Ubiracy de Souza Braga
“O
melhor arqueólogo é, apesar de tudo, um vândalo que destrói seu documento”. André Leroi-Gourhan
André
Leroi-Gourhan (1911-1986) é uma das figuras centrais das ciências humanas e sociais no
século XX. Seu trabalho de pesquisa, incluindo arqueologia, etnologia e
história da arte paleolítica, fora de destaque para estas disciplinas, e suas
contribuições representam uma referência
global. Mas não é de fácil vulgarização, pela excessiva especialização. Na
verdade, por se tratar da pré-história, um campo onde as lacunas são enormes e
a necessidade de se buscar informações num amplo leque de disciplinas é uma
obrigação, o seu estudo implica interdisciplinaridade, exigindo o contato de
várias disciplinas entre si desde a etnologia, passando pela antropologia
física, até a biologia e a psicologia evolutivas. Seus estudos recorrem aos
mais variados saberes, apresentando como desafio justamente a possibilidade de
se vincularem diversos conhecimentos sem cair no ecletismo. Também não se trata
de uma interdisciplinaridade que supõe a conexão entre disciplinas estanques e
entre cientistas superespecializados. Mas de intersecções entre campos de conhecimento
e níveis de análise teórica entre pesquisadores que navegam em torno das e nas fronteiras disciplinares.
Em muitos casos, a arqueologia se utiliza de investigações de outras áreas científicas, como a antropologia, história, história da arte, geografia, geologia, linguística, física, as ciências da informação, química, estatística, paleontologia (paleozoologia, paleobotânica e paleoecologia), medicina e literatura.
A própria figura de Leroi-Gourhan condensa essa gama de interesses que se
ramificam em várias áreas científicas. Interesse pela fabricação de utensílios,
pelo simbolismo expresso na arte paleolítica, pela origem da escrita, pela
anatomia comparada, pelo comportamento animal, pelo esqueleto humano. Durante
40 anos, mais de uma centena de artigos e vários livros foram dedicados a esta
ou aquela parte de sua extensa obra. Três colóquios foram dedicados a ele, dois
em homenagem após sua morte, em 1986 (SPF), 1987 (Centre National de la Recherche Scientifique) e outro em 1995 (Centre National de la Recherche Scientifique,
Université de Technologie de Compiègne e Collège International de Pholosophie), publicado em 2004. Em 2013 decorrera
um novo colóquio organizado pela equipe de pré-historiadores fundada por André
Leroi-Gourhan, depois chamada “ArScAn-Ethnologie Préhistorique” dedicados a sua
concepção etnológica e teoria de campo para avaliar a atualidade dentro da evolução no processo de comunicação das ciências
humanas e sociais, inclusive para os arqueólogos que enfatizaram aspectos psicológico-comportamentais e definiram a arqueologia como a reconstrução da vida dos povos antigos.
André
Leroi-Gourhan Etnólogo e Arqueólogo francês nasceu em 1911, em Paris. Recebeu
uma formação em línguas orientais, em russo e chinês, antes de se dedicar à integralmente
à Etnologia e Arqueologia. Leroi-Gourhan doutorou-se em Arqueologia, na
Universidade de Lyon, em 1945, depois de realizar trabalho de campo no Japão
entre 1937 e 1939. Foi professor de Etnologia na Universidade de Lyon, e
fundador do Centre de Formation à la Recherche Ethnologique, no Musée de l`Homme,
de que foi diretor, desde o final da 2ª guerra mundial em 1945 até 1954. Entre
1956 e 1967 foi professor de Etnologia Geral na Universidade de Paris. Em 1968
foi nomeado professor de Pré-história do Collège de France. Autodidata e
acadêmico policompetente, para lembramos da categoria sociológica de Edgar Morin, deixou
importantes contribuições na coleta de fontes documentais em várias áreas compartilhadas do
conhecimento, com destaque para a Antropologia Física, Etnologia e Pré-História,
período da história do homem anterior à invenção da escrita e do uso e produção
dos metais, estudado tanto pela pesquisa arqueológica quanto antropológica, tendo em vista que estudam as singularidades e regularidades das culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas - tanto do passado como do presente - a partir da análise de objetos materiais. Os arqueólogos de nossos tempos contemporâneos veriam o mesmo objeto como um instrumento que lhes serve para compreender o pensamento, os valores e a própria sociedade a que pertenceram.
O
símbolo não sendo já de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só
dimensão. As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas
cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de
dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das
motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação em
categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da
não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades.
Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da
lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as
estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação
das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as
tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de
um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de
atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de
pretextos para os devaneios imaginários. De fato, as classificações
mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso incluindo arquétipos, atos, trabalhos artísticos, eventos, ou fenómenos naturais, por uma religião ou da imaginação
de modo geral literária. A arqueologia do ponto de vista clasificatório é amostral, porque dedica-se ao estudo dos vestígios arqueológicos mas também trabalha com a totalidade da história do local onde usa como motor outras ciências auxiliares como a geologia, história, arquitetura, história de arte, entre outras ciências e áreas de conhecimento.
A relação estabelecida com os objetos observados no contexto arqueológico se dá por meio da potência de representação, de ações individuais e modos de vida que esses objetos possuem. Mas essa representação não se dá de forma individualizada nos objetos, mas por categorias de objetos, o que demanda a construção de unidades de comparação, a noção de tipo. Esta linha teórico-metodológica é baseada na noção de tipo, para qual nas representações rupestres as figuras são tidas como resultado de padrões culturais passíveis de mudança, surgindo daí o conceito de sinal ação. Neste ponto, os questionamentos acerca das noções conceituais de espacialidade utilizadas tradicionalmente na arqueologia são necessários, como as elaboradas tanto por Leroi-Gourhan embora esta última apresente uma maior abertura para a inclusão de diversos fenômenos. Essa noção tem sua importância, sendo, pois, relacionada, além da verificação da ocupação de determinado espaço por uma população específica, constituída através da relação espaço-tempo, com a possibilidade de inferência das identidades de grupos pretéritos, documentados historicamente. A relação entre a consciência de etnicidade e seu contexto que direciona as condições de vida e a constituição subjetiva de sua identidade, frente à realidade social, em situações muito específicas e circunstanciadas. Ipso facto, uma investigação arqueológica começa pela investigação bibliográfica como levantamento de área de conhecimento, ou, em alguns casos, pela prospecção, que faz parte igualmente do levantamento arqueológico.
A relação estabelecida com os objetos observados no contexto arqueológico se dá por meio da potência de representação, de ações individuais e modos de vida que esses objetos possuem. Mas essa representação não se dá de forma individualizada nos objetos, mas por categorias de objetos, o que demanda a construção de unidades de comparação, a noção de tipo. Esta linha teórico-metodológica é baseada na noção de tipo, para qual nas representações rupestres as figuras são tidas como resultado de padrões culturais passíveis de mudança, surgindo daí o conceito de sinal ação. Neste ponto, os questionamentos acerca das noções conceituais de espacialidade utilizadas tradicionalmente na arqueologia são necessários, como as elaboradas tanto por Leroi-Gourhan embora esta última apresente uma maior abertura para a inclusão de diversos fenômenos. Essa noção tem sua importância, sendo, pois, relacionada, além da verificação da ocupação de determinado espaço por uma população específica, constituída através da relação espaço-tempo, com a possibilidade de inferência das identidades de grupos pretéritos, documentados historicamente. A relação entre a consciência de etnicidade e seu contexto que direciona as condições de vida e a constituição subjetiva de sua identidade, frente à realidade social, em situações muito específicas e circunstanciadas. Ipso facto, uma investigação arqueológica começa pela investigação bibliográfica como levantamento de área de conhecimento, ou, em alguns casos, pela prospecção, que faz parte igualmente do levantamento arqueológico.
Tanto
escolhem normas classificativas a uma ordem de motivação cosmológica e astral,
na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que
servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva
e sumária que, pelas suas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força
no continuum homogêneo do imaginário;
tanto, enfim, se suspeita que são os dados sociológicos do microgrupo ou de
grupos étnicos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem
quadros primordiais para os símbolos. Quer a imaginação estreitamente motivada
seja pela particularidade da língua, seja pelas funções sociais normativas, se modele sobre essas matrizes
sociológicas e antropológicas, quer pelos seus genes raciais, embora ramos do conhecimento científico como a antropologia, história ou etnologia utilizem-se do conceito de etnia para descreverem a composição de povos e grupos identitários ou culturais. intervenham
bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo
seja as mentalidades imaginárias, do ponto de vista individual e coletivo, sejam os rituais religiosos, querem ainda,
com uma matriz antropológica evolucionista, se tente estabelecer a hierarquia das grandes
formas simbólicas em seu ersatz, compreendido metodologicamente através da apreensão do universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais espontâneo das representações coletivas e, para alguns, o inconsciente coletivo de Carl Jung (1875-1961).
O
grande mérito de Lewis Morgan, afirma Engels, é o de ter descoberto e restabelecido
em seus traços essenciais esse fundamento pré-histórico da nossa história
escrita e o de ter encontrado, nas uniões gentílicas dos índios
norte-americanos, a chave para decifrar importantíssimos enigmas, ainda não
resolvidos, da história da Grécia, Roma e Alemanha. Sua obra não foi trabalho
de um dia. Levou cerca de 40 anos elaborando seus dados. O estudo da história
da família começa, de fato, em 1861, com o “Direito Materno”, de Bachofen. Além
disso, também Morgan observara e descrevera perfeitamente o mesmo fenômeno, em
1847, em suas cartas sobre os iroqueses, e em 1851 na Liga dos Iroqueses, ao
passo que a mentalidade do advogado de Mac Lennan causou confusão ainda maior
sobre o assunto do que a causada pela fantasia mística de Bachofen no terreno
do direito materno. Outro mérito de Mac Lennan consiste em ter reconhecido como
primária a ordem de descendência baseada no direito materno, conquanto, também
aqui, conforme reconheceu mais tarde, Bachofen se lhe tenha antecipado. Mas,
também neste ponto, ele não vê claro, pois fala, sem cessar, “em parentesco apenas
por linha feminina”, empregando continuamente essa expressão, exata apara um
período anterior, na análise de fases posteriores de desenvolvimento, em que,
se é verdade que a filiação e o direito de herança continuam a contar-se
exclusivamente segundo a linha materna, o parentesco por linha paterna está reconhecido culturalmente e expresso na estreiteza de critério do
jurisconsulto, que forja um termo jurídico socialmente fixa e continua
aplicando-o, sem modifica-lo.
De forma simplificada, na
arqueologia, é considerado que seu objeto de
pensamento refere-se aos artefatos produzidos e utilizados pelo homem em
um passado, próximo ou remoto. O arqueólogo, ao se deparar com os restos das
atividades humanas no passado, pode inferir como esses grupos se relacionavam
entre si e com o ambiente. Essa forma de abordar os objetos arqueológicos tem
como background uma postura semiótica da cultura. Em sua dimensão simbólica dos
objetos, inclui-se a chamada arte rupestre como um artefato que produz a paisagem.
No momento em que as abordagens do
registro arqueológico operam quanto à sua linearidade interpretativa, um dos
focos dessas críticas vem do advento da noção de “agenciamento”. Isto é, quando
lançam as bases para o entendimento de uma antropologia da arte, onde seu
fazimento, produto do fazer e o suporte do fazer estabelecem relações de
sentido. Estas relações decorrem de suas ações, estabelecidas em sucessivas
redes de relações entre os signos rupestres em si, com o suporte, com seu
entorno imediato, que forma uma paisagem, e com o seu observador imediato, em
qualquer situação espaço-temporal, em sua materialidade.
O
processo de apropriação e de desenvolvimento das técnicas do corpo não poderia
ser considerado em si, desconectado do que lhe dá o seu sentido: a atividade.
Sem a inserção ativa dos corpos no sistema das normas técnicas vistas como
fonte e recursos da atividade individual e coletiva, nenhuma técnica poderia
ter mão no mundo. Desde logo é sob este olhar da modelação corporal originária
que qualquer técnica é susceptível de ser interpretada. A partir deste ponto de
vista, a obra de Leroi- Gourhan é uma vasta empresa de descrição, de recenseamento
e de classificação das técnicas, de que dão conta, em conjunto com os seus
numerosos artigos e seus principais livros. São estas diferentes classificações
das motivações simbólicas que precisamos analisar antes de estabelecer um
método crítico pretensamente firme na ordem das motivações sociais. Os estudos
etnológicos de Leroi-Gourhan, também diretamente relacionados com o estudo da
evolução processual da tecnologia, do homem e das sociedades, constituem,
provavelmente, a sua principal contribuição teórica académica.
O etnólogo propôs que a principal corrente de tecnologia, ao considerar que as semelhanças detectadas na produção tecnológica de cada período histórico civilizacional resultam do que ele denomina como “tendance”. Esta é a propensão dos grupos humanos para repetirem em suas práticas, as ações técnicas e desenvolverem meios tecnológicos idênticos em dado período, como resultado da ligação profunda entre as relações e os significados. É a dimensão social da inovação tecnológica que conduz a que esta seja sempre limitada. O artigo “Libération de la main” publicado em 1956 no nº 32 da revista Problèmes, da Associação dos estudantes de Medicina da Universidade de Paris é ainda pouco reconhecido. Nesse texto, Leroi-Gourhan demonstra que a mão apanágio do homo faber, instrumento do cérebro mais bem organizado de toda a série zoológica, que no sentido científico é aceito em todas as línguas, e cada nome aplica-se apenas a uma espécie livre dos seus constrangimentos pedestres, tendo em vista que é o símbolo da evolução do homem.
O etnólogo propôs que a principal corrente de tecnologia, ao considerar que as semelhanças detectadas na produção tecnológica de cada período histórico civilizacional resultam do que ele denomina como “tendance”. Esta é a propensão dos grupos humanos para repetirem em suas práticas, as ações técnicas e desenvolverem meios tecnológicos idênticos em dado período, como resultado da ligação profunda entre as relações e os significados. É a dimensão social da inovação tecnológica que conduz a que esta seja sempre limitada. O artigo “Libération de la main” publicado em 1956 no nº 32 da revista Problèmes, da Associação dos estudantes de Medicina da Universidade de Paris é ainda pouco reconhecido. Nesse texto, Leroi-Gourhan demonstra que a mão apanágio do homo faber, instrumento do cérebro mais bem organizado de toda a série zoológica, que no sentido científico é aceito em todas as línguas, e cada nome aplica-se apenas a uma espécie livre dos seus constrangimentos pedestres, tendo em vista que é o símbolo da evolução do homem.
A tecnicidade, o pensamento, a locomoção e a mão aparecem
interligadas num movimento ao qual o homem dá seu significado histórico, mas ao qual nenhum
membro do mundo animal é completamente estranho. Segue-se uma descrição da
evolução das formas de vida, da vida aquática à vida aérea, cuja concisão não
retira nada ao rigor do proposto. Sem libertação da mão não há gesto técnico
(instrumento) prolongamento da mão - nem instrumento - órgão da máquina - nem
objeto fabricado. O objeto técnico está ligado ao contexto gestual que o torna tecnicamente eficaz, desvanecendo-se o seu
significado técnico com o desaparecimento da memória do seu uso. A evolução dos
homens para a posição em pé, libertando os membros superiores torna-os
disponíveis para outras funções e em particular para agarrar e manipular objetos.
Depois, progressivamente, diversos utensílios dos quais a paleontologia estuda as formas de vida existentes em períodos geológicos passados, a partir dos seus fósseis guarda
vestígios, vão substituir a mão. O progresso técnico é dependente desta evolução
anatômica (cf. Ouvriez-Bonnaz, 2010).
Ele
precisa historicamente que se deve
sublinhar a importância da transição evolutiva no homem para a posição ereta ao libertar as mãos para a atividade
manual e o rosto para os gestos e a linguagem humana propiciando o
desenvolvimento do córtex cerebral, da tecnologia cada vez mais complexa e da
linguagem dos signos linguísticos. O rosto, para o naturalista, deixa de ser o reflexo da alma e o homem deixa de ser o prisioneiro de sua conformação natural. A via de uma antropologia se destaca pouco a pouco, a de uma ciência do homem que estabelece a relação entre o homem físico e o homem moral. Apresenta uma teorização geral da relação
entre a tendência técnica e a dinâmica da sociabilidade humana. Estes grupos
relacionam-se com o meio exterior (geografia, clima, animais e vegetação)
através dos objetos técnicos (uma pele exterior) como se fossem organismos
vivos com um meio interior composto pela memória e cultura. A tendência técnica aparece como um fluxo
em que internamente ganha uma ancoragem cada vez maior no meio externo através
da representação dos fatos técnicos. Ao movimentar o corpo, independente de qual função exerça, realiza-se uma postura ou movimento, onde diversos músculos, ligamentos e articulações do corpo são acionados. A musculatura fornecer força para a execução da função, precisa estar preparada, como os seus ligamentos, pois possuem uma função no deslocamento do corpo. Chargé d’objets collectés au retour de la mission en Hokkaïdo, été 1938.
Ao
contrário do que por vezes foi dito, vale lembrar que o conceito de evolução de
Leroi-Gourhan não reduz pura e simplesmente o domínio dos objetos técnicos ao
dos seres vivos, não visa naturalizar as técnicas separando-as do seu significado
humano, permite, pelo contrário constituir este domínio das técnicas na esfera
da objetividade, a parte, autônoma, irredutível e tornada acessível por um
conhecimento especial que é o conhecimento tecnológico. Se o objeto da
tecnologia releva efetivamente de um processo de evolução, não é um processo
histórico, mas um processo determinado por leis de transformação de natureza
operatória e funcional. Um objeto exumado num local de escavação não é
em si um objeto de conhecimento. Só o poderemos considerar como objeto de conhecimento
resituando-o num processo de evolução que permita por em evidência regularidades
de estrutura e leis de transformação dessas estruturas. O objeto da tecnologia
não é apenas a origem do utensílio e a sua concepção, mas uma operação que
permite em movimento, o gesto eficaz regulado pelos
constrangimentos da matéria.
Na sua vontade de classificação, a arqueologia de Leroi-Gourhan mobiliza então a noção de “tendência”, espécie de determinismo técnico utilizado como conceito classificativo do qual dão conta os vestígios dos processos de trabalho. Uma constatação evidente é que o estudo sobre a técnica centra-se sobre um princípio de causalidade que situa a relação entre o homem e a matéria como um ato de produção. Esse tipo de relação a partir da atividade humana entendida como ato de produção leva a entender a materialização das técnicas como sendo representação de um conjunto de objetos, que nos informariam e seriam informados por características que são, em certa medida, externas à substância material que os compõem. Esse tipo de passagem é geralmente entendido analiticamente como ocorrência entre domínios ontológicos diferentes. Com efeito, os fenômenos causais existentes na natureza são assim separados e considerados distintos dos fenômenos que regem a vida do homem. O estabelecimento da relação homem/natureza nos leva a outro aspecto importante, e ipso facto condicionante nos estudos sobre a técnica. Mas também naqueles sobre o âmbito social e cultural em geral, isto porque, particularmente, a percepção do movimento é um dado de percepção técnica que pode ser descrito, representado e interpretado de diferentes maneiras.
Na sua vontade de classificação, a arqueologia de Leroi-Gourhan mobiliza então a noção de “tendência”, espécie de determinismo técnico utilizado como conceito classificativo do qual dão conta os vestígios dos processos de trabalho. Uma constatação evidente é que o estudo sobre a técnica centra-se sobre um princípio de causalidade que situa a relação entre o homem e a matéria como um ato de produção. Esse tipo de relação a partir da atividade humana entendida como ato de produção leva a entender a materialização das técnicas como sendo representação de um conjunto de objetos, que nos informariam e seriam informados por características que são, em certa medida, externas à substância material que os compõem. Esse tipo de passagem é geralmente entendido analiticamente como ocorrência entre domínios ontológicos diferentes. Com efeito, os fenômenos causais existentes na natureza são assim separados e considerados distintos dos fenômenos que regem a vida do homem. O estabelecimento da relação homem/natureza nos leva a outro aspecto importante, e ipso facto condicionante nos estudos sobre a técnica. Mas também naqueles sobre o âmbito social e cultural em geral, isto porque, particularmente, a percepção do movimento é um dado de percepção técnica que pode ser descrito, representado e interpretado de diferentes maneiras.
Em
obras publicadas na década de 1940, André Leroi-Gourhan apresenta um conjunto
de noções elaboradas a partir da intenção de compreender a origem e o significado dos fenômenos técnicos,
bem como em que medida opera a sua evolução. Entre essas noções destacam-se as de tendência técnica,
ambiente técnico e fato técnico, voltadas à formação de um “paradigma analítico”,
que estimula o debate contemporâneo. A tendência técnica seria um conceito
abstrato voltado a entender efeitos causais de ação do homem sobre a matéria,
em termos de eficácia, melhor dizendo, a capacidade de produzir uma quantidade desejada por intermédio do efeito desejado. Ela teria um caráter inevitável e seria previsível e
retilínea. Por exemplo, “impulsionaria uma pedra segurada pela mão a adquirir
um cabo”. Nesses termos, a tendência técnica seria relativamente independente
de fatos sociais. Além de expressar ontologias distintas, os dois lados da dicotomia enunciam também a ideia de coletividade, de conjuntos e de sistemas correlatos. Nesses termos, a tendência técnica seria relativamente independente de fatos sociais. Além de expressar ontologias distintas, os dois lados da dicotomia enunciam também a ideia de coletividade, de conjuntos e de sistemas correlatos. Nesses termos, a natureza seria composta de elementos relacionados entre si por fatores de ordem ecológica, ao passo que o Homem seria a expressão de uma sociedade, de uma cultura, de um sistema simbólico, de uma representação mental, etc. Ela indicaria como, a partir da aquisição de conhecimentos matemáticos, químicos e físicos adequados, tende-se progressivamente ao aumento da eficácia da ação técnica desejada.
Contrariamente às características da tendência, existiria em qualquer sociedade uma estrutura única de caráter que seria específica e comum à maioria dos grupos e classes que fizessem parte desta sociedade, o
fato técnico é específico e imprevisível. Ele pode ser determinado pelo
encontro da tendência com inúmeras coincidências do ambiente técnico. É um
compromisso instável que se realiza entre as tendências e o ambiente. A força
propulsora da tendência técnica encontra um obstáculo no momento em que há que
realizar-se uma série de coincidências para que um progresso possa de fato se
efetivar. Por tal razão, a tendência é abstrata na sua definição dinâmica. A
oposição homem/natureza é uma particularidade da ciência na tradição ocidental.
Podemos considerar a relação social entre elementos e técnicas como tendo as mesmas
características oriundas da cultura. Podemos relacionar esses elementos e sua
distribuição à organização social relacionada como a organização sociotécnica.
A acessibilidade será assim condicionada por fatores de ordem física e química, influências e interações que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Mas também por princípios sociológicos que nos
permite entender o grau de articulação de todos os outros que é representado pela compreensão operacional da sua função e pela
competência técnica.
A
competência técnica se constitui a partir dos “estoques culturais” e do que
poderíamos definir de “estoques técnicos”, resultantes não apenas da
experiência entendida como um processo cognoscitivo relegado à esfera
intelectual, mas também como um treinamento baseado num saber-fazer prático. Os comportamentos sociais, transmitidos de uma geração para outra,
envolvendo o balanço entre escolhas definidas pelo saber-fazer e por toda uma teia de relações intra e intergrupos,
deveriam estar em equilíbrio com as opções oferecidas pelo ambiente Numa
observação atenta, a obra de Leroi-Gourhan e dos que com ele definiram a
tecnologia como uma ciência humana - referindo aqui mais particularmente
Haudricourt (1987) - poderia levar bem mais longe do que se poderia imaginar à
partida. Tal experiência oferecerá as coordenadas necessárias para se
configurar uma tecnologia, entendida nos termos que desenvolve Tim Ingold, e
avaliar sua eventual aplicação, dando vida a um desempenho técnico. Esse tipo
de escolha será sempre movido pela busca de uma sempre esperada maior eficácia simbólica
e técnica. Constituiria assim, uma tendência técnica, nos termos elaborados por Leroi-Gourhan, mas não limitada apenas a um critério econômico de produção. A eficácia
deve levar em medida também por princípios sociais, simbólicos e políticos.
Bibliografia geral
consultada.
HAUDRICOURT, André-Georges, La Technologie Science Humaines. Paris: Editeur Maison des Sciences de L’Homme, 1987; LEROI-GOURHAN, André, Pré-História. São Paulo: Editora Pioneira; Editora da Universidade de São Paulo, 1981; Idem, Le Geste et la Parole I: Technique et Langage. Paris: Editeur Albin Michel, 2004; Idem, Le Geste et la Parole II: La Mémoire et les
Rythmes. Paris: Editeur Albin Michel, 2004; BROMBERGER, Christian “et al”, Hommage à André Leroi-Gourhan. Paris: Anthropologie
& Sciences Humaines, n° 7, pp. 61-76, 1986; KARSENTI,
Bruno, “Techniques du Corps et Normes Sociales: De Mauss à Leroi-Gourhan”. In: Intellectica. Paris, n° 26-27,
pp. 227-239, 1998; SOARES, André Luís Ramos, Contribuição à Arqueologia Guarani: Estudo do Sítio Ropke. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. Museu de Arqueologia e Etnologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005; MESCHONNIC, Henri, Critique
du Rythme: Anthropologie Historique du Langage. Paris: Éditions Verdier,
2009; MORTENSEN, Marianne Foss, “Museographie Transposition: The Development of an Museum Exhibit on Animal Adaptations to Darkness”. In: Éducation et Didactique, 4 (1) 115-138, 2010; GARRABÉ, Laure, Les Rytmes d`une Culture Populaire: Les Politiques du Sensible dans le Maracatu-de-Baque-Solto. Tese de Doutorado em Estética, Ciências e Tecnologia das Artes. Paris: Université de Paris 8, 2010; MURA, Fábio, “De Sujeitos e Objetos: Um Ensaio Crítico de Antropologia da
Técnica e da Tecnologia”. In: Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre. Ano 17, n° 36, pp. 95-125, jul./dez. 2011; DIMAS, Willian Lopes, Comunicação e Circularidades: Uma Pequena Viagem em Torno do Corpo e seu Movimento. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, 2016; SOUZA, Luana da Silva de, Um Estudo sobre a Memória Técnica de Grupos Humanos do Haloceno, por meio da Variabilidade Técnica da Cultura Material Lítica, dos Sítios Arqueológicos Castração e Usina Localizados em Uruguaiana - RS. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2018; entre outros.
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