Antonio
Carlos da Silva Pinheiro*
Segundo
a definição da Enciclopédia Logos (2009: 334-335), “ética é um adjetivo
substantivado em cuja origem etimológica encontrou dois termos: (éthos) –
costume, uso, maneira (exterior) de proceder - (êthos) – morada habitual,
toca, maneira de ser, caráter”. Ruth Amossy (2005: 10) declara que “os antigos
designavam pelo termo ethos a construção de uma imagem de si destinada a
garantir o sucesso do empreendimento oratório”. Em uma época em que na Grécia
antiga as coisas pareciam serem resolvidas “no grito”, Isócrates, segundo Cruz
(2009: 36), afirmava que “além da qualidade estilística do discurso, objeto de
vários de seus ensinamentos, o elemento central na persuasão é o éthos do
orador, entendido como a reputação deste perante seu grupo social” e acrescenta
“os bons oradores, isto é, os que têm um éthos que os torna dignos de
confiança, são também os que falam com apuro”.
Elisa
Guimarães reitera dizendo que “parte integrante do discurso, o ethos propõe-se
como condição mesma da menor ou maior eficácia dos efeitos decorrentes do
pronunciamento discursivo” e completa afirmando que o mesmo pode ser
considerado “um dos recursos mais poderosos para a obtenção da adesão do
ouvinte”. Assim, o éthos que dar origem a ideia moderna de ética, começa ganhar
forma e força. Como Jaeger bem observa: Nos tempos primitivos, quando ainda não
existia uma compilação de leis nem um pensamento ético sistematizado (exceto
alguns preceitos religiosos e a sabedoria dos provérbios transmitida por via
oral de geração em geração), nada tinha como guia da ação, eficácia igual à do
exemplo (cf. Jaeger, 2001: 57). É justamente sobre a eficácia do exemplo, que o
éthos, cada vez mais, ganha espaço no mundo helênico. Tendo como principal
fonte empírica na construção de sua formação espiritual e educacional, o homem grego
encontra nos poetas antigos a sua principal fonte de conhecimento, como afirmam
Reale e Antiseri (2003: 06) em sua obra “História da Filosofia”, a onde se diz
que “O helenismo inicial buscou alimento espiritual de modo predominante nos
poemas homéricos, ou seja, na Ilíada e na Odisseia” e Jaeger (2001: 98)
acrescenta, afirmando que “O éthos da cultura e da moral aristocrática encontra
na Odisseia o poema da sua vida”.
Figueiredo
(2008: 02) defende que “embora se tenha atribuído a Sócrates o início dessa
reflexão, a primeira apresentação sistemática da Ética encontra-se em
Aristóteles”. Segundo Cruz (2009: 67) é ele, Aristóteles, o “pai” do conceito
de éthos. Para ser mais especifico, é na Retorica de Aristóteles, que Cruz
afirma que podemos encontra a “certidão de nascimento” do éthos: Os argumentos
inerentes ao discurso são de três espécies: alguns residem no caráter moral
[éthos] do orador; outros na disposição do auditório [pathos] e outros, enfim,
no discurso propriamente dito [logos], quando este é demonstrativo ou parece
sê-lo. É o caráter moral (do orador) que conduz à persuasão, quando o discurso
é constituído de tal maneira que inspira confiança no orador [...] É preciso,
aliás, que tal resultado seja obtido pela força do discurso e não apenas por
uma predisposição do auditório favorável ao orador. Não é exato dizer que [...]
a probidade do orador não contribui em nada para conduzir à persuasão, mas, [ao
contrário], é ao caráter moral que o discurso deve seu maior poder de
persuasão. [...] Enfim, é pelo próprio discurso que persuadimos quando
demostramos a verdade ou o que parece sê-lo, segundo as provas apresentadas,
deduzidas uma a uma (cf. Retórica, I, cap. II, IV-VI – grifos nossos).
Cruz
(2009: 68) ainda sintetiza esse conceito, afirmando que o éthos se trata da
“imagem que o enunciador constrói de si no discurso para impressionar o
enunciatário e, assim ganhar sua confiança”, Elisa Guimarães integra declarando
que “é do saber aristotélica a definição do ethos como “imagem de si”
construída no discurso. Para ele, a ponderação, a simplicidade, a sinceridade
são predicados capazes de tecer a confiança no exercício oratório”. Contudo,
vale lembrar que o foco de Aristóteles ao tratar do éthos em suas obras, não
está se referindo a atributos próprios do indivíduo real, como fazia Isócrates,
mas tendo em vista a imagem do personagem criada pelo discurso.
A
funcionalidade do éthos como ferramenta de apoio a retorica, “não se limita
apenas ao mundo helênico e ganha magnificência em Roma na pessoa de Cícero, um
político acostumado, como todo bom orador, a fazer da palavra um instrumento de
seu trabalho. Cruz (2009: 49) explica que [...] ao lado de Cícero, a retórica
alcança a maturidade, afirma sua identidade e vive dias de esplendor”. Cícero
foi adepto das ideias de Aristóteles e foi a elas que ele recorreu na hora de
construí a sua concepção de convencimento, que segundo Cruz, se daria na
confluência entre logos e éthos, que por sua vez, levaria aos ouvintes a um
pathos, que na sua concepção em última análise, era a vontade de Cícero. O
pathos, na concepção de Cícero, é a chave para o convencimento de seus ouvintes.
Nesse caso, o éthos se apresenta como um instrumento de construção do caráter,
ainda que inverossímil, do orador. Como explica Cruz (2009: 53) [...] “para
Cícero o éthos tem as mesmas características e funções que lhe conferia
Aristóteles, mas agora se encontra como que amalgamado ao pathos”, que é a
emoção produzida pelo discurso.
Apesar
de todas essas contribuições, é com Quintiliano, um dos seguidores de Cícero,
que a ideia de éthos irá prevalecer na história. Como explicar Cruz:
“Quintiliano, que foi, digamos, o primeiro retórico oficial da história.
Professor pago pelo Estado, Quintiliano promoveu a recuperação da obra de
Cícero, porém sem segui-la integralmente. O éthos continua a ocupar uma posição
de destaque, porém não mais relacionada à demonstração das emoções que movem o
orador, mas ao conjunto de atributos morais (integridade, coragem),
intelectuais (conhecimento, capacidade de raciocínio) e verbais (eloquência)
que deve possuir aquele que toma a palavra. Para Quintiliano, não é possível falar
bem sem ser probo. Em outras palavras, não é o éthos construído pelo discurso
que convence, mas a reputação do homem público, sua posição pessoal e sua
inserção junto ás instituições que sustentam seu discurso. O éthos equivale,
portanto, a fama do orador e esta é seu melhor argumento para imprimir
autoridade a seu discurso (cf. Cruz, 2009: 55-56).
A
partir dessa concepção, o éthos deixou de ser uma mera fermenta linguística e
tornasse um fator pratico na vida pessoa do indivíduo. Agora, já não há mais espaço
para uma construção verossimilhante de um éthos discursivo de si, mas uma
construção exterior ao discurso que confirme na práxis o discurso de seu
orador. Crise! Está tem sido a palavra mais usada, debatida, questionada, e
propagada nesses últimos dias aqui no Brasil. Minimizada pelos mais otimistas,
alardeada pelos pessimistas e discutida de forma moderada por outros, a palavra
crise, mais do que nunca, tem sido o centro de discussões por todo o país. Com
certeza essa não é a primeira vez que a palavra é usada em nossa pátria, mas
provavelmente, também nunca causou tantas expectativas e controvérsias como na
contemporaneidade.
Enquanto
pesquisadores mais experientes defendem que a crise que o país passa, é
imensamente inferior a outras crises que o Brasil já teve aonde a inflação,
segundo um deles, chegou a ultrapassar a casa dos 80%. Os mais jovens, por sua
vez, defendem que essa é a maior de todas as crises que já enfrentamos. O fato
é que todos possuem argumentos para defenderem suas opiniões. Com tanta
discursão acontecendo em torno desse tema, o debate saiu da sua informalidade e
ganhou espaço principalmente nos meios de comunicação. Uma determinada emissora
de TV decidiu promover uma campanha inteiramente dedicada a busca de soluções
para esse momento tão difícil que o país enfrenta. Intitulado de “Saídas para
crise”, a campanha tem como responsáveis a “Fundação Padre Anchieta [TV
Cultura], a OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo, a Assembleia
Legislativa de São Paulo e pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade
de São Paulo”, segundo dados disponíveis no site Adital.
A
campanha que acontecerá nos dias 27 de agosto e 15 de setembro, procuram
discutir vários temas relacionados a crise no Brasil. Dentre os muitos temas
tratados nos debates um deles nos chamou muito atenção. No debate que aconteceu
no dia 27 de agosto, na emissora já citada, os debatedores discutiam o que
estaria tornando está crise tão proeminente as demais, haja visto, como já
dissemos, esse não seria um tema novo. Em meio as controvérsias, os debatedores
parecem ter chegado ao âmago da questão. Todos parecem acreditar que além dessa
crise está inserida em uma confluência de crises, política e econômica, que se
desdobram não só aqui mais por partes do mundo, o agravante da crise que
enfrentamos parece se encontra em um tema tão antigo quanto a própria crise,
que é, como foi dito no debate, “a crise moral” ou a “crise ética”.
Tendo
em vista que a palavra que dar origem ao conceito hodierno de ética que na
definição de Figueiredo (2008: 03) “o ético compreende, antes de tudo, as
disposições do homem na vida, seu caráter, seus costumes e, naturalmente,
também a sua moral”, é tão antiga quanto a própria ideia de crise. Pretendemos
portanto, fazermos um breve apanhado histórico sobre esse assunto que ganhou
tanta relevância nos dias atuais, buscando no contexto histórico a origem da
palavra, a sua relevância nos vários períodos da história e sua atualidade
pertinente no contexto social em que vivemos. Historicamente, Herrero
explicando como surgiu o éthos contemporâneo, atribui a Kant a maior
contribuição para a formação do novo éthos da sociedade, afirmando que “com ele
chegou-se a proclamar como princípio universal que a liberdade do indivíduo
enquanto tal é a alavanca básica sobre a qual o homem se move e que, portanto,
o homem não pode reconhecer outra autoridade que atente contra essa liberdade.
É o reconhecimento deste princípio universal da liberdade que distingue a
modernidade da Antiguidade” (cf. Herrero, 2004: 151).
Nesse
sentido Tedesco e Rebelatto (2013: 20928) explicam que “a formação do éthos
ocidental constituiu-se nas estruturações das racionalidades nos períodos
antigo, medieval, moderno e contemporâneo”, Aranha e Martins (2013: 174)
completam, afirmando que “até a segunda metade do século XX prevaleceu uma
ética antropocêntrica, pois a ética dizia respeito ao indivíduo e à sua relação
com os demais”. Dessa maneira, muita das vezes a ideia de éthos na modernidade
é restringida a valores morais individuais, que nada tem a ver com o Estado. O
problema de assumir um caráter ético ambivalente como esse, está na falsa ideia
de que, se tratando do indivíduo consequentemente, se tratará da sociedade como
todo, o que é claramente logico, haja vista que a sociedade é formada por
indivíduos, contudo, não é necessariamente verdadeiro, como todo silogismo ilegítimo.
Aranha e Martins (2013: 176) alerta que “um projeto moral desligado de um
projeto político destina-se ao fracasso” e acrescenta afirmando que “os dois
processos caminham juntos, pois formar o ser humano plenamente moral só é
possível na sociedade que também se esforça para ser justa e democrática”.
Podemos
concluir provisoriamente admitindo que diante de um quadro tão caótico em que
vivemos na modernidade, restado de, não só uma, nem duas, mas de uma
confluência de crises, que o éthos apesar de sua origem longínqua no mundo
helênico, sua relevância é de grande importância para os dias de hoje. Diante
da oportunidade que o assunto demonstra, deveríamos dedicar mais atenção para a
sua contemporaneidade. E assim discutirmos quais seriam as melhores formas de
identificarmos alternativas para essa crise do éthos. De caminharmos para uma
sociedade global em que o éthos não seja apenas uma construção
“verossimilhante”, do orador, de si mesmo, mas uma práxis legítima que se
harmoniza com que se é apregoada.
Referencias
bibliográficas.
LOGOS. Coleção
Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Lisboa/São Paulo: Editor Verbo,
1989; ARISTÓTELES, Rhétorique. Tradução Charles Émile Ruelle. Paris: Livre de Poche, 1991;
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario, História da Filosofia: Filosofia Pagã Antiga.
Volume 1. São Paulo: Editora Paulus. 2003; AUBENQUE, Pierre, A Prudência em Aristóteles. São Paulo: Discurso Editorial, 2003; AMOSSY, Ruth, Da Noção Retórica de Ethos à
Análise do Discurso. Imagens de si no Discurso: A Construção do Ethos. São
Paulo: Editor Contexto, pp. 9-28, 2005; FIGUEIREDO, Antônio Macena, Ética:
Origens e Distinção da Moral. In: Saúde, Ética & Justiça, vol. 13, n° 1, 2008;
CRUZ, Dilson Ferreira, “O Éthos dos Romances de Machado de Assis: Uma Leitura
Semiótica”. São Paulo: Nankin. Editora da Universidade de São Paulo, 2009; HERRERO, Francisco Javier, “O Ethos Atual e a Ética. Síntese”. In: Revista de
Filosofia, v.ol. 31, n°. 100, 2010; JAEGER, Werner, Paideia: A Formação do
Homem Grego. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001; PEREIRA, Virgínia
Soares, “Plínio e a Sombra Tutelar de Cícero”. In:
http://www2.dlc.ua.pt/classicos/sombratutelar.pdf; TEDESCO, Anderson Luiz;
REBELATTO, Durlei Maria Bernardon, “A Contemporaneidade do Ethos: Desafios à
Educação”. In: http://educere.bruc.com.br/ANAIS2013/pdf; RIBEIRO, Renato
Janine, “Ética para o Juiz: Entre a Poesia e a Investigação”. In: José Renato
Nalini (Org.), Magistratura e Ética. 1ª edição. São Paulo: Contexto, 2013, pp.
52-59, ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires, Filosofando:
Introdução à Filosofia. 5ª edição São Paulo: Moderna. 2013; GIMBO, Fernando Sepe, Foucault, o Ethos e o Pathos de um Pensamento. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filsoofia e Metodologia das Ciências. Centro de Educação e Ciências Humanas. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2015; entre outros.
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Aluno do curso de bacharelado de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará
(UECE).
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