terça-feira, 18 de setembro de 2018

Patty Hearst - Afeto, Política & Síndrome de Estocolmo.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

                                                                   A festa acaba de começar!”. Jan-Erik Olsson

      
   
          A cristianização do país tem início com a “chegada” de estranhos missionários alemães e ingleses no século XI. Em 1397 os quatro países escandinavos foram reunidos através de linhagens e casamentos na União de Kalmar, mas a disputa entre os nobres de cada país pelo trono os separou no início do século XVI. O século XVII viu a Suécia tornar-se uma das principais potências europeias, devido ao sucesso da participação na Guerra dos 30 anos, iniciada pelo rei Gustavo Adolfo II. Esta posição iria “desmoronar-se” no século XVIII, quando a Rússia conquistou os reinos da Europa do norte na Grande Guerra do Norte e, eventualmente, quando em 1809 se assistiu à separação da parte oriental da Suécia, criando-se assim a Finlândia como um grã-ducado Russo. uma guerra travada entre uma coligação composta pelo Czarado da Rússia, Reino da Dinamarca e Noruega e Saxônia-Polônia e a partir de 1715 também Prússia e Hanôver contra o Império Sueco, entre 1700 e 1721. Começou com um ataque coordenado pela coligação em 1700 contra a Suécia, e terminou em 1721 com a conclusão do Tratado de Nystad, e o Tratado de Estocolmo. Um dos resultados desta guerra foi o fim do Império Sueco. O Império colonial sueco durou pouco mais de dois séculos, desde 1638, com a fundação da primeira colônia sob o domínio da rainha Cristina (1632-1654) até 1878, com a descolonização da última colônia sob o rei Óscar II (1872-1907).

Entre os principais combates deste longo conflito destacam-se as batalhas de Narva, Lesnaia e Poltava. A história recente sueca tem sido pacífica. A última guerra na qual participou foi a Campanha Contra a Noruega (1814), que estabeleceu uma união dominada pela Suécia. Esta união dissolveu-se pacificamente em 1905, apesar de alguma ameaça de guerra. A Suécia foi um país neutro durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, com uma pequena excepção, a Guerra do Inverno. Continuou a não se posicionar durante a Guerra Fria e hoje não faz parte de nenhuma aliança militar embora tenha participado nos treinos militares da Organização do Tratado Atlântico Norte. A primeira cerimônia da entrega do Prêmio Nobel foi realizada na antiga Real Academia de Música Sueca, em Estocolmo, em 1901. A partir de 1902 os prémios passaram a ser entregues pelo Rei da Suécia. A economia predominantemente agrícola da Suécia mudou de vilas para fazendas privadas durante a Revolução Industrial.

A industrialização ganhou novo incentivo com a produção de energia hidrelétrica. Aumentou a produção de ferro, aço, papel, têxteis e produtos químicos ao mesmo tempo em que o número de trabalhadores triplica. A participação do setor industrial no produto interno bruto da Suécia foi de 13% em 1861-1865 a 28% em 1911-1915. Contudo essas mudanças não conseguiram trazer melhorias económicas e sociais proporcionais ao crescimento da população. Cerca de um milhão de suecos migrou entre 1850 e 1890, principalmente para os Estados Unidos da América. O século XIX foi marcado pelo surgimento da imprensa liberal de oposição, pelo fim dos monopólios comerciais das guildas em trocas e manufaturas em favor da livre empresa, a introdução de reformas fiscais e eleitorais, a instalação do serviço militar nacional e pelo surgimento dos três partidos que dominariam a vida política sueca na primeira metade do século XX: o Social Democrata, o Liberal e o Conservador.  Nos 24 anos que se seguiram ao fim da segunda guerra instalando-se de 1945-1969, um governo social-democrata (SSA) estável cria o estado-providência mais avançado internacionalmente.

Em 1950 Gustavo VI torna-se rei, em 1953 a Suécia torna-se membra do Conselho Nórdico. Sete anos depois entra para a EFTA. Em 1969 Olof Palme forma governo até 1974, voltando a tê-lo em 1982. Em 1973 Carlos XVI sobe ao trono. Em 1975 há uma reforma constitucional, o Riksdag passa a possuir apenas uma câmara com mandato de três anos. A monarquia passa a ter apenas um papel cerimonial. Em 1986 Palme é assassinado e o seu adjunto Ingvar Carlsson sucede-lhe. Nunca foi encontrado o assassino. Em 1991 o SSA continua a ser o maior partido durante as eleições gerais, mas não consegue formar governo. Carlsson demite-se e Carl Bildt, líder do partido moderado MS forma de coligação de partidos não-socialistas em tempos de recessão.

No ano seguinte medidas de austeridade conseguem acabar com a inflação, mas o SSA recusa-se a suportar mais custos. Em 1994 novas eleições trazem o poder completo ao SSA. Em 1995 juntam a União Europeia. No ano seguinte Carlsson volta-se a demitir e é substituído por Göran Persson (até 2006). Em 1999 o Governo sueco torna-se o primeiro do mundo com mulheres em maioria e nesse mesmo ano a ministra dos negócios estrangeiros, Anna Lindh morre apunhalada. Em referendo realizado em 2003, a maioria da população votou “Não” quanto à adopção do euro como moeda oficial do país. O partido moderado com dirigido por Fredrik Reinfeldt volta ao poder em 2006. A Suécia sofreu particularmente os efeitos da crise económica internacional na sua fase inicial, tendo em 2008 decrescido 0,61% e em 2009, uns preocupantíssimos 5,03%. Em 2010 fez uma enorme recuperação até crescer 6,15%, o máximo crescimento econômico desde 1964, em cresceu 6,82%. Em 2011 continuou a sua recuperação económica com 3,92% de crescimento.

         Estocolmo representa o maior e mais importante centro urbano, cultural, político, financeiro, comercial e administrativo da Suécia desde o século XIII. Sua localização estratégica sobre 14 ilhas no centro-sul da costa leste da Suécia, ao longo do Lago Malar, tem sido historicamente importante. Uma vez que a capital sueca está situada sobre ilhas reconhecidas por sua beleza, a cidade é destino de turistas de todo o mundo, tendo sido apelidada nos últimos anos de “Veneza do Norte”. Estocolmo é conhecida pelos seus edifícios e monumentos extremamente bem preservados, por seus arborizados parques, por sua riquíssima vida cultural e gastronômica, e pela gigantesca qualidade de vida que oferece a seus moradores. Há décadas, Estocolmo figura como uma das cidades mais visitadas dos países nórdicos, com mais de um (01) milhão de turistas anualmente. Tem sido citada entre as cidades mais habitáveis do mundo, sendo uma das mais limpas, organizadas e seguras do mundo.
         A síndrome de Estocolmo foi identificada a partir de uma “situação criminosa” real, em 23 de agosto de 1973 quando houve um assalto bancário em Estocolmo na Suécia, e houve resistência por parte dos reféns em meio às estratégias de resgate da polícia local. Em 1974, Patrícia Hearst, neta de um magnata americano, foi sequestrada e tornou-se talvez o caso mais famoso de pessoa com Síndrome de Estocolmo. Ela assaltou um banco com o grupo que a sequestrou, o autodenominado Symbionese Liberation Army, uma organização revolucionária de orientação marxista dos Estados Unidos da América (EUA), responsável por assassinatos, assaltos a bancos e outros atos de violência política. Sua ação internacionalmente reconhecida concorreu com o sequestro e posterior conversão da herdeira milionária Patty Hearst. As origens do Exército Simbionês de Libertação encontram-se no trabalho desenvolvido pela Black Cultural Association, um grupo de apoio a presidiários negros ativo na prisão de Vacaville em finais da década de 1960 e inícios de 1970. Este grupo de responsabilidade de um professor de Universidade da Califórnia em Berkeley e era integrado por estudantes brancos da classe média partidários de ideais de esquerda, que davam apoio e formação político-ideológica aos presidiários negros. No contexto etnográfico das suas visitas estes jovens no processo de socialização vão propagar entre os presidiários o legado revolucionário de Marx.


            O Exército Simbionês de Libertação inspirava-se no marxismo, incluindo entre os seus objetivos de luta acabar com o racismo, a monogamia e o sistema penitenciário. A organização advogava igualmente a formação no interior do território dos Estados Unidos de lares para as minorias étnicas. Para alcançar os seus objetivos o grupo adotou a tática de “propaganda urbana” do jornalista francês Régis Debray, que consistia em praticar uma série de ações selecionadas, como assaltos e homicídios, cujo resultado seria um grande impacto na mídia; estas ações proporcionariam publicidade e em última instância provocariam a revolta popular e a adesão às propostas da organização. As origens libertárias encontram-se no trabalho desenvolvido pela Black Cultural Association, um grupo de apoio a presidiários negros ativo na prisão de Vacaville em finais da década de sessenta e inícios da década de setenta. Este grupo era da responsabilidade de um professor de Universidade da Califórnia em Berkeley e era integrado por estudantes brancos da classe média partidários de ideais de esquerda, que davam apoio e formação aos presidiários negros. No contexto das suas visitas estes jovens vão propagar entre os presidiários ideais do marxismo enquanto ideologia quando interpela os indivíduos en suas práticas constituindo-os em sujeitos históricos.  
Entre os jovens estudantes que participavam neste projeto político encontravam-se futuros membros do Exército Simbionês de Libertação, como William Wolfe, Russel Little, Joe Remiro e Nancy Ling Perry. Para alguns dos estudantes, os presidiários eram vítimas de um sistema racista enraizado na sociedade norte-americana. Em março de 1973 Donald DeFreeze, condenado por assalto e detido primeiro em Vacaville e depois transferido para a prisão de Soledad consegue escapar. DeFreeze tinha sido dinamizador na cadeia de um grupo chamado “Unsight”, no qual William Wolfe e Russell Little participaram de forma engajada. Ajudado por estes membros fixa residência em Berkeley, junto com as ativistas Nancy Ling Perry e Patricia Soltysik, tornando-se namorado da última. Poucos meses antes tinham chegado a Berkeley, vindos do Indiana, Bill Harris, veterano da guerra do Vietnam e pacifista e a sua esposa, Emily Harris. O casal foi acompanhado por dois amigos, Gary e Angela Atwood. Estes jovens juntam-se a grupos radicais e conhecem DeFreeze e os seus companheiros. No final do Verão de 1973 estas pessoas decidem fundar o Exército de Libertação Simbionês, uma organização revolucionária de orientação marxista dos Estados Unidos.
A 4 de fevereiro de 1974 três membros do Exército Simbionês de Libertação raptaram Patrícia Campbell Hearst, herdeira da família Hearst e estudante de História da Arte na Universidade de Berkeley, quando esta se encontrava no seu apartamento com o seu noivo, Steven Weed. Dois dias depois a organização fez chegar um comunicado à estação de rádio KPFA de Berkeley, na qual afirmava que Patrícia Hearst “era uma prisioneira de guerra”. No dia 12 de Fevereiro a mesma emissora de rádio difundiu uma gravação de Hearst na qual está afirmava estar bem e onde pedia que a sua família procedesse à distribuição de comida entre os pobres em troca da sua libertação. Dez dias depois a família de Hearst fundou um programa de nome “People in Need” que distribui comida por entre 30 mil pessoas, tendo gasto 2 milhões de dólares na ação social.  De acordo com Hearst, ela teria os seus primeiros dois meses de cativeiro encerrada num armário, onde foi violada por DeFreeze e sujeita a doutrinação dos ideais do Exército Simbionês. No dia 3 de abril de 1974 a rádio KSAN emitiu uma nova gravação na qual Patty denunciava o programa “People in Need” e rejeitava a sua família. Patty Hearst anunciou também que tinha se juntado ao Exército Simbionês de Libertação, tendo adotado o nome de guerra de guerrilha “Tania”, em honra à companheira de Che Guevara. A fita é acompanhada por “uma fotografia que se tornou famosa, na qual Patty surgia com uma arma em frente do símbolo da organização, a cobra de sete cabeças”.

                          
          A tática é a arte do fraco. Carl Phillip Gottlieb von Clausewitz, militar do Reino da Prússia que ocupou o posto de general é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua obra “Da Guerra” (“Vom Kriege”). Foi diretor da Escola Militar de Berlim nos últimos 13 anos de sua vida, período em que escreveu a obra “Vom Kriege”, publicada postumamente. Nela ficou reconhecida a tese materialista em que ele define a associação entre guerra e política: - “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Especificamente, Clausewitz considerava fundamental que a guerra estivesse sempre submetida à política. Isso porque nenhuma guerra pode ser vencida sem a compreensão precisa dos objetivos e da disponibilidade de meios de trabalho¸ em primeiro lugar, ou sem o cálculo racional das capacidades e das oportunidades, assim como o estabelecimento dos limites éticos ao uso da força - sempre submetida aos objetivos políticos estabelecidos. Suas lições de tática e estratégia vão, além dos exercícios militares propriamente ditos, para se constituírem, inclusive, numa profunda reflexão teórica sobre a filosofia propedêutica da guerra e da paz. 
           O modo pelo qual a tática, verdadeira prestidigitação, se introduz por surpresa numa ordem representa o senso de ocasião. Mediante procedimentos que psicanaliticamente Freud precisa a respeito do chiste, combina elementos audaciosamente reunidos para insinuar o “insight” de uma coisa na linguagem de um lugar para atingir o destinatário. Contudo, sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz, como se fica no corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo, a tática é determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder. A sua dialética poderá ser iluminada pela antiga arte da sofística, de fortificar ao máximo a posição do mais fraco. Mas destaca a relação de forças que está no princípio de uma criatividade intelectual tão tenaz como sutil, incansável, mobilizada à espera da ocasião. As estratégias são, portanto, ações sociais que, graças ao postulado de um lugar de poder, que produz efeitos de poder políticos elaboram lugares teóricos enquanto sistemas e discursos totalizantes, capazes de articular um conjunto de lugares praticados onde as forças sociais se distribuem.
          Elas combinam três tipos ideal de lugar praticado e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações espaciais. Ao menos procuram elas reduzir a esse tipo as relações temporais pela atribuição analítica de um lugar próprio a cada elemento particular e pela organização combinatória dos movimentos específicos a unidades ou a conjuntos de unidades. O modelo para isso foi antes o militar que o científico. As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, ás relações entre momentos sucessivos de um golpe, como na política, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos.
            A síndrome de Estocolmo recebeu esse nome devido a um sequestro acontecido em Estocolmo, em 23 de agosto de 1973. Dois assaltantes sequestraram quatro funcionários do banco por vários dias. Quando a polícia conseguiu libertar os reféns, eles demostraram simpatia em relação aos sequestradores. As vítimas iam à prisão visitar seus captores e se recusaram testemunhar contra eles durante o julgamento. A síndrome de Estocolmo foi, então, teorizada pelo psiquiatra norte-americano Frank Ochberg. Frank é psiquiatra, um pioneiro na ciência do trauma, um educador e editor do primeiro texto sobre o tratamento do “transtorno de estresse pós-traumático” (TEPT).  Ele é um dos fundadores da psicotraumatologia moderna e serviu no comitê que definiu o TEPT. Recentemente, dedicou parte de seu tempo à educação de jornalistas sobre traumas e, em reconhecimento, a Bolsa de Ochberg do Dart Center recebeu esse nome. As estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões de um poder. Os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentam sob uma forma nítida, nem por isso – last but not least – menos certo que apostas feitas no lugar ou no tempo distinguem as maneiras estruturantes de sentir, pensar e agir.              
A síndrome de Estocolmo é uma relação psíquica desenvolvida por uma vítima de sequestro em relação a seus captores. Quanto maior o tempo do sequestro, maior o risco da síndrome. É uma relação social estabelecida quando a intimidade é criada em um lugar por um longo período. Essa intimidade pode ser estabelecida em ambas as direções, ou seja, a vítima e o sequestrador podem desenvolver a simpatia um pelo outro. A vítima, que está chocada e traumatizada no momento do sequestro, às vezes decide agradar seu agressor para salvar sua vida. Essa aproximação afetiva dará à vítima a impressão de se afastar do perigo. Um verdadeiro mecanismo inconsciente de autodefesa e de sobrevivência é colocado em ação. A síndrome de Estocolmo é mais facilmente estabelecida se os sequestradores justificam suas ações com discursos políticos ou ideológicos e não demonstrar sinais de ódio em relação a seus reféns. Na abordagem psicanalítica fundada e descrita por Sigmund Freud, o indivíduo se constitui como um ente à parte do social e que compõe o nível de análise social psicológico.
Freud refere-se aos aspectos que compõem um estado instintivo humano e que acaba por se tornar inibido em prol da convivência em comunidade. A inibição destes aspectos, que são instintivos, consiste numa privação de características que são inatas aos homens, e, esta própria comunicação da privação, acaba por consistir em determinados aspectos de descontentamentos. Neste sentido, os homens em civilização ou civilizados demonstram-se descontentes na busca de sua felicidade, pois seus instintos não são prontamente atendidos em determinada sociedade. No seu ensaio: “O Mal-estar da Civilização”, Freud elabora uma discussão filosófico-social a partir de sua teoria psicanalítica. O autor desenvolve a ideia pragmática segundo a qual, em sociedade, “não há avanço sem perdas”. A ideia central que desenvolve neste ensaio é a de que a civilização é inimiga da satisfação dos instintos humanos. A sociedade modifica a natureza individual, constitui o homem membro da comunidade, adaptando-o no processo vital que torna o indivíduo um ente social.          
Em 1923, no livro “O Ego e o Id”, Freud expôs uma divisão da mente humana em três partes: 1) o ego que se identifica à nossa consciência; 2) o superego, que seria a nossa consciência moral, os princípios sociais e as proibições que nos são inculcadas nos primeiros anos de vida e que nos acompanham de forma inconsciente a vida inteira; 3) o id, isto é, os impulsos múltiplos da libido, dirigidos sempre para o prazer. A influência que Freud exerceu em várias correntes da ciência, da arte, da sociologia e da filosofia foi enorme. Mas não se deve deixar de dizer que muitos filósofos, psicólogos e psiquiatras fazem sérias objeções ao modo como o pai da psicanálise e seus discípulos apresentam seus conceitos: como “realidades absolutas” e não como suportes ou “instrumentos” de explicação que podem ser ultrapassados pela dinâmica científica e, em alguns casos, foram mesmo. Em uma de suas últimas obras “O Mal-Estar na Civilização”, publicado em 1930, Freud descreve a história da humanidade como a “luta entre os instintos de vida” (Eros) e “os da morte” (Tanatos), teoria cujo pioneirismo deu ao fator sexual que era - até Freud - uma área de quase absoluta ignorância para a ciência em geral e a filosofia. A psicanálise é o que se faz através da conversação.
Em suas teorias, Freud afirma que os pensamentos são desenvolvidos por processos diferenciados, relacionando tal ideia à de que o nosso cérebro trabalha essencialmente no campo da semântica. A mente desenvolve os pensamentos num sistema intrincado de linguagem baseada em imagens, as quais são meras representações de significados latentes. Em diversas obras Freud não só desenvolve sua teoria sobre o inconsciente da mente humana, como articula o conteúdo do inconsciente ao ato da fala, especialmente aos atos falhos. Para Freud, a consciência humana subdivide-se em três níveis: consciente, pré-consciente e inconsciente. O primeiro nível de análise contém o material perceptível; o segundo nível, o material latente, mas passível de emergir à consciência com certa facilidade; e o terceiro nível contém o material de difícil acesso, isto é, o conteúdo mais profundo da mente, que está ligado aos instintos primitivos do homem. Os níveis de consciência estão distribuídos entre as três entidades que formam a estrutura psíquica em torno da mente humana, ou seja, o Id, o Ego e Superego. Semelhante à análise dos sonhos, a análise da fala representaria um caminho psicanalítico para investigar os desejos ocultos do homem e as causas das psicopatologias. – “É na palavra e pela palavra que o inconsciente encontra sua articulação essencial”. Deste modo, Freud cria uma inter-relação entre os campos da linguística e da psicanálise, que será retomada por estudiosos posteriores, como ocorre precisamente nos Séminaire de seu maior intérprete: Jacques-Marie Émile Lacan.
            No dia 23 de agosto de 1973, as atenções do mundo globalizado se voltaram à Suécia, acompanhando os desdobramentos de um aparente assalto a um banco em Estocolmo. O incidente ocorrido na Praça Norrmalmstorg, é uma praça central da cidade de Estocolmo, na Suécia. Está situada entre as ruas Hamngatan e Smålandsgatan, no bairro de Norrmalm. É uma área de intensa atividade comercial e de eventos de rua.  O acesso a Norrmalmstorg é feito pela estação de metro de Östermalmstorg e pela paragem de autocarro de Norrmalmstorg zona nobre da cidade, entrou para a história social e política em virtude dos laços afetivos que se formaram entre reféns e seus raptores. Esse tipo de fenômeno psicológico e de um realismo sociológico extraordinário é reconhecido na literatura clínica como Síndrome de Estocolmo. – “Confio plenamente nele, viajaria por todo o mundo com ele”, disse Kristin Enmark em referência ao homem que manteve ela e três colegas reféns durante 6 dias.  
Naquela manhã de agosto, as portas do Sveriges Kreditbanken, no centro da capital sueca, Estocolmo, quando tinham acabado de ser abertas e surpreendentemente  um homem entrou com uma maleta, sacou uma metralhadora e disparou para o teto. – “Fiquei com medo, claro”, diz Kristin Enmark em entrevista à BBC. - “Me joguei no chão. O ladrão veio em minha direção e fez sinais para que eu e uns colegas nos levantássemos. Acho que meu cérebro deixou de funcionar. Era um terror sem nome. Nem em meus piores pesadelos eu imaginara que algo assim poderia acontecer comigo”. O Assalto de Norrmalmstorg, um novo fato de ordem política e social ocorreu próximo à Praça Norrmalmstorg, localizada no centro da famosa área comercial de Estocolmo, capital da Suécia. Em 23 de agosto de 1973, três mulheres e um homem foram feitos reféns aparentemente em um assalto a um banco de Estocolmo, que durou 6 dias. Para a surpresa de todos, os reféns desenvolveram uma relação especial com os raptores, que depois é reconhecida como Síndrome de Estocolmo. Apesar do que se acredita a história de que duas delas acabaram se casando com eles não é verdadeira.  
            A sucursal do Le Crédit Lyonnais um dos maiores bancos da Europa. Engloba a rede de varejo na França que foi cindida do Crédit Lyonnais quando o Crédit Agricole o adquiriu em 2003. A marca LCL substituiu Crédit Lyonnais em 2005 LCL perto na Avenida da Ópera de Paris foi assaltada na noite de sábado para domingo. Os ladrões roubaram o conteúdo de quase 200 cofres privados, cujo valor ainda não é conhecido. Segundo um porta-voz do LCL, “o banco não tinha conhecimento dos montantes depositados pelos seus clientes”, porque o aluguel dos cofres é feito sob o princípio de confidencialidade. A investigação em curso pretende avaliar os prejuízos do assalto, que se supõe serem muito elevados. Christian Julien, um cliente bem conhecido que tinha usado um dos cofres que estavam dentro do banco, disse ao canal televisivo francês BFM, sigla da representação comercial Business FM, original da BFM Business com bens avaliados em torno de 15 mil euros. – “Não tinha muito dinheiro, mas sim joias de qualidade, que pertenciam à minha mulher, que as trouxe de África há muito tempo. Tinham um valor sentimental para nós”. Método semelhante ao “roubo do século”.
Para entrar na sala dos cofres, os especialistas em roubo furaram uma parede com 80 cm de espessura, deixando uma largura suficiente para deixar passar uma pessoa. A porta-voz do gabinete do procurador de Paris, Isabelle Montagne, considera esta “uma forma algo estranha de operar”. Antes de deixarem o edifício, os assaltantes – o guarda diz ter visto três homens, mas outras testemunhas dizem ter visto quatro ou cinco pessoas entrar numa carrinha junto ao banco – incendiou a cave, o que fez disparar os alarmes de incêndio. O sistema anti-incêndio inundou depois a sala dos cofres, tornando mais difícil encontrar vestígios. A polícia pericial só começou os trabalhos de investigação na segunda-feira. Quando sentiu o cheiro a fumo, o guarda já não ouvia os assaltantes. Conseguiu então libertar-se e chamou os bombeiros. Está bem e a receber apoio psicológico. A agência France Presse compara o “modus operandi” deste assalto ao “roubo do século” em França – o célebre assalto de Julho de 1976 feito também num fim-de-semana pelo antigo militar e fotógrafo Albert Spaggiari a uma agência do banco Société Générale, em Nice, na Côte d`Azur. O assalto de Spaggiari rendeu-lhe milhões de francos e uma aura de mito. Segundo o obituário escrito sobre si no New York Times, Spaggiari e os seus homens chegaram a tomar refeições dentro do cofre do Société Générale e escreveram, numa das paredes: - “Sem Armas, Sem Violência, Sem Ódio”. Albert Spaggiari foi denunciado, segundo relatos hic et nunc provavelmente por um comparsa do grupo e condenado “à revelia a prisão perpétua”. Contudo, acabou fugindo quando saltou da janela do gabinete de um juiz. A polícia perseguiu-o durante 12 anos, até à sua morte por cancro, aos 57 anos, em 1989.
Do ponto de vista etnográfico, naquela conjuntura Enmark tinha 23 anos. Foi escolhida como refém por um dos assaltantes. O nome dele era Jan Olsson. Estava fortemente armado e já havia ferido dois policiais que tinham respondido ao alarme. Olsson amarrou os reféns e começou a fazer exigências. Pediu uma grande quantia em dinheiro, um carro e que lhe trouxessem Clarck Olofsson, criminoso que cumpria pena em uma prisão na Suécia. Como estratégia para diminuir a tensão, a polícia tirou Olofsson da cadeia e permitiu que entrasse no banco. |Primeiro, mandou Olsson desamarrar as três mulheres. Logo depois, encontrou um jovem escondido e o levou para junto dos reféns. Em questão de horas, o status de Olofsson como líder foi confirmado pela polícia. O primeiro criminoso, Olsson, aterrorizava Enmark. Mas gradualmente, ela começou a ver no outro, Olofsson, um amigo. – Ele me acolheu sob seu mento protetor e me disse: - “Nada vai acontecer com você”. – “Em todo caso, foi bom, porque se Olofsson fosse fazer mal a alguém, não seria a mim. Não me sinto mal por isso, fiz o que pude fazer para sobreviver”. Quando indagada sobre a possibilidade de que Clarck Olofsson estivesse atraído sexualmente por ela, Enmark respondeu que ele nunca demonstrou nada dessa natureza. – “Nunca me tocou em lugares impróprios”.


                       
Para ela, “tratava-se apenas de duas pessoas se tranquilizando mutuamente. No segundo dia do assalto, a refém sentia tanto respeito por Olofsson que, quando ele deu a ela o telefone do então primeiro-ministro ministro da Suécia, Olof Palme, ela não hesitou em pedir ao premiê que deixasse os criminosos em liberdade. Os reféns ficaram presos durante seis dias no cofre do banco. A polícia fornecia comida e cerveja. Finalmente, no sexto dia, a polícia decidiu furar o teto do cofre e desarmar os sequestradores com gás lacrimogênio – apesar de Olsson ter ameaçado matar os reféns caso os policiais fizessem isso. No final, os criminosos se entregaram e ninguém ficou ferido. O primeiro ladrão, Jan-Erik Olsson, foi condenado a dez anos de prisão e Clarck Olofsson, seu cúmplice a seis anos. Em entrevistas subsequentes, Olsson disse que não conseguiu matar os reféns porque ficou muito próximo deles. Passados 40 anos, Kristin Enmark  se refere a Clarck Oloffson como seu amigo e os dois sempre se correspondem.
Pelo que sabemos Kristin Enmark nunca criticou seus atos. Os reféns foram examinados por  um grupo de psiquiatras e a resposta emocional que tiveram, em termos afetivos e clínicos de identificação com seus captores, passou a ser chamada conforme especialistas de “Síndrome de Estocolmo”. O termo foi cunhado originalmente pelo criminologista e psiquiatra Nils Bejerot. Kristin Enmark, por sua vez, escreveu um livro biográfico tendo como escopo a sua experiência. Nele, ela curiosamente argumenta que a síndrome de Estocolmo não existe! Enfim, a síndrome também reconhecida como “Vinculação Afetiva ao Terror ou Traumática”, não é, entretanto, reconhecida pelos dois manuais reconhecidos da psiquiatria – o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM) e o International Classification of Deseases (ICD). Nunca é demais repetir, para lembramos de Marx, que na relação entre teoria e ação, que tais pensadores esquecem que as circunstâncias em que nos inserimos são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador tem ele próprio de ser reeducado.   

O que aconteceria em seguida fez com que o mundo globalizado em rede tomasse conhecimento de uma nova síndrome, naquela conjuntura política desconhecida, revelada em meio a relatos insanos. A história agora é relembrada na série “Clark”, lançada pela plataforma de streaming Netflix. Com direção de Jonas Åkerlund, o criminoso é interpretado pelo talentoso Bill Skarsgård. Após entrar no banco, Olsson fez três pessoas reféns e pediu à polícia três milhões de coroas suecas, um carro e possibilidade de sair do país. Além disso, exigiu que Clark Olofsson, um dos mais famosos criminosos da Suécia, que havia conhecido enquanto estava na prisão, fosse levado para o banco. A polícia concordou em levá-lo ao local e cumprindo assim o fez. Após a chegada de Olofsson, uma quarta pessoa que trabalhava no estabelecimento foi descoberta e feito refém. Os funcionários permaneceram no local por seis dias. Um verdadeiro horror.

No entanto, o que mais chamou a atenção de todos que souberam do crime após o ocorrido foi que, bandidos e reféns estabeleceram laços afetivos e passaram os dias jogando baralho. Isso mesmo. Kristin Enmark, que tinha 23 anos na época, era a porta-voz dos reféns e conversava com o primeiro-ministro Olof Palme por telefone. No entanto, Enmark defendia “Janne”, chegando até mesmo a afirmar que confiava plenamente nele a ponto de viajar ao redor do mundo com os criminosos. Entretanto, a situação ficaria ainda mais insólita. No terceiro dia do sequestro, os policiais conseguiram fazer um buraco no andar de cima do banco, de modo que os criminosos ameaçaram amarrar os reféns. Mais um ponto negativo para as autoridades. Durante a operação, um policial foi baleado na mão e no rosto. Um fracasso. - “Nunca achei que Janne fosse atirar. Mas claro que tinha medo de morrer. Não sabíamos o que a polícia pensava em fazer”, disse Birgitta Lundblad em documentário produzido por uma rede de TV pública do país.

No sexto e último dia de sequestro, os policiais lançaram gás lacrimogêneo no local, de modo que os assaltantes se renderam. Os reféns, no entanto, inacreditavelmente se recusaram a deixar o local antes de Olsson e Olofsson. Na época, explicaram que tinham medo de que eles fossem punidos. Contudo, não foi a parte mais bizarra de todo o episódio. Os reféns se despediram de seus sequestradores com calorosos abraços. Assim, o caso foi considerado um transtorno psicológico que se desenvolve quando a vítima tenta conquistar a simpatia do sequestrador ou se identificar com ele. Esse transtorno ficou conhecido como “Síndrome de Estocolmo”, nome dado pelo criminologista Nils Berejot, o qual colaborou com a polícia durante o sequestro. Olsson foi condenado a 10 anos de prisão. Porém, por ter alegado ter sido mais um refém, foi absolvido em segunda instância. Dois dos reféns continuaram a trabalhar no banco, enquanto outro estudou psicoterapia e a quarta vítima nunca mais foi vista publicamente.

Bibliografia geral consultada.

LUHMANN, Niklas, “L’Opinione Pubblica”. In: Stato di Diritto e Sistema Sociale. Napoli: Guida Editori, 1978; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas doi Imaginário: Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Martins Fontes, 1997; FRANKEL, Jay, “Exploring Ferenczi `s Concept of Identification with the Aggressor: It`s Role”. In: Trauma, Everyday Life, and the Therapeutic Relationship. Psychoanalytic Dialogues, 12 (1), 2002; pp. 101-139; PEDROSSIAN, Dulce Regina dos Santos, A Ideologia da Racionalidade Tecnológica, o Narcisismo e a Melancolia: Marcas do Sofrimento. Tese de Doutorado em Psicologia Social. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005; RODRIGUES, Cláudia Vanessa Leão da Cunha Lopes, Ensaio sobre o Mecanismo de Defesa Identificação com o Agressor. Dissertação de Mestrado em Psicologia Clínica. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada, 2006; BERTRAND, Michele, “L´Identification à l´Agresseur”. In: Revue Française de Psychanalyse. Tome LXXIII, (1), 11-20; 2009; SCHMITT, Lara Stresser, Sequestro de Meninas e Síndrome de Estocolmo: Cativeiro, Trauma e Tradução. Dissertação de Mestrado. Departamento de Psicologia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Estadual de Maringá, 2013; OLOFSSON, Clarck, “40 Years Ago, this is how Stockholm Syndrome was born”. Disponível em: http://www.thejournal.ie/24.08.2013; SOUZA, Felipe Luís Melo de, O Livro Vermelho de Jung: As Polaridades da Psique e as Concepções de Deus. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Instituto de Ciências Humanas. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2015; FURQUIM, Fernanda, “CBS Desenvolve Projeto de Minissérie sobre o Sequestro de Patty Hearst”. Disponível em: https://veja.abril.com.br/08.02.2017; FREUD, Sigmund, A Interpretaçao dos Sonhos. Porto Alegre: L & PM Editores, 2017; MAGALHÃES, Juan Filipe Loureiro, Terror nas Entrelinhas: O Conceito de Terrorismo como um Discurso de Poder Político e suas Apropriações Ideológicas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Comparada. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017; TOOBIN, Jeffrey, American Heiress: The Kidnapping, Crimes and Trial of Patty Hearst. London: Profile Books, 2017; ABREU, Pedro Aguiar Lopes de, Agências de Notícias do Sul Global: Jornalismo, Estado e Circulação da Informação nas Periferias. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2018, entre outros. 

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