sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Intervenção Militar - Vigilância & Ilegalidades no Rio de Janeiro.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

A justiça militar está para a justiça, assim como a música militar está para a música”. Georges Clemenceau

            
        Georges Benjamin Clemenceau (1841-1929) foi um estadista, jornalista e médico francês. Formado em medicina, ciência que cedo trocou pelas atividades políticas. Com 30 anos em 1871, Clemenceau integrava a Assembleia Nacional, na qual se manifestou veementemente contra o tratado de paz com o recém-unificado Império Alemão. O seu posicionamento político tornava-se por vezes um pouco incómodo para alguns dos seus pares, pois defendia os ideais republicanos e anticlericais de extrema esquerda. A este político irreverente devem-se a queda de seis governos e a demissão do presidente da república, o que lhe conferiu o título de “o tigre”. Clemenceau foi o fundador do jornal La Justice, um periódico de tendência radical, que aumentou consideravelmente a sua influência política. Em 1897 foi o responsável pela publicação de L`Aurore, onde o escritor francês Émile Zola lançou J`accuse a propósito do Caso Dreyfus. Entre 1902 e 1920 Clemenceau foi eleito senador. Ocupou o cargo de primeiro-ministro da França nos períodos 1906-1909 e 1917-1920. Neste último, chefiou o país durante a 1ª grande guerra e foi um dos principais autores da Conferência de Paz de Paris, que resultou no Tratado de Versalhes, onde tinha dois grandes objetivos: A recuperação de Alsácia e Lorena e a Independência da Renânia. Apenas o primeiro objetivo foi concluído, a Renânia foi desmilitarizada.
         Intervenção militar significa o uso estratégico das forças militares para controlar determinada situação que deveria ser de responsabilidade de outro tipo de força ou autoridade. No âmbito internacional, a intervenção militar se configura quando os militares de um país são enviados a uma nação terceira com o objetivo de controlar, de maneira temporária, os interesses daquele país. Normalmente, nestes casos, a intervenção militar se justifica em situações particulares, como por exemplo, quando determinada nação sofre com guerras civis intensas ou com falta de um comando que garanta sua segurança, ou ainda quando a população é negligenciada pelo governo daquele país. Um exemplo de intervenção militar internacional aconteceu quando as forças militares dos Estados Unidos da América (EUA) invadiram o Afeganistão, alegando defender o bem-estar dos cidadãos do país e garantir a segurança mundial. Tradicionalmente a intervenção militar, como forma de controlar os três poderes de um país: Legislativo, Executivo e Judiciário, pode ser considerada um golpe de Estado, ou seja, uma maneira ilegal de “derrubar” um governo constitucionalmente legítimo.
            No caso brasileiro, a intervenção militar representou um período que ficou historicamente marcado por ser a ditadura militar brasileira, entre os anos de 1964 e 1985. No dia 1° de abril de 1964 o governo de João Goulart após renúncia do presidente eleito Jânio Quadros foi deposto e o regime militar teve início alguns dias depois, a partir de um golpe de Estado. O fim da ditadura militar no Brasil aconteceu em 1985, sendo o general João Batista de Figueiredo o último presidente deste período. Algumas manifestações ocorridas entre 2014 e 2015, contra o legítimo governo brasileiro, pediam a intervenção militar como solução pragmática para resolver questões referentes à economia, corrupção e segurança nacional. No entanto, os manifestantes de direita que exigiam este tipo conservador de intervenção, normalmente, desconhecem as consequências que este ato autoritário traria para o direito democrático da sociedade. Vale lembrar que a intervenção militar, como forma de derrubar o governo, é uma ação inconstitucional, sendo previsto em lei que as Forças Armadas, ao contrário de ameaçar a democracia, os Três Poderes e a soberania da Presidência, deverá protegê-los.
            Não queremos perder de vista que a 1ª mulher eleita na América Latina foi Violeta Barros, em 1990, na Nicarágua.  Apesar da importância da eleição, ela é reconhecida como Violeta Chamorro, sobrenome do marido - pela maioria das pessoas é lembrado como “viúva” do jornalista Pedro Joaquín Chamorro Cardenal, assassinado pela ditadura que assolava o país. Ou seja, a primeira mulher eleita para uma Presidência na América Latina “precisa ter a memória vinculada a um homem”. A 2ª mulher a presidir um país latino-americano foi Mireya Moscoso, que governou o Panamá entre 1999 e 2004. Em todas as biografias, Mireya “é descrita como esposa do Presidente Arnulfo Arias Madrid”. Michelle Bachelet foi eleita em 2006 para governar o Chile. Ela é a 1ª mulher a presidir o Chile pela segunda vez, desde a ditadura do general Augusto Pinochet. As referências de “esposa” e “viúva” também são usadas para Cristina Kirchner, que governa a Argentina desde 2007. A brasileira Dilma Rousseff (PT) é a 11ª mulher a ocupar o cargo de presidente da República na América Latina – a oitava eleita. Dos 33 países da região, a Argentina já teve duas mulheres no governo. Outros oito países latino-americanos tiveram uma mulher presidente: Bolívia, Haiti, Nicarágua, Equador, Guiana, Panamá, Chile e Costa Rica.



O mandato terminou em 2015 e ela não poderá se candidatar novamente, de acordo com Constituição do país. A 5ª presidenta eleita na América Latina venceu as eleições de 2010, assim como Dilma Rousseff. Laura Chinchilla presidiu a Costa Rica até maio deste ano. Antes de ocupar o cargo, ela já havia sido vice-presidente de Óscar Arias Sanchez. Dilma Rousseff é a 1ª mulher a governar o Brasil, vencendo as eleições de 2010 e 2014, sucessivamente, mas foi derrubada pelo golpe de Estado de 17 de abril de 2016. Segundo Michael Löwy o que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado pseudolegal, “constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se preferir. Mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e senadores – profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades contábeis, as chamadas “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma prática corriqueira em todos os governos anteriores! 
Não há dúvida de que vários quadros do Partido dos Trabalhadores estão envolvidos no escândalo de corrupção como vem ocorrendo com a Petrobras, mas Dilma Rousseff não tem nada a ver com isso Na verdade, os deputados de direita que conduziram a campanha contra a presidente são uns dos mais comprometidos nesse caso, começando pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cosentino da Cunha  filiado ao PMDB. Exerceu o cargo de deputado federal entre fevereiro de 2003 e setembro de 2016, quando teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara dos Deputados. Eduardo Cunha recentemente suspenso foi acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fiscal etc. Contudo, no caso do Partido dos Trabalhadores (PT), a prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas, testada em Honduras e no Paraguai, países que a imprensa costuma chamar de “República das Bananas”, ela se mostrou eficaz e lucrativa para eliminar presidentes  moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num país que tem o tamanho de um continente. Lembra-nos os versos de Cora Coralina quando afirma: - “Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais importante é o decidir”. 

      Historicamente as favelas mais conhecidas do Brasil estão localizadas na cidade do Rio de Janeiro e surgiram por volta de 1900, no período da Guerra de Canudos. A cidadela de Canudos foi construída próxima a alguns morros, entre eles o Morro da Favela, que recebeu este nome devido à vegetação predominante no local, que era a favela, uma planta típica da caatinga, extremamente resistente à seca. Os soldados ao retornarem ao Rio de Janeiro, deixaram de receber seu soldo e instalaram-se provisoriamente em alguns morros da cidade, juntamente a outros desabrigados. A partir deste episódio, os morros recém-habitados ficaram conhecidos como favelas, em referência à “favela original”. A preocupação do poder público com a nova forma de moradia instalada informalmente no Rio de Janeiro só aconteceu em 1927, através do Plano Agache, que representou a denominação popular do plano de remodelação urbana da cidade do Rio de Janeiro elaborado, ao final da década de 1920, por Alfred Agache, por solicitação do então prefeito da cidade, Antônio Prado Júnior. Embora não tenha sido efetivamente organizado, o Plano abriu novas perspectivas para o urbanismo no Brasil e deu origem à criação do Departamento de Urbanismo da Prefeitura Municipal. 
Em 1948 foi realizado o primeiro Censo nas favelas cariocas e neste contexto a Prefeitura do Rio de Janeiro, afirma, surpreendentemente, num documento oficial, precedente às estatísticas, que: “os pretos e pardos prevaleciam nas favelas por serem hereditariamente atrasados, desprovidos de ambição e mal ajustados às exigências sociais modernas”. Esta afirmação resgatada por Alba Zaluar “et al” (2007), exemplifica como o preconceito em torno das favelas e seus moradores se fixaram tristemente na sociedade brasileira. Considerada oficialmente a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Providência, que fica atrás da estação ferroviária Central do Brasil, foi batizado no final do séc. XIX como Morro da Favela, origem do nome  que se espraiou  por outras comunidades do Rio e de resto no Brasil. Os primeiros moradores do Morro da Favela ex-combatentes da Guerra de Canudos se fixaram no local por volta de 1897.
Cerca de 10 mil soldados foram para o Rio de Janeiro com a promessa do Governo de ganhar casas na capital federal da província. Como os entraves políticos e burocráticos atrasaram a construção dos alojamentos, os ex-combatentes passaram a ocupar provisoriamente as encostas do morro – e por lá acabaram ficando. Ipso facto, tanto a origem do nome Favela quanto Providência remete à Guerra de Canudos, travada entre tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano. Favela era o nome de um morro que ficava nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. Faveleiro é também o nome de um arbusto típico do sertão nordestino. O jornalista e escritor Euclides da Cunha descreveu assim o morro da Favela no seu livro: Os Sertões, sobre a Guerra de Canudos: - “O monte da Favela, ao sul, empolava-se mais alto, tendo no sopé, fronteiro à praça, alguns pés de quixabeiras, agrupados em horto selvagem. À meia encosta via-se solitária, em ruínas, a antiga casa da fazenda. O arraial, adiante e embaixo, erigia-se no mesmo solo perturbado. Mas vistos daquele ponto, de permeio a distância suavisando-lhes as encostas e aplainando-o davam-lhe a ilusão de uma planície ondulante e grande”.

Jogar as Forças Armadas numa aventura sociológica irresponsável é essa espécie de última cartada que fez um deputado da oposição comparar a intervenção militar no Rio de Janeiro à guerra das Malvinas, nos estertores da ditadura argentina. Contudo, para entender o processo de produção do espaço urbano na cidade do Rio de Janeiro e como este processo contribuiu para a atual reorganização do espaço, caracterizada pela intensa fragmentação social, econômica e política, é necessário compreender o processo de formação da cidade, principalmente ao inicio de sua transformação em espaço adequado às exigências do modo de produção. Este período, correspondente a segunda metade do século XIX, de sua forma colonial-escravista para uma cidade adequada aos interesses do capital e do Estado Republicano. O entendimento das origens da favela e seu desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro representa um marco na explicação histórica e teórica das revoltas populares e de intervenção militar no Rio de Janeiro. O Estado sempre esteve presente no processo de urbanização da Zona Sul, dotando da infraestrutura necessária para a ocupação residencial das classes médias e altas. 
Mas um governo impopular e oportunista sabe dos riscos de ser preso depois de deixar o cargo, diante das inúmeras denúncias de corrupção contra si, em troca de apoio do golpe de Estado de 17 de abril de 2016, pode tentar qualquer manobra para se preservar – não necessariamente como candidato que não fora, mas como alguém em condições de influenciar a sucessão, de modo a garantir um ministério, por exemplo, e assim manter o foro privilegiado de processos jurídico-políticos como ocorre com o ex-presidente eleito pelo voto Luiz Inácio Lula da Silva (PT). É exatamente este o principal dano colateral – no plano discursivo, pois no plano da vida cotidiana há outros, que ao mesmo tempo refletem esse discurso – dessa aventura de militarização da cultura. Pois, como em toda guerra, trata-se de silenciar o outro lado dos oprimidos. Quem é contra a intervenção militar aparentemente é contra a segurança da sociedade local ou, pior ainda, é aliado do chamado “crime organizado” – essa entidade que o golpista Michel Temer, logo que prometeu “desbaratar”, ideologicamente em recente entrevista.   
            As favelas na cidade do Rio de Janeiro começaram a ter início no final do século XIX, quando várias transformações socioeconômicas pelas quais o Brasil passava e transformações locais começaram a inchar a área central da cidade, formando os primeiros cortiços. Acredita-se que a primeira favela carioca tenha surgido em 1897 no antigo Morro de Santo Antônio, no entanto a favela mais antiga do país situa-se no Morro da Providência, onde alguns soldados provenientes da Guerra de Canudos começaram a morar. Segundo dados estatísticos oficiais do Censo de 2010, coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 763 favelas na cidade do Rio de Janeiro. Aproximadamente 22% da população da cidade moram em favelas, sendo a capital fluminense o município com o maior número de moradores ditos “favelados” do Brasil, 1.393.314 habitantes.  Em sua região metropolitana, 1.702.073 de pessoas moram em “assentamentos subnormais”, a definição do governo para classificar as favelas, o que corresponde a 14,4% da população da metrópole. No início do século XX, essas construções irregulares recém-formadas, assim como os  cortiços, eram vistas pela minoria carioca “como o lar da criminalidade e de doenças”.
Grampos cirúrgicos são ferramentas utilizadas por cirurgiões e profissionais da área médica para interromper o fluxo sanguíneo ou outros fluidos durante a cirurgia. Essas ferramentas são usadas em salas de operação de hospitais, durante muitos procedimentos ambulatoriais, bem como em campo, por técnicos de emergência clínica  e paramédicos. Há uma variedade de estilos e tamanhos de braçadeiras  cirúrgicas para acomodar muitas aplicações e funções. A forma da ponta de cada ferramenta geralmente determina o que pode ser usado, e muitos são projetados para procedimentos exatos. Um grampo cirúrgico padrão é leve e feito de aço inoxidável para fins de esterilização e utilitários. A maioria das braçadeiras pode ser realizada como uma tesoura para facilitar a aplicação. Mandíbulas serrilhadas seguram o tecido, o vaso ou o órgão com firmeza. As alças normalmente se encaixam com uma fileira de dentes interligados que permitem ao cirurgião escolher a quantidade de tensão, ou pressão de bloqueio, no tecido ou órgão que está sendo fixado. A trava também permite que os cirurgiões deixem, sem as mãos, um grampo no tempo da duração do procedimento. Comumente usado para prevenir hemorragia, grampos cirúrgicos também são usados para impedir que outros fluidos corporais e bactérias entrem ou escapem dos tecidos durante procedimentos cirúrgicos.
            A proposta de um “mandado coletivo” de busca e apreensão, já tentada outras vezes apesar de sua flagrante ilegalidade, foi outro elemento para revelar o alcance da trajetória de moradores de morros cariocas que sob suspeita, detém a massa de moradores desses lugares e espaços onde os “procurados” segundo Rogerio Christofoletti (2018) podem se esconder, como tentou justificar o ministro da Defesa – como se nos condomínios de classe média e alta não se cogitasse da possibilidade de fuga, na remota hipótese de alguma incursão policial ocorrer nessas áreas de convívio cotidiano destes pequenos burgueses. Há certamente um exagero em se dizer que certas fotos capturam a alma das pessoas, mas essas, com militares fardados tirando fotos de moradores como fichamento, sem qualquer dúvida, expõem o profundo sentimento de humilhação desses moradores diante de tal constrangimento que virou rotina desde a instalação da República Velha com as práticas de vasculhamento dos morros cariocas. Com a redemocratização do país o contexto político, com o país atravessando o período da ditadura militar (1964-1985), e o discurso oficial sobre as possíveis melhorias sociais para os removidos também dificultaram a resistência organizada de moradores. Ipso facto, as remoções eram usadas pelo Estado como propaganda. O programa do governo apresentava o tema como uma questão de “remodelamento urbano” propugnando uma divisão entre campo e cidade, onde a área da Leopoldina e a Zona Oeste seriam fabris, com a necessidade de trabalhadores próximos. Já a Zona Sul seria uma área residencial.  
            O processo de “remoção” dos anos 1960 e 1970 atingiram áreas como a Favela da Catacumba e a Ilha das Dragas, na Lagoa; Morro do Pasmado, em Botafogo; Macedo Sobrinho, no Humaitá; Praia do Pinto, no Leblon; e Parque Proletário da Gávea. A Cruzada São Sebastião, projeto idealizado por dom Hélder Câmara e construído em 1955 no Leblon, foi um dos locais que receberam os moradores. No entanto, na maior parte dos casos, entretanto, eles foram retirados estrategicamente da Zona Sul para as zonas distantes e desprestigiadas zonas Norte e Oeste, onde passaram a morar em conjuntos habitacionais criados e programados por cooperativas estatais regionais para recebê-los: Cidade de Deus, em Jacarepaguá; Dom Jaime Câmara, em Padre Miguel; Cidade Alta, em Cordovil; e Vila Kennedy e Vila Aliança, ambas em Bangu. - A vida ficou mais difícil. Trabalhava em Copacabana e, quando cheguei na Cidade Alta, nem sabia como sair de Cordovil para chegar ao trabalho - lembra a aposentada Maria Margarida Nonato, “removida” da Praia do Pinto. - No início, a Cidade Alta não tinha água, luz, asfalto, nenhum armazém. Foi uma surpresa desagradabilíssima.
No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, o inchaço populacional, a ausência do Estado e a consequente falta de políticas públicas, tornaram as favelas os principais centros do narcotráfico no Rio de Janeiro, o que tornou essas áreas ainda mais violentas. Foi apenas na década de 1990, quando esses assentamentos já estavam consolidados e as suas populações já eram enormes, que o governo municipal passou a buscar maneiras de urbanizar as favelas da cidade. Acostumados a trabalhar perto de onde moravam, os moradores sofreram com a distância e, especialmente, com a deficiência de transporte público. As justificativas usadas pelo poder público para defender as remoções também são alvo de questionamento. Segundo a socióloga Denise Nonato, o discurso nem sempre coincidia com a prática. - O governo dizia que a área da favela da Praia do Pinto não era urbanizável. Mas como não poderia ser urbanizada se logo depois foi vendida deu origem ao condomínio Selva de Pedra? Havia um interesse imobiliário muito forte ali, e não queria que surgisse uma nova Cruzada São Sebastião - afirma ela, que saiu da Praia do Pinto para o subúrbio da Leopoldina na Cidade Alta.
Antes da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) ser instalado no Rio de Janeiro como projeto da Secretaria Estadual de Segurança com o objetivo de  instituir polícias comunitárias em favelas, principalmente na capital do estado, já havia esboços do que viriam a ser as UPPs. Uma dessas experiências ocorreu com o Grupamento de Aplicação Prático Escolar (GAPE), uma proposta no histórico Morro da Providência, no Centro da cidade do Rio de Janeiro, em que recrutas faziam parte de um laboratório de práticas comunitárias de policiamento. Esta experiência seria a semente laboratorial desenvolvida por especialistas do Grupo de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE), que, comparativamente guarda poucas diferenças com as novas UPPs. Outra experiência importante decorreu do Projeto Mutirão da Paz, na favela conhecida como “Pereirão”, no bairro Laranjeiras, em 1999. Segundo o site oficial da UPP-RJ, as experiências de Medellín (Colômbia) também serviriam de inspiração para o futuro projeto de Unidades de Polícia Pacificadora - UPPs. 

A instalação do primeiro GPAE aconteceu em 2000, no Pavão-Pavãozinho e, nos anos seguintes, receberam unidades os morros: Morro da Babilônia, Chapéu Mangueira, Providência, Gardênia Azul e Rio das Pedras, na cidade do Rio de Janeiro; e Morro do Cavalão e Morro do Estado, em Niterói. Em decorrência de conflitos violentos, outras GPAE foram instaladas no Morro da Chácara do Céu, Morro da Formiga e Morro da Casa Branca, todos na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Para Vila Cruzeiro, no bairro da Penha, também Zona Norte do Rio de Janeiro, o GPAE ocorreu após o assassinato do jornalista Tim Lopes que trabalhava na rede Globo de televisão. A primeira unidade de polícia pacificadora surgiu em meados de 2008, no morro Dona Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. Após a instalação da UPP na comunidade, os homicídios foram reduzidos a zero nos quatro anos subsequentes. Os resultados da política de pacificação do governo Sérgio Cabral Filho foram elogiados pelo New York Times. Especialistas reconhecem que a inclusão da cidade para sediar os Jogos Olímpicos de Verão (2016) foi o impulso para os investimentos no programa, ampliação e mesmo trajetória espaço das favelas escolhidas no mapa da pacificação.
Com uma diminuição considerável do índice de criminalidade nas proximidades das favelas pacificadas, o fim dos tiroteios é o principal ponto positivo apontado pelos moradores das áreas pacificadas. Para o antropólogo Luís Eduardo Soares, o fim dos tiroteios e da circulação de armas de fogo na mão de traficantes possui ligação direta com a queda aparente dos índices de violência letal. Também ocorrem as maiores facilidades para entrada de novos serviços prestados à população. Apesar destes pontos consideravelmente positivos, os analistas críticos lembram que tais melhorias ocorreram principalmente no primeiro momento da instalação das unidades de polícia pacificadora. Tiroteios, inicialmente ausentes nas favelas pacificadas, contudo, voltaram a ser rotina principalmente no Complexo do Alemão, Vila Cruzeiro sendo emblemáticos os tiroteios na Corrida pela Paz, do Complexo da Penha ao Complexo do Alemão, entre bairros, e a morte da policial Alda Rafael Castilho em confronto no Parque Proletário da Penha.
 O ponto nevrálgico para a crítica às unidades de polícia pacificadora foram as manifestações públicas de junho de 2013, quando o caso do desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo na Rocinha, analisados noutro lugar, se tornou um símbolo da crítica ao programa ou mesmo ao reforço militar que as UPPs da Penha e Complexo do Alemão começaram a receber em resposta aos ataques a policiais destas unidades. Este reforço provocou movimentação de organizações e ambos os complexos de favelas, que emitiram um manifesto público sobre a presença militar. Em termos culturais, as favelas passaram por uma profunda mudança em seus hábitos. A Resolução 13 definiu as Unidades de Polícia Pacificadoras como “responsáveis pela autorização de eventos dentro das favelas”, delimitando ainda mais a segregação social. Com isso, ficaram prejudicados os eventos recreativos dos “bailes funk” em geral, mesmo após a recente revogação da resolução. Atualmente em função das estratégias de planejamento, moradores enfrentam dificuldades em realizar eventos em suas próprias comunidades. Enfim, o Plano Estratégico de Intervenção sob o governo do golpe de Estado de 2016, tendo como prócer Michel Temer, tem 80 páginas, 5 objetivos, 66 metas, e 70 ações, mas não diz quantos policiais precisam ser treinados, quantos materiais devem ser comprados ou qual é a redução de índices criminais que se pretende evidenciar.   
Bibliografia geral consultada.
PERLMAN, Janice, The Myth of Marginality: Urban Poverty and the Politics in Rio de Janeiro. Thesis PhD. Berkeley: University of Califórnia Press, 1975; CASTRO, Celso, O Espírito Militar: Um Estudo da Antropologia Social na Academia Militar das Agulhas Negras. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990;  CARVALHO, José Murilo, Desenvolvimiento de la Ciudadania en Brasil. México: Fondo de Cultura Económica, 1995; KHAN, Túlio, As Bases de Autenticação do Regime Autoritário. Tese de Doutorado em Ciência Política. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002; BASSIOUNI, Mahmoud Cherif, La Cooperazione Internazionale per la Prevenzione e la Repressione della Criminalitá Organizzata e del Terrorismo. Milano: Dott. Antonino Giufrè Editore, 2005; AGUIAR, Maria Léa Monteiro de, “O Aparato de Combate ao Crime e a Sensação de Insegurança”. In: Rev. Mal-Estar Subj. v.5 n° 2. Fortaleza, set. 2005; MISSE, Michel, “Le Movimento. Les Rapports Complexes entre Trafic, Police et Favelas à Rio de Janeiro”. In: Déviance et Société, volume 32, 2008; SANTOS, Eduardo Heleno de Jesus, Extrema Direita, Volver! - Memória, Ideologia e Política dos Grupos Formados por Civis e a Reserva Militar. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Departamento de Ciência Política. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 42 edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; FRANCO, Marielle, UPP - A Redução da Favela a Três Letras: Uma Análise da Política de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Ciências. Programa de Pós-Graduação em Administração. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2014; BETTO, Frei, Golpe en Brasil. Genealogia de una farsa. Em parceria com Noam Chomsky, Michael Löwy, Adolfo Pérez Esquivel, entre outros. Buenos Aires: Editorial Conselho Latino-americano de Ciências Sociais, 2016; LÖWY, Michael, “O Golpe de Estado de 2016 no Brasil”. In: https://blogdaboitempo.com.br/ 2016/05/17CAMARGO, Giovane Matheus; BORDIN, Marcelo; SOUZA, Aknaton Toczek, “As Intervenções Federais no Rio de Janeiro: A Hipermilitarização do Cotidiano”. In: Revista NEP - Núcleo de Estudos Paranaenses. Curitiba, vol.4, nº2, dez. 2018; entre outros.

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