quinta-feira, 18 de outubro de 2018

André Leroi-Gourhan - Mãos, Arqueologia & Tecnologia.

                                                                                                                                     
                                                                                                                       Ubiracy de Souza Braga 
 
                  “O melhor arqueólogo é, apesar de tudo, um vândalo que destrói seu documento”. André Leroi-Gourhan
 
                                               

         André Leroi-Gourhan (1911-1986) é uma das figuras centrais das ciências humanas e sociais no século XX. Seu trabalho de pesquisa, incluindo arqueologia, etnologia e história da arte paleolítica, fora de destaque para estas disciplinas, e suas contribuições  representam uma referência global. Mas não é de fácil vulgarização, pela excessiva especialização. Na verdade, por se tratar da pré-história, um campo onde as lacunas são enormes e a necessidade de se buscar informações num amplo leque de disciplinas é uma obrigação, o seu estudo implica interdisciplinaridade, exigindo o contato de várias disciplinas entre si desde a etnologia, passando pela antropologia física, até a biologia e a psicologia evolutivas. Seus estudos recorrem aos mais variados saberes, apresentando como desafio justamente a possibilidade de se vincularem diversos conhecimentos sem cair no ecletismo. Também não se trata de uma interdisciplinaridade que supõe a conexão entre disciplinas estanques e entre cientistas superespecializados. Mas de intersecções entre campos de conhecimento e níveis de análise teórica entre pesquisadores que navegam em torno das e nas fronteiras disciplinares. Em muitos casos, a arqueologia se utiliza de investigações de outras áreas científicas, como a antropologia, história, história da arte, geografia, geologia, linguística, física, as ciências da informação, química, estatística, paleontologia (paleozoologia, paleobotânica e paleoecologia), medicina e literatura.
    A própria figura de Leroi-Gourhan condensa essa gama de interesses que se ramificam em várias áreas científicas. Interesse pela fabricação de utensílios, pelo simbolismo expresso na arte paleolítica, pela origem da escrita, pela anatomia comparada, pelo comportamento animal, pelo esqueleto humano. Durante 40 anos, mais de uma centena de artigos e vários livros foram dedicados a esta ou aquela parte de sua extensa obra. Três colóquios foram dedicados a ele, dois em homenagem após sua morte, em 1986 (SPF), 1987 (Centre National de la Recherche Scientifique) e outro em 1995 (Centre National de la Recherche Scientifique, Université de Technologie de Compiègne e Collège International de Pholosophie), publicado em 2004. Em 2013 decorrera um novo colóquio organizado pela equipe de pré-historiadores fundada por André Leroi-Gourhan, depois chamada “ArScAn-Ethnologie Préhistorique” dedicados a sua concepção etnológica e teoria de campo para avaliar a atualidade dentro da evolução no processo de comunicação das ciências humanas e sociais, inclusive para os arqueólogos que enfatizaram aspectos psicológico-comportamentais e definiram a arqueologia como a reconstrução da vida dos povos antigos.
  André Leroi-Gourhan Etnólogo e Arqueólogo francês nasceu em 1911, em Paris. Recebeu uma formação em línguas orientais, em russo e chinês, antes de se dedicar à integralmente à Etnologia e Arqueologia. Leroi-Gourhan doutorou-se em Arqueologia, na Universidade de Lyon, em 1945, depois de realizar trabalho de campo no Japão entre 1937 e 1939. Foi professor de Etnologia na Universidade de Lyon, e fundador do Centre de Formation à la Recherche Ethnologique, no Musée de l`Homme, de que foi diretor, desde o final da 2ª guerra mundial em 1945 até 1954. Entre 1956 e 1967 foi professor de Etnologia Geral na Universidade de Paris. Em 1968 foi nomeado professor de Pré-história do Collège de France. Autodidata e acadêmico policompetente, para lembramos da categoria sociológica de Edgar Morin, deixou importantes contribuições na coleta de fontes documentais em várias áreas compartilhadas do conhecimento, com destaque para a Antropologia Física, Etnologia e Pré-História, período da história do homem anterior à invenção da escrita e do uso e produção dos metais, estudado  tanto pela pesquisa arqueológica quanto antropológica, tendo em vista que estudam as singularidades e regularidades das culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas - tanto do passado como do presente - a partir da análise de objetos materiais. Os arqueólogos de nossos tempos contemporâneos veriam o mesmo objeto como um instrumento que lhes serve para compreender o pensamento, os valores e a própria sociedade a que pertenceram.



              O símbolo não sendo já de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão. As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. De fato, as classificações mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso  incluindo arquétipos, atos, trabalhos artísticos, eventos, ou fenómenos naturais, por uma religião ou da imaginação de modo geral literária. A arqueologia é amostral, porque dedica-se ao estudo dos vestígios arqueológicos mas também trabalha com a totalidade da história do local onde usa como motor outras ciências auxiliares como a geologia, história, arquitectura, história de arte, entre outras ciências e áreas de conhecimento.
           
A relação estabelecida com os objetos observados no contexto arqueológico se dá por meio da potência de representação, de ações individuais e modos de vida que esses objetos possuem. Mas essa representação não se dá de forma individualizada nos objetos, mas por categorias de objetos, o que demanda a construção de unidades de comparação, a noção de tipo. Esta linha teórico-metodológica é baseada na noção de tipo, para qual nas representações rupestres as figuras são tidas como resultado de padrões culturais passíveis de mudança, surgindo daí o conceito de sinal ação. Neste ponto, os questionamentos acerca das noções conceituais de espacialidade utilizadas tradicionalmente na arqueologia são necessários, como as elaboradas tanto por Leroi-Gourhan embora esta última apresente uma maior abertura para a inclusão de diversos fenômenos. Essa noção tem sua importância, sendo, pois, relacionada, além da verificação da ocupação de determinado espaço por uma população específica, constituída através da relação espaço-tempo, com a possibilidade de inferência das identidades de grupos pretéritos, documentados historicamente. A relação entre a consciência de etnicidade e seu contexto que direciona as condições de vida e a constituição subjetiva de sua identidade, frente à realidade social, em situações muito específicas e circunstanciadas. Ipso facto, uma investigação arqueológica começa pela investigação bibliográfica como levantamento de área de conhecimento, ou, em alguns casos, pela prospecção, que faz parte igualmente do levantamento arqueológico.        
 Tanto escolhem normas classificativas a uma ordem de motivação cosmológica e astral, na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva e sumária que, pelas suas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário; tanto, enfim, se suspeita que são os dados sociológicos do microgrupo ou de grupos étnicos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros primordiais para os símbolos. Quer a imaginação estreitamente motivada seja pela particularidade da língua, seja pelas funções sociais normativas, se modele sobre essas matrizes sociológicas e antropológicas, quer pelos seus genes raciais, embora ramos do conhecimento científico como a antropologia, história ou etnologia utilizem-se do conceito de etnia para descreverem a composição de povos e grupos identitários ou culturais.  intervenham bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo seja as mentalidades imaginárias, do ponto de vista individual e coletivo, sejam os rituais religiosos, querem ainda, com uma matriz antropológica evolucionista, se tente estabelecer a hierarquia das grandes formas simbólicas em seu ersatz, compreendido metodologicamente através da apreensão do universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais espontâneo das representações coletivas e, para alguns, o inconsciente coletivo de Carl Jung (1875-1961).
O grande mérito de Lewis Morgan, afirma Engels, é o de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse fundamento pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas uniões gentílicas dos índios norte-americanos, a chave para decifrar importantíssimos enigmas, ainda não resolvidos, da história da Grécia, Roma e Alemanha. Sua obra não foi trabalho de um dia. Levou cerca de 40 anos elaborando seus dados. O estudo da história da família começa, de fato, em 1861, com o “Direito Materno”, de Bachofen. Além disso, também Morgan observara e descrevera perfeitamente o mesmo fenômeno, em 1847, em suas cartas sobre os iroqueses, e em 1851 na Liga dos Iroqueses, ao passo que a mentalidade do advogado de Mac Lennan causou confusão ainda maior sobre o assunto do que a causada pela fantasia mística de Bachofen no terreno do direito materno. Outro mérito de Mac Lennan consiste em ter reconhecido como primária a ordem de descendência baseada no direito materno, conquanto, também aqui, conforme reconheceu mais tarde, Bachofen se lhe tenha antecipado. Mas, também neste ponto, ele não vê claro, pois fala, sem cessar, “em parentesco apenas por linha feminina”, empregando continuamente essa expressão, exata apara um período anterior, na análise de fases posteriores de desenvolvimento, em que, se é verdade que a filiação e o direito de herança continuam a contar-se exclusivamente segundo a linha materna, o parentesco por linha paterna está reconhecido culturalmente e expresso na estreiteza de critério do jurisconsulto, que forja um termo jurídico socialmente fixa e continua aplicando-o, sem modifica-lo.
      De forma simplificada, na arqueologia, é considerado que seu objeto de  pensamento refere-se aos artefatos produzidos e utilizados pelo homem em um passado, próximo ou remoto. O arqueólogo, ao se deparar com os restos das atividades humanas no passado, pode inferir como esses grupos se relacionavam entre si e com o ambiente. Essa forma de abordar os objetos arqueológicos tem como background uma postura semiótica da cultura. Em sua dimensão simbólica dos objetos, inclui-se a chamada arte rupestre como um artefato que produz a paisagem. No momento em que as abordagens  do registro arqueológico operam quanto à sua linearidade interpretativa, um dos focos dessas críticas vem do advento da noção de “agenciamento”. Isto é, quando lançam as bases para o entendimento de uma antropologia da arte, onde seu fazimento, produto do fazer e o suporte do fazer estabelecem relações de sentido. Estas relações decorrem de suas ações, estabelecidas em sucessivas redes de relações entre os signos rupestres em si, com o suporte, com seu entorno imediato, que forma uma paisagem, e com o seu observador imediato, em qualquer situação espaço-temporal, em sua materialidade.
Em Étiolles, l`année de la Découverte.
O processo de apropriação e de desenvolvimento das técnicas do corpo não poderia ser considerado em si, desconectado do que lhe dá o seu sentido: a atividade. Sem a inserção ativa dos corpos no sistema das normas técnicas vistas como fonte e recursos da atividade individual e coletiva, nenhuma técnica poderia ter mão no mundo. Desde logo é sob este olhar da modelação corporal originária que qualquer técnica é susceptível de ser interpretada. A partir deste ponto de vista, a obra de Leroi- Gourhan é uma vasta empresa de descrição, de recenseamento e de classificação das técnicas, de que dão conta, em conjunto com os seus numerosos artigos e seus principais livros. São estas diferentes classificações das motivações simbólicas que precisamos analisar antes de estabelecer um método crítico pretensamente firme na ordem das motivações sociais. Os estudos etnológicos de Leroi-Gourhan, também diretamente relacionados com o estudo da evolução processual da tecnologia, do homem e das sociedades, constituem, provavelmente, a sua principal contribuição teórica académica.
         O etnólogo propôs que a principal corrente de tecnologia, ao considerar que as semelhanças detectadas na produção tecnológica de cada período histórico civilizacional resultam do que ele denomina como “tendance”. Esta é a propensão dos grupos humanos para repetirem em suas práticas, as ações técnicas e desenvolverem meios tecnológicos idênticos em dado período, como resultado da ligação profunda entre as relações e os significados. É a dimensão social da inovação tecnológica que conduz a que esta seja sempre limitada. O artigo “Libération de la main” publicado em 1956 no nº 32 da revista Problèmes, da Associação dos estudantes de Medicina da Universidade de Paris é ainda pouco reconhecido. Nesse texto, Leroi-Gourhan demonstra que a mão apanágio do homo faber, instrumento do cérebro mais bem organizado de toda a série zoológica, que no sentido científico é aceito em todas as línguas, e cada nome aplica-se apenas a uma espécie livre dos seus constrangimentos pedestres, tendo em vista que é o símbolo da evolução do homem.
A tecnicidade, o pensamento, a locomoção e a mão aparecem interligadas num movimento ao qual o homem dá seu significado histórico, mas ao qual nenhum membro do mundo animal é completamente estranho. Segue-se uma descrição da evolução das formas de vida, da vida aquática à vida aérea, cuja concisão não retira nada ao rigor do proposto. Sem libertação da mão não há gesto técnico (instrumento) prolongamento da mão - nem instrumento - órgão da máquina - nem objeto fabricado. O objeto técnico está ligado ao contexto gestual que o torna tecnicamente eficaz, desvanecendo-se o seu significado técnico com o desaparecimento da memória do seu uso. A evolução dos homens para a posição em pé, libertando os membros superiores torna-os disponíveis para outras funções e em particular para agarrar e manipular objetos. Depois, progressivamente, diversos utensílios dos quais a paleontologia estuda as formas de vida existentes em períodos geológicos passados, a partir dos seus fósseis guarda vestígios, vão substituir a mão. O progresso técnico é dependente desta evolução anatômica (cf. Ouvriez-Bonnaz, 2010).
Ele precisa historicamente que se deve sublinhar a importância da transição evolutiva no homem para a posição ereta ao libertar as mãos para a atividade manual e o rosto para os gestos e a linguagem humana propiciando o desenvolvimento do córtex cerebral, da tecnologia cada vez mais complexa e da linguagem dos signos linguísticos. O rosto, para o naturalista, deixa de ser o reflexo da alma e o homem deixa de ser o prisioneiro de sua conformação natural. A via de uma antropologia se destaca pouco a pouco, a de uma ciência do homem que estabelece a relação entre o homem físico e o homem moral.  Apresenta uma teorização geral da relação entre a tendência técnica e a dinâmica da sociabilidade humana. Estes grupos relacionam-se com o meio exterior (geografia, clima, animais e vegetação) através dos objetos técnicos (uma pele exterior) como se fossem organismos vivos com um meio interior composto pela memória e cultura. A tendência técnica aparece como um fluxo em que internamente ganha uma ancoragem cada vez maior no meio externo através da representação dos fatos técnicos. Ao movimentar o corpo, independente de qual função exerça, realiza-se uma postura ou movimento, onde diversos músculos, ligamentos e articulações do corpo são acionados. A musculatura fornecer força para a execução da função, precisa estar preparada, como os seus ligamentos, pois possuem uma função no deslocamento do corpo. Chargé d’objets collectés au retour de la mission en Hokkaïdo, été 1938.

Ao contrário do que por vezes foi dito, vale lembrar que o conceito de evolução de Leroi-Gourhan não reduz pura e simplesmente o domínio dos objetos técnicos ao dos seres vivos, não visa naturalizar as técnicas separando-as do seu significado humano, permite, pelo contrário constituir este domínio das técnicas na esfera da objetividade, a parte, autônoma, irredutível e tornada acessível por um conhecimento especial que é o conhecimento tecnológico. Se o objeto da tecnologia releva efetivamente de um processo de evolução, não é um processo histórico, mas um processo determinado por leis de transformação de natureza operatória e funcional. Um objeto exumado num local de escavação não é em si um objeto de conhecimento. Só o poderemos considerar como objeto de conhecimento resituando-o num processo de evolução que permita por em evidência regularidades de estrutura e leis de transformação dessas estruturas. O objeto da tecnologia não é apenas a origem do utensílio e a sua concepção, mas uma operação que permite em movimento, o gesto eficaz regulado pelos constrangimentos da matéria.
           Na sua vontade de classificação, a arqueologia de Leroi-Gourhan mobiliza então a noção de “tendência”, espécie de determinismo técnico utilizado como conceito classificativo do qual dão conta os vestígios dos processos de trabalho. Uma constatação evidente é que o estudo sobre a técnica centra-se sobre um princípio de causalidade que situa a relação entre o homem e a matéria como um ato de produção. Esse tipo de relação a partir da atividade humana entendida como ato de produção leva a entender a materialização das técnicas como sendo representação de um conjunto de objetos, que nos informariam e seriam informados por características que são, em certa medida, externas à substância material que os compõem. Esse tipo de passagem é geralmente entendido analiticamente como ocorrência entre domínios ontológicos diferentes. Com efeito, os fenômenos causais existentes na natureza são assim separados e considerados distintos dos fenômenos que regem a vida do homem. O estabelecimento da relação homem/natureza nos leva a outro aspecto importante, e ipso facto condicionante nos estudos sobre a técnica. Mas também naqueles sobre o âmbito social e cultural em geral, isto porque, particularmente, a percepção do movimento é um dado de percepção técnica que pode ser descrito, representado e interpretado de diferentes maneiras.
Em obras publicadas na década de 1940, André Leroi-Gourhan apresenta um conjunto de noções elaboradas a partir da intenção de compreender a origem e o significado dos fenômenos técnicos, bem como em que medida opera a sua evolução. Entre essas noções destacam-se as de tendência técnica, ambiente técnico e fato técnico, voltadas à formação de um “paradigma analítico”, que estimula o debate contemporâneo. A tendência técnica seria um conceito abstrato voltado a entender efeitos causais de ação do homem sobre a matéria, em termos de eficácia, melhor dizendo, a capacidade de produzir uma quantidade desejada por intermédio do efeito desejado. Ela teria um caráter inevitável e seria previsível e retilínea. Por exemplo, “impulsionaria uma pedra segurada pela mão a adquirir um cabo”. Nesses termos, a tendência técnica seria relativamente independente de fatos sociais. Além de expressar ontologias distintas, os dois lados da dicotomia enunciam também a ideia de coletividade, de conjuntos e de sistemas correlatos. Nesses termos, a tendência técnica seria relativamente independente de fatos sociais. Além de expressar ontologias distintas, os dois lados da dicotomia enunciam também a ideia de coletividade, de conjuntos e de sistemas correlatos. Nesses termos, a natureza seria composta de elementos relacionados entre si por fatores de ordem ecológica, ao passo que o Homem seria a expressão de uma sociedade, de uma cultura, de um sistema simbólico, de uma representação mental, etc. Ela indicaria como, a partir da aquisição de conhecimentos matemáticos, químicos e físicos adequados, tende-se progressivamente ao aumento da eficácia da ação técnica desejada.
   Contrariamente às características da tendência, existiria em qualquer sociedade uma estrutura única de caráter que seria específica e comum à maioria dos grupos e classes que fizessem parte desta sociedade, o fato técnico é específico e imprevisível. Ele pode ser determinado pelo encontro da tendência com inúmeras coincidências do ambiente técnico. É um compromisso instável que se realiza entre as tendências e o ambiente. A força propulsora da tendência técnica encontra um obstáculo no momento em que há que realizar-se uma série de coincidências para que um progresso possa de fato se efetivar. Por tal razão, a tendência é abstrata na sua definição dinâmica. A oposição homem/natureza é uma particularidade da ciência na tradição ocidental. Podemos considerar a relação social entre elementos e técnicas como tendo as mesmas características oriundas da cultura. Podemos relacionar esses elementos e sua distribuição à organização social relacionada como a organização sociotécnica. A acessibilidade será assim condicionada por fatores de ordem física e química, influências e interações que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Mas também por princípios sociológicos que nos permite entender o grau de articulação de todos os outros que é representado pela compreensão operacional da sua função e pela competência técnica.
       A competência técnica se constitui a partir dos “estoques culturais” e do que poderíamos definir de “estoques técnicos”, resultantes não apenas da experiência entendida como um processo cognoscitivo relegado à esfera intelectual, mas também como um treinamento baseado num saber-fazer prático. Os comportamentos sociais,  transmitidos de uma geração para outra, envolvendo o balanço entre escolhas definidas pelo saber-fazer e por toda uma teia de relações intra e intergrupos, deveriam estar em equilíbrio com as opções oferecidas pelo ambiente Numa observação atenta, a obra de Leroi-Gourhan e dos que com ele definiram a tecnologia como uma ciência humana - referindo aqui mais particularmente Haudricourt (1987) - poderia levar bem mais longe do que se poderia imaginar à partida. Tal experiência oferecerá as coordenadas necessárias para se configurar uma tecnologia, entendida nos termos que desenvolve Tim Ingold, e avaliar sua eventual aplicação, dando vida a um desempenho técnico. Esse tipo de escolha será sempre movido pela busca de uma sempre esperada maior eficácia simbólica e técnica. Constituiria assim, uma tendência técnica, nos termos elaborados por Leroi-Gourhan, mas não limitada apenas a um critério econômico de produção. A eficácia deve levar em medida também por princípios sociais, simbólicos e políticos.
Bibliografia geral consultada. 
HAUDRICOURT, André-Georges, La Technologie Science Humaines. Paris: Editeur Maison des Sciences de L’Homme, 1987; LEROI-GOURHAN, André, Pré-História. São Paulo: Editora Pioneira; Editora da Universidade de São Paulo, 1981; Idem, Le Geste et la Parole I: Technique et Langage. Paris: Editeur Albin Michel, 2004; Idem, Le Geste et la Parole II: La Mémoire et les Rythmes. Paris: Editeur Albin Michel, 2004; BROMBERGER, Christian “et al”, Hommage à André Leroi-Gourhan. Paris: Anthropologie & Sciences Humaines, n° 7, pp. 61-76, 1986; KARSENTI, Bruno, “Techniques du Corps et Normes Sociales: De Mauss à Leroi-Gourhan”. In: Intellectica. Paris, n° 26-27, pp. 227-239, 1998; SOARES, André Luís Ramos, Contribuição à Arqueologia Guarani: Estudo do Sítio Ropke. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. Museu de Arqueologia e Etnologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005; MESCHONNIC, Henri, Critique du Rythme: Anthropologie Historique du Langage. Paris: Éditions Verdier, 2009; MORTENSEN, Marianne Foss, Museographie Transposition: The Development of an Museum Exhibit on Animal Adaptations to Darkness. In: Éducation et Didactique, 4 (1) 115-138, 2010; GARRABÉ, Laure, Les Rytmes d`une Culture Populaire: Les Politiques du Sensible dans le Maracatu-de-Baque-Solto. Tese de Doutorado em Estética, Ciências e Tecnologia das Artes. Paris: Université de Paris 8, 2010; MURA, Fábio, “De Sujeitos e Objetos: Um Ensaio Crítico de Antropologia da Técnica e da Tecnologia”. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre. Ano 17, n° 36, pp. 95-125, jul./dez. 2011; DIMAS, Willian Lopes, Comunicação e Circularidades: Uma Pequena Viagem em Torno do Corpo e seu Movimento. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, 2016; SOUZA, Luana da Silva de, Um Estudo sobre a Memória Técnica de Grupos Humanos do Haloceno, por meio da Variabilidade Técnica da Cultura Material Lítica, dos Sítios Arqueológicos Castração e Usina Localizados em Uruguaiana - RS. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2018; entre outros.

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