quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Photographie de Rue, Imagens & Ensaios de Robert Doisneau.

Ubiracy de Souza Braga*

                                                                     “Describir es destruir, sugerir es crear”. Robert Doisneau

   

No ano do centenário de seu nascimento, Robert Doisneau (1912-1994) ganhou Mostra inédita no Brasil (RJ). Originalmente formado em litografia, Doisneau abraçou em 1929 “um novo interesse como fotógrafo autodidata”. Via a fotografia como o meio ideal de registar a vida durante os seus passeios por Paris. A sua carreira como fotógrafo começou em 1934 na fábrica da Renault em Billancourt, onde esteve empregado “como fotógrafo industrial e de publicidade”. Em 1939, decidiu tornar-se “fotojornalista independente”, mas a guerra mundial forçou-o a desistir do sonho de vir a trabalhar por conta própria. Serviu o exército francês em 1940 e daí até ao fim da guerra trabalhou para a Resistência. Mas mesmo assim não desistiu de trabalhar como fotógrafo, fazendo postais para ganhar a vida. Em 1949, Doisneau assinou contrato com a revista Vogue, para a qual trabalhou como fotógrafo em tempo integral até 1952 e, desde então, como independente. Mas não entrou para os anais da fotografia como “fotógrafo de moda”. Tornou-se famoso com a Photographie de Rue, objeto de nosso ensaio. Em inúmeros instantâneos, documentou com humor e empatia a vida social nos subúrbios de Paris. A sua fotografia mais famosa é “Beijo em frente ao Palácio da Câmara Municipal”, que se tornou um ícone “do amor jovem e violento numa grande cidade”. Robert Doisneau nasceu em Gentilly, perto de Paris, em 1912 e morreu em Paris em 1994.

Robert Doisneau nasceu em Gentilly, em 14 de abril de 1912 e faleceu em Paris, em 1º de abril de 1994. Foi um famoso fotógrafo nascido na cidade de Gentilly, Val-de-Marne, na França. Era um apaixonado por fotografias de rua, registrando a vida social das pessoas que viviam em Paris e em seus arredores. Doisneau é reconhecido mundialmente por sua imagem de 1950, Le baiser de l`hôtel de ville (“O Beijo da Prefeitura”), uma fotografia de um casal se beijando em uma movimentada rua parisiense. Ele foi nomeado Chevalier (“Cavaleiro”) da Legião de Honra em 1984 pelo então presidente francês, François Maurice Adrien Marie Mitterrand, nascido em Jarnac, em 26 de outubro de 1916 e falecido em Paris, em 8 de janeiro de 1996.  Foi presidente da França, de 1981 até 1995. Detém atualmente o recorde de longevidade (14 anos) na presidência da República Francesa. Foi o primeiro presidente da República e um dos dois únicos, junto com François Hollande oriundos do partido Socialista. Sob sua presidência foi abolida a pena de morte em 1981. A 29 de Setembro de 1983 recebeu o Grande-Colar da Ordem do Infante D. Henrique e a 28 de outubro de 1987 recebeu o Grande-Colar da Ordem da Liberdade (PT). Seu mandato encerrou-se em maio de 1995, sucedido por Jacques Chirac. Morreu de câncer logo depois, em 8 de janeiro de 1996.

Em janeiro de 1947 assume o ministério dos antigos combatentes, tornando-se o ministro mais jovem da história da França, aos 30 anos. Suas atividades políticas foram marcadas pela oposição à Charles de Gaulle, contra quem concorreu nas eleições presidenciais de 1965, chegando a conseguir um segundo turno, mas saiu derrotado por 55,20% dos votos contra os 44,80%. Em 1974 enfrentou Valéry Giscard d’Estaing nas eleições, perdendo o pleito por 49,19% à 50,81%. Após tentar a presidência em duas ocasiões (1965 e 1974), foi eleito em 1981, sendo o primeiro presidente socialista eleito em seu país. Houve intensa comemoração nas ruas de Paris, na mesma noite do anúncio de sua vitória, em 10 de maio. Foi reeleito em 1988. Em seus dois mandatos, Mitterrand conseguiu abolir a pena de morte, nacionalizar 5 grupos industriais e 39 bancos, estabelecer a aposentadoria aos 60 anos, descriminalizar a homossexualidade, promover o fim do monopólio estatal da radiodifusão, inaugurar o Musée d’Orsay, o Instituto Árabe, a pirâmide do Louvre e a pedra fundamental da Biblioteca Nacional, reforçar a relação franco-alemã, consolidar a Comunidade Europeia e criar a UE com o Tratado de Maastricht em 1992.

 
         
Fotografia do grego φως [fós] (“luz”), e γραφις [grafis] (“estilo”, “pincel”) ou γραφη grafê, significa sociologicamente: “desenhar com luz e contraste”, por definição, “é essencialmente a técnica de criação de imagens por meio de exposição luminosa, fixando-as em uma superfície sensível”. A primeira fotografia reconhecida socialmente remonta ao ano de 1826 e é atribuída ao francês Joseph Nicéphore Niépce. Contudo, compreende-se que a invenção da fotografia não é obra de um só autor. Mas um processo de acúmulo de avanços por parte da interpelação de muitas pessoas, trabalhando, juntas ou em paralelo, ao longo de muitos anos. Se por um lado os princípios fundamentais da fotografia se estabeleceram há décadas e, desde a introdução do filme fotográfico colorido, quase não sofreram mudanças, por outro, os avanços tecnológicos têm sistematicamente possibilitado melhorias na qualidade técnica e visual das imagens produzidas no processo social de produção com a redução de custos, popularizando o uso no mercado da fotografia. A primeira fotografia colorida permanente foi tirada em 1861 pelo físico James Clerk Maxwell. O primeiro filme colorido, o Autocromo, não chegou ao mercado global antes de 1907 e era baseado em pontos tingidos de extrato de batata.  O primeiro filme colorido moderno, o Kodachrome, foi introduzido em 1935 baseado em três emulsões coloridas. A maioria dos filmes coloridos contemporâneos, exceto o Kodachrome, são baseados na tecnologia desenvolvida pela Agfacolor produzida na Alemanha pela companhia Agfa em 1936. O filme colorido instantâneo foi introduzido pela Polaroid em 1963.
 
                              Robert Doisneau, “The Fallen Horse”, Paris, 1942.                                   
            Dessa forma, a fotografia, à medida que se torna uma experiência cada vez mais pessoal, deverá ampliar, através dos diversos perfis de fotógrafos amadores ou profissionais, o já amplo espectro de significado da experiência de se conservar um momento em uma imagem. A fotografia não é a obra final de um único criador. Historicamente diversas pessoas foram agregando conceitos e processos que deram origem à fotografia como a conhecemos nos dias de hoje. O mais antigo destes conceitos foi o da “câmara escura”, descrita pelo napolitano Giovanni Baptista Della Porta, já em 1558, e conhecida por Leonardo da Vinci que a usava, como outros artistas no século XVI para esboçar pinturas. O cientista italiano Angelo Sala, em 1604, percebeu que um composto de prata escurecia ao Sol, supondo que esse efeito fosse produzido pelo calor. Foi então que, Johann Heinrich Schulze fazendo experiências com ácido nítrico, prata e gesso em 1724, determinou que fosse a prata halógena, convertida em prata metálica, e não o calor, que provocava o escurecimento.
Metodologicamente, a primeira fotografia reconhecida é uma imagem produzida em 1826, pelo francês Joseph Nicéphore Niépce, numa placa de estanho coberta com um derivado de petróleo fotossensível chamado “Betume da Judeia”. A imagem foi produzida com uma câmera, sendo exigidas cerca de oito horas de exposição à luz solar. Nièpce chamou o processo de “heliografia”, gravura com a luz do Sol. Paralelamente, outro francês, Daguerre, produzia com uma câmera escura efeitos visuais em um espetáculo denominado “Diorama”. Daguerre e Niépce trocaram correspondência durante alguns anos, vindo finalmente a firmarem sociedade. Após a morte de Nièpce, Daguerre desenvolveu um processo com vapor de mercúrio que reduzia o tempo de revelação de horas para minutos. O processo foi denominado “daguerreotipia”. Daguerre descreveu seu processo à Academia de Ciências e Belas Artes, na França e logo depois requereu a patente do seu invento na Inglaterra. A popularização dos daguerreótipos deu origem às especulações teóricas e práticas sobre a possibilidade do “fim da pintura”, inspirando o Impressionismo. Contudo, lembramos que, em 1840, aos 14 anos, dom Pedro II foi coroado imperador do Brasil. No mesmo ano, conheceu o daguerreotipo, aparelho criado pelo francês Daguerre para registrar imagens.

 Pedro II pode ter sido o primeiro fotógrafo brasileiro: o abade Louis Compte trouxe a novidade de Paris e mostrou-a ao jovem, que, impressionado, logo encomendou o seu. A paixão pela fotografia foi fulminante. Pedro II estava sempre retratando pessoas, paisagens e a realidade da família real. Para exaltar os amantes dessa arte, criou o título de Photographo da Casa Imperial. Entre 1851 e 1889, dezenas de fotógrafos receberam a homenagem. Anos mais tarde, em 1876, resolveu passear mundo afora. Foram 18 meses de viagem, quatro continentes e mais de 100 cidades visitadas. Além dos registros fotográficos próprios, contratou um fotógrafo particular. A coleção do monarca, a essa altura, já tinha 25 mil peças. Em 1889, com a Proclamação da República, dom Pedro II foi expulso do país. Sem mágoas, doou à Biblioteca Nacional seu arquivo, com quase 30 mil fotos. O acervo ficou aparentemente esquecido por mais de 100 anos, pois somente em 1990 os arquivos foram abertos ao público e estão acervados na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
A grande maioria das imagens do Império eram compostas de litogravuras, pinturas, esculturas e aquarelas, a partir, sobretudo do início dos anos 1860, torna-se cada vez mais nítido o predomínio do material fotográfico. A explicação da inovação tecnológica está vinculada de maneira direta a d. Pedro II, que não foi só um incentivador dessa técnica, como se tornou ele próprio um fotógrafo: o primeiro fotógrafo brasileiro, o primeiro soberano-fotógrafo do mundo. O pioneirismo do soberano se evidencia já quando da concessão de seu imperial patrocínio a um fotógrafo, em 8 de março de 1851. Nessa época conferiu o título de Fotógrafos da Casa Imperial a Buvelot & Prat, antecipando-se dois anos à rainha Vitória. Na verdade o colonizador d. Pedro fará da fotografia “o grande instrumento de divulgação de sua imagem: moderna como queria que fosse o reino” (cf. Schwarcz, 2007: 345).
O Jornal do Commércio de 17 de janeiro de 1840 noticia de maneira eufórica a nova técnica:
                   
     Creatures of Dreams, Rue Mouffetard, Paris, 1952.
Finalmente passou do daguerreotipo para cá os mares e a fotografia que até agora só era conhecida no Rio de Janeiro por teoria (...). Hoje de manhã teve lugar na hospedaria Pharoux um ensaio fotográfico tanto mais interessante, quanto é a primeira vez que a nova maravilha se apresenta aos olhos dos brasileiros (...) preciso ver a coisa com seus próprios olhos para se fazer ideia da rapidez e do resultado da operação. Em menos de nove minutos o chafariz do Largo do Paço, a praça do Peixe, o mosteiro São Bento (...) se acharam reproduzidos com tal fidelidade, precisão e minuciosidade, que bem se via que a coisa tinha sido feita pela própria natureza, e quase sem a intervenção do artista” (cf. Schwarcz, 2007: 346).
            O mito da fidedignidade, o fascínio de apreensão do real, que parece se revelar por meio da fotografia, encorar a carga conotativa, sempre presente nessa técnica, que recortava a realidade pelo olho do fotógrafo. Mas de toda maneira, numa era de certezas e de positividades, a fotografia era incorporada à memória individual e coletiva como um exemplo de perfeição da representação do social. Em meio a uma sociedade em boa parte iletrada, sob a égide do trabalho escravo, as suas potencialidades são rapidamente percebidas. Entre nós no Brasil, entre 1840 e 1855, diversas capitais foram visitadas por daguerrreotipistas itinerantes, que também fizeram incursões pelo interior, à procura de clientes na aristocracia rural.  O resultado é revelador da feição peculiar da nobreza brasileira, muitas vezes escondida em seus casarões de fazenda. A foto tornava-se, então, não só símbolo da modernidade como marca de status e de civilização; uma distinção nas mãos de poucos.
Assim, se os usos e funções políticas da fotografia do século XIX tenderam a se expandir, de outro modo dialogaram com o imaginário individual e coletivo, que por meio dela reproduziam imagens e paisagens - como o fez Marc Ferrez a partir da década de 1870. Grandes fotógrafos se consagraram no Brasil, como H. Florence e Victor Frond, ou mais tarde Marc Ferrez, além de uma série de firmas que aqui se instalaram, prometendo maravilhas para essa corte encantada com os avanços europeus. Muitos se fizeram fotografar, contudo nenhuma outra família gastou tanto quanto a Casa Imperial. Era inclusive comum encontrar nos jornais anúncios em que os profissionais expunham sua condição de “fotógrafos da família imperial”, como chamariz para outros clientes. 
O britânico William Fox Talbot, que já efetuava pesquisas com papéis fotossensíveis, ao tomar conhecimento dos avanços de Daguerre, em 1839, decidiu apressar a apresentação de seus trabalhos à Royal Institution e à Royal Society, “procurando garantir os direitos sobre suas invenções”. Talbot desenvolveu um diferente processo denominado “calotipo”, usando folhas de papel cobertas com cloreto de prata, que posteriormente eram colocadas em contato com outro papel, produzindo a imagem positiva. Este processo é muito parecido com o processo fotográfico em uso hoje, pois também produz um negativo que pode ser reutilizado para produzir várias imagens positivas. À época, Hippolyte Bayard também desenvolveu um método de fotografia. Porém, por demorar a anunciá-lo, não pôde mais ser reconhecido como seu inventor.
A fotografia então se popularizou como produto de consumo a partir de 1888. A empresa Kodak abriu as portas com um discurso mercadológico de marketing tornando-a mercadoria que, na definição de Marx, “é a célula econômica da sociedade capitalista”, onde todos podiam tirar suas fotos, sem necessitar de fotógrafos profissionais com a introdução da câmera tipo “caixão” e pelo filme em rolos substituíveis criados por George Eastman. Desde então, o mercado fotográfico tem experimentado uma crescente evolução tecnológica, como o estabelecimento do filme colorido como padrão e o foco automático, ou exposição automática. Essas inovações indubitavelmente facilitam a captação da imagem, melhoram a qualidade de reprodução ou a rapidez do processamento técnico, mas muito pouco foi alterado nos princípios básicos ou essenciais da fotografia.

La Lessive du Marinier. Paris, 1961.

 A grande mudança relativamente recente, produzida a partir do final do século XX, deu-se com o processo de digitalização dos “sistemas fotográficos”. A fotografia digital mudou paradigmas no “mundo da fotografia”, em termos de concepção e execução, minimizando custos, reduzindo etapas, acelerando processos e facilitando a produção, manipulação, armazenamento e transmissão de imagens pelo mundo globalizado. Paradigma para nós é a representação de um padrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial como base de modelo para estudos e pesquisas. No caso técnico-científico serve enquanto aperfeiçoamento da tecnologia de reprodução de imagens digitais e, ipso facto, tem quebrado barreiras de restrição em relação a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme, last but not least e assim, irreversivelmente ampliando o domínio da fotografia digital.
                Para o que nos interessa, Robert Doisneau começou sua carreira como fotógrafo publicitário nas fábricas da Renault. Após ser demitido, em 1939, recebeu um convite do fundador da Agência Rapho, Charles Rado, para trabalhar como “fotógrafo independente”. No entanto, nos anos seguintes, muitos de seus projetos foram interrompidos com a eclosão da Segunda Guerra. Doisneau torna-se, então, membro da Resistência francesa, como soldado e fotógrafo oficial. Grande parte dessas imagens, apresentadas em uma das sessões do livro Paris Doisneau, são flagrantes de personagens anônimos durante a Ocupação e, mais tarde, a Liberação francesas. Após a Guerra, Doisneau retoma seu trabalho na Rapho e realiza projetos para revistas: Vogue Life e Paris Match. Essas e outras cenas, submetidas à uma escolha minuciosa de enquadramentos, denotam o olhar intuitivo e comovente de um flâneur apaixonado pela cidade de Paris. Durante toda a sua trajetória, Robert Doisneau nunca teve receio de compor seu próprio universo, com o único desejo de fixar aquilo que acreditava estar em vias de desaparecer, registrando a lembrança do pequeno teatro fabricado por seu olhar.
Doisneau foi um dos fotógrafos mais populares da França. Era conhecido por sua modéstia e imagens irônicas, misturando as classes sociais das ruas e cafés de Paris. Influenciado pela obra Atget, de Kertész e Cartier Bresson, Doisneau, como veremos adiante, apresentou em mais de vinte livros uma visão encantadora da fragilidade humana e da vida como uma série de momentos calmos e incongruentes. Eugène Atget (1857-1927) foi um fotógrafo francês, hoje tido como um dos mais importantes fotógrafos da história. Passou toda a vida em Paris. Pioneiro, revolucionou a fotografia com seu olhar desviado do ser humano. Fotografava o vazio das ruas parisienses, e objetos inusitados. Ficou órfão ainda criança e foi criado e educado por um tio. Tornou-se marinheiro, viajando por rotas americanas. Posteriormente optou pela carreira de ator. Foi estudar em um conservatório em 1879, deixando-o em 1881 e partindo com uma pobre companhia de teatro que atuava nas redondezas e subúrbios de Paris.
Atuou em papéis insignificantes e desiludiu-se com a profissão. Em 1889 dedicou-se a pintura e acabou desenvolvendo tal capacidade de observador que se tornou fotógrafo aos 40 anos de idade. Inovador foi o precursor da fotografia moderna em Paris. Especializou-se em vistas cotidianas e postais parisienses, pois conhecia cada canto de sua cidade natal. Reproduzia quadros e fornecia material de referência para seus colegas pintores. No entanto, se A câmara clara pode ser lida como outra “Pequena história da fotografia”, isso se deve também, segundo Batchen, ao que ela significa em seu momento. De fato, quando foi escrito, no final de 1979, a fotografia já estava institucionalizada como objeto histórico e prática profissional, e o livro de Barthes soou como último testemunho que “associam intimamente a fotografia à história, e as suas pequenas histórias como a sua própria experiência de fotografias reais, como se o destino de uma dependesse da forma da outra”. Nesta perspectiva, Barthes acaba por condenar o pensamento dialético de Walter Benjamin “na esteira de pensamento de Benjamin, a discursos fotográficos, condenação é plena e inteira”.

Imagem: Le baiser de l`hôtel de ville (Kiss by the Town Hall).

Para esse autor não há nenhuma referência clara ao ensaio de Benjamin. A única referência – e, de maneira explícita – aparece em uma entrevista concedida por Barthes em 1977 e publicada em 1980 em que ele afirma que, entre os raros textos dignos de nota está o de Benjamin. Nada habilita a constatar que ele referendava Pequena História da Fotografia ou, A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica. O seu julgamento a respeito do texto de Benjamin é de que ele é “bom por ser premonitório”. Estas palavras de Barthes parecem, enfim, sugerir que o texto benjaminiano tem, sobretudo, valor histórico. De outro ponto de vista, Barthes inverte a tese. Segundo Benjamin, o anjo da história caminha para trás no futuro, nas vidas por vir, mais do que na morte. Já o caminho escolhido por Barthes para falar de fotografia foi de remontar os escombros do passado: “Impulsionado pelo progresso, ele contempla os escombros de um passado.” 
Elementos que afastam Benjamin de Barthes destacam Jean-Claude Milner que Barthes diz não à história - uma invenção moderna tal como a fotografia - para dizer sim à fotografia como arte técnica que congela o tempo, faz do instante algo infinito: reproduz mecanicamente algo que não poderá mais se reproduzir existencialmente. Este posicionamento barthesiano diante da fotografia vem ao encontro ao pensamento de Walter Benjamin desenvolvido em ensaio célebre: A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica, pois para Barthes o que se inaugura na era da reprodutibilidade técnica – notadamente para o mundo da fotografia - nada altera em relação ao que era considerado como obra de arte até então, visto que, “o que se fotografa não deixa de se tornar o que é - único”. O que se fotografa se torna irrepetível, embora reproduzível ao infinito. Para Barthes a fotografia parece não perder o conceito benjaminiano de “aura”, pois, ela sempre - por mais reproduzida que a fotografia vem a ser - será o registro de um instante único: o escândalo barthesiano em torno de A Câmara Clara.
Enfim, são os textos de Sontag, Sobre fotografia, e de Barthes, A câmara clara, que coroam uma reflexão apurada de interpretação do dispositivo fotográfico como um mecanismo que evoca uma reflexão “sobre a fugacidade da experiência, sobre a morte”, ao notarem claramente a relação da prática fotográfica e da fotografia com a morte. Barthes considera talvez a fotografia uma imagem que produz a morte; Sontag discorre sobre o significado da fotografia na cultura contemporânea, ressaltando aspectos como: o aparelho fotográfico como arma, a prática fotográfica como caçada. Remete a essa ideia de imagem secular, intimamente relacionada à passagem do tempo e ao “fetichismo da mercadoria” de Marx. Lembra Miguel Frade, quando se põe a pensar outro tempo da fotografia: do pioneirismo e do espanto que representava ainda ao olhar o processo para obter uma fotografia. 
Bibliografia geral consultada.

DELEUZE, Gilles, “Qu’est-ce qu’un dispositif?” in Michel Foucault Philosophie. Rencontre Internationale. Paris, 9,10, 11 janvier, 1988. Paris: Seuil, 1989; FREUND, Gisèle, Fotografia e Sociedade. Mafra: Editora Vega, 1995; MIRZOEFF, Nicholas, An Introduction To Visual Culture. Londres: Routledge, 1999; SOUGEZ, Marie-Loup, História da Fotografia. Lisboa: Editora Dinalivro, 2001; GURAN, Milton, Linguagem Fotográfica e Informação. 3ª edição. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho, 2002; TÀPIES, Antoni, A Prática da Arte. Lisboa: Edições Cotovia, 2002; SONTAG, Susan, On Photography. Londres: Penguin Books, 2002; SOUSA, Jorge Pedro, Uma História Crítica do Fotojornalismo Ocidental. Chapecó: Editora Argos, 2004; KOSSOY, Boris, Fotografia e História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003; BARTHES, Roland, A Câmara Clara. Lisboa: Edições 70, 2005; SCHWARCZ, Lilia Moritz, Homens (e a Corte) ao Mar: O Relato de uma Aventura. In: O`NEIL, Thomas, A Vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 2007;  ROUILLÉ, André, A Fotografia entre Documento e Arte Contemporânea. São Paulo: Editora Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, 2009; KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro, “O Imaginário Urbano sobre Fotografia e Morte em Belo Horizonte, MG, nos Anos Finais do Século XX”. In: Varia Hist., Jun. 2006, vol.22, n° 35, pp.100-122; Idem, “Estilos de Vida e Individualidade”. In: Horiz. Antropol., Jun. 2010, vol.16, n° 33, pp.41-53; SOARES, Paula de, Entre o Documental e o Estético: A Fotografia de Guerra de Robert Doisneau. Dissertação de Mestreado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem. Instituto de Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2014; SIMON, Roberta, “Robert Doisneau e as Perversões do Romantismo - Não fotografo o mundo como ele é, mas como eu gostaria que ele fosse”. In: INTERCOM - XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Rio de Janeiro, 4 a 7 de setembro de 2015; entre outros.  

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).         

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