Ubiracy de Souza Braga
“Vivemos
tudo, antes que a mão avara nos cortasse ao meio”. Heloísa de Argenteuil
A
história trágica de amor entre Abelardo
e Heloísa se passa na França, no século XII, em meados da Idade Média. Filósofo
e teólogo escolástico, Pierre Abélard ou Abailard, em latim Petrus Abelardus,
nasceu em Le Pallet, perto de Nantes, França, por volta do ano 1079, morrendo
no priorado de Saint-Marcel, próximo de Chalôns-sur-Saône, a 21 de abril de
1142. Influenciado desde cedo por Filosofia, estudou Lógica, entre 1094 e 1106,
em Loches e Paris, logo entrando em conflito com a tradição conservadora de
seus mestres. Foi professor em Melun, comuna francesa localizada na região
administrativa da Île-de-France, no departamento Sena e Marne, Corbel, comuna
francesa na região administrativa de Auvérnia-Ródano-Alpes, no departamento de
Saboia e Paris, ensinando dialética, o que lhe valeu intermináveis
perseguições. Isto porque, metodologicamente Abelardo defendia a abstração dos
universais, opondo os conceitos de “vox”, nominalismo e “res”, realismo, o “sermo”,
tradicionalmente conhecido como latim vulgar. Este latim pertencia a uma
população que era muito pouco ou quase nada escolarizada, e por isso mostra um
conjunto de inovações gramaticais que não seguem as normas do latim literário como função lógica do espírito. Para Abelardo, o conceito é
universal, se paica aos indivíduos que participam no processo de
conhecimento, representando, uma “situação” e não uma realidade. Em seus manuscritos procurou aproximar a Teologia da Lógica,
ligando a trindade cristã ao conceito “Um-Alma-Mente” do neoplatonismo.
Acreditando na capacidade da mente humana de alcançar o verdadeiro conhecimento natural e supernatural, defendia o exame crítico das Escrituras à luz da razão. Prestava atenção ao recurso técnico utilizado em relação à linguagem, suscetível a tantas interpretações quanto à diversidade dos que a empregam. Abelardo é a primeira figura do intelectual moderno. Chamaram-lhe de “cavaleiro da dialética”. Estatisticamente entre 1200 e 1400 foram fundadas na Europa 52 universidades, e 29 delas foram edificadas pelo papado. A transformação cultural gerada pelas universidades no século XIII foi reconhecida pela frase de Charles Homer Haskins: “Em 1100, a escola seguia o mestre; em 1200, o mestre seguia a escola”. Algumas dessas universidades recebiam da Igreja católica o título de “Studium Generale”, que indicava que este era um instituto de excelência internacional, levando em consideração os locais de ensino mais prestigiados do velho continente. Acadêmicos de “Studium Generale” eram encorajados a “dar cursos em outros institutos por toda a Europa, bem como a compartilhar documentos”. Esta dinâmica interdisciplinar de seu funcionamento iniciou a cultura de intercâmbio presente ainda hoje nas universidades europeias. Ipso facto, a filosofia do século XII pode ser dividida a partir do desenvolvimento da atividade filosófica que se concentrou antes e depois do nascimento das primeiras universidades. Na Idade Média este sistema orientará, por meio da espacialização do pensamento, a dialética essencial dos valores cristãos.
Acreditando na capacidade da mente humana de alcançar o verdadeiro conhecimento natural e supernatural, defendia o exame crítico das Escrituras à luz da razão. Prestava atenção ao recurso técnico utilizado em relação à linguagem, suscetível a tantas interpretações quanto à diversidade dos que a empregam. Abelardo é a primeira figura do intelectual moderno. Chamaram-lhe de “cavaleiro da dialética”. Estatisticamente entre 1200 e 1400 foram fundadas na Europa 52 universidades, e 29 delas foram edificadas pelo papado. A transformação cultural gerada pelas universidades no século XIII foi reconhecida pela frase de Charles Homer Haskins: “Em 1100, a escola seguia o mestre; em 1200, o mestre seguia a escola”. Algumas dessas universidades recebiam da Igreja católica o título de “Studium Generale”, que indicava que este era um instituto de excelência internacional, levando em consideração os locais de ensino mais prestigiados do velho continente. Acadêmicos de “Studium Generale” eram encorajados a “dar cursos em outros institutos por toda a Europa, bem como a compartilhar documentos”. Esta dinâmica interdisciplinar de seu funcionamento iniciou a cultura de intercâmbio presente ainda hoje nas universidades europeias. Ipso facto, a filosofia do século XII pode ser dividida a partir do desenvolvimento da atividade filosófica que se concentrou antes e depois do nascimento das primeiras universidades. Na Idade Média este sistema orientará, por meio da espacialização do pensamento, a dialética essencial dos valores cristãos.
Paris,
a capital de l’amour, foi o palco do
romance. Pedro Abelardo, nascido de família nobre em 1079 deveria seguir a
profissão das armas como seus irmãos. Mas desde cedo a convicção do jovem o fez
escolher os estudos de Filosofia, Teologia e Letras e seguiu uma carreira na
área de Pedagogia. A educação, no século XII, era monopólio da igreja católica
que estabelecia normas aos seus professores e estudantes. Uma das imposições
era a de que os professores jamais poderiam envolver-se afetivamente com
alunos. O desrespeito às regras era considerado crime, seguindo-se punições de acordo com a gravidade dos fatos
sociais. Abelardo era um mestre reconhecido por seu grupo, por seus alunos, como
erudito e sensível. Na sua maturidade intelectual, ele apresentou
questionamentos e críticas aos pensamentos tradicionais, demonstrando afeição
aos filósofos não cristãos. Aos 36 anos, Abelardo era um brilhante professor em
teologia na Catedral Notre Dame de Paris. Canon Fulbert, um senhor abastado de
Paris, era o responsável pelo aprimoramento intelectual da sua sobrinha Heloísa.
Como tutor decidiu confiar a jovem ao renomado mestre Abelardo.
Heloísa
é mais reconhecida pela sua relação com Pedro Abelardo. Ela era brilhante
estudiosa de Latim, Grego e Hebraico, e tinha uma reputação de inteligência e
perspicácia. Abelardo escreve que ela era nominatissima, “muito conhecida” por
seu dom da escrita e leitura. Parece que era de uma classe social mais baixa
que a de Abelardo, que era originalmente da nobreza, embora ele tivesse
rejeitado fidalguia para ser um filósofo. O que se sabe é que ela era a
funcionária de seu tio, cônego em Paris chamado Fulbert. Nos seus manuscritos,
Abelardo narra a história da sedução de Heloísa e sua posterior relação
ilícita, que continuou até Heloísa ter um filho, a quem chamou Astrolabius (Astrolábio). Abelardo
casou-se secretamente com Heloísa. Eles esconderam esse fato, a fim de não prejudicar
a carreira de Abelardo. A opinião aceita é que Fulbert, em sua ira, puniu Abelardo
atacando-o enquanto dormia e castrando-o. Outra visão é que Fulbert divulgou o
segredo do casamento e sua família procurou vingança, ordenando a castração de
Abelardo. Após a castração, Abelardo tornou-se monge. No convento de
Argenteuil, Heloísa tomou o hábito e tornou-se abadessa.
No período de convivência no convento,
começou a correspondência entre os dois amantes. Após ter deixado a Abadia do
Paracleto, Abelardo fugiu das perseguições, e escreveu sua Historia Calamitatum, explicando suas tribulações, tanto em sua
juventude como um filósofo e posteriormente como simples monge. Heloísa respondeu-lhe
tanto em nome da Paraclete e dela mesma. Nas cartas que se seguiram, Heloísa
manifestou consternação pelos problemas morais e políticos enfrentados por
Abelardo. Assim começou uma correspondência apaixonada entre ambos, mas
tipicamente erudita. Heloísa incentivava Abelardo em sua obra filosófica e ele
dedicou a sua profissão de fé a ela. Em um ponto, ela diz a ele para
compartilhar cada detalhe de sua vida e para não protegê-la de aborrecimento. O
Problemata Heloissae é uma coleção de
42 perguntas teológicas dirigidas de Heloísa a Abelardo no tempo em que ela era
abadessa em Paraclete, e suas respostas a elas. Embora tenham se casado, o cônego
Fulberto, tio e responsável da jovem, ficou furioso com a situação e ordenou com
que Abelardo, na escuridão da noite, fosse castrado. Assim, por volta de 1118, além
de ter ordenado Heloísa a se tornar monja, Abelardo também se abrigou no claustro
monástico, mais por conta da “confusão da vergonha” do que “pela vocação de uma
vida religiosa”. Tomou a abadia de S. Denis em Paris como refúgio, no entanto sua
estadia foi conturbada.
Por
conta de diversos problemas com seus novos irmãos e uma condenação por heresia
no concílio de Soissons em 1121, Abelardo, com a ajuda de alguns amigos, fundou
o Paracleto, que significa “aquele que consola ou conforta; aquele que encoraja e reanima; aquele que revive; aquele que intercede em nosso favor como um defensor numa corte”. No cristianismo, o termo é utilizado para se referir ao Espírito Santo e o termo tem sido objeto de longo debate entre os teólogos, com diversas teorias sobre o assunto. um oratório próximo ao rio Ardusson, também em Paris. Sentindo-se
pressionado por seus críticos e temendo uma nova condenação, Abelardo abandonou
o Paracleto para se tornar abade do mosteiro de Gildas-Rhuys, na Bretanha, em
c. 1127. O comportamento de seus novos irmãos
não era compatível ao de monges que eram e, ao tentar corrigi-los, Abelardo foi
vítima de algumas tentativas claustrofóbicas de homicídio. Essas informações
biográficas são encontradas na Historia
Calamitatum, carta que Abelardo escrevera, por volta de 1132, a um
amigo não nomeado.
A
recomendação de celibato clerical na igreja latina possui sua primeira
representação pelo Concílio de Elvira (295-302), mas, como este concílio era
apenas um concílio provincial espanhol, pois Elvira era uma cidade romana,
junto a Granada, as suas decisões não foram cumpridas por toda a Igreja cristã.
O Concílio de Elvira assim legislou: “Bispos, presbíteros, diáconos e outros
que ocupem uma posição no ministério devem abster-se totalmente de relações
sexuais com suas esposas e da procriação de filhos. Se alguém desobedecer, seja
ele privado do estado clerical” (XXXIII cânon). O Primeiro Concílio de Niceia
(323) decretou apenas que “todos os membros do clero estão proibidos de morar
com qualquer mulher, com exceção da mãe, irmã ou tia” (III cânon). No final do
século IV, a Igreja Latina promulgou várias leis a favor do celibato. Foram
geralmente bem aceites no Ocidente no pontificado de São Leão Magno (440-461),
mas o Concílio de Calcedônia (451) também “proibiu o casamento de monges e
virgens consagradas” (XVI cânon), impondo o celibato ao clero.
Em
troca dos ensinamentos feitos por Abelardo à sobrinha, Fulbert hospedou o
professor em sua residência em Paris. No início, o tio de Heloísa ficou
temeroso de deixar a bela jovem a sós com o professor. Com o passar do tempo, o
tio adquiriu confiança em Abelardo. Heloísa, nascida em 1100 e educada, por assim dizer em “berço
de ouro”, formosa e delicada, iniciou com 17 anos os seus contatos com o
professor Abelardo que quando conheceu a jovem Heloísa de Argentuil, era
conhecida “pela abundância dos conhecimentos literários”. Ela já o conhecia de renome
e o admirava por sua fama e inteligência. Bastaram os primeiros encontros entre
Abelardo e Heloísa para que nascesse entre os dois um amor platônico. Um amor
real seria quase impossível a moralidade descrita pelas regras sociais e políticas. Mas com o passar do tempo
a paixão e o desejo não puderam resistir e o casal iniciou a relação amorosa. Meses
mais tarde, Heloísa ficou grávida e Abelardo e Heloísa refugiaram-se na
Bretanha, no norte da França, onde nasceu Astrolábio.
Na
história da igreja a “virgindade religiosa”, denominada de “Virgindade
Sacra”, “Sagrada Virgindade” ou “Santa Virgindade”, é um conceito importante na
tradição cristã, especialmente no que diz respeito à Virgem Maria que ocupa um
lugar central no dogma cristão católico e ortodoxo. Votos de castidade e
celibato são necessários para entrar na vida monástica ou no sacerdócio. A
sagrada virgindade e a perfeita castidade considera a Igreja Católica, quando
consagrada ao serviço de Deus, um dos mais “preciosos tesouros” deixados por
Cristo à sua Igreja. Afirma ainda a Doutrina da Igreja Católica que a santa
virgindade é mais excelente que o matrimônio, isto no Concílio de Trento. Sobre
o tema afirma João Paulo II na Exortação Apostólica Familiaris consortio (n° 16): - Permanecendo no celibato, o homem pode entregar a Deus um coração
indiviso, segundo o modelo do seu Filho, Jesus Cristo, que ao Pai entregou o
amor exclusivo e total do seu coração. “É então que o homem conquista o supremo
cume, o vértice do testemunho cristão: Tornando livre de um modo singular o
coração humano (...) a virgindade testemunha que o Reino de Deus e a sua
justiça são aquela pérola que devemos preferir a qualquer outro valor”.
Contudo, o celibato é visto de
forma diferente por distintos grupos cristãos. Embora no passado fosse aceite o
matrimônio de padres ordenados tendo a inclusão de São Paulo recomendando a
fidelidade matrimonial aos bispos, na atualidade, excetuando em casos referentes
aos diáconos e a padres ordenados pelas Igrejas orientais católicas e pelos ordinariatos pessoais para anglicanos,
todo o clero católico latino é obrigado a observar e cumprir o celibato. Nas
Igrejas orientais, o celibato é apenas obrigatório para os bispos, que são
escolhidos entre os sacerdotes celibatários. A Igreja Católica de rito latino,
sinteticamente, dá as seguintes principais razões de ordem teológica para o
celibato dos sacerdotes e religiosos de vida consagrada: a) com o celibato os sacerdotes
entregar-se-iam de modo mais excelente a Cristo, unindo-se a Ele com o coração
indiviso; b) o celibato facilita ao sacerdote a participação no amor de Cristo
pela humanidade uma que vez que Ele não teve outro vínculo nupcial a não ser o
que contraiu com a sua Igreja; c) com o celibato os clérigos dedicar-se-iam com
maior disponibilidade ao serviço dos outros homens; d) a pessoa e a vida do
sacerdote são possessão da Igreja, que faz às vezes de Cristo, seu esposo; e) o
celibato dispõe o sacerdote pare receber e exercer com generosidade a paternidade
que pertence a Cristo.
Porém, apesar disso, houve
vários avanços e recuos na aplicação desta prática eclesiástica, nomeadamente
entre o clero secular, chegando até mesmo a haver alguns Papas casados, como
por exemplo, o Papa Adriano II. No século XI, vários Papas, especialmente Leão
IX e Gregório VII, esforçaram-se novamente por aplicar com maior rigor as leis
do celibato. Isto ocorreu devido à crescente degradação moral do clero, causada
em parte pela confusão instaurada pelo desmembramento do Império Carolíngio
quando houve padres e bispos que chegaram a demonstrar que tinham esposas ou
concubinas. Durante o Concílio de Constança, 700 prostitutas atenderam
sexualmente os membros participantes. Por fim, o Primeiro Concílio de Latrão
(1123) e o Segundo Concílio de Latrão (1139) condenaram e invalidaram o
concubinato e os casamentos de clérigos. Pelo uso da força como Aparelho de
Estado secular reforçando assim o celibato clerical, “que já era na altura uma
prática frequente e aceite pela maioria como necessária”. O celibato é
defendido porque os celibatários eram mais livres e disponíveis. Com o tempo, o
clero regular se foi destacando em relação ao clero secular. O celibato
clerical voltou ainda a ser defendido em força pelo Quarto Concílio de Latrão
(1215) e pelo Concílio de Trento (1545-1563), que impôs definitivamente o
celibato obrigatório a todo o clero da Igreja Latina, incluindo o clero
secular.
As Escolas Monásticas eram
articuladas à ordem de Cister e o ensino da filosofia se desenvolveu a partir
da leitura de Platão, apropriadas por neoplatônicos e Santo Agostinho. Em
geral, elas se fundamentavam em outros tipos de racionalidade, diferente da
escolástica que se voltava mais ao estudo da dialética e às disputationes. Na própria escolástica
verificamos certa flutuação de racionalidades, como no próprio trabalho de
Pedro Abelardo, que, apesar de lógico, compreendeu muitos aspectos da
filosofia, principalmente a de cunho ético-teológico, recorrendo à Santo
Agostinho e ao neoplatonismo como os participantes das Escolas Monásticas. É nos
mosteiros espalhados pela Europa, longe das novas cidades emergentes na Europa,
que surgem as Escolas Monásticas que visam, inicialmente, apenas a formação de
futuros monges. Funcionando de início apenas em regime de internato, estas
escolas abrem mais tarde escolas externas com o propósito da formação de leigos
cultos, filhos dos Reis e os servidores também. O programa de ensino, de
início, muito elementar - aprender a ler, escrever, conhecer a bíblia - se
possível de memória - canto e de aritmética, vai-se enriquecendo de forma a
incluir o latim, gramática, retórica e dialética.
Um egrégio representante das
Escolas Monásticas foi São Bernardo de Clairvaux sendo a ele atribuídos o
estudo contemplativo e silencioso das Sagradas
Escrituras, a restauração da regula
benedicti do sistema disciplinar “ora
et labora” em contraposição ao ensino metódico da dialética, que se promovia
mais agitado nas formações de “disputationes”. Apesar da concepção de filosofia
ser pagã e contradizer em muitos aspectos o estudo das Sagradas Escrituras, a maior parte de seus livros são obra de muitas mãos e a composição de alguns deles durou séculos. Mas ela ainda permanecia nessas escolas com o
mesmo propósito de quando adentrou nos primórdios do cristianismo. Os
gramáticos pertenciam em grande parte às Escolas Monásticas, como a Escola de
Chartres, fundada por Fulbert de Chartres e difundida no século XII por Bernard
de Chartres. Os religiosos pertencentes à essa escola tinham por objetivo tanto
as categorias de pensamento quanto as categorias da língua. Logo, além de
conceberem o estudo da gramática, como objeto de pensamento ainda visava
adequá-la ao estudo filosófico na vertente do quadrivium. Pelo fato técnico de trabalhar com números e proporções, o quadrivium seria o melhor meio de compreender a ordem do universo, enquanto obra primorosa concebida pelo divino arquiteto, pois se acreditava que as distancias entre os planetas – bem como seus movimentos espaciais – estavam ordenados matematicamente. A gramática aliada a filosofia se centralizava no aprendizado do Timeu de Platão, via tradução de Calcídeo.
O desenvolvimento da filosofia na França foi balizado pela influência do platonismo através da escola de Chartres e pela disputa entre a facção dos místicos e teólogos e a dos dialéticos ou filósofos. A dialética significava, predominantemente, a arte de discernir o verdadeiro do falso, melhor dizendo, aquela parte da filosofia que trata dos termos, das proposições e do raciocínio. Um grande representante da dialética desse tempo foi Pedro Abelardo, nascido em 1079, na pequena localidade de Le Pallet, próximo de Nantes, França. Filho de um pequeno nobre chamado Béranger, homem de considerável cultura, Abelardo foi desde cedo orientado para o estudo esquemático do trivium (gramática, retórica e dialética) e, do ponto de vista “indiciário”, nada estudou do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Em 1094, dirige-se a Loches, a fim de estudar lógica sob a orientação de Roscelino, o grande mestre da chamada escola nominalista. Nesse ínterim refaz o mesmo princípio metodologicamente em Paris, tendo como mestre Guilherme de Champeaux, que seguia orientação contrária à de Roscelino, propugnando o realismo filosófico dos universais. A “querela dos universais” desde cedo é um dos principais centros de interesse de Abelardo, que, posteriormente, traria contribuições relevantes nesse campo de indagação filosófica.
A Escola da catedral de Chartres foi
uma escola que funcionou na catedral de Chartres e que se tornou um importante
centro de estudos na Europa medieval. Seu ápice ocorreu nos séculos XI e XII,
durante o chamado renascimento do século XII. Nesse período, segundo alguns
historiadores, os grandes intelectuais de seu tempo, como Yves de Chartres,
Gilbert de la Porrée, Bernard de Chartres, Guillaume de Conches, Clarembaud
d`Arras, Bernard Silvestre, Thierry de Chartres e Jean de Salisbury, teriam
sido ligados à escola, contribuindo para a modernidade da instituição. Até a
primeira metade do século XX, a Escola de Chartres era considerada pelos
historiadores como a mais vigorosa expressão do espírito progressista do século
XII. O Ocidente europeu do início da Idade Média era pouco mais que uma colcha de retalhos com populações camponesas e tribos germânicas em processo de desagregação cultural, romantização e asiatização religiosa e cultural, adotando um efêmero movimento religioso do Oriente Próximo e renegando as suas próprias raízes animistas, politeístas e afins. O surgimento da universidade, no início do século XIII, na França e em
outros pontos da Europa, representa uma mudança no sistema de ensino medieval.
Pela primeira vez, funda-se e organiza-se uma instituição cuja identidade primeira
é representado através da dedicação ao estudo. Assiste-se, no interior das relações medievas, a
criação de um espaço social destinado
somente ao saber. Contudo, entre 1965 e 1970, Richard William Southern, no
ensaio Medieval Humanism and Other Studies (Oxford, 1970), demonstra que a
análise documental rigorosa não permitiria afirmar que havia essa supremacia. A
escola de Chartres não era diferente de outras escolas episcopais,
e nada prova que tivesse distinguido por uma excepcional plêiade de
mestres, a não ser antevendo o debate. Suas características são, segundo Boehner
e Gilson, o cultivo das ciências naturais e a familiaridade com a literatura
clássica.
A
vida social deriva inexoravelmente de uma dupla fonte: a similitude das consciências
e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no primeiro caso,
porque, não tendo individualidade própria, confunde-se como seus semelhantes,
no seio de um mesmo tipo coletivo; no segundo, porque, tendo uma fisionomia e
uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles na mesma
medida em que se distingue e, por conseguinte, da sociedade que resulta de sua
união. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam as relações
das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas reparadoras
sem caráter expiatório. De todos os elementos técnicos e sociais da
civilização, a ciência nada mais é que a consciência levada a seu mais alto
ponto de clareza. Nunca é demais repetir que para que as sociedades possam
viver nas condições de existência que lhes são dadas, é necessário que o campo
da consciência se estenda e se esclareça. Quanto mais obscura uma consciência,
mais é refratária à mudança social, porque não vê depressa o que é necessário
mudar. Nem em que sentido é preciso mudar. Uma consciência esclarecida sabe
preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança risível. Eis porque
é necessário que a inteligência guiada disciplinarmente pela ciência adquira
uma importância maior no curso da vida coletiva. Tais sentimentos são capazes
de inspirar não apenas esses sacrifícios cotidianos, mas também atos de
renúncia completa e de abnegação exclusiva. A sociedade aprende a ver os
membros que a compõem como cooperadores que ela não pode dispensar e para com
os quais tem deveres. Na realidade, a cooperação também tem sua moralidade
intrínseca. Há apenas motivos para crer, que, em nossas sociedades, essa
moralidade ainda não tem todo o desenvolvimento que lhes seria necessário. Daí
resulta duas grandes correntes da vida social, que correspondem dois tipos de
estrutura não menos diferentes. Dessas correntes, a que tem sua origem nas
similitudes sociais corre a princípio só e sem rival.
Bibliografia geral consultada.
FEUERBACH, Ludwig, Abelardo y Heloísa y otros escritos de juventud.
Granada: Editorial Comares, pp. 73-139; 1995; ROCHA, Zeferino, Abelardo
– Heloísa. Cartas. Recife: Editora Universitária da Universidade Federal de Pernambuco, 1997; SCHMITT, Jean-Claude, “La ‘Découverte de l’Individu’: Une Fiction Historiographique”. In: Les Corps, les Rites, les Rêves, les Temps. Essais d’Anthropologie Médiévale. Paris: Éditions Gallimard, 2001; MAGDALENA, Enrique Miret, “La Azarosa Historia del Celibato Clerical”. In: Jornal El País, 26 de março de
2002; GILSON, Étienne, O Espírito da Filosofia Medieval. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006; Idem, Heloisa e Abelardo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007; TONDINELLI, Tiago, Ética e Justiça no Pensamento de Pedro Abelardo. Tese de Doutorado em Filosofia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2007; DUBY, Georges, As Damas do Século XII. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2013; ESTÊVÃO, José Carlos, Abelardo e Heloísa. São Paulo: Discurso Editorial; Paulus Editora, 2015; CHAVES-TANNÚS, Marcio, A Ética de Pedro Abelardo: Um Modelo Medieval da Lógica a Moral. Uberlândia: Editora da Universidade Federal de Uberlândia, 2015; NEVES, Gabrielle Marques, Análise das Cartas de Heloisa de Argenteuil e sua Correspondência com Abelardo: Amor e Violência no Século XII. Trabalho de conclusão de Curso. Departamento de História. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2017; SILVA, Rodolfo Fernandes da, Intencionalidade, Consciência e Caridade nas Obras Éticas de Pedro Abelardo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2017; LE GOFF, Jacques, O Nascimento do Purgatório. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2017; LAZARINI, Richard, A Noção de Ato de Ser Segundo a Exposição de Tomás de Aquino aos Ebdomadibus de Boécio. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; entre outros.
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