domingo, 2 de setembro de 2018

Conceição Evaristo - Mulheres Negras na Academia Brasileira de Letras?

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

 Das lágrimas em meus olhos secos, basta o meio tom do soluço para  pranto inteiro”.  Conceição Evaristo

                                            
Academia Brasileira de Letras (ABL) representa uma instituição brasileira fundada na cidade do Rio de Janeiro em 20 de julho de 1897 pelos escritores Machado de Assis, Lúcio de Mendonça, Inglês de Sousa, Olavo Bilac, Afonso Celso, Graça Aranha, Medeiros e Albuquerque, Joaquim Nabuco, Teixeira de Melo, Visconde de Taunay e Ruy Barbosa. É composta por quarenta membros efetivos e perpétuos, por isso alcunhado imortal, e por vinte sócios estrangeiros. A língua portuguesa, também designada português, é uma língua românica flexiva ocidental originada no galego-português falado no Reino da Galiza e no norte de Portugal. Com a criação do Reino de Portugal em 1139 e no processo civilizatório para o sul como parte da Reconquista, deu-se a difusão da língua pelas terras conquistadas e mais tarde, com os chamados descobrimentos, para o Brasil, África e outras partes do mundo. Tem por objetivo o cultivo da língua portuguesa e da literatura brasileira. É-lhe reconhecido o mérito por reconhecimento em prol da unificação do idioma brasileiro e português europeu. Nomeadamente, teve  importância no Acordo Ortográfico de 1945, conseguido em conjunto com a Academia das Ciências de Lisboa, assim como foi de novo interlocutora quanto ao ainda polêmico Acordo Ortográfico de 1990.
A iniciativa foi tomada por Lúcio de Mendonça, concretizada em reuniões preparatórias que se iniciaram em 15 de dezembro de 1896 sob a presidência de Machado de Assis, eleito por aclamação na redação da Revista Brasileira. Nessas reuniões, foram aprovados os estatutos da Academia Brasileira de Letras (ABL) a 28 de janeiro de 1897, compondo-se o seu quadro de quarenta membros fundadores. A 20 de julho desse ano, era realizada a sessão inaugural, nas instalações do Pedagogium, prédio fronteiro ao Passeio Público, no centro do Rio. Sem possuir sede própria nem recursos financeiros, as reuniões da Academia eram realizadas nas dependências do antigo Ginásio Nacional, no Salão Nobre do Ministério do Interior, no salão do Real Gabinete Português de Leitura, sobretudo para as sessões solenes. As sessões comuns sucediam-se no escritório de advocacia do Primeiro Secretário, Rodrigo Octávio, à Rua da Quitanda, 47, no centro da Província do Rio de Janeiro. A partir de 1904, a Academia Brasileira de Letras (ABL) obteve a ala esquerda do Silogeu Brasileiro, por abrigar, além do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), a Academia de Medicina, o Instituto dos Advogados do Brasil, e a Academia Brasileira de Letras (ABL) um prédio governamental de instituições culturais, onde se manteve até a conquista e consagração da sua sede própria.

    
A Academia tem por fim, segundo os seus estatutos, a “cultura da língua nacional”, sendo composta por quarenta membros efetivos e perpétuos, conhecidos como "imortais", escolhidos entre os cidadãos brasileiros que tenham publicado obras de reconhecido mérito ou livros de valor literário, e vinte sócios correspondentes estrangeiros. À semelhança da Academia francesa, o cargo de "imortal" é vitalício, o que é expresso pelo lema “Ad immortalitem”, e a sucessão dá-se apenas pela morte do ocupante da cadeira. Formalizadas as candidaturas, os acadêmicos, em sessão ordinária, manifestam a vontade de receber o novo confrade, através do voto secreto. Os eleitos tomam posse em sessão solene, quando todos os membros vestem o fardão da Academia, de cor verde-escura com bordados de ouro que representam os louros, complementado por chapéu de veludo preto com plumas brancas. Nesse momento, o novo membro pronuncia um discurso, onde tradicionalmente se evoca o seu antecessor e os demais ocupantes da cadeira para a qual foi eleito. Etnograficamente, assina o Livro de posse e recebe das mãos de dois outros imortais o Colar e o Diploma. A Espada é entregue pelo decano, o acadêmico mais antigo. A cerimônia prossegue com um discurso de recepção, proferido por um confrade, referindo os méritos do novo membro. Instituição majoritária masculina, a partir de 4 de novembro de 1977, recepcionou a cearense Rachel de Queiroz, com o molde de uma versão feminina do tradicional fardão, um vestido longo de crepe francês verde-escuro, com folhas de louro bordadas em fio de ouro. 
Com isso, o tema da ideologia sofria uma desdramatização. Se o nível de análise ideológico, afinal não passava de uma consequência pura e simples de um processo prático, material, que importância maior poderia ter, na sua esfera social de ação, as controvérsias que lançavam, uns contra os outros, os sujeitos históricos? Historicamente durante a colonização, marinheiros portugueses levaram o seu idioma para terras distantes, por tentativas de colonizar novas terras e, como resultado, o português dispersou-se pelo mundo. Brasil e Portugal são os dois únicos países cuja língua é o português, língua oficial em antigas colônias, nomeadamente, Moçambique, Angola, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, todas na África. Por razões etno-históricas, falantes do português, ou de crioulos portugueses, são encontrados também em Macau (China), Timor-Leste, em Damão e Diu e no Estado de Goa (Índia), Malaca (Malásia), em enclaves na ilha das Flores (Indonésia), Batticaloa no (Sri Lanka) e nas ilhas Aruba, Bonaire e Curaçao  no Caribe. É uma das línguas oficiais da União Europeia, do Mercosul, da União de Nações Sul-Americanas, da Organização dos Estados Americanos (OEA), União Africana e dos Países Lusófonos. Com aproximadamente 280 milhões de falantes, o português representa a 5ª língua mais falada no mundo globalizado, a 3ª mais falada no hemisfério ocidental e a mais falada no hemisfério sul do planeta. É reconhecido como “a língua de Camões”, autor de Os Lusíadas, e “a última flor do Lácio”, expressão de Olavo Bilac. Miguel de Cervantes considera o idioma “doce e agradável”. Em março de 2006, o Museu da Língua Portuguesa, foi criado em São Paulo, a cidade de maior número de falantes do português no mundo. 

O Museu da Língua Portuguesa ou Estação Luz da Nossa Língua é um museu interativo sobre a língua portuguesa localizado na cidade de São Paulo, Brasil, no histórico edifício Estação da Luz, no Bairro da Luz, região central da cidade. Foi concebido pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo em conjunto com a Fundação Roberto Marinho, tendo um investimento de cerca de 37 milhões de reais. O objetivo da instituição é criar um espaço vivo sobre a língua portuguesa, considerada como base da cultura do Brasil, onde seja possível causar surpresa nos visitantes com os aspectos inusitados e, muitas vezes, desconhecidos de sua língua materna. Segundo os organizadores do museu, “deseja-se que, no museu, esse público tenha acesso a novos conhecimentos e reflexões, de maneira intensa e prazerosa”. O museu tem como alvo principal a média da população brasileira, composta de pessoas provenientes das mais variadas regiões e faixas sociais do país, mas que ainda não tiveram a oportunidade de obter uma ideia mais precisa e clara sobre as origens, a história e a evolução contínua da língua. De sua inauguração até o final de 2012, mais de 2,9 milhões de pessoas já haviam visitado o espaço, consolidando-o como um dos museus mais visitados do Brasil e da América do Sul. Em 21 de dezembro de 2015, o museu foi atingido por um incêndio que destruiu dois andares de sua estrutura. Seu acervo, contudo, não se perdeu, por ser virtual, sendo recuperado a partir de backups. Depois de passar por uma restauração, o museu foi reinaugurado. Por ocasião da cerimônia, a instituição foi agraciada com a Ordem de Camões, pelos relevantes serviços prestados à língua portuguesa.

Após a Independência das antigas colônias africanas, o português padrão de Portugal tem sido o escolhido pelos países africanos de língua portuguesa. Logo, o português tem apenas dois dialetos de aprendizagem, o europeu e o brasileiro. Note-se que na língua portuguesa europeia há uma variedade prestigiada que deu origem à norma-padrão: a variedade de Lisboa. No Brasil, comparativamente, a maior quantidade de falantes se encontra na região sudeste, por ter sido alvo de intensas migrações internas, graças ao seu poder econômico. O Distrito Federal apresenta um destaque devido ao seu dialeto próprio, pelas várias hordas de migração interna. Os dialetos europeus e americanos do português apresentam problemas de inteligibilidade mútua, dentro dos dois países, devido, sobretudo, a diferenças culturais, fonéticas, lexicais. Nenhum pode ser considerado como intrinsecamente melhor ou perfeito. Algumas comunidades cristãs na Índia, Sri Lanka, Malásia e Indonésia preservaram sua língua depois de se isolarem de Portugal. A língua foi alterada nessas comunidades e, em muitas, nasceram crioulos de base portuguesa, que ainda persistem, após séculos de isolamento. Também é perceptível uma variedade de palavras originadas do português no tétum. Palavras de origem portuguesa entraram no léxico de várias outras línguas, como o japonês, o suaíli, o indonésio e o malaio. 

Não queremos perder de vista que a concepção sociológica de Axel Honneth (2004) problematiza a “invisibilidade” como uma patologia social caracterizada por “formas intencionais de tornar pessoas invisíveis”. De forma semelhante à interpretação da análise da reificação marxista, a invisibilidade também é tratada de um ponto de vista epistemológico e moral, a partir da teoria do reconhecimento. Para Honneth, um ato de reconhecimento pressupõe dois elementos: 1) uma identificação cognitiva de uma pessoa como dotada de propriedades particulares em uma situação particular, e: 2) a confirmação da cognição da existência da outra pessoa como dotada de características específicas, através de ações, gestos e expressões faciais positivas manifestados por quem a percebe. A invisibilidade, por outro lado, significa mais do que a negação desses dois elementos. Sintetizada em expressões como a de um “olhar através”, ela nega a existência do outro do ponto de vista perceptual, como se ele não estivesse presente no campo de observação da visão de quem olha. É importante mencionar que faz distinção precisa, sofisticada entre invisibilidade e visibilidade, na sociedade contemporânea, de modo que, embora ambas as ideias sejam aparentemente espelhadas, elas conteriam em si mecanismos de funcionamento fundamentalmente diferentes.
No conceito negativo (“invisibilidade”), as pessoas afetadas sentem-se como se não tivessem sido percebidas. A perceptibilidade corresponde à capacidade de ver alguém, enquanto a visibilidade designa mais do que mera perceptibilidade porque acarreta a capacidade para uma identificação individual elementar. Desse modo, para as pessoas afetadas em particular, a invisibilidade significaria o sentimento de realmente não serem percebidas ou vistas, ao contrário da ideia de que a invisibilidade significaria puramente a ideia negativa de visibilidade, já que esta funciona segundo pressupostos que vão além da capacidade de ver, pois a visibilidade também inclui, além da visão, as capacidades de identificar, conhecer. Em outras palavras, quem é invisibilizado socialmente sente que sequer é visto. Não entra em jogo neste sentido o sentimento de que não é identificado ou conhecido. A discrepância conceitual que se torna aparente entre invisibilidade visual e visibilidade é devido ao fato de que, com a transição para o conceito positivo, as condições governando a sua aplicabilidade são mais exigentes. Enquanto a invisibilidade visual significa que um objeto não está presente como um objeto no campo perceptivo de uma pessoa, a visibilidade física requer que nós assumamos uma posição cognitiva diante do objeto dentro de uma estrutura espaço-temporal como algo com propriedades visuais relevantes.



 Medalha Pedro Ernesto, das mãos de Marielle Franco.
Conceição Evaristo é Mestra em Literatura Brasileira pela PUC-Rio, doutora em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora de romances como “Ponçá Vivêncio” (2003) e “Insubmissas Lágrimas de Mulheres” (2011). A escolha do curso de Letras decorre da paixão que, desde cedo, dedica à literatura engajada: na adolescência, Jorge Amado, José Lins, Carolina Maria de Jesus e  outros; mais tarde, Graciliano, Rosa, Drummond, Bandeira e, também, Solano Trindade, Abdias do Nascimento, Adão Ventura. Conceição nasceu em 29 de novembro de 1946 na favela do Pendura Saia, na zona sul de Belo Horizonte (MG), onde cresceu com sua mãe e seus 9 irmãos. De família pobre, teve que conciliar os estudos com o trabalho de empregada doméstica, até concluir o curso normal, em 1971. Mudou-se nesta ocasião para a cidade do Rio de Janeiro, estudou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi aprovada num concurso público para o magistério. Sua estreia na literatura se deu em 1990, com textos publicados na série Cadernos Negros, do coletivo Quilombhoje. Uma das principais expoentes da literatura brasileira, Conceição Evaristo é militante do movimento negro, com grande atuação, da literatura, na esfera político-social.
Nos anos 1980, a autora toma conhecimento das atividades do Grupo Quilombhoje e da publicação, em São Paulo, da série singular Cadernos Negros. Esse é um momento de efervescência dos movimentos pela igualdade racial, com mobilizações nas principais capitais brasileiras. É também tempo de redescoberta da escrita literária como trabalho de processamento e depuração, com rascunhos e mais rascunhos recheando suas gavetas. Em 1990, o número 13 de Cadernos Negros traz impressos os primeiros poemas de Conceição Evaristo, entre eles, o conhecido “Vozes-mulheres”, que figura até hoje como espécie de “manifesto-síntese” de sua poética. De acordo com Eduardo de Assis Duarte, os versos enfatizam a necessidade do “eu poético” de falar por si e pelos seus remanescentes. Esse sujeito de enunciação, ao mesmo tempo individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos e os símbolos), caracteriza não apenas os escritos de  Conceição Evaristo, como escritora engajada, “mas da grande maioria dos autores afro-brasileiros, voltados para a construção de uma imagem do povo negro infensa aos estereótipos e empenhada em não deixar esquecer o passado de sofrimentos, mas, igualmente, de resistência à opressão. Essa presença do passado como referência para as demandas do presente confere à escrita dos afrodescendentes uma dimensão histórica e política específica, que a distingue da literatura brasileira tout court” (cf. Duarte, 2006).
O interesse da narrativa cresce justamente nos gestos de inconformismo a esse processo de espoliação. Herdeira da memória familiar, Ponciá Vicêncio segue os passos de Conceição Evaristo, também esta herdeira de uma forte linhagem memorialística existente na literatura afro-brasileira. Como Maria Firmina dos Reis e Carolina Maria de Jesus, Conceição traz a narrativa dos despojados da liberdade, mas não da consciência. Isto porque, para Duarte, A fala “diaspórica” desses condenados da terra se articula de forma sincrônica e a posteriori, desconhecendo a encarnação do espírito de nacionalidade que marca boa parte da literatura canônica. Exemplo de romance afro-brasileiro, Ponciá Vicêncio polemiza através da tese segundo a qual a escrita dos descendentes de escravos estaria restrita ao conto e à poesia. Em que consistiria esse romance? Se entendido como texto de autoria afrodescendente, tratando de tema vinculado à presença desse segmento nas relações sociais vividas. Isto é, a partir de uma perspectiva identificada politicamente com as demandas e com o universo cultural afro-brasileiro que destaca o protagonismo negro nas ações. Em especial aquelas em que se defronta com os donos do poder, não há dúvida de que Ponciá Vicêncio não só preenche tais requisitos, “como ocupa o lugar supostamente vazio do romance afro-brasileiro”.
É neste sentido que a análise de Duarte (2006) percebe que o texto de Conceição Evaristo não é exemplo único e tem, sim, seus precursores na literatura nacional ao estabelecer um saudável contraponto com o “abolicionismo branco” do século XIX, de Joaquim Nabuco (1999), que a historiadora Gizlene Neder (1986) com razão chama de “abolicionismo de brancos para brancos” e com o negrismo modernista de Jorge Amado, José Lins do Rego ou Josué Montello, a narrativa de Ponciá Vicêncio remete ao Isaías Caminha, de Lima Barreto; em menor escala, ao Brás Cubas, de Machado de Assis; e, com certeza, ao memorialismo de Carolina Maria de Jesus e ao “Ai de vós”, de Francisca Souza da Silva, entre outros. Conceição Evaristo filia-se a esse veio de análise histórica de matriz afrodescendente que mescla história não oficial, memória individual (sonho) e coletiva (os mitos, os ritos, os símbolos) com invenção literária, iniciado com a publicação de Úrsula, em 1859.

Tá faltando preto na Casa de Machado de Assis!
O texto de Maria Firmina dos Reis destoa cabalmente do projeto literário romântico, das narrativas e conceitos de nação e de identidade nacional. O texto de Úrsula, ao contrário das ficções de fundação, recusa-se a propagar a ideologia de identidade nacional una e coesa, que apaga as diferenças e naturaliza hierarquias. Enfatiza a diferença transformada em desigualdade social e subalternizada pelo escravismo. Ao colocar o negro como valor para personagens e leitores brancos e inscrever senhores e escravos como “filhos de Deus” e “irmãos”, a escritora maranhense apropria-se da moral para desmascarar o rebaixamento ideológico dos afrodescendentes. Ipso facto, irmanado a essa vertente “afro”, o texto de Ponciá Vicêncio destaca-se feminino onde um olhar do outro e outras discursividades específico, marcado pela etnicidade que provém à voz e as vozes-ecos das correntes arrastadas.
Politicamente o grande silêncio das coisas muda-se no seu contrário através da mídia. Ontem constituído em segredo, observa Michel de Certeau, “agora o real tagarela”. Só se veem por todo o lado notícias, informações, estatísticas e sondagens. Jamais houve uma história que tivesse falado ou mostrado tanto. Jamais, com efeito, os ministros dos deuses os fizeram falar de uma maneira tão contínua, tão pormenorizada e tão injuntiva como o fazem hoje os produtores de revelações e regras em nome da atualidade. Os relatos do-que-está-acontecendo constitui a nossa ortodoxia. Os debates de números são as nossas guerras teológicas. Os combatentes não carregam mais as armas de ideias ofensivas ou defensivas. Avançam camuflados em fatos, em dados e acontecimentos. Apresentam-se como os mensageiros de um “real”. Sua atitude assume a cor do terreno econômico e social. Quando avançam, o próprio terreno parece que também avança. Mas, de fato, eles o fabricam, simulam-no, usam-no como máscara, e atribuem a si o crédito dele, criam o que se diagnostica como a lei férrea.   
A pessoa tem que se inclinar, e obedecer aquilo que significam, como oráculo de Delfos. A fabricação de simulacros fornece assim o meio de produzir crentes e, portanto praticantes. Esta instituição do real é a forma mais visível da dogmática contemporânea. É também a mais disputada entre partidos e instituições. Ela não comporta mais um lugar próprio, nem cátedra ou magistério. Código anônimo, a informação inerva e satura o corpo social. Desde a manhã até a noite, sem pausa, histórias povoam as ruas e os prédios. Articulam nossas existências ensinando-nos o que elas devem ser. Cobrem o acontecimento, fazem deles as nossas legendas daquilo que se deve ler e dizer. Apanhado desde o momento em que acorda pelo jornal, rádio ou televisão, a voz é a lei, pois o ouvinte anda o dia inteiro pela floresta de narratividades jornalísticas, publicitárias, televisionadas à noite ainda sob as portas do sono. Esses relatos etnográficos têm o duplo, singular e estranho poder de mudar de forma o ver num crer, e de fabricar o real com aparências. É dupla a inversão.
De um lado, a modernidade, outrora nascida de uma vontade observadora que lutava contra a credulidade e se fundava num contrato entre a vista e o real, transforma alhures essa relação social e deixa ver precisamente o que se deve acreditar. A ficção define o campo, o estatuto social e os objetos da visão. Assim funcionam os “mass media”, a publicidade ou a representação política. Hoje, a ficção pretende presentificar o real, falar em nome dos fatos e, portanto, fazer assumir como referencial a semelhança que produz. Essa reviravolta do terreno onde se desenvolvem as crenças resulta de uma mutação nos paradigmas do saber: a invisibilidade do real, postulado antigo, cedeu o lugar à sua visibilidade. A cena sociocultural da modernidade remete a imensidão de um  mito”. Define o referente social por sua visibilidade, e, portanto, por sua representatividade científica ou política; articula-se em cima deste novo postulado (crer real e visível) a possibilidade de nossos saberes, de nossas observações, de nossas provas e nossas práticas. Nesta nova cena, campo indefinidamente extensível das investigações óticas e de uma pulsão escópica, subsiste ainda a estranha coalizão entre o crer e a questão do real, do visto, do observado ou do demonstrado através de estratégia.     
Academia Brasileira de Letras elegeu Cacá Diegues para a Cadeira Número 7. Cacá vai substituir o cineasta Nelson Pereira dos Santos e derrotaram outros dez candidatos, entre eles a escritora Conceição Evaristo, uma negra que decidiu desafiar a instituição. Aos 71 anos, a mineira optou por uma espécie de anticandidatura e causou incômodo ao dispensar a bajulação habitual para ganhar votos dos imortais que frequentam o “clube de amigos”. Sua derrota era esperada: Conceição Evaristo entrou na disputa para expor exatamente a falta de representatividade negra e feminina na centenária academia. Recebeu apenas um voto. Cacá Diegues, 22, e Pedro Corrêa do Lago, neto de Oswaldo Aranha, outros 11 votos. A candidatura da escritora, que publicou seis livros e já venceu o prêmio Jabuti, o mais tradicional prêmio da literatura brasileira, surgiu após uma provocação da jornalista carioca Flávia Oliveira. - “Eu voto em Nei Lopes ou Martinho da Vila. Sem falar na Conceição Evaristo. - ‘Tá’ faltando preto na Casa de Machado de Assis”, declarou ao famoso colunista Ancelmo Gois no jornal O Globo em 25 de abril, ao lembrar que há espaço considerado vago na Academia Brasileira de Letras. No quadro atual da Academia, o mais antigo dos sócios correspondentes é José Carlos de Vasconcelos, eleito em 1981, e o mais novo é americanista Berthold Zilly, eleito em 2018.

Nas redes sociais, de hegemonia da palavra, a ideia se alastrou como fogo agora no Museu da Quinta da Boa Vista, no bairro de São Cristóvão, na cidade maravilhosa. Fã da escritora, a pesquisadora Juliana Borges publicou em 30 de abril uma carta-manifesto em apoio à autora. A partir do texto, surgiram dois abaixo-assinados pedindo a entrada de Conceição na ABL. - “A ponta de sua caneta e o texto em dígito de Conceição Evaristo trazem um trajeto de ancestralidade e apontam vislumbres de horizonte. Ora, não é isso que faz um imortal?”, escreveu Borges. Em dois dias, conseguiu mais de 6,5 mil apoios. Hoje com mais de 40 mil assinaturas nas duas petições, há até uma hashtag em prol da candidatura. A possibilidade de concorrer a um dos 40 assentos da ABL já estava no horizonte de Conceição Evaristo há mais tempo. A escritora, no entanto, só se entusiasmou com a ideia quando foi informada por uma jornalista sobre a quantidade de assinaturas que a petição havia recebido. Até então, sequer estava sabendo da mobilização. - “Se eu entrar,  não será porque escrevi um ‘Marimbondo’ do Sarney, não [romance que levou o ex-vice-presidente e presidente da República à ABL, em 1980]. Eu quero entrar porque é um lugar nosso, porque temos direito”, disse em uma palestra no Salão Carioca do Livro, em 19 de maio. Oficialmente, a disputa teve 11 candidatos.
Mas, desde o princípio, apenas dois nomes tiveram chance na eleição de fato. A improvável vitória de Conceição Evaristo sobre o cineasta Cacá Diegues e o colecionador Corrêa do Lago, favoritos desde o princípio, teria um significado histórico só comparável à eleição de Rachel de Queiroz, primeira mulher nordestina, filha do engenho, a integrar a lista de imortais – e isso apenas em 1977, sob uma ditadura militar golpista, quando lembramos que a Academia Brasileira de Letras foi criada em 1896. Historicamente Conceição Evaristo seria a primeira escritora negra a ser recepcionada na casa. Ocuparia ainda a cadeira 7, cujo patrono coincidentemente é o poeta e abolicionista baiano Castro Alves. Atualmente, há cinco mulheres e somente um negro entre os 39 acadêmicos. Uma boa candidatura, dizem os peritos nas engrenagens que movimentam a ABL, “se desenha antes mesmo da morte de algum dos 40 acadêmicos”. Um aspirante que frequenta os colóquios e eventos promovidos pela instituição ortodoxa ao longo dos anos e passa a fazer parte da vida social e de interesses e normas da casa, ganha muitos pontos entre seus eleitores. Também é de suma importância que, antes de entregar a Carta de solicitação de inscrição, o candidato tenha aliados e evidentemente “padrinhos” entre os votantes. Fato que o fundador, Machado de Assis, lembraria na passagem: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.

Bibliografia geral consultada.

CERTEAU, Michel de, La Prise de Parole. Paris: Éditions du Seuil, 1968; ASSIS, Machado de, Obras Completas. Rio de Janeiro: Editor José Aguilar, 1959; NEDER, Gizlene, Criminalidade, Justiça e Constituição do Mercado de Trabalho no Brasil - 1890-1927. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. São Paulo: Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1986; SODRÉ, Muniz, La Città e il Tempi. Roma: Edizioni Settimo Sigillo, 1998; NABUCO, Joaquim, O Abolicionismo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999; DUARTE, Eduardo de Assis, “O Bildungsroman Afro-brasileiro de Conceição Evaristo”. In: Rev. Estud. Fem. vol.14 n°1. Florianópolis Jan./Apr. 2006; MENDES, Ana Cláudia Duarte, “Eco e Memória: Vozes-Mulheres, de Conceição Evaristo”. In: Revista de Estudos Literários - Volume 17-A, dez. 2009; BRITO, Maria da Conceição Evaristo de, Literatura Negra: Uma Poética da nossa Afro-brasilidade.  Dissertação de Mestrado em Letras. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1996; LIMA, Omar da Silva, O Comprometimento Etnográfico Afro-descendente das Escritoras Negras Conceição Evaristo & Geni Guimarães. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação  em Literatura. Instituto de Letras. Departamento de Teoria Literária e Literaturas. Brasília: Univesidade de Brasília, 2009; BRITO, Maria da Conceição Evaristo de, Poemas Malungos. Cânticos irmãos. Tese de Doutorado em Letras. Niterói: Instituto de Letras. Universidade Federal Fluminense, 2011; MAGALHÃES, Rosânia Alves, A Escrita Feminina Afrodescendente na Obra de Conceição Evaristo. Dissertação de Mestrado em Linguística, Letras e Ares. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2014; BARBEDO, Mariana Gonçalves, A Arte de Carlos Diegues no Projeto Nacional-Popular do Cinema Novo (1962-1969). Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; COSTA, Eliane; PEREIRA, Flávio; PEREIRA, Márcia Regina Santana, “O Feminino, Tempos e Espaços em As Andorinhas, de Paulina Chiziane, e em Becos da Memória, de Conceição Evaristo”. In: Revista Porto das Letras. Estudos Literários, volume 04, nº 02, 2018; Artigo: “Porque Conceição Evaristo é a grande candidata à Academia Brasileira de Letras”. In: http://justificando.cartacapital.com.br/2018/07/24entre outros.

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