Conceição Evaristo - Mulheres Negras na Academia Brasileira de Letras?
Ubiracy de Souza Braga
“Das
lágrimas em meus olhos secos, basta o meio tom do soluço para pranto
inteiro”. Conceição Evaristo
Academia
Brasileira de Letras (ABL) representa uma instituição brasileira fundada na
cidade do Rio de Janeiro em 20 de julho de 1897 pelos escritores Machado de
Assis, Lúcio de Mendonça, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, Afonso Celso, Graça
Aranha, Medeiros e Albuquerque, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Visconde de
Taunay e Ruy Barbosa. É composta por quarenta membros efetivos e perpétuos, por
isso alcunhado imortal, e por vinte sócios estrangeiros. A língua portuguesa,
também designada português, é uma língua românica flexiva ocidental originada
no galego-português falado no Reino da Galiza e no norte de Portugal. Com a
criação do Reino de Portugal em 1139 e no processo civilizatório para o sul
como parte da Reconquista, deu-se a difusão da língua pelas terras conquistadas
e mais tarde, com os chamados descobrimentos, para o Brasil, África e outras
partes do mundo. Tem por objetivo o cultivo da língua portuguesa e da
literatura brasileira. É-lhe reconhecido o mérito por reconhecimento em prol da unificação do idioma brasileiro e português europeu.
Nomeadamente, teve importância no Acordo
Ortográfico de 1945, conseguido em conjunto com a Academia das Ciências de Lisboa, assim como foi de novo
interlocutora quanto ao ainda polêmico Acordo
Ortográfico de 1990.
A
iniciativa foi tomada por Lúcio de Mendonça, concretizada em reuniões
preparatórias que se iniciaram em 15 de dezembro de 1896 sob a presidência de
Machado de Assis, eleito por aclamação na redação da Revista Brasileira. Nessas
reuniões, foram aprovados os estatutos da Academia Brasileira de Letras (ABL) a 28 de
janeiro de 1897, compondo-se o seu quadro de quarenta membros fundadores. A 20
de julho desse ano, era realizada a sessão inaugural, nas instalações do Pedagogium, prédio fronteiro ao Passeio
Público, no centro do Rio. Sem possuir sede própria nem recursos financeiros,
as reuniões da Academia eram realizadas nas dependências do antigo Ginásio
Nacional, no Salão Nobre do Ministério do Interior, no salão do Real Gabinete
Português de Leitura, sobretudo para as sessões solenes. As sessões comuns
sucediam-se no escritório de advocacia do Primeiro Secretário, Rodrigo Octávio,
à Rua da Quitanda, 47, no centro da Província do Rio de Janeiro. A partir de 1904, a Academia
Brasileira de Letras (ABL) obteve a ala esquerda do Silogeu Brasileiro, por abrigar, além do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Academia de Medicina, o Instituto dos Advogados do Brasil, e a Academia Brasileira de Letras (ABL) um
prédio governamental de instituições culturais,
onde se manteve até a conquista e consagração da sua sede própria.
A
Academia tem por fim, segundo os seus estatutos, a “cultura da língua nacional”,
sendo composta por quarenta membros efetivos e perpétuos, conhecidos como
"imortais", escolhidos entre os cidadãos brasileiros que tenham
publicado obras de reconhecido mérito ou livros de valor literário, e vinte
sócios correspondentes estrangeiros. À semelhança da Academia francesa, o cargo
de "imortal" é vitalício, o que é expresso pelo lema “Ad immortalitem”, e a sucessão dá-se
apenas pela morte do ocupante da cadeira. Formalizadas as candidaturas, os
acadêmicos, em sessão ordinária, manifestam a vontade de receber o novo
confrade, através do voto secreto. Os eleitos tomam posse em sessão solene,
quando todos os membros vestem o fardão da Academia, de cor verde-escura com
bordados de ouro que representam os louros, complementado por chapéu de veludo
preto com plumas brancas. Nesse momento, o novo membro pronuncia um discurso, onde tradicionalmente se evoca
o seu antecessor e os demais ocupantes da cadeira para a qual foi eleito.
Etnograficamente, assina o Livro de
posse e recebe das mãos de dois outros imortais o Colar e o Diploma. A Espada é entregue pelo decano, o
acadêmico mais antigo. A cerimônia prossegue com um discurso de recepção,
proferido por um confrade, referindo os méritos do novo membro. Instituição majoritária masculina, a partir de 4 de novembro de 1977, recepcionou a cearense Rachel de Queiroz, com o molde de uma
versão feminina do tradicional fardão, um vestido
longo de crepe francês verde-escuro, com folhas de louro bordadas em fio de
ouro.
Com
isso, o tema da ideologia sofria uma desdramatização. Se o nível de análise ideológico, afinal
não passava de uma consequência pura e simples de um processo prático,
material, que importância maior poderia ter, na sua esfera social de ação, as
controvérsias que lançavam, uns contra os outros, os sujeitos históricos? Historicamente
durante a colonização, marinheiros portugueses levaram o seu idioma para terras
distantes, por tentativas de colonizar novas terras e, como resultado, o português
dispersou-se pelo mundo. Brasil e Portugal são os dois únicos países cuja língua
é o português, língua oficial em antigas colônias, nomeadamente, Moçambique,
Angola, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, todas
na África. Por razões etno-históricas, falantes do português, ou de crioulos
portugueses, são encontrados também em Macau (China), Timor-Leste, em Damão e
Diu e no Estado de Goa (Índia), Malaca (Malásia), em enclaves na ilha das
Flores (Indonésia), Batticaloa no (Sri Lanka) e nas ilhas Aruba, Bonaire e Curaçao no Caribe. É uma
das línguas oficiais da União Europeia, do Mercosul, da União de Nações
Sul-Americanas, da Organização dos Estados Americanos (OEA), União Africana e dos
Países Lusófonos. Com aproximadamente 280 milhões de falantes, o português representa a
5ª língua mais falada no mundo globalizado, a 3ª mais falada no hemisfério ocidental e a
mais falada no hemisfério sul do planeta. É reconhecido como “a língua de
Camões”, autor de Os Lusíadas, e “a
última flor do Lácio”, expressão de Olavo Bilac. Miguel de Cervantes
considera o idioma “doce e agradável”. Em março de 2006, o Museu da Língua
Portuguesa, foi criado em São Paulo, a cidade de maior número de falantes
do português no mundo.
O
Museu da Língua Portuguesa ou Estação Luz da Nossa Língua é um
museu interativo sobre a língua portuguesa localizado na cidade de São Paulo,
Brasil, no histórico edifício Estação da Luz, no Bairro da Luz, região central
da cidade. Foi concebido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo em
conjunto com a Fundação Roberto Marinho, tendo um investimento de cerca de 37
milhões de reais. O objetivo da instituição é criar um espaço vivo sobre a
língua portuguesa, considerada como base da cultura do Brasil, onde seja
possível causar surpresa nos visitantes com os aspectos inusitados e, muitas
vezes, desconhecidos de sua língua materna. Segundo os organizadores do museu, “deseja-se
que, no museu, esse público tenha acesso a novos conhecimentos e reflexões, de
maneira intensa e prazerosa”. O museu tem como alvo principal a média da
população brasileira, composta de pessoas provenientes das mais variadas
regiões e faixas sociais do país, mas que ainda não tiveram a oportunidade de
obter uma ideia mais precisa e clara sobre as origens, a história e a evolução
contínua da língua. De sua inauguração até o final de 2012, mais de 2,9 milhões
de pessoas já haviam visitado o espaço, consolidando-o como um dos museus mais
visitados do Brasil e da América do Sul. Em 21 de dezembro de 2015, o museu foi
atingido por um incêndio que destruiu dois andares de sua estrutura. Seu
acervo, contudo, não se perdeu, por ser virtual, sendo recuperado a partir de backups.
Depois de passar por uma restauração, o museu foi reinaugurado. Por ocasião da cerimônia, a instituição foi agraciada com a Ordem
de Camões, pelos relevantes serviços prestados à língua portuguesa.
Após
a Independência das antigas colônias africanas, o português padrão de Portugal tem
sido o escolhido pelos países africanos de língua portuguesa. Logo, o português
tem apenas dois dialetos de aprendizagem, o europeu e o brasileiro. Note-se que
na língua portuguesa europeia há uma variedade prestigiada que deu origem à
norma-padrão: a variedade de Lisboa. No Brasil, comparativamente, a maior
quantidade de falantes se encontra na região sudeste, por ter sido alvo de
intensas migrações internas, graças ao seu poder econômico. O Distrito Federal
apresenta um destaque devido ao seu dialeto próprio, pelas várias hordas de
migração interna. Os dialetos europeus e americanos do português apresentam
problemas de inteligibilidade mútua, dentro dos dois países, devido, sobretudo,
a diferenças culturais, fonéticas, lexicais. Nenhum pode ser
considerado como intrinsecamente melhor ou perfeito. Algumas comunidades
cristãs na Índia, Sri Lanka, Malásia e Indonésia preservaram sua língua depois de se isolarem de Portugal. A língua foi alterada nessas
comunidades e, em muitas, nasceram crioulos de base portuguesa, que ainda
persistem, após séculos de isolamento. Também é perceptível uma variedade de
palavras originadas do português no tétum.
Palavras de origem portuguesa entraram no léxico de várias outras línguas, como
o japonês, o suaíli, o indonésio e o malaio.
Não
queremos perder de vista que a concepção sociológica de Axel Honneth (2004)
problematiza a “invisibilidade” como uma patologia
social caracterizada por “formas intencionais de tornar pessoas invisíveis”.
De forma semelhante à interpretação da análise da reificação marxista, a invisibilidade também é tratada de um ponto
de vista epistemológico e moral, a partir da teoria do reconhecimento. Para
Honneth, um ato de reconhecimento pressupõe dois elementos: 1) uma
identificação cognitiva de uma pessoa como dotada de propriedades particulares
em uma situação particular, e: 2) a confirmação da cognição da existência da
outra pessoa como dotada de características específicas, através de ações,
gestos e expressões faciais positivas manifestados por quem a percebe. A
invisibilidade, por outro lado, significa mais do que a negação desses dois
elementos. Sintetizada em expressões como a de um “olhar através”, ela nega a
existência do outro do ponto de vista perceptual, como se ele não estivesse
presente no campo de observação da visão de quem olha. É importante mencionar
que faz distinção precisa, sofisticada entre invisibilidade e visibilidade,
na sociedade contemporânea, de modo que, embora ambas as ideias sejam
aparentemente espelhadas, elas conteriam em si mecanismos de funcionamento
fundamentalmente diferentes.
No
conceito negativo (“invisibilidade”), as pessoas afetadas sentem-se como se não
tivessem sido percebidas. A perceptibilidade corresponde à capacidade de ver
alguém, enquanto a visibilidade designa mais do que mera perceptibilidade
porque acarreta a capacidade para uma identificação individual elementar. Desse
modo, para as pessoas afetadas em particular, a invisibilidade significaria o
sentimento de realmente não serem percebidas ou vistas, ao contrário da ideia
de que a invisibilidade significaria puramente a ideia negativa de
visibilidade, já que esta funciona segundo pressupostos que vão além da capacidade
de ver, pois a visibilidade também inclui, além da visão, as capacidades de
identificar, conhecer. Em outras palavras, quem é invisibilizado socialmente
sente que sequer é visto. Não entra em jogo neste sentido o sentimento de que
não é identificado ou conhecido. A discrepância conceitual que se torna
aparente entre invisibilidade visual e visibilidade é devido ao fato de que,
com a transição para o conceito positivo, as condições governando a sua
aplicabilidade são mais exigentes. Enquanto a invisibilidade visual
significa que um objeto não está presente como um objeto no
campo perceptivo de uma pessoa, a visibilidade física requer que nós assumamos
uma posição cognitiva diante do objeto dentro de uma estrutura espaço-temporal
como algo com propriedades visuais relevantes.
Medalha Pedro Ernesto, das mãos de Marielle Franco.
Conceição
Evaristo é Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, doutora em Literatura
Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora de romances como “Ponçá
Vivêncio” (2003) e “Insubmissas Lágrimas de Mulheres” (2011). A escolha do
curso de Letras decorre da paixão que, desde cedo, dedica à literatura engajada:
na adolescência, Jorge Amado, José Lins, Carolina Maria de Jesus e outros; mais tarde, Graciliano, Rosa,
Drummond, Bandeira e, também, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Adão
Ventura. Conceição nasceu em 29 de novembro de 1946 na favela do Pendura Saia, na zona sul de Belo
Horizonte (MG), onde cresceu com sua mãe e seus 9 irmãos. De família pobre,
teve que conciliar os estudos com o trabalho de empregada doméstica, até
concluir o curso normal, em 1971. Mudou-se nesta ocasião para a cidade do Rio de Janeiro, estudou
Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi aprovada num concurso
público para o magistério. Sua estreia na literatura se deu em 1990, com textos
publicados na série Cadernos Negros,
do coletivo Quilombhoje. Uma das
principais expoentes da literatura brasileira, Conceição Evaristo é militante
do movimento negro, com grande atuação, da literatura, na esfera
político-social.
Nos
anos 1980, a autora toma conhecimento das atividades do Grupo Quilombhoje e da publicação, em São Paulo, da série singular Cadernos Negros. Esse é um momento de
efervescência dos movimentos pela igualdade racial, com mobilizações nas principais
capitais brasileiras. É também tempo de redescoberta da escrita literária como
trabalho de processamento e depuração, com rascunhos e mais rascunhos recheando
suas gavetas. Em 1990, o número 13 de Cadernos
Negros traz impressos os primeiros poemas de Conceição Evaristo, entre
eles, o conhecido “Vozes-mulheres”, que figura até hoje como espécie de “manifesto-síntese”
de sua poética. De acordo com Eduardo de Assis Duarte, os versos enfatizam a
necessidade do “eu poético” de falar por si e pelos seus remanescentes. Esse
sujeito de enunciação, ao mesmo tempo individual (o sonho) e coletivo (os
mitos, os ritos e os símbolos), caracteriza não apenas os escritos de Conceição Evaristo, como escritora engajada, “mas
da grande maioria dos autores afro-brasileiros, voltados para a construção de
uma imagem do povo negro infensa aos estereótipos e empenhada em não deixar
esquecer o passado de sofrimentos, mas, igualmente, de resistência à opressão.
Essa presença do passado como referência para as demandas do presente confere à
escrita dos afrodescendentes uma dimensão histórica e política específica, que
a distingue da literatura brasileira tout
court” (cf. Duarte, 2006).
O
interesse da narrativa cresce justamente nos gestos de inconformismo a esse
processo de espoliação. Herdeira da memória familiar, Ponciá Vicêncio segue os
passos de Conceição Evaristo, também esta herdeira de uma forte linhagem
memorialística existente na literatura afro-brasileira. Como Maria Firmina dos
Reis e Carolina Maria de Jesus, Conceição traz a narrativa dos despojados da
liberdade, mas não da consciência. Isto porque, para Duarte, A fala “diaspórica”
desses condenados da terra se articula de forma sincrônica e a posteriori, desconhecendo a encarnação
do espírito de nacionalidade que marca boa parte da literatura canônica. Exemplo
de romance afro-brasileiro, Ponciá
Vicêncio polemiza através da tese segundo a qual a escrita dos descendentes
de escravos estaria restrita ao conto e à poesia. Em que consistiria esse
romance? Se entendido como texto de autoria afrodescendente, tratando de tema
vinculado à presença desse segmento nas relações sociais vividas. Isto é, a
partir de uma perspectiva identificada politicamente com as demandas e com o
universo cultural afro-brasileiro que destaca o protagonismo negro nas ações. Em
especial aquelas em que se defronta com os donos do poder, não há dúvida de que
Ponciá Vicêncio não só preenche tais
requisitos, “como ocupa o lugar supostamente
vazio do romance afro-brasileiro”.
É
neste sentido que a análise de Duarte (2006) percebe que o texto de Conceição
Evaristo não é exemplo único e tem, sim, seus precursores na literatura
nacional ao estabelecer um saudável contraponto com o “abolicionismo branco” do
século XIX, de Joaquim Nabuco (1999), que a historiadora Gizlene Neder (1986) com
razão chama de “abolicionismo de brancos para brancos” e com o negrismo
modernista de Jorge Amado, José Lins do Rego ou Josué Montello, a narrativa de Ponciá
Vicêncio remete ao Isaías Caminha, de Lima Barreto; em menor escala, ao Brás
Cubas, de Machado de Assis; e, com certeza, ao memorialismo de Carolina Maria
de Jesus e ao “Ai de vós”, de Francisca Souza da Silva, entre outros. Conceição
Evaristo filia-se a esse veio de análise histórica de matriz afrodescendente
que mescla história não oficial, memória individual (sonho) e coletiva (os mitos, os ritos, os símbolos) com invenção
literária, iniciado com a publicação de Úrsula, em 1859.
Tá faltando preto na Casa de Machado de Assis!
O
texto de Maria Firmina dos Reis destoa cabalmente do projeto literário
romântico, das narrativas e conceitos de nação e de identidade nacional. O
texto de Úrsula, ao contrário das ficções de fundação, recusa-se a propagar a
ideologia de identidade nacional una e coesa, que apaga as diferenças e naturaliza
hierarquias. Enfatiza a diferença transformada em desigualdade social e
subalternizada pelo escravismo. Ao colocar o negro como valor para personagens
e leitores brancos e inscrever senhores e escravos como “filhos de Deus” e “irmãos”,
a escritora maranhense apropria-se da moral para desmascarar o rebaixamento ideológico
dos afrodescendentes. Ipso facto, irmanado a essa vertente “afro”, o texto de
Ponciá Vicêncio destaca-se feminino onde um olhar do outro e outras
discursividades específico, marcado pela etnicidade que provém à voz e as
vozes-ecos das correntes arrastadas.
Politicamente
o grande silêncio das coisas muda-se no seu contrário através da mídia. Ontem constituído em segredo,
observa Michel de Certeau, “agora o real tagarela”. Só se veem por todo o lado
notícias, informações, estatísticas e sondagens. Jamais houve uma história que
tivesse falado ou mostrado tanto. Jamais, com efeito, os ministros dos deuses
os fizeram falar de uma maneira tão contínua, tão pormenorizada e tão injuntiva
como o fazem hoje os produtores de revelações e regras em nome da atualidade.
Os relatos do-que-está-acontecendo constitui
a nossa ortodoxia. Os debates de números são as nossas guerras teológicas. Os
combatentes não carregam mais as armas de ideias ofensivas ou defensivas.
Avançam camuflados em fatos, em dados e acontecimentos. Apresentam-se como os
mensageiros de um “real”. Sua atitude assume a cor do terreno econômico e
social. Quando avançam, o próprio terreno parece que também avança. Mas, de
fato, eles o fabricam, simulam-no, usam-no como máscara, e atribuem a si o
crédito dele, criam o que se diagnostica como a lei férrea.
A
pessoa tem que se inclinar, e obedecer aquilo que significam, como oráculo de
Delfos. A fabricação de simulacros
fornece assim o meio de produzir crentes e, portanto praticantes. Esta
instituição do real é a forma mais visível da dogmática contemporânea. É também
a mais disputada entre partidos e instituições. Ela não comporta mais um lugar
próprio, nem cátedra ou magistério. Código anônimo, a informação inerva e
satura o corpo social. Desde a manhã até a noite, sem pausa, histórias povoam
as ruas e os prédios. Articulam nossas existências ensinando-nos o que elas
devem ser. Cobrem o acontecimento, fazem deles as nossas legendas daquilo que
se deve ler e dizer. Apanhado desde o momento em que acorda pelo jornal, rádio
ou televisão, a voz é a lei, pois o ouvinte
anda o dia inteiro pela floresta de narratividades jornalísticas,
publicitárias, televisionadas à noite ainda sob as portas do sono. Esses
relatos etnográficos têm o duplo, singular e estranho poder de mudar de forma o ver num crer, e de fabricar
o real com aparências. É dupla a inversão.
De
um lado, a modernidade, outrora
nascida de uma vontade observadora que lutava contra a credulidade e se fundava
num contrato entre a vista e o real, transforma alhures essa relação social e deixa ver
precisamente o que se deve acreditar. A ficção define o campo, o estatuto social
e os objetos da visão. Assim funcionam os “mass media”, a publicidade ou a
representação política. Hoje, a ficção pretende presentificar o real, falar em
nome dos fatos e, portanto, fazer assumir como referencial a semelhança que
produz. Essa reviravolta do terreno onde se desenvolvem as crenças resulta de
uma mutação nos paradigmas do saber: a invisibilidade do real, postulado
antigo, cedeu o lugar à sua visibilidade. A cena sociocultural da modernidade remete a imensidão de um mito”. Define o
referente social por sua visibilidade, e, portanto, por sua representatividade
científica ou política; articula-se em cima deste novo postulado (crer real e
visível) a possibilidade de nossos saberes, de nossas observações, de nossas
provas e nossas práticas. Nesta nova cena, campo indefinidamente extensível das
investigações óticas e de uma pulsão escópica, subsiste ainda a estranha
coalizão entre o crer e a questão do real, do visto, do observado ou do demonstrado
através de estratégia.
Academia
Brasileira de Letras elegeu Cacá Diegues para a Cadeira Número 7. Cacá vai
substituir o cineasta Nelson Pereira dos Santos e derrotaram outros dez
candidatos, entre eles a escritora Conceição Evaristo, uma negra que decidiu
desafiar a instituição. Aos 71 anos, a mineira optou por uma espécie de
anticandidatura e causou incômodo ao dispensar a bajulação habitual para ganhar
votos dos imortais que frequentam o “clube de amigos”. Sua derrota era
esperada: Conceição Evaristo entrou na disputa para expor exatamente a falta de
representatividade negra e feminina na centenária academia. Recebeu apenas um
voto. Cacá Diegues, 22, e Pedro Corrêa do Lago, neto de Oswaldo Aranha, outros
11 votos. A candidatura da escritora, que publicou seis livros e já venceu o prêmio
Jabuti, o mais tradicional prêmio da literatura brasileira, surgiu após uma
provocação da jornalista carioca Flávia Oliveira. - “Eu voto em Nei Lopes ou
Martinho da Vila. Sem falar na Conceição Evaristo. - ‘Tá’ faltando preto na
Casa de Machado de Assis”, declarou ao famoso colunista Ancelmo Gois no jornal OGlobo
em 25 de abril, ao lembrar que há espaço considerado vago na Academia Brasileira de Letras. No quadro atual da Academia, o mais antigo dos sócios correspondentes é José Carlos de Vasconcelos, eleito em 1981, e o mais novo é americanista Berthold Zilly, eleito em 2018.
Nas
redes sociais, de hegemonia da palavra, a ideia se alastrou como fogo agora no Museu da Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, na cidade maravilhosa.
Fã da escritora, a pesquisadora Juliana Borges publicou em 30 de abril uma
carta-manifesto em apoio à autora. A partir do texto, surgiram dois
abaixo-assinados pedindo a entrada de Conceição na ABL. - “A ponta de sua
caneta e o texto em dígito de Conceição Evaristo trazem um trajeto de
ancestralidade e apontam vislumbres de horizonte. Ora, não é isso que faz um
imortal?”, escreveu Borges. Em dois dias, conseguiu mais de 6,5 mil apoios.
Hoje com mais de 40 mil assinaturas nas duas petições, há até uma hashtag em prol da candidatura. A
possibilidade de concorrer a um dos 40 assentos da ABL já estava no horizonte
de Conceição Evaristo há mais tempo. A escritora, no entanto, só se entusiasmou
com a ideia quando foi informada por uma jornalista sobre a quantidade de
assinaturas que a petição havia recebido. Até então, sequer estava sabendo da
mobilização. - “Se eu entrar, não será
porque escrevi um ‘Marimbondo’ do Sarney, não [romance que “levou” o
ex-vice-presidente e presidente da República à ABL, em 1980]. Eu quero entrar porque é um lugar nosso, porque
temos direito”, disse em uma palestra no Salão
Carioca do Livro, em 19 de maio. Oficialmente,
a disputa teve 11 candidatos.
Mas, desde o princípio, apenas dois nomes tiveram
chance na eleição de fato. A improvável vitória de Conceição Evaristo sobre o
cineasta Cacá Diegues e o colecionador Corrêa do Lago, favoritos desde o
princípio, teria um significado histórico só comparável à eleição de Rachel de
Queiroz, primeira mulher nordestina, filha do engenho, a integrar a lista de
imortais – e isso apenas em 1977, sob uma ditadura militar golpista, quando
lembramos que a Academia Brasileira de Letras foi criada em 1896. Historicamente
Conceição Evaristo seria a primeira escritora negra a ser recepcionada na casa.
Ocuparia ainda a cadeira 7, cujo patrono coincidentemente é o poeta e abolicionista baiano Castro Alves.
Atualmente, há cinco mulheres e somente um negro entre os 39 acadêmicos. Uma
boa candidatura, dizem os peritos nas engrenagens que movimentam a ABL, “se
desenha antes mesmo da morte de algum dos 40 acadêmicos”. Um aspirante que
frequenta os colóquios e eventos promovidos pela instituição ortodoxa ao longo
dos anos e passa a fazer parte da vida social e de interesses e normas da casa,
ganha muitos pontos entre seus eleitores. Também é de suma importância que,
antes de entregar a Carta de solicitação de inscrição, o candidato tenha
aliados e evidentemente “padrinhos” entre os votantes. Fato que o fundador, Machado de Assis, lembraria na passagem: “Não tive filhos,
não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.
Bibliografia geral consultada.
CERTEAU, Michel de, La Prise de Parole. Paris: Éditions du Seuil, 1968; ASSIS, Machado
de, Obras Completas. Rio de Janeiro:
Editor José Aguilar, 1959; NEDER, Gizlene, Criminalidade,
Justiça e Constituição do Mercado de Trabalho no Brasil - 1890-1927. Tese
de Doutorado em Ciências Humanas. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e
Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 1986; SODRÉ, Muniz, La Città e il Tempi. Roma: Edizioni Settimo Sigillo, 1998; NABUCO, Joaquim, O
Abolicionismo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999; DUARTE, Eduardo de Assis, “O Bildungsroman Afro-brasileiro de
Conceição Evaristo”. In: Rev. Estud.
Fem. vol.14 n°1. Florianópolis Jan./Apr. 2006; MENDES, Ana Cláudia Duarte, “Eco
e Memória: Vozes-Mulheres, de
Conceição Evaristo”. In: Revista de Estudos
Literários - Volume 17-A, dez. 2009; BRITO, Maria da Conceição Evaristo de,
Literatura Negra: Uma Poética da nossa Afro-brasilidade.Dissertação de Mestrado em Letras. Rio de
Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1996; LIMA, Omar da Silva, O Comprometimento Etnográfico Afro-descendente das Escritoras Negras Conceição Evaristo & Geni Guimarães. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Instituto de Letras. Departamento de Teoria Literária e Literaturas. Brasília: Univesidade de Brasília, 2009; BRITO, Maria
da Conceição Evaristo de, Poemas Malungos.
Cânticos irmãos. Tese de Doutorado em Letras. Niterói: Instituto de Letras.
Universidade Federal Fluminense, 2011; MAGALHÃES, Rosânia Alves, A Escrita Feminina Afrodescendente na Obra de Conceição Evaristo. Dissertação de Mestrado em Linguística, Letras e Ares. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2014; BARBEDO, Mariana Gonçalves, A Arte de Carlos Diegues no Projeto Nacional-Popular do Cinema Novo (1962-1969). Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; COSTA, Eliane; PEREIRA, Flávio; PEREIRA, Márcia Regina Santana, “O Feminino,
Tempos e Espaços em As Andorinhas, de Paulina Chiziane, e em Becos
da Memória, de Conceição Evaristo”. In: Revista Porto das Letras.
Estudos Literários, volume 04, nº 02, 2018; Artigo: “Porque
Conceição Evaristo é a grande candidata à Academia Brasileira de Letras”. In: http://justificando.cartacapital.com.br/2018/07/24; entre outros.
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