segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Velho Chico – Entre o Técnico em Político

Ubiracy de Souza Braga*


As virtudes perdem-se no interesse, tal como os rios no mar”. François La Rochefoucauld




    Reconhecido socialmente como Rio da Integração Nacional, o São Francisco, descoberto em 1502, tem esse título por representar um processo de trabalho e de comunicação de ligação do Sudeste e do Centro-Oeste com o Nordeste. Desde as suas nascentes, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até sua foz, na divisa de Sergipe e Alagoas, ele percorre 2.700 km. Nesse percurso que banha cinco Estados, o rio se divide em quatro trechos: a) o Alto São Francisco, que vai de suas cabeceiras até Pirapora, em Minas Gerais; b) o Médio, de Pirapora, onde começa o trecho navegável, até Remanso, na Bahia; c) o Submédio, de Remanso até Paulo Afonso, ainda na Bahia; e d) o Baixo, de Paulo Afonso até a foz. O São Francisco recebe água de 168 afluentes, dos quais 99 são perenes, 90 estão na sua margem direita e 78 na esquerda. A produção de água de sua bacia concentra-se nos cerrados do Brasil central e em Minas Gerais e a grande variação do porte dos seus afluentes é consequência das diferenças climáticas entre as regiões drenadas.
          O Velho Chico - como também é chamado - banha os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Sua bacia hidrográfica também envolve parte do estado de Goiás e o Distrito Federal, Brasília.  O Ministério da Integração Nacional é um órgão do governo federal brasileiro cuja criação se deu em 29 de julho de 1999, através da medida provisória nº 1.911-8, convertida na lei nº 10.683/2003, e teve sua estrutura regimental aprovada pelo decreto nº 5.847 de 14 de julho de 2006. Tem por diretriz e objetivo de sua atuação a Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR), instrumento que orienta os programas e ações do Ministério. Nesse sentido a PNDR orienta a formulação e implementação de grandes projetos macrorregionais, que resultam, na prática, em resultados positivos para a construção de relações federativas entre os três âmbitos de governo -  municipal, estadual e federal - e de participação social ampla dos atores sub-regionais.


                             
           Em 1979 disputou as eleições da UNE, onde concorreu para vice-presidente na chapa Maioria, que na época era vista como uma tentativa da direita de buscar influência no âmbito estudantil. Iniciou a carreira política no PDS, sucessor da Aliança Renovadora Nacional, a Arena, partido que dava sustentação à ditadura golpista militar brasileira. Em 1980 a agremiação passou a se chamar PDS, partido pelo qual disputou seu primeiro pleito, tendo se filiado oportunamente ao partido poucos meses antes, elegendo-se deputado estadual em 1982. Em 1983 trocou de partido, passando para o PMDB, partido pelo qual reelegeu-se deputado estadual em 1986. Em 1988 optou pelo PSDB conseguindo ser eleito, como prefeito de Fortaleza. Analogamente os Estados Unidos da América (EUA) têm mais 75 partidos políticos, além dos tradicionais situacionistas  partido Republicano e do Democrata, mas é, na prática, um país bipartidário no plano da democracia norte-americana.
Na eleição presidencial de 1989 apoiou no primeiro turno Mário Covas, candidato de seu partido, e Lula, no segundo turno. Em 1990 foi eleito governador do Ceará vencendo Paulo Lustosa. Foi o primeiro governador a ser eleito pelo PSDB. Ficou no posto entre 1991 e 1994. Deixou o cargo para assumir o Ministério da Fazenda em 6 de setembro de 1994 a convite do então presidente Itamar Franco. Sucedeu Rubens Ricupero, flagrado confidenciando ao jornalista Carlos Monforte que havia problemas no Plano Real no instante em que a Rede Globo estava se preparando para colocar no ar um programa jornalístico, no episódio tido como “escândalo da parabólica”. O momento é péssimo para a classe política. A mentira é vista como a maior prática e, portanto, tudo o que dizem, soa como inverdade. Troca-se de partido como troca-se de roupa. Nada a ver com programa partidário, mas a redução sociológica combinando casuísmo com o self-service de interesse próprio e normativo.  
Foi membro do PSDB até 1996, quando se filiou ao recém-criado PPS (do antigo Partido Comunista Brasileiro, presidido por Roberto Freire - fundado em 19 de março de 1992) para concorrer à presidência da República em 1998. Foi o terceiro mais votado com 7.426.190 votos (ficou atrás de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva). Em 2002 disputou novamente o cargo público mais importante do país pelo PPS e terminou o pleito em quarto lugar com 10.170.882 votos (ficou atrás de Lula, José Serra e Anthony Garotinho). No segundo turno, apoiou Lula. Nessa campanha, afirmou que havia combatido a ditadura militar. Passou em 2003, por não concordar com Freire quanto à oposição do PPS ao governo, para o PSB. Aceitou  convite de Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT) para assumir o Ministério da Integração Nacional, responsável pelo desenvolvimento regional e obras de infraestrutura. No ministério, Ciro favoreceu  repasses a prefeituras do Ceará e possível desvio de milhões dos cofres públicos.

A ideia de transposição das águas do rio São Francisco remonta ao ano de 1847, ou seja, no tempo do reinado brasileiro de Dom Pedro II, já sendo vista, por alguns intelectuais de então, talvez como a única solução para a seca do Nordeste. Naquela ocasião, aparentemente não foi iniciado o projeto político por falta de recursos técnicos da engenharia. Ao longo do breve século XX, para lembrarmo-nos de Eric Hobsbawm, a transposição do São Francisco continuou a ser vista como uma solução para “aumentá-lo”, em vista das disponibilidades em água no Nordeste Setentrional. A discussão foi retomada em 1943, pelo presidente da República Getúlio Vargas. Contudo, o primeiro projeto consistente surgiu no governo militar de João Batista de Oliveira Figueiredo, quando Mário Andreazza era Ministro do Interior, após uma das mais longas estiagens da história (1979-1983), tendo sido elaborado pelos técnicos do extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), está sendo substituída  pelo projeto cidista do Acquário Ceará.
            Um dos principais nomes do Pros, o secretário de Saúde do Ceará, Ciro Ferreira Gomes, acusou o seu próprio partido de chantagear a presidente Dilma Rousseff para “colocar um corrupto” no Ministério da Integração Nacional, controlado pela sigla. Ciro fez as declarações nesta sexta-feira (9), durante visita ao Hospital Geral de Fortaleza com o ministro da Saúde, Arthur Chioro (PT). – “Não vou aceitar que alguém coloque faca no pescoço da presidente Dilma para colocar um corrupto no Ministério da Integração”, disse Ciro. O irmão do governador Cid Gomes (Pros) ameaçou deixar o partido caso a mudança se concretize: - “Não aceito ficar em um partido que use a chantagem como ferramenta política”. As afirmações de Ciro Ferreira Gomes foram encaradas como uma resposta ao setor da bancada de deputados do Pros que articulava a substituição do ministro da Integração Nacional, Francisco Teixeira (Pros). Em agosto de 1994, o presidente Itamar Franco enviou um Decreto ao Senado, declarando ser de interesse da União estudos sobre o potencial hídrico das bacias das regiões semiáridas dos estados do Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.
Convidou o então Deputado Federal pelo Rio Grande do Norte, Aluízio Alves, para ser Ministro da Integração Regional e levar adiante a execução do projeto. Fernando Henrique Cardoso, ao assumir o governo, assinou o documento “Compromisso pela Vida do São Francisco”, propondo a revitalização do rio e a construção dos canais de transposição: o Eixo Norte, o Eixo Leste, Sertão e Remanso. Previa ainda a transposição do Rio Tocantins para o Rio São Francisco, grande projeto da época do Ministro Andreazza. Em julho de 2007, o Exército Brasileiro iniciou as obras do Eixo Leste. O Consórcio Águas do São Francisco, composto pelas empresas Carioca, S.A. Paulista e Serveng serão responsáveis pelas obras do Lote 1 do Eixo Norte e a Camargo Correia executará as obras do Lote 9 do Eixo Norte. Os trechos sob a responsabilidade do Exército eram os únicos prontos em dezembro de 2013, um ano depois da data de compleição estimada no início do projeto, em 2007. Quatro cidades - Salgueiro e Cabrobó, em Pernambuco, Jati, no Ceará, e São José de Piranhas, na Paraíba - trabalhavam 24 horas em seus canais, mas no geral o ritmo era visto como lento, e alguns municípios ainda contratavam operários para as obras. Alguns dos canais concluídos apresentam rachaduras e outros problemas de conservação, e deverão ser oportunamente refeitos. Entretanto, a novela retardatária prevista para finalizar o prazo para entrega da obra era para o ano de 2015.

Depois de movimentarem os geradores das cinco hidrelétricas, as águas do rio São Francisco correm para o mar. Atualmente, 95% do volume médio liberado pela barragem de Sobradinho - 1.850 metros cúbicos por segundo - são despejados na foz e apenas 5% são consumidos no Vale. Nos anos chuvosos, a vazão de Sobradinho chega a ultrapassar 15 mil m³/s, e todo esse excedente também vai para o mar. Economicamente a irrigação no Vale do São Francisco, especialmente no semiárido, é uma atividade social e econômica dinâmica, geradora de emprego e renda na região e de divisas para o País - suas frutas são exportadas para os EUA e Europa. A área irrigada poderá ser expandida para até 800 mil hectares, nos próximos anos, o que será possível pela participação crescente da iniciativa privada. O Programa de Revitalização do São Francisco, cujas ações estão em curso, contempla a melhoria da navegação no rio. Providência que permitirá a optimização do transporte de grãos como soja, algodão e milho, essencialmente do oeste da Bahia para o porto de Juazeiro (BA) e daí, interligado por ferrovia, para os 16 portos nordestinos em atuação. O Nordeste brasileiro possui a infraestrutura portuária necessária para atender a demanda de exportação.
A pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Logística do Instituto de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro- CEL/COPPEAD/UFRJ, colheu a opinião de 218 representantes de empresas, entre exportadores, agentes marítimos, embarcadores e armadores, sobre a qualidade dos principais portos nacionais. O levantamento avaliou 18 terminais, sendo que deste total, aproximadamente 70% foram considerados regulares ou deficientes. Entre os principais problemas técnicos estão: acesso rodoviário ruim, tamanho de calado insuficiente e saturação do movimento. A pesquisa demonstrou que os acessos rodoviários são as principais dificuldades. O porto melhor avaliado do País é o terminal marítimo de Ponta da Madeira, no Maranhão. Numa escala de 0 a 10, este complexo, cuja operação é realizada pela Companhia Vale, recebeu nota 9,3. Este resultado está no fato ecológico dele ser o único no Brasil que possui calado profundo o bastante, constando entre 21 e 23 metros para receber e carregar o maior graneleiro do mundo, o Berge Stahl, de bandeira norueguesa, cuja capacidade de transporte é de 365 mil toneladas.
Com 342,08 metros de comprimento, 63,5 m de largura e calado máximo de 23 metros, o navio tem capacidade para transportar até 364 767 toneladas de peso bruto (DWT). Foi o maior navio desse tipo no mundo ocidental até 2011, quando foi inaugurado o navio Vale Brasil, o primeiro dos navios da classe Valemax, que podem carregar até 400 mil toneladas. Devido à profundidade necessária para navegação, os dois únicos portos do mundo em que o Berge Stahl atraca regularmente são o Porto de Rotterdam, na Holanda e o Terminal de Ponta da Madeira de administração da Vale do Rio Doce  no estado do Maranhão. O navio só atracou em quatro portos no mundo. O porto brasileiro para o qual realiza 10 viagens/ano, mesmo extraordinariamente durante a maré baixa, é o único que pode atracar e receber carga máxima. Em Rotterdam, o Berge Stahl só podem atracar em condições sociais especiais de clima e maré e só podem ser carregadas com 354 mil toneladas.

                                     
Outro complexo nordestino bem avaliado foi o terminal de Suape que obteve uma nota média de 8,3. Em compensação, os portos de Salvador (BA) e Fortaleza (CE) apareceram entre os terminais com menores médias, 5,1 e 5,7, respectivamente. A pesquisa verificou também o que, na opinião dos entrevistados, são os principais problemas nos portos citados da região nordeste. Em Aratu (BA), a janela de atracação de navios foi o principal gargalo apontado. Em Fortaleza (CE), o acesso rodoviário, o calado, a infraestrutura de armazenagem, os problemas com avarias, a tarifa e os equipamentos são os entraves do complexo. O porto de Salvador (BA), na visão dos embarcadores, possui grandes problemas de acesso rodoviário. Suape, no estado de Pernambuco, apresenta problemas na janela de atracação de navios e com a baixa frequência deles. A transposição do rio São Francisco é um projeto de deslocamento de parte das águas do rio São Francisco, nomeado pelo governo brasileiro como “Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”. O projeto representa um empreendimento do governo federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional – MIN.
A obra prevê a construção de mais de 700 km de canais de concreto em dois grandes eixos (norte e leste) ao longo do território de quatro Estados consorciados nordestinos, respectivamente: Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte para a condução programática de desvio das águas do rio. Ao longo do caminho, o projeto prevê a construção de nove estações de bombeamento de água. Mais tarde aventou a possibilidade do chamado eixo sul, abrangendo a Bahia e Sergipe e eixo oeste, no Piauí. Orçado em R$ 8,5 bilhões, o projeto regionalista, teoricamente, irrigará a região nordeste e semiárida do Brasil. O principal argumento da polêmica desenvolvimentista dá-se, sobretudo pela destinação do uso da água: os analistas críticos do projeto alegam que a água será retirada de regiões onde a demanda por água para uso humano e dessedentação animal é maior que a demanda na região de destino e que a finalidade última da transposição é disponibilizar água para a agroindústria e a carcinicultura. Contudo, apesar da controvérsia, tais finalidades são ordenadas como sendo positivas no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) em razão da superficial e inconsequente geração de emprego e renda. Iniciada em 2007, a conclusão da transposição estava planejada para 2012, mas atrasos mudaram a data prevista para o calendário eleitoral de 2016.
Bibliografia geral consultada.
 
ARAGÃO, Talita Gabrielle, Transposição das Águas do Rio São Francisco para a Bacia do Rio Paraíba: Uma Avaliação da Sinergia e Sustentabilidade Hídrica utilizando o Modelo de Rede de Fluxo Acquanet. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Campina Grande, 2008; CIRILO, José Almir, Água e Desenvolvimento: Estudo de Caso do Semiárido Brasileiro. Tese Concurso de Professor Titular. Caruaru: Universidade Federal de Pernambuco, 2010; BRASIL, Daniel Rodrigues, O Mar virou Sertão: A Transposição do Rio São Francisco e a Comunidade Quilombola de Santana. Dissertação de Mestrado. Brasília: Universidade de Brasília, 2011; BRITO, Saulo Jackson de Araújo, Trabalhadores Ribeirinhos no Velho Chico: Experiências, memórias e Modos de Vida em são Francisco - MG (1980-2011). Dissertação de Mestrado em História Social. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2012; COSTA, Rafael de Oliveira, Carrancas do São Francisco: O Mistério das Figuras de Proa. Dissertação de Mestrado em História. Montes Claros: Universidade Estadual de Montes Claros, 2014; ASSIS, André Tomé de, A Transposição na Voz dos Diretamente Atingidos em Cabrobró (PE). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Geografia. Departamento de Geografia. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2015; SILVA, Ana Carolina Alguerri Borges da, As Águas do Rio São Francisco: Disputas, Conflitos e Representações do Mundo Rural. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, 2017; entre outros.  
________________

Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Nenhum comentário:

Postar um comentário