Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
“Os
jornais mentem, os historiadores mentem, a televisão hoje mente”. Umberto
Eco
Museu Nacional não tinha brigada de incêndio, nem seguro para acervo. |
Brigada
de Incêndio são grupos de pessoas previamente treinadas, organizadas e
capacitadas dentro de uma organização, empresa ou estabelecimento para realizar
atendimento em situações de emergência. Em geral estão treinadas para atuar na
prevenção e combate de incêndios, prestação de primeiros socorros e evacuação
de ambientes. A Brigada pode atuar tanto preventivamente evitando situações que
causam risco de incêndio, como no combate. Além do combate, os brigadistas
também atuam nos processos de evacuação de emergência, prestação de socorro e
primeiros socorros. Os brigadistas são funcionários da empresa capacitados em
curso específico para exercer a função dentro da empresa. O modo de atuação
voluntária lembra muito a dos trabalhadores que participam da Comissão Interna
de Prevenção de Acidentes (CIPA). O cálculo do número mínimo de brigadistas
varia de acordo com as características do imóvel, seu uso comercial,
residencial ou industrial, a população fixa e a participação social de pessoas
em cada setor da edificação. No Estado de São Paulo, o cálculo é feito com base
em tabela constante na Instrução Técnica
n° 17 do Corpo de bombeiros. O treinamento deve ser anual ou se houver
alteração de 50% de membros da Brigada.
O
Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), era
a mais antiga instituição científica do Brasil até meados de 2018. Localiza-se
no interior do parque da Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro,
estando instalado no Palácio de São Cristóvão que serviu de residência à
família real portuguesa de 1808 a 1821, e posteriormente à família imperial
brasileira de 1822 a 1889. Na política sediaram
a 1ª Assembleia Constituinte republicana (1889-91), e passou a ser destinado ao
uso técnico-científico em 1892. O edifício
foi tombado pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) desde 1938. Fundado por Dom João VI
em 6 de junho de 1818 sob a denominação de Museu Real, o museu foi inicialmente
instalado no Campo de Santana, reunindo o acervo legado da antiga Casa de
História Natural, chamada “Casa dos Pássaros”, criada em 1784 pelo Vice-Rei Dom
Luís de Vasconcelos e Sousa, além de outras coleções de mineralogia e zoologia.
A criação do museu visava a difusão da educação, da cultura e da ciência. Foi
incorporado à Universidade Federal do Rio de Janeiro no período de
redemocratização, em 1946.
Constituído
através de dois séculos por meio de coletas, escavações, permutas, aquisições e
doações, o acervo era subdividido em coleções de geologia, paleontologia, botânica,
zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia. Foi a principal base
para as pesquisas realizada pelos Departamentos Acadêmicos do museu que
desenvolvia atividades em todas as regiões do país e em outras partes do mundo
ocidental, incluindo o continente antártico. Possuía uma das maiores
bibliotecas especializadas em ciências naturais do Brasil, com mais de 470.000
volumes e 2.400 obras raras. Abrigava um vasto acervo com mais de 20 milhões de
itens, englobando alguns dos mais relevantes registros da memória brasileira no campo das ciências naturais e antropologia,
bem como amplos e diversificados conjuntos de itens provenientes de diversas
regiões do planeta, ou produzidos por povos e civilizações antigas, incluindo
um dos mais antigos fósseis humanos da América Latina: o crânio de 11.500 anos
de idade chamado Luzia.
Na
noite de 2 de setembro de 2018, um incêndio de grandes proporções atingiu a
sede do Museu Nacional, destruindo quase a totalidade do acervo histórico
construído ao longo de duzentos anos, e que abrangia cerca de 20 milhões de itens
catalogados. Além do seu rico acervo, também o edifício histórico que abrigava
o Museu foi extremamente danificado com rachaduras, desabamento de sua
cobertura, além da queda de lajes internas. Com seguidos cortes no orçamento,
desde 2014 que o museu não vinha recebendo a verba de R$ 520 mil anuais necessário
à sua manutenção. Em 2018, quando o museu completou 200 anos, o valor recebido
despencou para R$ 54 mil. A edificação apresentava sinais visíveis de má
conservação. O espaço que abrigava a montagem da primeira réplica de um
dinossauro de grande porte feita no Brasil - fechou por estar infestada de
cupins. Segundo o vice-diretor do Museu, o antropólogo Luiz Fernando Dias
Duarte, o museu lutava, desde 2000, para construir prédios anexos destinados a
pesquisas que requeriam a preservação de objetos em álcool e formol. Somente um
anexo foi erguido, com parceria de verba pública da Petrobras.
Em
2 de setembro de 2018, logo após o encerramento do horário de visitação, um
incêndio de grandes proporções atingiu todos os três andares do prédio do Museu
Nacional, na Quinta da Boa Vista. Os bombeiros foram acionados às 19h30,
chegando rapidamente ao local. Às 21 horas o fogo encontrava-se fora de
controle, com grandes labaredas e estrondos ocasionais, sendo combatido por bombeiros
de quatro quartéis. Dezenas de pessoas dirigiram-se à Quinta da Boa Vista para
ver o incêndio. O acervo de minerais e rochas do Museu Nacional constituía um
dos segmentos mais antigos de sua coleção, tendo sido amealhado desde o fim do
século XVIII. A coleção era constituída por amostras de quase todas as espécies
minerais até então conhecidas e possuía grande valor histórico, por ter sido o
primeiro acervo mineralógico moderno classificado. Foi adquirida na Alemanha
junto a Carl Eugenius Pabst von Ohain, antigo funcionário da Academia de Minas
de Freiberg, pelo Reino de Portugal, provavelmente em 1805. A aquisição,
ordenada por Antônio de Araújo Azevedo, então Ministro dos Negócios
Estrangeiros e da Guerra, visava a ampliar o acervo do Real Museu de História
Natural de Lisboa. Não obstante, a transferência da corte portuguesa para o Rio
em 1808, a Coleção Werner foi trazida, passando a compor inicialmente o acervo
de Real Academia Militar, até ser incorporada ao Museu Nacional, em 1818.
A imperatriz Leopoldina já foi retratada como personagem no cinema e na televisão, interpretada por Kate Hansen no filme “Independência ou Morte” (1972), Maria Padilha na novela “Marquesa de Santos” (1984) e Érika Evantini na curiosa minissérie “O Quinto dos Infernos” (2002). A vida de Leopoldina também foi tema do enredo de 1996 da escola de samba Imperatriz Leopoldinense (RJ), cujo próprio nome já deriva indiretamente do seu, tendo em vista que a escola é sediada na zona suburbana da Estrada de Ferro Leopoldina, assim batizada em homenagem à imperatriz. Na ocasião, a carnavalesca Rosa Magalhães recebeu apoio do governo da Áustria para a realização do desfile. Em 2007, a atriz Ester Elias interpretou Leopoldina no musical Império, de Miguel Falabella, que narra parte da história do reinado do Brasil. Em 2017, a atriz Letícia Colin interpreta a imperatriz Leopoldina, na telenovela “Novo Mundo” na Rede Globo. Em 2018, tanto Leopoldina como a Imperatriz Leopoldinense foram homenageadas pela escola de samba Tom Maior, no carnaval de São Paulo.
O Museu Nacional possuía um dos mais significativos acervos paleontológicos da América Latina, totalizando cerca de 56.000 exemplares e 18.900 registros, divididos em núcleos de paleobotânica, paleoinvertebrados e paleovertebrados. A coleção se destacava pela presença de núcleos de reconhecido valor científico e histórico, coletados em tempos remotos, contemporâneos ao surgimento da própria paleontologia. Os primeiros fósseis encaminhados à instituição foram escavados no Uruguai em 1826, pelo naturalista prussiano Friedrich Sellow. Nas décadas seguintes, a colaboração de naturalistas estrangeiros seria fundamental para a ampliação do acervo paleontológico, destacando-se os envios do italiano Giovanni Michelotti, entre 1836 e 1837, bem como as aquisições efetuadas por Frederico Leopoldo César Burlamaque, então diretor-geral do museu, responsável por reunir conjuntos de fósseis de ictiossauros do Jurássico da Inglaterra e de mamíferos do Nordeste do Brasil. No último terço do século XIX, a coleção foi enormemente expandida graças às expedições realizadas pela Comissão Geológica, lideradas por Charles Frederick Hartt e integradas por Orville Derby. No século XX, já contando com o provimento de profissionais locais e paleontólogos especializados, a instituição pôde ampliar os estudos, investigações e expedições que ajudariam a consolidar a natureza enciclopédica de sua coleção paleontológica.
O núcleo de paleobotânica possuía mais de 4.000 exemplares catalogados, representativos da flora fóssil do Brasil e de outras partes do mundo e datados de todos os períodos geológicos. Era majoritariamente composto por vegetais da Era Paleozoica, sobretudo seus fósseis de idade Neopaleozoica, oriundos das bacias dos rios Paraná e Parnaíba e da Chapada do Araripe, tais como as folhas, frutos, sementes, caules e troncos. Predominavam os exemplares da flora Glossopteris e, em menor proporção, comparativa, Lepidodendrales, Lycopodiales, Equisetales, Pteridophyta, Ginkgophyta, Cycadophyta, Coniferophyta e Anthophyta. Abundavam no acervo os exemplares notabilizados tanto pela importância histórica, “la longue durée”, nomeada uma amostra do primeiro vegetal fóssil coletado, um tronco da espécie Psaronius brasiliensis, do período Permiano, descrita em Paris pelo botânico Adolphe Brongniart em 1872, quanto pelo valor científico, como os exemplares de folhas de dicotiledôneas, procedentes de sedimentos cenozóicos da Bahia, singularizadas pelo excelente estado de conservação, e o conjunto de fósseis vegetais coletados pela equipe do Museu na Antártida.
O
núcleo de paleoinvertebrados era o mais volumoso da coleção paleontológica,
somando cerca de 10.000 registros e 46.000 exemplares, provenientes do Brasil
e, em menor escala, da América do Norte e Europa. O núcleo de paleovertebrados
abrigava cerca de 10.000 espécimes e 7.000 registros, sobressaindo, em termos
de volume, os exemplares da fauna fóssil das eras Mesozoica e Cenozoica
coletados em bacias sedimentares do Brasil. Notabilizava-se pela presença de
itens de grande relevância científica, em especial registros fossilíferos com
preservação de partes moles. Abrangia, sobretudo, exemplares fósseis de répteis,
peixes, mamíferos e aves. Fósseis de peixes, majoritariamente datados do Cretáceo
e proveniente das formações Crato e Romualdo, na Bacia do Araripe, Ceará. Um
conjunto de fósseis de tartarugas excepcionalmente preservadas, a maioria das
quais datadas do Cretáceo - Araripemys
barretoi, a mais antiga tartaruga brasileira conhecida, proveniente da
Chapada do Araripe. A coleção de registros fósseis de pterossauros,
provenientes em sua maioria da Chapada do Araripe e datados do Cretáceo,
abrangendo de fragmentos a esqueletos completos e montados, além de
reconstituições baseadas nos fósseis originais. A coleção de fósseis e de
reconstituições histórica de esqueletos de dinossauros, composta
majoritariamente por exemplares provenientes das regiões Nordeste, Sudeste e
Sul do Brasil.
O
conjunto de exemplares da megafauna brasileira extinta do Pleistoceno,
sobretudo mamíferos, como os esqueletos completos de preguiças gigantes,
coletado no Rio Grande do Sul e de um tigre-dente-de-sabre. Fósseis de aves,
destacando-se o esqueleto completo de um Paraphysornis
brasiliensis, gigantesca ave pré-histórica que viveu no Brasil durante o
Plioceno, com altura média de 2,40 metros. Complementava o acervo as reconstituições
artísticas de animais pré-históricos em vida, abrangendo pterossauros, um modelo de embrião com ovo de um Tyrannosaurus rex, feito com base em
análise comparativa em descobertas na China de ovos atribuídos a dinossauros
carnívoros de grandes dimensões e painéis com reproduções de organismos que
habitavam o mar no Período Devoniano, compreendido entre 416 milhões e 359
milhões de anos atrás, aproximadamente, representando os afloramentos fósseis e
seres vivos, entre outros itens de natureza didática. O acervo de antropologia
biológica do Museu Nacional, constituído em meados do século XIX, conservava
importantes remanescentes esqueléticos humanos de populações pré-históricas e históricas
do Brasil. O acervo também contava com expressivas coleções de caráter
histórico, compostas por instrumentos, documentos e materiais iconográficos
versando sobre as características etnográficas e a trajetória histórica e
teórica da antropologia biológica no Brasil.
O
acervo de arqueologia do Museu Nacional, composto por mais de 100.000 objetos,
notabilizava-se pela diversidade cultural abarcada, reunindo peças de grande
importância provenientes de diversas civilizações que habitaram as Américas, a
Europa e a África, desde o Paleolítico até o século XIX. O acervo era subdivido
em quatro coleções principais: arqueologia egípcia, arqueologia mediterrânea,
arqueologia pré-colombiana e arqueologia brasileira, sendo que essa última se
apresentava reunida metodologicamente de forma sistemática desde 1867. Consiste
no segmento mais bem representado do acervo, na mais importante coleção
existente em sua tipologia, cobrindo de forma enciclopédica o Brasil pré-cabraliano
e abrangendo alguns dos mais destacados registros materiais produzidos durante
esse período. Somando mais de 700 itens, a coleção de arqueologia egípcia do
Museu Nacional era a maior da América Latina e a mais antiga das Américas. A
maior parte das peças ingressou no acervo do Museu Nacional em 1826. O
comerciante Nicolau Fiengo trouxe de Marselha uma coleção de antiguidades
egípcias do famoso explorador italiano Giovanni Battista Belzoni, responsável
por escavar a Necrópole de Tebas e o Templo de Karnak.
Dinheiro para lavar carros de deputados patrocinaria Museu. |
Dom
Pedro I arrematou a coleção completa doando-a em seguida ao Museu Nacional.
Especula-se se o gesto de Dom Pedro teria sido influenciado pelo político José
Bonifácio, destacado membro da maçonaria, talvez motivado pelo interesse que
tal confraria possui pela iconografia egípcia. A coleção iniciada por Pedro I
seria ampliada por seu filho, Dom Pedro II, egiptólogo amador e colecionador de
peças de interesse arqueológico e etnográfico. Entre as adições mais
importantes referidas à coleção egípcia do museu originada por Pedro II,
encontrava-se o sarcófago em madeira policromada da cantora de Ámon,
Sha-Amun-en-su, da Época Baixa, ofertado como presente ao imperador durante sua
segunda viagem ao Egito, em 1876, pelo quediva Ismail Paxá. O sarcófago nunca
foi aberto, conservando ainda a múmia da cantora em seu interior,
característica que lhe conferia notória raridade. Posteriormente, a coleção
seria enriquecida por meio de compras e doações, tornando-se, já no começo do
século XX, um acervo de tal relevância científica e arqueológica que passou a
chamar a atenção de pesquisadores internacionais, como Alberto Childe, que ocupou
o cargo de conservador de arqueologia do Museu Nacional entre 1912 e 1938,
publicando o Guia das Coleções de Arqueologia Clássica do Museu Nacional,
em 1919.
Destacavam-se na coleção, além da mencionada esquife de Sha-Amun-en-su, outros três sarcófagos datado historicamente do Terceiro Período Intermediário e da Época Baixa, pertencentes aos sacerdotes de Ámon, Hori, Pestjef e Harsiese. O museu conservava ainda seis múmias humanas, quatro de adultos e duas de crianças, além de uma pequena coleção de múmias de animais (gatos, íbis, peixes e filhotes de crocodilo). Dentre os exemplares humanos, destacava-se uma múmia feminina do Período Romano considerada raríssima pela técnica de preparação, da qual são conhecidos apenas oito similares no mundo. Chamada “princesa do Sol” ou “princesa Kherima”, a múmia possuía os membros e dedos dos pés e das mãos enfaixados individualmente e é ricamente adornada, com faixas pintadas. Era um dos itens mais populares do museu, estando relacionada a relatos de experiências parapsicológicas e transes coletivos, em eventos supostamente ocorridos na década de 1960. A princesa Kherima também inspirou o romance “O Segredo da Múmia”, de Everton Ralph, membro da Sociedade Rosa Cruz.
Destacavam-se na coleção, além da mencionada esquife de Sha-Amun-en-su, outros três sarcófagos datado historicamente do Terceiro Período Intermediário e da Época Baixa, pertencentes aos sacerdotes de Ámon, Hori, Pestjef e Harsiese. O museu conservava ainda seis múmias humanas, quatro de adultos e duas de crianças, além de uma pequena coleção de múmias de animais (gatos, íbis, peixes e filhotes de crocodilo). Dentre os exemplares humanos, destacava-se uma múmia feminina do Período Romano considerada raríssima pela técnica de preparação, da qual são conhecidos apenas oito similares no mundo. Chamada “princesa do Sol” ou “princesa Kherima”, a múmia possuía os membros e dedos dos pés e das mãos enfaixados individualmente e é ricamente adornada, com faixas pintadas. Era um dos itens mais populares do museu, estando relacionada a relatos de experiências parapsicológicas e transes coletivos, em eventos supostamente ocorridos na década de 1960. A princesa Kherima também inspirou o romance “O Segredo da Múmia”, de Everton Ralph, membro da Sociedade Rosa Cruz.
A
coleção de estelas votivas e funerárias somavam dezenas de exemplares que
datam, em sua maioria, do Período Intermediário e da Época Baixa. Destacavam-se
as estelas de Raia e Haunefer, que apresentam títulos de origem semítica
presentes na Bíblia e nos tabletes cuneiformes de Mari, além de uma estela
inacabada, atribuída ao imperador Tibério, do período Romano. Também era vasta
a coleção de shabtis, estatuetas representando servidores funerários, sendo
particularmente relevantes aquelas pertencentes ao faraó Seti I, escavados em
sua tumba no Vale dos Reis. Ainda no contexto etnológico das peças raras,
merece menção uma estatueta de uma jovem em calcário pintado, datada do Império
Novo, portando um cone de unguentos sobre a cabeça, representando uma
iconografia que é quase exclusivamente encontrada em pinturas e relevos.
Complementando a coleção, havia fragmentos de relevos, máscaras, estatuetas de
divindades em bronze, pedra e madeira, incluindo representações de
Ptah-Sokar-Osiris, vasos canópicos, tigelas de alabastro, cones funerários,
joias, amuletos e peças funcionais de natureza iconográficas de conteúdo
simbólico de formas visuais.
A
coleção de arqueologia clássica do Museu Nacional era composta por
aproximadamente 750 peças, abrangendo majoritariamente as civilizações grega,
romana, etrusca e italiota, sendo a maior em seu gênero na América Latina.
Grande parte desse acervo correspondia à coleção greco-romana da imperatriz
Teresa Cristina, interessada pela arqueologia desde a juventude. Quando
desembarcou no Brasil em 1843, logo após seu casamento por procuração com Dom
Pedro II, a imperatriz trouxe consigo uma coleção de obras recuperadas de
escavações nas antigas cidades de Herculano e Pompéia, destruídas em 79 d. C.,
por uma erupção do vulcão Vesúvio. Algumas dessas peças eram provenientes da
coleção da rainha Carolina Murat, irmã de Napoleão Bonaparte e esposa do rei de
Nápoles, Joaquim Murat. A própria
imperatriz também financiou escavações em Veios, um sítio arqueológico etrusco
localizado 15 km ao norte de Roma, trazendo grande parte dos objetos encontrados
para o Brasil. A maior parte da coleção foi formada entre 1853-59, mas
continuou a ser enriquecida pela imperatriz até a queda do império em 1889,
quando Teresa Cristina deixou o país.
A vasta coleção de cerâmicas
abrangia dezenas de objetos e é marcada pela diversidade de origens, formas,
decorações e finalidades utilitárias. Estão representados os principais estilos
e escolas da antiguidade clássica, da cerâmica geométrica coríntia do século
VII a. C. às ânforas romanas em terracota do início da Era Cristã. Na coleção
de esculturas, destacava-se um conjunto de Tânagras, estatuetas em terracota de
origem grega popularizada a partir do século IV a. C., bem como uma série de
miniaturas etruscas em bronze representando guerreiros e figuras femininas. A
coleção de artefatos militares inclui fragmentos de elmos, pontas de maça,
bainhas e lâminas de bronze, broches e faleras. O Museu Nacional conservava um
importante conjunto de aproximadamente 1.800 artefatos produzidos pelas
civilizações ameríndias durante a era pré-colombiana, além de múmias andinas.
Formado durante o século XIX, esse acervo tinha suas origens nas coleções da
família imperial brasileira, sobretudo na coleção Pedro II, tendo sido
posteriormente ampliado através de compras, doações, permutas e atividades de
campo. Ao término do século XIX, a coleção já gozava de considerável prestígio,
a ponto de ser citada, por ocasião da inauguração da Exposição Antropológica de
1889, como um dos maiores acervos antropológicos sul-americanos. A coleção abarcava, majoritariamente, objetos
representativos das produções têxtil, ceramista, metalúrgica, plumária e lítica
dos povos andinos das culturas do Peru, Bolívia, Chile e Argentina e, em menor
escala, das culturas amazônicas, incluindo uma rara coleção de artefatos
venezuelanos e mesoamericanas das culturas do México e da Nicarágua.
Kherima com os membros enfaixados difere à embalsamada. |
A
coleção de múmias andinas do Museu Nacional permitia vislumbrar aspectos
importantes dos costumes funerários dos povos da região e era composta por
exemplares preservados tanto naturalmente, em função de condições geoclimáticas
favoráveis, quanto artificialmente, por meio de práticas de cunho religioso e
ritualístico. Proveniente de uma sepultura em Chiu-Chiu, no deserto do Atacama,
ao norte do Chile, havia uma múmia de um homem com idade estimada entre 4.700 e
3.400 anos, preservada em posição sentada, com a cabeça apoiada nos joelhos e
coberta por um gorro de lã. Era dessa forma que os atacamenhos costumavam
dormir em função do frio do deserto e também a posição em que costumavam ser
sepultados junto com seus pertences. Um segundo exemplar na coleção, uma múmia
Aymara de um indivíduo do sexo masculino, encontrada nos arredores do Lago
Titicaca, entre o Peru e a Bolívia, encontrava-se preservada nessa mesma
posição, envolvido por um grosso fardo funerário. Por fim, o museu conservava
uma múmia de um menino doado pelo governo chileno e, ilustrando as técnicas de
mumificação artificial dos povos pré-colombianos, exemplar de “cabeça
encolhida” do povo Jivaro da Amazônia de seus rituais religiosos.
A
coleção de arqueologia brasileira reunia um vasto conjunto de artefatos
produzidos pelos povos que habitaram o território brasileiro no período
pré-colonial, com mais de 90.000 itens, sendo considerado o mais abrangente
acervo existente em sua tipologia. Constituída desde o início do século XIX, a
coleção passou a ser reunida de modo sistemático a partir de 1867 e era
continuamente enriquecida até hoje, por meio de coletas em campo, aquisições e
doações. É composta por artefatos provenientes de todas as regiões do Brasil,
produzidas ao longo de um arco temporal superior a 10.000 anos, como
demonstraram as pesquisa de Antropologia das Civilizações de Darcy Ribeiro. Dos
mais antigos habitantes do território brasileiro com a formação de grupos caçadores-coletores
e horticultores, o museu conservava diversos artefatos produzidos em pedra como
o sílex, quartzo e outros minerais e osso, tais como pontas de projéteis
utilizadas na caça, lâminas de machado em pedra polida e outros utensílios
feitos para gravar, raspar, talhar, triturar e furar, bem como artefatos de uso
cerimonial e adornos. Objetos em madeira, fibras e resinas, embora
provavelmente também fossem produzidos por tais grupos, não resistiram à ação
do tempo e estavam praticamente ausentes no acervo, à exceção de peças
isoladas, nomeadamente um cesto de palha
coberto por resina, apenas parcialmente conservado, encontrado no litoral sul
do Brasil.
O
acervo de etnologia do Museu Nacional abrigava cerca de 40.000 itens referentes
à cultura material de diversos povos do mundo. O núcleo de etnologia indígena
brasileira é o mais representativo, abrangendo objetos produzidos por povos
nativos de todas as regiões do país, desde o início do período colonial até os
dias de hoje. A coleção abrange também significativos conjuntos de artefatos
referentes à etnologia africana, à etnologia afro-brasileira e às culturas do
Oceano Pacífico. Por fim, o núcleo de linguística conserva um vasto conjunto de
registros documentais e sonoros relativos às línguas indígenas brasileiras. O
acervo do setor de etnologia serve de subsídio para diversas investigações
científicas, destacando-se, nesse contexto, os estudos interdisciplinares
feitos pelo Laboratório de Pesquisas em
Etnicidade, Cultura e Desenvolvimento (LACED). A coleção de etnologia
indígena brasileira do Museu Nacional encontra-se entre as maiores existentes
em sua tipologia, abrangendo mais de 30.000 objetos, produzidos por mais de 100
grupos indígenas, provenientes de todas as regiões do Brasil. Formado no século
XIX, através de coletas em campo, aquisições, legados e doações, documenta suas
tradições, organização social, crenças e rituais.
O
núcleo de cestaria do museu é composto por aproximadamente 900 artefatos produzidos
através do trançado com fibras rígidas. A coleção abarca exemplares de cestos,
cestas, balaios, bolsas, adornos, estojos, abanos, peneiras, armas, redes e
esteiras, representando mais 70 grupos indígenas, sobretudo das regiões Norte,
Centro-Oeste e Nordeste, tais como os Tenetearas, Tapirapés, Macus, Timbiras,
Tarianas, Mamaindês e Tembés, entre outros. Destacam-se, entre as peças raras,
o escudo trançado dos Tucanos, proveniente do vale do rio Uaupés, sendo que um
dos itens destacados por Gonçalves Dias por ocasião da exposição Amazonas, em
1861; o cesto Baquité dos Nambiquaras, do Mato Grosso, coletado pela Comissão
Rondon em 1921; o estojo para miudezas Uarabarru dos Carajás, coletado por
Lincolm de Souza, redator do jornal A
Noite, e doada ao museu em 1948 pelo coronel Leony de Oliveira Machado, etc.
A
coleção de cerâmica indígena é caracterizada pela diversidade de origens,
formas, estilos, ornamentações e funções, possibilitando o acompanhamento da
trajetória da indústria cerâmica tradicional até a produção atual e
exemplificando tópicos como o cotidiano de diferentes grupos e a influência dos
temas da cultura de massa na produção indígena contemporânea, entre outros. O
acervo abarca um amplo número de recipientes de uso doméstico, tais como
panelas, suportes, potes, tigelas, pratos, vasos, vasilhas, bilhas para água e
torradores de biju, havendo tipos específicos para fins cerimoniais, além de
instrumentos musicais, cachimbos, estatuetas antropomorfas e zoomorfas e
brinquedos. Estão representados no acervo, entre outros, os artefatos cerâmicos
de grupos como os Aparaí, Uaurás, Assurini, Bororós, Iaualapitis e os povos da
Aldeia Uapuí e do vale do rio Uaupés. Destacam-se, no contexto da produção
cerâmica figurativa, as chamadas estatuetas Litxokô, produzidas pelos índios
Carajás, de estilo moderno e decoração refinada; as panelas antropomorfas e
vasos com figuras estilizadas dos Kadiuéu; os recipientes com figuras de
animais dos Ticunas, etc.
A
coleção de etnologia africana e afro-brasileira do Museu Nacional era constituída
por aproximadamente 700 objetos. Abrangia tanto exemplares produzidos por povos
de diferentes regiões do continente africano quanto os testemunhos das
manifestações culturais dos descendentes dos povos africanos no Brasil. O
núcleo de objetos africanos foi majoritariamente constituído no período 1810 e
1940, remetendo sua origem às coleções da família real portuguesa e depois
brasileira, posteriormente enriquecidas por assimilação de outros legados,
compras e transferências. A coleção afro-brasileira foi formada entre 1880 e
1950 a partir de um núcleo de objetos transferidos dos depósitos policiais
locais responsáveis por confiscá-los, quando a prática do candomblé era
proibida no Rio de Janeiro, à qual se somou a importante coleção de Heloísa
Alberto Torres, constituída por itens adquiridos junto aos mais importantes
terreiros de candomblé do Recôncavo baiano ao longo da década de 1940.
O núcleo de etnologia afro-brasileira
documenta hábitos, crenças e técnicas de produção dos descendentes dos povos
africanos no Brasil, bem como o histórico de violência da escravidão, a
repressão religiosa e as formas de organização social das comunidades negras no
período pós-abolição. A religiosidade afro-brasileira é fartamente ilustrada. Grande
parte dos objetos religiosos encontrava-se originalmente nos espaços dos zungus ou terreiros de candomblé, locais
de culto dos inquices (Bantus),
orixás (Iorubás) e vodus (Jeje Mahi).
Tais templos eram constantemente invadidos e tinham seus objetos confiscados e
levados para os depósitos da polícia, como provas materiais da prática de
rituais então proibidos. Por iniciativa do ex-diretor do museu, Ladislau Neto,
esses objetos passaram a ser transferidos para a instituição, após o
reconhecimento da importância histórica, sociológica e etnológica de tal
acervo.
Verba para o estádio de futebol Maracanã patrocinaria o Museu por 1. 170 anos. |
O
acervo de objetos provenientes dos povos do Oceano Pacífico é uma das coleções
estrangeiras mais antigas do Museu Nacional. Sua origem remonta à coleção de
Dom Pedro I, legada ao museu e posteriormente ampliada por intermédio de
doações e compras. O acervo reúne objetos de uso cotidiano, artefatos
religiosos e armas de caça e de guerra da Polinésia, da Nova Zelândia e da Nova
Guiné (na Oceania) e das Ilhas Aleutas e Costa do Pacífico na América do Norte.
Dentre os artefatos existentes na coleção inicial do museu, encontram-se o
manto e colar reais Owhyeen, confeccionados com plumas, presentes ofertados
pelo rei Kamehameha II e pela rainha Tamehamalu, do Reino do Havaí (ou Ilhas
Sandwich) a Dom Pedro I, em 1824, quando o imperador recepcionou a família real
havaiana e sua comitiva quando da sua chegada ao Rio de Janeiro. Destacam-se
ainda os seguintes núcleos: Artefatos da Polinésia que são formados por objetos
provenientes, em sua maioria e grandeza, das Ilhas Cook.
São
artefatos da Nova Zelândia, composto por ferramentas e armas de caça e guerra,
incluindo exemplares de machados decorados com motivos antropomorfos, clavas,
além de colheres esculpidas em osso, palitos de madeira decorados, recipientes
de bambus ornamentados com grafismos, etc. Artefatos da Nova Guiné,
constituídos por exemplares de machados de pedra, cigarreiras, brincos e
adornos, objetos esculpidos em madeira, lanças, bumerangues e outras armas de
arremesso. Artefatos da Costa do Pacífico, neste caso representados por objetos
cerimoniais, de uso cotidiano e instrumentos musicais, tais como chocalhos
zoomorfos, bandejas, vasos policromados em formato de concha, etc. Destaca-se o
bastão totêmico, com três figuras humanas, cada uma representando um
antepassado, e uma armadura de madeira e couro, coletada na região de
Vancouver, no Canadá. Têm-se ainda artefatos das Ilhas Aleutas, onde
destacam-se dois raros exemplares de casacos de esquimós, um feito com
intestino de foca e outro com pele de plumas, além de uma bolsa, também de
intestino de foca. Até o período anterior ao incêndio o Museu Nacional oferecia
os cursos de pós-graduação vinculados à Universidade Federal do Rio de Janeiro
nas áreas de Antropologia Social, Arqueologia, Botânica, Geologia,
Paleontologia e, finalmente, Zoologia.
Enfim,
os 200 Anos do Museu Nacional, não serão mais comemorados em 2018. Deveriam ser
festejados com uma série de atividades acadêmicas consentâneas com suas
atribuições articuladas no tripé tradicional de casa de ensino, pesquisa e
cultura. Portanto, com uma séria repetida e continuada luta pela revalorização
do patrimônio da instituição, sempre carente de recursos. O Palácio de São
Cristóvão, sede do Museu, o Horto Botânico, e os diversos prédios anexos, padecem
de intervenções arquitetônicas e urbanísticas que permitam à instituição a
plena capacidade de atendimento a sua vocação. Essas intervenções incluem a
construção de alguns prédios anexos na área do Horto, já autorizados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico, que permitiriam a retirada das atividades de pesquisa e
ensino do Palácio – a ser dedicado inteiramente às exposições e aos serviços de
museologia e ensino ampliado. Incluiriam ainda a restauração das instalações e
a recomposição do espaço expositivo do Palácio em seus três andares. Tratava-se
de um projeto ambicioso, à altura das capacidades e expectativas da Casa – mas,
acima de tudo de toda a Nação, que tem no Museu Nacional a primeira
e mais importante representação da memória nacional.
Bibliografia
geral consultada.
OBERACKER
JUNIOR, Carlos, A Imperatriz Leopoldina. Sua
Vida e Sua Época. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1973; ANGELI, Margarida Nilda, Museus por Teimosia. Uma Análise da Utilidade dos Museus. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Economia. Campinas: Universidade de Campinas, 1993; KAIZER,
Glória, Dona Leopoldina, Uma Habsburg no
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History. Londres: The British Museum Press, 2002; LUSTOSA, Isabel, D. Pedro I - Um Herói sem Caráter. São Paulo: Editora Companhia das
Letras, 2006; FRERS, Ernesto, El Museo Secreto.
El Mensaje Oculto de las Obras de Arte. Barcelona: Editor Robinbook, 2006; DUARTE, Regina Hora, A Biologia Militante: O Museu Nacional, Especialização Científica, Divulgação do Conhecimento e Práticas Políticas no Brasil. Belo Horizonte: Editora Universidade Federal de Minas Gerais, 2010; NEGRISOLO, Walter, Arquitetando a Segurança contra Incêndio. Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2011; COSTA, Martha Gabrielly Colleto Costa, Nas Pegadas da Dissimulação: Um Estudo sobre as Novas Formas de Ideologia a partir de Claude Lefort e Pierre Bourdieu. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras, Ciências Humanas e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; RANGEL, Aparecida Marina de Souza, Museu Casa de Rui Barbosa: Entre o Público e o Privado. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Centro de Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; DEBONI BLAYA, Mariana, Proteção, Prevenção e Combate a Incêndios Aplicados em Museus: Um guia para o Museu Educativo Gama d`Eça e Victor Bersani. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Profissionalizante em Patrimônio Cultural. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2017; MORENO ROCHA,
Saulo, Esboços de uma Biografia de Musealização: O Caso da Jangada Libertadora.
Dissertação de Mestrado em Museologia e Patrimônio. Museu de Astronomia e
Ciências Afins. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, 2018; entre outros.
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