Filosofia, no Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará – UECE (iniciais D.F.S, 26 anos), e por último uma professora (iniciais A.C.A., 41 anos) do ensino médio, moradora do mesmo prédio, que utiliza ônibus e bicicleta para ir até a escola estadual onde trabalha que fica localizada no mesmo bairro em que residimos -, e a minha experiência diária analisarei as principais questões que permeiam a utilização dos transportes.
            Quando os interroguei sobre quais eram as interferências (sejam elas vantajosas ou não) que a implantação da ciclo-faixa, do equipamento de bicicletas compartilhadas e dos corredores exclusivos para os ônibus haviam trazido para o trajeto diário deles na cidade, pude constatar que o casal de entrevistados preferiu deixar o carro na garagem de casa para utilizar o compartilhamento de bicicletas, devido a facilidade de acesso ao ponto de troca próximo da casa e do trabalho. O estudante, por sua vez, informou que antes da criação da nova linha que liga o campus do Itaperi ao campus Fátima, o acesso à universidade era dificultado pela falta de integração que facilitasse o seu percurso que iniciava no bairro Parangaba e demorava cerca de uma hora. Com a nova linha e o bilhete único foi possível realizar economia de tempo de dinheiro, segundo ele.
            Além disso, D.F.S. explicou que “Depois da aula fica mais fácil pegar uma bike perto do estacionamento do CH e de lá ir para o Benfica esperar o horário do meu curso de inglês. Aí espero o meu ônibus passar em frente ao CH1”. A última entrevistada contou que a localização da escola onde ela trabalha dispensa o uso de transporte coletivo, mesmo assim costuma usar a sua bicicleta ou aguardar o ônibus na parada que fica perto do prédio, na Avenida Antônio Sales. A.C.A. contou que:

“Na volta eu pedalo pela ciclo-faixa da Rua João Brígido sem dificuldade. Olha, o perigo existe. Até porque já me deparei com carros estacionados na minha faixa, inclusive ocupando mais da metade da calçada. Por isso tive que parar, olhar pra trás e esperar até o movimento diminuir pra poder passar. Eles não respeitam. A bicicleta facilita muito a minha vida, o ônibus também. Agora com o corredor exclusivo ficou melhor, reduziu o tempo de espera. Eu tenho o privilégio de não morar longe da parada de ônibus. Já algumas amigas que esperam o ‘Antônio Sales/Aldeota’ no mesmo horário sofrem com a distância de uma parada pra outra. Acho que o Roberto Cláudio privilegia mais os carros do que os pedestres, pois as paradas são muito distantes e o tempo dos sinais das ruas que cortam a Avenida Antônio Sales são de poucos segundos”.

            Em seguida, fazendo algumas perguntas ligadas especificamente ao problema da insegurança no trânsito, indaguei sobre qual seria a opinião deles. Os quatro entrevistados disseram não sentir segurança no trânsito de Fortaleza. R.D.R se considerou sortuda por trabalhar no mesmo local que o seu marido B.C.R., explicando:

“Caso a gente trabalhasse em lugares diferentes eu não arriscaria andar de bicicleta sozinha por essas avenidas. Eu sei que a gente tá o tempo todo exposto ao risco de sofrer um assalto ou atropelamento. A gente vai na confiança e no gosto pela atividade física, sabe? Sei lá...se a gente tivesse tempo e coragem de pedalar à noite seria ótimo, mas o que trava em geral é o medo. Amigos da gente já foram assaltados”.

            A professora A.C.A. considerou o risco do assalto como algo que pode ocorrer no trânsito ou fora dele, mas que mesmo assim sai de casa sempre rezando para que nada de ruim aconteça. O estudante de Filosofia, por último, pensa que:
“A pouca qualidade dos ônibus, a condição precária de trabalho do motorista que muitas vezes faz o papel de motorista e de cobrador, arrisca a vida de todo mundo lá dentro. Essa linha nova que eu pego tem uns ônibus novos e alguns que mais parecem brinquedo de parque de diversão da periferia. E eu não vou mentir que quando estou na bike tenho o maior medo de ser atropelado por um carro ou de um motoqueiro daqueles acabar esbarrando em mim”.
            Apesar de ter escolhido poucas pessoas nesta curta entrevista, é possível entender a partir dos argumentos aqui transcritos que a falta de educação e de responsabilidade no trânsito reforça o medo de sofrer acidentes durante o percurso, além das altas chances de sofrer assaltos ou frustrações. Em relação às políticas públicas de mobilidade os entrevistados consideraram como ações típicas de ano eleitoral, ocasião em que o político desengaveta as obras e projetos que poderia ter realizado ao longo dos quatro anos do seu mandato.


Conclusão

            Para Jon Elster, de maneira simplificada, a teoria da escolha racional em uma sentença que parece óbvia resume-se na escolha que possa gerar o melhor resultado. Segundo a sua teoria, a escolha racional é conduzida pelo resultado da ação. O resultado delimita a intenção, seja na conduta racionalizada ou desprovida de atenção, chegando até mesmo ao ato inconsciente. O problema aqui analisado deixa claro uma leve possibilidade de erro por parte dos atores nela envolvidos, devido ao fato do prévio planejamento e da seriedade das consequências esperadas. Não é por qualquer razão que as ações que envolvam benefícios muitas vezes resultam justamente no oposto daquilo que foi meticulosamente previsto.  
Percebe-se, diante do exposto, a possibilidade entender que a escolha racional tem por objetivo ir de encontro aos melhores meios que possam alcançar fins esperados, mas nem sempre é o que de fato ocorre. Esta afirmação pode ser conferida na observação das constantes críticas e no descrédito populacional para com as medidas de mobilidade urbana implantadas recentemente. Seja do ponto de vista da gestão estratégica municipal ou das consequências das ações dos sujeitos que se manifestam contrariamente ao atual quadro de insegurança no trânsito e/ou fora dele.

Bibliografia consultada
HELLER, Agnes, O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1972; GINZBUURG, Carlo e PONI, Carlo, “Il nome e il come: scambi ineguale e mercato storiografico”. In: Quaderni Storici, n 40, 1979; ELSTER, Jon, Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro-RJ. Relume-Dumará, 1994; BIANCO, S. L., “O Papel da Bicicleta para a Mobilidade Urbana e a Inclusão Social”. In: Revistas dos Transportes Públicos. São Paulo: ANTP, ano 25, 3º trim. 2003, n° 100, pp 167-176; SOARES, Joisa Maria Barroso, Parque Ecológico do Cocó: A Produção do Espaço Urbano no Entorno de Áreas de Proteção Ambiental. Dissertação de Mestrado.  Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2005; KERCKHOVE, Derrick de, A Pele da Cultura. São Paulo: Editora Annablume, 2009; MAFFESOLI, Michel, Saturação. São Paulo: Iluminuras, 2010; ARAUJO, Fabíola Guedes, A influência da infraestrutura cicloviária no comportamento de viagens por bicicleta. Dissertação de Mestrado em Transportes – Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Faculdade de Tecnologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2014; entre outros.



[1] Fonte: “Sistema antigo de transporte em Fortaleza”. Blog Fortalbus, 19 de mar. 2015.  Disponível em: http://www.fortalbus.com/2012/09/sistema-antigo-de-transporte-de.html.
[2] Relatório: “Análise das iniciativas municipais de mobilidade urbana em Fortaleza sob a ótica da Política Nacional de Mobilidade Urbana”. Instituto de Políticas  de  Transporte e Desenvolvimento. Outubro de 2015. Disponível em: http://itdpbrasil.org.br/wp-content/uploads/2015/10/Relat%C3%B3rio-Mobilidade-Fortaleza_final.pdf.
[3] “Implantação de ciclofaixas pela Prefeitura é elitista”. O Estado. 28 de mar. 2016. Disponível em: http://www.oestadoce.com.br/geral/implantacao-de-ciclofaixas-pela-prefeitura-e-elitista.
[4] “Ciclistas tiram a roupa em pedalada por mais segurança no trânsito de Fortaleza”. Jornal O Povo. 06 de mar. de 2016. Disponível em: http://www.opovo.com.br/app/fortaleza/2016/03/06/noticiafortaleza,3584612/ciclistas-tiram-a-roupa-em-pedalada-por-mais-seguranca-no-transito-de.shtml.

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