terça-feira, 28 de julho de 2015

Depois de Kids - Consumo Coletivo & Sexo Desenfreado.

Ubiracy de Souza Braga*

O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade”. Karl Mannheim

 

As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Mas a forma como grupos de uma mesma conexão geracional lidam com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Na verdade, inicialmente, a classe médica em geral acaba por marginalizar as ideias de Freud; seu único confidente durante esta época é o médico Wilhelm Fliess. Depois que o pai de Freud falece, em outubro de 1896, segundo as cartas recebidas por Fliess, Freud, naquele período, dedica-se a anotar e analisar seus próprios sonhos, remetendo-os à sua própria infância e, no processo, determinando as raízes de suas próprias neuroses. Tais anotações tornam-se a fonte etnográfica para a obra “A Interpretação dos Sonhos”. 
Durante o curso desta autoanálise, Freud chega à conclusão de que seus próprios problemas eram devidos a uma atração por sua mãe e a uma hostilidade em relação a seu pai. É o que constitui o famoso “complexo de Édipo”, que se torna o “coração”, por assim dizer, na concepção da teoria de Freud sobre a origem da neurose em todos os seus pacientes investigados. Nos primeiros anos do século XX, são publicadas suas obras em que contém suas teses principais: “A Interpretação dos Sonhos” e “A psicopatologia da vida cotidiana”. Freud já não mantinha mais contato nem com Josef Breuer, nem com Wilhelm Fliess. No início, as tiragens das obras não animavam Freud, mas logo médicos de vários lugares: Eugen Bleuler, Carl Jung, Karl Abrahams, Ernest Jones, Sandor Ferenczi, demonstram respaldo às suas ideias e passam a compor o “Movimento Psicanalítico”. O filme Kids é o drama norte-americano de 1994, escrito por Harmony Korine, dirigido por Larry Clark e produzido pelo cineasta Gus Van Sant. Apresenta Chloë Sevigny, Leo Fitzpatrick, Justin Pierce e Rosario Dawson. O filme tem como escopo um dia na vida de um grupo de jovens ditos sexualmente ativos de Nova Iorque. Demonstra seu comportamento diante do consumo de sexo e drogas em meados dos anos 1990. 
O filme tem como protagonista um skatista em busca de sexo e drogas. Nova York serve como representação de cenário irradiado do conturbado mundo dos adolescentes. Que indiscriminadamente consomem drogas e quase nunca praticam sexo de forma segura. Um garoto, que idealiza seu deseja só transar com virgens. E uma jovem, que só teve um parceiro, mas é soropositivo. Este arquétipo serve de base para as tramas paralelas e bem articuladas que ilustram, como em qualquer ser humano, que poderá prejudicar seriamente sua vida se não estiver bem orientado sexualmente. Mas isto é, pela má utilização da informação global (quase) impossível! O conceito de archetypus só se aplica indiretamente às noções concietuais de représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consciente. Representam,  hic et nunc, um dado anímico imediato. Como tal, o arquétipo difere sensivelmente da fórmula historicamente elaborada. Especialmente em níveis mais altos dos ensinamentos secretos, aparecem sob uma forma que revela seguramente a influência da elaboração consciente, a qual julga e avalia. Sua manifestação imediata, como a encontramos em sonhos e visões, é mais individual, incompreensível e ingênua do que nos mitos. O arquétipo representa, em essência,  um conteúdo inconsciente, que se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta.


Do ponto de vista dos impactos sociais muitas sessões de “Kids” sofreram tentativas de boicote, como ocorrera há décadas com o filme: “Last Tango à Paris”.  Na Grã-Bretanha, onde o Parlamento condenou o filme, era comum ver manifestantes do lado de fora dos cinemas. Nos Estados Unidos, a produção recebeu uma classificação etária de não recomendado para menores de 17 anos - algo particularmente irônico, considerando que “Kids” tinha como uma de suas produtoras a Miramax, na época propriedade da gigante Walt Disney. A controvérsia gerada entre os executivos foi tão grande que o estúdio foi, sob certas condições sociais, forçado a criar uma empresa à parte, a “Shining Excalibur Pictures”, com a finalidade mercadológica de distribuir a obra mundialmente. Em Kids, o próximo filme que vai indignar os guardiões da moralidade americana, as crianças são uma praga. Os adolescentes, muitos ainda no ensino fundamental, não conseguem sobreviver por uma hora sem violar várias dezenas de leis e convenções: eles furtam, bebem, usam drogas, roubam dinheiro, chutam gatos, espancam e talvez assassinem um estranho e se envolvem em uma interminável, caça irracional por sexo, sem camisinha. A solução dificilmente seria aceita hoje. - “Seria impossível fazer esse filme agora”, afirmou Korine ao tablóide Guardian. – “Não teria como ninguém sair impune disso tudo”.

Larry Clark é um cineasta genial. Não é de hoje que o autor de Kids, Another Day in Paradise, ou ainda “Ken Park” fascina e gera polêmica em torno de seus filmes onde aborda a vida dos teens de maneira crua e sem tabus. Do alto de seus 69 anos, Clark esbanja vitalidade e têm os dois pés bem fincados na era digital. Seu último filme, Marfa Girl, que recebeu o grande prêmio da sétima edição do Festival de Roma. Cansado do sistema de distribuição hollywoodiano o diretor decidiu ir direto ao encontro de seu público lá onde ele está, ou seja, na rede internet. – “Os adolescentes passam seu tempo na frente do computador, seja para organizar uma saída ou para paquerar então é lá que o filme estará também”. Filmado na cidade de Marfa, Texas – aquele vilarejo do deserto que tem a “loja-escultura” da Prada – o filme narra a história de amor de Adam, 16 e de sua vizinha Donna, 23. Os conflitos étnicos e sociais entre as comunidades artísticas brancas e hispânicas e a presença constante da polícia de imigração servem de pano de fundo à trama cinematográfica. O Serviço de Imigração e Controle de Aduanas dos Estados Unidos da América (U. S. Immigration and Customs Enforcement - ICE) é uma agência policial subordinada hierarquicamente ao Departamento de Segurança Interna (United States Department of Homeland Security - DHS), responsável por detectar, investigar e corrigir vulnerabilidades relacionadas à fronteiras, infraestrutura, transportes, e economia.

           Em Kids, o cineasta Larry Clark realiza um recorte de geração (cf. Mannheim, 1993; cf. Weller, 2010) em que prevalece a perspectiva do “enclausuramento”. Ao supostamente buscar uma interferência constante do ambiente dentro do filme. Ou, ao querer simplesmente atualizar o mundo dos jovens. Ou ainda, diante da tensão de um mundo que já existia independentemente dele. Acabou retendo a adolescência nova-iorquina numa tragédia de aniquilamento simultaneamente de dentro e de fora. Os adolescentes de “Kids” não podem ser imaginados como experimentos de laboratório aos quais se dão todos os tipos de substância, resultando no imobilismo absoluto e, em última análise, na morte precoce. Enquanto a maioria dos adultos está indiferente a essa questão, tema nevrálgico da modernidade – o sexo, o cineasta se põe dentro dela. Deixa-se envolver com fascínio e preocupação. Os personagens de “Kids” consomem drogas. Participam de orgias para preencher um tempo que, na modernidade vagueia livre. 
         O filme tem o mérito de um “engagement”, sem fatalismo, sem estratégia de choque. Mas utilizando uma linguagem realista, o filme abre o cenário cinematográfico com Telly, um Don Juan pálido e esquelético, deflorando uma adolescente, e termina com um estupro embalado por drogas em uma festa. Não existe julgamento moral, apenas um olhar que observa à distância. Para Sigmund Freud (1972) e Claude Lévi-Strauss (1962), o tabu expressara um sentimento coletivo sobre um determinado comportamento dicotômico, num ambiente entre amigos, de um lado, e inimigos, do outro, funcionando de uma forma articulada entre dois condicionamentos comportamentais - biológico e cultural ou vice-versa. Assim o tabu seria expresso de forma diferente das regras sociais, que são uma construção cultural típica de sociedades mais complexas. Os tabus da linguagem dividem-se em três grupos, de acordo com o uso ou a motivação psicológica: uns são devido ao medo, outros a um sentimento de delicadeza e outros, ainda, a um sentido de decência e decoro. Os tabus de medo têm a ver com o pavor aos seres sobrenaturais, que impuseram tabus sobre seus nomes, como o demônio. As criaturas e as coisas vulgares dotadas de qualidades sobrenaturais podem tornar-se alvo de terror e tabus.
Analogamente quando o filme: Le Dernier Tango à Paris estreou nos Estados Unidos da América em 1975 foi diante de uma enorme controvérsia. O frenesi da imprensa populista em torno dele gerou enorme interesse do público (cf. Aslan, 2010), assim como grande condenação moral, típica de norte-americanos, levando a reportagens de capa nas duas maiores revistas semanais do país. A revista “Time” – que colocou o ator Marlon Brando na capa: “Last Tango in Paris Cover Story” – e “Newsweek” – “Tango: The Hottest Movie” em 12 de fevereiro, 1973. O Village Voice descreveu “passeatas de comitês de moralidade na porta de cinemas” e “mulheres bem vestidas vomitando” (cf. “Last Tango in Paris: Can it arouse the same passions now?”. In: “The Independent”). Vincent Canby, crítico do jornal “The New York Times”, descreveu o contexto sexual do filme como “a expressão artística da era de Norman Mailer”. O principal centro do escândalo foram às cenas de sexo anal, onde “Paul” sodomiza “Jeannie”, com manteiga “como lubrificante”. E quando pede a ela “que enfie os dedos em seu cu”, ou, “prometa fazer sexo com um porco”, provando sua devoção. 

A prestigiada crítica de arte Pauline Kael, da revista The New Yorker, deu ao filme um dos mais entusiásticos endossos de sua carreira profissional, considerando que ele tinha “mudado a face de uma forma de arte, um filme que as pessoas esperam por ele há muito, muito tempo, desde que filmes existem”. Seu elogio, vindo de alguém tão comedida neles e com tanto prestígio na chamada indústria cultural, foi republicado pela United Artists num anúncio do filme em página dupla na edição dominical do New York Times. Na versão que foi mostrada na pré-estreia mundial, no Festival de Cinema de Nova York, havia uma cena em que Paul afugentava de seu apartamento um vendedor de bíblias, colocando-se de quatro e latindo como um cachorro. A cena foi elogiada pela crítica de cinema Pauline Kael na revista New Yorker, mas Bertolucci decidiu cortá-la da edição final. 
Uma semana depois “a polícia confiscou todas as cópias por ordem da Justiça e Bernardo Bertolucci foi processado por obscenidade”. Robert Altman assistiu declarou que saiu da sala de projeção e disse a si próprio: - “Quem vai se preocupar se eu fizer um novo filme? Minha vida pessoal e artística nunca mais será a mesma”. A década de 1990 começou com o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, sendo esses seguidos pela consolidação da democracia, globalização e capitalismo global. Fatos marcantes para a década foram a Guerra do Golfo e a popularização do computador pessoal e da Internet. Otimismo e esperança seguiram o colapso do Comunismo, mas os efeitos colaterais do fim da Guerra Fria estavam só começando, como o advento terrorista em regiões do 3° Mundo, especialmente na Ásia. O 1° Mundo experimentou crescimento econômico estável durante toda a década. O Reino Unido, depois de uma recessão em 1991-92 e a desvalorização da libra, conseguiu 51 bimestres seguidos de crescimento que se seguiram no novo século. 
Até nações com menor representatividade no mercado econômico mundial, como a Malásia, tiveram aperfeiçoamentos gigantescos. Mas deve-se notar que a economia dos Estados Unidos da América permaneceu relativamente, sem crescimento econômico superavitário durante a primeira metade da década. Contudo, dependendo do ponto de vista, muitos países, instituições, companhias e organizações consideraram os anos 1990 como tempos prósperos. Politicamente, foram anos de democracia expansiva. Os antigos países do Pacto de Varsóvia logo saíram de regimes autoritários para governos recentemente eleitos. Ocorreu com países economicamente em desenvolvimento como Taiwan, Chile, África do Sul e Indonésia. Apesar da prosperidade e democracia, houve um lado maléfico significativo. Na África, o aumento nos casos de doenças sexualmente transmissíveis e inúmeras guerras levaram á diminuição da expectativa de vida interrompendo o crescimento econômico. Em ex-nações soviéticas com a queda do socialismo Leste europeu, houve fuga de capital e o Produto Interno Bruto (PIB) decrescente. Crises financeiras denominadas para países “em desenvolvimento”, permanecem e foram comuns depois de 1994, disseminados pela globalização.
E eventos trágicos como as guerras dos Bálcãs, genocídio de Ruanda, a Batalha de Mogadíscio e a 1ª guerra norte-americana do Golfo Pérsico, assim como a demanda e propaganda contra o terrorismo, levou ao choque de Estado”, para se referirem aos militares norte-americanos contra civilizações Iraque, Irã etc. Mas esses fatos sociais e políticos foram apenas rememorados com relevância na década de 2000. A cultura jovem aceitou o “Grunge” como mídia. Passou a ser diversificada se ramificando em “tribos” num universo social muito diverso do que decorreram desde o superficialismo e consumismo até a militância ambientalista e antiglobalizante dos dias atuais. A expressão nas roupas e através de tatuagens e “piercings” também fora marcante, bem como o consumo de drogas com o surgimento do “ecstasy” ligado a cultura de música eletrônica o aumento no consumo de maconha na classe média em geral. O jovem se viu envolvido cada vez mais com sexo precoce. Foi vitima do aumento da violência e descaso de políticas públicas nas esferas  sobre juventude nos centros urbanos.

O grunge tornou-se comercialmente bem-sucedido na primeira metade da década de 1990, devido principalmente aos lançamentos das célebres “Nevermind”, do Nirvana e “Tem”, do Pearl Jam. O termo grunge – que em seu sentido original significa “sujeira” ou “imundície” em inglês – descreve tanto o estilo visual do cabelo desgrenhado, roupas velhas e folgadas de bandas e fãs, quanto o som saturado e distorcido das guitarras que dão o tom agressivo as músicas. O sucesso dessas bandas impulsionou a popularidade do chamado rock alternativo e fez do “grunge” seu estilo musical e a forma mais popular de “hard rock” neste período de viragem estética e musical. No entanto, muitas bandas “grunges” estavam desconfortáveis com tal popularidade. Apesar de a maioria das bandas “grunges” ter se separado ou desaparecido no final da década de 1990, sua influência continua a afetar o rock contemporâneo. A popularidade do “grunge” começaria a diminuir em meados de 1990. Das grandes bandas que deram vida ao movimento musical, só estão ativas em 2013: “Alice in Chains”, “Mudhoney”, “Soundgarden”, “The Melvins” e “Pearl Jam”.
No cinema da década de 1990, o “pop” casa-se com o clássico. A palavra de ordem é diversidade: “O Silêncio dos Inocentes” entra para a história da cultura ao ganhar os cinco principais Óscares; “A Lista de Schindler” emociona de forma chocante multidões de pessoas pelo mundo cosncientizado pelo holocausto; “Forrest Gump”, com o homem diante da guerra e da morte, apresenta um astro definitivo, Tom Hanks; Quentin Tarantino é revelado como um dos grandes gênios da modernidade e muda o rumo dos acontecimentos ao revolucionar com o extraordinário “Pulp Fiction”; “Um Sonho de Liberdade” emociona com uma das mais belas histórias do cinema; e Sharon Stone cruza fatalmente suas pernas na sedução erótica de “Instinto Selvagem”. A plateia se toca e se eletriza com histórias sensíveis, como a representação “The Piano” e “Magnolia”. Tom Hanks ganha duas estatuetas  Óscares consecutivos e Julia Roberts se torna “a musa da década” ao estrelar a saborosa “Pretty Woman”. No Brasil, o cinema é novamente reinventado e “Central do Brasil” conquista a crítica ocidental, vencendo o Festival de Berlim e o Globo de Ouro. A cultura brasileira tornou-se mais valorizada, com a “ressurreição” do cinema e a boa recepção de músicos brasileiros no exterior. O esporte também passou relativamente por bons momentos, com 25 medalhas olímpicas e títulos mundiais no futebol masculino e basquete feminino.
Bibliografia geral consultada.

MÁRQUEZ, Gabriel García, La Increíble y Triste Historia de la Cândida Eréndira y de su Abuela Desalmada. Colombia: DeBols!llo, 1972; DE MARCHI, Luigi, Wilhelm Reich: Biografía de una idea. Barcelona: Península, 1974; REICH, Wilhelm, La Función del Orgasmo. Buenos Aires: Paidós, 1974; Idem, O Combate Sexual da Juventude. 2ª edição. Lisboa: Editor Antídoto, 1978; DELEUZE, Gilles, Cinéma I – l`Image-Mouvement. Paris: Éditions Minuit, 1983; ALBERONI, Francesco, O Erotismo, Fantasias e Realidades do Amor e da Sedução. São Paulo: Editor Circulo do Livro, 1986; FAUSTO NETO, Antonio, Mortes em Derrapagens – Os Casos Corona e Cazuza. Rio de Janeiro: Editor Rio Fundo, 1991; MANNHEIM, Karl, “El Problema de las Generaciones”. In: Revista Española de Investigaciones Sociológicas, n° 62, pp. 193-242; 1993; BARROS, Myriam Moraes Lins de (Organizadora), Velhice ou Terceira Idade? Estudos Antropológicos sobre Identidade, Memória e Política. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998; HERNÁNDEZ, Fernando, “¿ De qué Hablamos quando Hablamos de Cultura Visual?”. In: Educação & Realidade, 30 (2): 9-34, jul./dez. 2005; ASLAN, Odette, O Ator no Século XX. São Paulo: Editora Perspectiva, 2010; WELLER, Wivian, “A Atualidade do Conceito de Gerações de Karl Mannheim”. In: Soc. estado. Vol. 25 n° 2. Brasília May/Aug. 2010; BENTES, Arone do Nascimento, O Patrimonialismo como Cultura Institucional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas.  Tese de Doutorado em Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2015; KLOTZ-SILVA, Juliana, Hábitos Alimentares e Comportamento: Do que Estamos Falando? Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Alimentação, Nutrição e Saúde. Centro Biomédico. Instituto de Nutrição. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Antônio Abujamra - Arte, Televisão & Fabuloso Cético.

Ubiracy de Souza Braga*

         Para um artista, o fracasso e o sucesso são iguais. Os dois são impostores”. Antônio Abujamra


            O sentido de fabuloso comparativamente ao sentido artístico, filosófico, estético e jornalístico de Antônio Abujamra pode ser compreendido ao romance de Juan Rulfo,  “Pedro Páramo”, adaptado à cena pelo Teatro Meridional, que os escritores do que viria a ser conhecido como “realismo mágico” ou “fantástico” vieram beber inspiração. A história passa-se numa aldeia fantasma, na cercania da fazenda da Meia-lua, num território do México oitocentista dominado por quatro gerações de Páramos. Juan Preciado vem em busca do pai, Dom Pedro, mas encontra apenas morte, de lugares algures no túmulo que nos é narrada. A obra mistura magia e realidade, mortos e vivos convivendo entre si. Pesadelos, delírios, memórias, vozes do além, os fragmentos não se distinguem claramente, nem se separam bem dos pensamentos do leitor, tal é o poder de sugestão de Juan Rulfo que, narrados, misturam-se nos sonhos de quem os lê. Por ironia do destino, no programa “Provocações”, Abujamra sempre perguntava ao entrevistado como gostaria de morrer, ante as respostas repetidas vezes “em casa, dormindo”.
Em primeiro lugar, talvez tenham sido os desafios característicos de uma época da história que transformaram a cultura da América Latina em um vasto arsenal de fatos surpreendentes, insólitos, brutais, incríveis, encantados; isto é, “uma profusão de fantasias, maravilhas e barroquismos”. Os impasses e as façanhas de uma época permitem reler o passado e o presente. É como se um novo horizonte iluminasse de repente todo o vasto mural da história, revelando fatos e feitos que adquire outro movimento, som, cor. O romancista pode ser um cronista “fora do tempo”, narrando o imaginado e o acontecido segundo a luz que o ilumina. Ele pode representar “um estilo de olhar” quando o realismo mágico é “superação do realismo social, crítico”. Tem sido visto como um estilo novo.

Poema: “Tabacaria”, de Fernando Pessoa por Antônio Abujamra, no Programa “Provocações”.

Emerge de uma época em que ele estaria esgotado, ou revelando limitações. A fabulação do artista, então, cria outros meios de expressão, abre horizontes novos à imaginação. Entre as soluções formais mais frequentes, podem-se citar: a desintegração da lógica linear de consecução e de consequência do relato, através de cortes na cronologia fabular, da multiplicação e simultaneidade dos espaços da ação; caracterização polissêmica dos personagens e atenuação da qualificação diferencial do herói; maior dinamismo nas relações entre o narrador e o narratário, o relato e o discurso, através da diversidade das localizações, da auto-referencialidade e do questionamento da instância produtora da ficção. Muitos reconhecem que a transição do realismo social ao mágico ocorre simultaneamente à redescoberta das culturas de índios e negros. São crenças, tradições, estórias, lendas e mitos que expressam outras formas de ser, outros sentidos da vida e trabalho, do tempo e espaço.
Em segundo lugar, o ceticismo científico tem relação com o ceticismo filosófico, mas eles não são idênticos. Muitos praticantes do ceticismo científico não são adeptos do ceticismo filosófico clássico. Quando críticos de controvérsias científicas, terapias alternativas ou paranormalidades são ditos céticos, isto se refere apenas à postura cética científica adotada. O termo cético é usado atualmente para se referir a uma pessoa que tem uma posição crítica em determinada situação, geralmente por empregar princípios do pensamento crítico e métodos científicos, melhor dizendo, o ceticismo científico para verificar a validade de ideias. Os céticos veem a evidência empírica como importante, já que ela provê provavelmente o melhor modo de se determinar a validade de uma ideia. Apesar de o ceticismo envolver o uso do método científico e do pensamento crítico, isto não necessariamente significa que os céticos usem estas ferramentas constantemente.


Os céticos são frequentemente confundidos com, ou até mesmo apontados como, cínicos. Porém, o criticismo cético válido em oposição a dúvidas arbitrárias ou subjetivas sobre uma ideia, origina-se, contudo, de um exame objetivo e metodológico que geralmente é consenso entre os céticos. Note também que o cinismo é geralmente tido como um ponto de vista que mantém uma atitude negativa desnecessária acerca dos motivos humanos e da sinceridade. Apesar de as duas posições não serem mutuamente exclusivas, céticos também podem ser cínicos. Cada um deles representa uma afirmação fundamentalmente diferente sobre a natureza do mundo. De outra parte, os céticos científicos constantemente recebem também, acusações de terem a “mente fechada” ou de inibirem o progresso científico. Isto ocorre devido às suas exigências de evidências cientificamente válidas. Os céticos, por sua vez, argumentam que tais críticas são, em sua maioria, provenientes de adeptos de disciplinas pseudocientíficas, cujas visões de mundo não são adotadas ou suportadas pela ciência ocidental convencional.
Contudo, a ciência moderna é construída “sob um pé limiar”, talvez, entre o ceticismo e a credulidade. Por um lado, a ciência deve estar sempre aberta a novas ideias, desde que apoiadas em evidências científicas, mas que posteriormente devem ser comprovadas, de modo a assegurar a veracidade de seus resultados. Sempre que uma nova hipótese é formulada ou uma nova alegação é realizada, toda a chamada “comunidade científica” se mobiliza de modo a comprovar sua viabilidade teórica e prática. Como em qualquer outro plano, quanto mais incomuns forem às novas ideias e invenções, mais resistência tende a enfrentar durante seu escrutínio por meio do método científico. Uma consequência disso é que vários cientistas através da história, ao apresentarem suas ideias, foram inicialmente recebidos com alegações de fraude por colegas que não desejavam ou não eram capazes de aceitar algo que requereria uma mudança em seus pontos de vista estabelecidos como pontos de vistas.
Antônio Abujamra estudou filosofia e jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS-, onde iniciou sua carreira como ator, em meados dos anos 1950, na peça “Assim é se lhe parece”, de Pirandello, no Teatro Universitário de Porto Alegre. A estreia profissional ocorreu em 1961, ano em que dirigiu “Raízes”, de Arnold Wesker, com Cacilda Becker. No mesmo ano, dirigiu a peça “José de Parto à Sepultura”, de Augusto Boal, no Teatro Oficina. Como diretor, foi um dos principais da original TV Tupi e, como ator, teve atuação destacada. Na década de 1980, engaja-se na recuperação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com destaque para “Os Órfãos de Jânio”, de Millôr Fernandes, e “Hamletto”, de Giovanni Testori, sendo esta dirigida por ele no TBC e em Nova York, para o Theatre for the New City. Participa da revolução cênica efetivada nas décadas de 1960 e 1970, caracterizando seu trabalho artístico pela ousadia, inventividade e espírito provocativo.
Nas décadas de 1980 e 1990, desenvolve espetáculos em que crítica e lúdico se fundem num ceticismo bem-humorado, que é o eixo de sua personalidade. Como Diretor em TV (1968-1997), como ator (1967-2-011), no cinema (1989-2012). Entre seus trabalhos em teatro encontram-se “Volpone”, de Ben Johnson; “Hair”, de Gerome Ragni e James Rado; “A secreta obscenidade de cada dia”, de Manuel Antonio de la Parra; “Retrato de Gertrude Stein quando homem”, de sua autoria e “O inferno são os outros”, de Jean-Paul Sartre. Em 1998, esteve na cidade de Monte Carlo, principado de Mônaco, ao lado de celebridades como Claudia Cardinale, Annie Girardot e Yehudi Menuhin, compondo parceria no júri do Festival Mundial de Televisão, com o brilho de ser o único latino-americano convidado. Comandou o programa “Provocações”, da TV Cultura, no ar desde 6 de agosto de 2000, onde adotou um estilo próprio de fazer entrevistas. O último programa foi exibido no feriado do mártir Tiradentes, tendo o Eduardo Sterblitch como convidado. Antônio Abujamra foi quem levou o ator Othon Bastos para a televisão, depois do grande sucesso do ator ao interpretar “Corisco” no filme: “Deus e o diabo na terra do sol”, de Glauber Rocha. Era pai do também ator e músico André Abujamra. As atrizes Clarisse Abujamra e Iara Jamra são suas sobrinhas.
Do ponto de vista técnico-metodológico, forma-se em filosofia e jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, Porto Alegre, em 1957. Inicia-se como crítico teatral e, paralelamente, faz suas primeiras incursões como ator e diretor no Teatro Universitário, entre 1955 e 1958, nas montagens: “O Marinheiro”, de Fernando Pessoa, “À Margem da Vida” e “O Caso das Petúnias”, de Tennessee Williams, “A Cantora Careca” e “A Lição”, de Eugène Ionesco, e Woyzeck, de Georg Büchner. Viaja à Europa, em 1959, como bolsista, estudando língua e literatura espanholas, em Madri. Faz estágio em Villeurbanne, na França, com o diretor Roger Planchon, acompanhando as montagens “Henrique IV”, de William Shakespeare, e “Almas Mortas”, de Nicolas Gogol; e com Jean Villar, em “A Resistível Ascensão de Arturu Ui”, de Bertolt Brecht, no Théâtre National Populaire, TNP, em Paris. Estagia ainda no prestigioso Berliner Ensemble, em Berlim.
Na primeira metade dos anos 1980, Abujamra se engaja no projeto de recuperar artisticamente o Teatro Brasileiro de Comédia - TBC. Inaugura novas salas e implanta um movimento que faz vir à luz alguns novos autores e diretores. Entre seus espetáculos mais significativos no TBC estão: Os Órfãos de Jânio, de Millôr Fernandes, 1981; Hamletto, de Giovanni Testori, 1981, peça que ele dirigirá mais duas vezes: no próprio TBC, 1984, e em Nova York, para o Theatre for the New City, 1986; “Morte Acidental de um Anarquista”, de Dario Fo, 1982; e “A Serpente”, de Nelson Rodrigues, 1984. Um dos maiores sucessos de sua carreira, “Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico”, de Dario Fo, 1984, traz um solo virtuosístico que projeta a atriz Denise Stoklos para uma carreira internacional e é aplaudido em vários festivais fora do Brasil.
Em 1987, encerrado o projeto do TBC, Abujamra dirige, para a Companhia Estável de Repertório - CER, de Antonio Fagundes, a superprodução “Nostradamus”, de Doc Comparato, grande êxito de bilheteria. Enfim, aos 55 anos de idade, Abujamra inicia sua carreira de ator. Em dois anos, atua em duas telenovelas e três peças e é premiado pelo desempenho no monólogo “O Contrabaixo”, de Patrick Süssekind, 1987. No ano seguinte, encena mais uma colaboração com Nicette Bruno e Paulo Goulart, “À Margem da Vida”, de Tennessee Williams. Em 1991, recebe o Prêmio Molière pela direção de “Um Certo Hamlet”, espetáculo de estreia da companhia “Os Fodidos Privilegiados”, fundada por Abujamra para ocupar o Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro. Vale lembrar que “Provocações” é um programa da TV Cultura às terças-feiras às 23h30. Era reprisado nas madrugadas das quintas-feiras às 4h30. Apresentava entrevistas instigantes e provocativas, com ênfase no entrevistado, com intervenções fabulosas de Antônio Abujamra.

O apresentador também lia textos e recitava poemas de pessoas famosas ou não. Além disto, há o quadro de pensamento Vozes das ruas, no qual transeuntes expressavam suas opiniões acerca de diversos assuntos. A trilha sonora de abertura foi elaborada pelo filho de Abujamra, o músico e ator André Abujamra. O programa, que estreou em 6 de agosto de 2000, tem duração média de 25 minutos. Ficou no ar até 28 de abril de 2015 devido a morte de seu apresentador Antônio Abujamra com 82 anos de idade. Dentre seus principais entrevistados estão: Eduardo Sterblitch Rita Cadillac, Ratinho, Eva Wilma, Clóvis Rossi, Clodovil Hernandes, Tom Zé, Juca Kfouri, Mino Carta, Cristiane Torloni, Rubens Ewald Filho, José Celso Martinez Corrêa, Dom Paulo Evaristo Arns, Miguel Arraes, Ariano Suassuna, Silvio de Abreu, Paulo Autran, Norma Bengell, Pitty, Marisa Orth, Luiza Erundina, Mário Bortolotto, Maguila, Paulo Vanzolini, Ziraldo, Agnaldo Timóteo, Caco Barcellos, Luiz Gonzaga Belluzzo, Mônica Iozzi e a atriz e cantora Elza Soares.
Enfim, TV Cultura é uma rede de televisão brasileira com sede em São Paulo, capital do estado homônimo. Emissora de televisão pública e comercial de caráter educativo e cultural, foi fundada em 20 de setembro de 1960 pelos Diários Associados e reinaugurada em 15 de junho de 1969 pela Fundação Padre Anchieta, sediada na capital paulista, gerando programas de televisão educativos que são transmitidos para todo o Brasil via satélite e através de suas afiliadas e retransmissoras em diversas regiões do Brasil. É mantida pela Fundação Padre Anchieta, uma fundação sem fins lucrativos que recebe recursos públicos, através do governo do estado de São Paulo, e privados, através de propagandas, apoios culturais e doações de grandes corporações. No dia 30 de janeiro de 2015, o instituto de pesquisa britânico Populus divulgou que a importante e reveladora notícia que a TV Cultura brasileira “é o segundo canal de maior qualidade do mundo, atrás apenas da BBC One”, o principal canal de televisão da British Broadcasting Corporation no Reino Unido. Foi inaugurado a 2 de novembro de 1936 como BBC Television Service, e foi o primeiro serviço regular de teledifusão considerado tecnologicamente com um alto nível de resolução.
Bibliografia geral consultada.

DUVIGNAULD, Jean, Sociologia do Comediante. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1972; CASTRO, Silva, La Lettera sulla Scoperta del Brasile di Pero Vaz de Caminha. Pádua: Università di Padova, 1984; WEILLER, Maurice, “Para conhecer o pensamento de Montaigne”. In: Ensaios de Montaigne. Brasília: UnB/Hucitec, 2ª edição. Vol. III, 1987, pp. 3-135; MICHALSKI, Yan, “Antônio Abujamra”. In: Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo/CNPq. Rio de Janeiro, 1989; LUIZ, Macksen, “Hamlet para Brasileiro Ver”. In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 16 junho de 1991; PEREIRA, Maria Lúcia, “Quem é esse Diretor?”. In: O Inspetor Geral. Direção de Máximo Gorki; texto Maria Lúcia Pereira. São Paulo, 1994; CAMPOS, Regina Salgado, Ceticismo e Responsabilidade: Gide e Montaigne na obra Crítica de Sérgio Milliet. São Paulo: Editora Annablume, 1996; SANDRONI, Paula, Primeiras Provocações: Antônio Abujamra e o Grupo Decisão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teatro. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2004; HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; EVA, Luiz Antônio Alves, A Figura do Filósofo: Ceticismo e Subjetividade em Montaigne. São Paulo: Edições Loyola, 2007; GINOT, Isabelle; MICHEL, Marcelle, La Danse au XXe Siècle. Paris: Éditions Larousse, 2008; SILVA, Daniel Furtado Simões da, O Ator e o Personagem: Variações e Limites no Teatro Contemporâneo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes. Escola de Belas Artes. Belko Horizonte: Universidade Federal de Minas Grais, 2013; OLIVEIRA, Natássia Duarte Garcia leite, Teatro Dialético em Terras Estranhas - A (In)diferenciação entre Sujeito e Objeto na Formação Cultural. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2013; PINTO, Pedro Arnaldo Henrique Serra, Eu, o Outro e a Nossas Circunstâncias: O Legado de Stanislavski para uma Formação Teatral Eticamente Comprometida. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2013; BENEVIDES, Lourdinete Silva, Abriam-se as Cortinas: A História da Informação Teatral em Aracaju, Sergipe (1960-2000). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Jean Charles - Racismo & Morte Institucional da Scotland Yard.

Ubiracy de Souza Braga*

                      Eles [os políciais] precisavam matar alguém naquele dia”. Patrícia Armani da Silva

          O trabalhador brasileiro Jean Charles de Menezes, de 27 anos, foi morto na estação de Stockwell, no metrô de Londres, em 22 de julho de 2005. Confundido com o terrorista etíope Hussain Osman, um dos autores dos ataques fracassados no dia anterior na capital britânica, o eletricista levou sete tiros na cabeça, disparados pela polícia metropolitana, a Scotland Yard. O crime ocorreu duas semanas depois dos atentados de 7 de julho de 2005 em Londres. Cerca de 30 horas depois da morte do eletricista brasileiro, seu verdadeiro nome e nacionalidade foram divulgados pelas autoridades britânicas, que “admitiram que o eletricista não carregava explosivos”. No dia 27 de julho, o corpo de Jean Charles foi trazido para o Brasil e velado na igreja matriz de Gonzaga, em Minas Gerais, onde mora sua família. Apesar de reconhecer a fatalidade do ocorrido, a polícia britânica defendeu seus subordinados e atribuiu os erros da operação a duvidosos equívocos cometidos pelo brasileiro, como ter fugido ao ver os oficiais e visto vencido. No dia 1º de outubro deste ano, a Justiça britânica deu início ao julgamento do caso, com a Scotland Yard sendo acusada de violar as normas de saúde e segurança, por ter realizado uma operação antiterrorista no metrô sem assegurar na esfera política segurança dos cidadãos. O etíope naturalizado britânico era o homem que a polícia realmente procurava em 22 de julho. Participou da tentativa de explodir bombas em trens do metrô de Londres no dia anterior, e, quando fugiu, deixou para trás uma carteirinha de academia de musculação que levou à polícia ao prédio de apartamentos em Tulse Hill, o mesmo em que morava Jean Charles. Agentes da polícia acabaram confundindo o brasileiro com Hussain. Em meio à comoção pela morte de Jean Charles, o etíope fugiu para Roma, onde morava um irmão. Foi preso dias depois na capital italiana e extraditado para o Reino Unido. Em julho de 2007, Hussain foi condenado a 40 anos de prisão.

Durante o julgamento, ele afirmou ter sido coagido pelos outros comparsas a participar da operação. Ian Blair ficou no centro da tempestade gerada pelas disparidades grosseiras entre a versão oferecida inicialmente pela polícia para as circunstâncias da morte e os fatos que emergiram. O endosso público dado pelo comissário às alegações de que Jean Charles teria tentado escapar dos policiais que o seguiam - na verdade, o brasileiro sequer percebeu ser alvo -, foi particularmente danoso à reputação de Blair. O comissário da Scotland Yard se recusou a aceitar os pedidos para que deixasse o cargo. Mas em 2008, depois de ser atacado publicamente pelo prefeito de Londres, Boris Johnson, viu-se forçado a renunciar. Em 2010, Blair ganhou um título de lorde, uma decisão que gerou protestos da família de Jean Charles. Depois de várias investigações, a Justiça britânica decidiu que nenhum policial seria responsabilizado pela morte. As identidades dos policiais jamais foram divulgadas. Em 2008, um dos homens que atiraram em Jean Charles, identificado apenas como “C12”, prestou depoimento na presença da mãe do brasileiro. Teve dificuldade para controlar suas emoções e mais uma vez disse estar agindo com a informação de que o eletricista mineiro era Hussain. Quatro anos mais tarde, veio à tona que um dos técnicos da equipe britânica de hóquei nas Olimpíadas de Londres, Andy Halliday, era um dos policiais armados que fazia parte da equipe para Stockwell. Mas ele era o “C3”, que não disparou contra o brasileiro. A família entrou com ação na Corte Europeia de Direitos Humanos, na França, para que a polícia seja investigada criminalmente. O processo poderá durar meses a ser analisado pelo tribunal.

        A Scotland Yard é a sede central ou quartel general da Polícia Metropolitana de Londres (Metropolitan Police Service). Popularmente, o termo New Scotland Yard é usado como metonímia para designar a Polícia Metropolitana ou a polícia judiciária de Londres. O nome deriva da sua antiga localização, na Great Kew Scotland Yard, uma rua situada em Whitehall. A exata origem do nome é desconhecida, mas, segundo uma hipótese, no local se encontrava a missão diplomática dos reis da Escócia, antes da União de 1707 entre Inglaterra e Escócia. Outra possibilidade é que, durante a Idade Média, o local pertencesse a um homem chamado Scott, ou ainda que as diligências para a Escócia saíam dessa rua. No século XVII, vários prédios governamentais instalaram-se no local. Os arquitetos Inigo Jones e Christopher Wren também moravam lá. Entre 1649 e 1651, o poeta John Milton viveu lá durante o período republicano da Commonwealth of England, sob o governo de Oliver Cromwell. A Polícia Metropolitana foi constituída em 29 de setembro de 1829, pelo ministro do interior da época, Sir John Peel, mediante a implementação de um ato do Parlamento. Em 1829 a polícia instalou-se no prédio de número 4 da Whitehall Place, na área conhecida como Great Scotland Yard. Em verdade é uma rua do distrito de St. James, em Westminster, Londres, que liga a Northumberland Avenue e Whitehall. É reconhecida como a localização da entrada traseira da sede original do Serviço Metropolitano de Polícia de Londres, com respectivo o nome de Scotland YardO prédio também acabou ficando reconhecido como “Scotland Yard”. 

Em 1890, a sede da Polícia Metropolitana mudou-se para Victoria Embankment, recebendo a denominação New Scotland Yard. O prédio seria ampliado em 1907 e 1940. Desde 1967, a sede da New Scotland Yard está localizada em 10 Broadway, na região administrativa de Westminster, perto do Palácio de Westminster, onde estão instaladas as duas Câmaras do Parlamento do Reino Unido. A Polícia Metropolitana de Londres, também reconhecido como Met é a força responsável pelo policiamento de toda a Grande Londres, com exceção da “Square Mile” - a área da City, que possui sua própria força policial, a City of London Police. A sede da Met fica no prédio da New Scotland Yard, na região administrativa de Westminster. Além da Met e da City of London Police, a Grande Londres conta também com a British Transport Police, responsável pelo policiamento dos sistemas de trem e metrô, a saber: London Underground, Tramlink e Docklands Light Railway. O chefe da Polícia Metropolitana de Londres é o Comissário de Polícia da Metrópole, geralmente chamado de Comissário. O cargo foi ocupado pela primeira vez por Sir Charles Rowan e por Sir Richard Mayne, conjuntamente. Desde 27 de janeiro de 2009, o ocupante do cargo é Sir Paul Stephenson, que sucedeu Sir Ian Blair. Notabilizou-se por seus membros da corporação policial não portarem armas, sendo utilizadas somente em casos especiais.



           Sociologicamente o racismo consiste no preconceito e na discriminação com base em percepções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Muitas vezes toma a forma de ações sociais, práticas ou crenças, ou sistemas políticos que consideram que diferentes raças devem ser classificadas como inerentemente superiores ou inferiores com base em características, habilidades ou qualidades comuns herdadas. Também pode afirmar que os membros de diferentes raças devem ser tratados de forma distinta. Alguns analistas sociais consideram que qualquer suposição de que o comportamento de uma pessoa está ligado à sua categorização racial é inerentemente racista. Não importando se a ação social é intencionalmente prejudicial ou mesmo de intenção pejorativa, porque estereótipos necessariamente subordinam a identidade individual (o sonho) à identidade coletiva de grupo (os mitos, os ritos, os símbolos). Na sociologia e psicologia, algumas definições não incluem apenas as formas conscientemente malignas de discriminação. Entre as formas para definir o racismo está a questão de se incluir aquelas não são intencionais. Como as que revelam preferências ou habilidades dos outros com base em estereótipos raciais, ou formas simbólicas e/ou institucionalizadas de discriminação, como a circulação de estereótipos étnicos pelas mídias sociais. De fato, aparentemente na Scotland Yard, 11% dos 31 mil policiais são de minorias étnicas. Entre a população de Londres, o índice é em torno de 40%. A questão das relações raciais na Scotland Yard é espinhosa, sobretudo depois de, em 1999, um inquérito público sobre a morte de Stephen Lawrence, um adolescente negro assassinado na região leste de Londres, denunciar uma “cultura institucional de racismo na força” pela maneira como agentes lidaram com o caso - foram constatadas falhas nos primeiros socorros a Lawrence e irregularidades na investigação. 

         O Esquadrão Especial para manifestações infiltrou oficiais disfarçados entre grupos ativistas. A polícia não confirma os nomes das famílias que teriam sido contactadas depois das investigações, alegando respeito à privacidade das pessoas. Mas reportagens em alguns órgãos da mídia britânica afirmam que não só a família de Jean Charles, como outras que estavam em campanha por justiça no país também teriam sido espionadas, como a do adolescente assassinado Stephen Lawrence, membros da campanha Justice4Jean, de Cherry Groce, morta em Brixton em 1985 e Rick Reel, morto em um ataque racista em 1997. Embora essas famílias não tenham sido os alvos primários das investigações, as informações colhidas sobre elas acabaram mantidas indevidamente. A ação sobre parentes de Jean Charles teria sido uma das últimas do SDS. Pouco depois, em 2008, quando autoridades do grupo antiterrorismo da Metropolitan Police souberam da existência das operações da unidade especial, o SDS foi desativado. Segundo o Guardian e o Channel 4, a polícia teria contactado algumas dessas famílias, entre elas a de Jean Charles para informá-las sobre a vigilância indevida. Relatório independente da sindicância que está feita sobre a atuação do SDS, divulgado em Londres, faz duras críticas à atuação da polícia, ao apontar “falta de gerenciamento e supervisão de processos e controles em relação à retenção, armazenamento e descarte de investigações da inteligência que continham informações que agora podem ser consideradas ‘instrução colateral’”. O documento, contudo, afirma que não há qualquer crítica em relação aos oficiais que estavam simplesmente desempenhando o papel para o qual foram treinados. Normalmente, durante investigações, a polícia acaba reunindo dados considerados colaterais, que teriam de ser descartados após um certo período. O brasileiro foi confundido com um suposto terrorista que teria participado um dia antes de um ataque frustrado à rede de transportes de Londres. O brasileiro foi morto com 7 tiros. A família foi indenizada em 10 mil libras. A imprensa britânica quer ir à justiça em função das investigações irregulares.      
No dia 22 de julho de 2005, o brasileiro Jean Charles, eletricista, então com 27  anos, foi alvejado com sete (07) tiros na cabeça em um vagão na estação de metrô de Stockwell. A Scotland Yard, polícia metropolitana de Londres, foi considerada culpada pelos erros na ação. No mês passado, a família de Jean Charles entrou com uma ação na Corte Europeia de Direitos Humanos buscando punição para os envolvidos ainda inocentados pela justiça. Em sua versão, a polícia alegou acreditar que Jean Charles fosse Osman Hussain, um imigrante etíope que, na véspera, participara de um atentado terrorista frustrado ao metrô de Londres, no dia 21 de julho, numa ação político-ideológica ligada aos atentados de 7 de julho que deixaram 52 mortos. Segundo a polícia, Hussain vivia no apartamento 21 da Scotia Road, no bairro de Tulse Hill, Jean morava no número 17. A Scotland Yard foi considerada culpada pela Justiça britânica em 2007 pelos erros na operação pagando uma multa de £ 175 mil. Em 2009, chegou a um acordo de indenização com os pais do brasileiro em torno de £ 100 mil, cerca de R$ 286 mil. Vale lembrar que do ponto de vista jurídico nenhum policial membro da corporação ligado à ação política de extermínio foi condenado.
 O diretor da polícia política, Ian Blair, desgastado pelo caso, deixou o cargo em 2008. Dois anos depois, o militar Ian Warwick Blair, virou Lorde, “Baron Blair of Boughton”, após nomeação para uma cadeira na Câmara dos Lordes, a câmara alta do Parlamento britânico. A “House of Lords” representa na esfera política a câmara alta do parlamento do Reino Unido. O parlamento também inclui a Coroa britânica e a Câmara dos Comuns. Além de executar funções legislativas, a Câmara dos Lordes mantinha até 1° de outubro de 2009 alguns poderes judiciais: ela era a mais alta corte de apelação para a maioria dos processos no Reino Unido. Estas funções judiciais não eram executadas por toda a câmara, mas por um grupo com experiência legal reconhecido como “Lordes da Lei”. A Câmara dos Lordes não era a única corte de último recurso no Reino Unido. Em casos especiais, esse papel era cumprido pelo Muito Honorável Conselho Privado de Sua Majestade. O ato da reforma constitucional 2005 transferiu as funções judiciais dos lordes à Corte Suprema do Reino Unido.
         Os detalhes sobre a operação policial que resultou na morte do eletricista brasileiro, a reação de parentes e amigos e o inquérito que apurou a responsabilidade dos órgãos de segurança pública trouxeram à tona vários personagens que hoje estão diretamente identificados com o caso. Jean Charles se transformou num símbolo da luta de Organizações Não-Governamentais - ONGs de direitos humanos que cobram mais responsabilidade da polícia britânica em ações envolvendo o uso de agentes armados. O brasileiro também foi tema de produções artísticas, incluindo um filme sobre sua vida, estrelado por Selton Mello. Jean Charles ganhou ainda um memorial na estação de Stockwell, que virou uma espécie de atração local. A citação mais famosa ao brasileiro foi feita pelo músico Roger Waters, um dos fundadores do grupo de rock progressivo Pink Floyd durante turnê pelo Brasil, em 2012, o músico exibiu fotos no telão e recebeu os pais em um show em Porto Alegre. Que a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes por agentes armados da Polícia Metropolitana de Londres, a Scotland Yard, em 22 de julho, foi causada por uma sucessão de erros, já consta em uma série de investigações. Mas para o ex-superintendente para o distrito de Hackney, Leroy Logan, a tragédia ocorrida na estação de metrô teve também a influência do que ele define como racismo institucionalizado. 
          Leroy Logan, um dos mais graduados oficiais negros que já passaram pela corporação, se refere especificamente a um problema crucial na operação que resultou na morte do brasileiro com sete tiros na cabeça no interior de um trem do metrô na estação de Stockwell: o momento em que agentes da Scotland Yard confundiram o eletricista mineiro com Osman Hussain, um imigrante etíope que, na véspera, participara de um atentado frustrado ao metrô de Londres - uma tentativa de repetir os ataques de 7 de julho, que mataram 56 pessoas e feriram mais de 500 na capital britânica. - “O racismo institucionalizado da polícia ajudou a matar Jean Charles. O erro de identificação que foi cometido jamais teria ocorrido se mais policiais de minorias étnicas fizessem parte da corporação. Sobretudo, dos esquadrões de operações especiais, como os que estavam a cargo da operação em que ele morreu. É muito mais fácil aderir a estereótipos e fazer especulações quando um órgão com tanta responsabilidade como a polícia não está inserido na realidade de sua sociedade. Confundir aquele rapaz com um africano é o maior exemplo disso”, afirma Logan, em entrevista à BBC Brasil. Membro fundador e ex-presidente da Associação de Chefes Negros de Polícia, o britânico, que foi o comandante da operação de segurança de Londres durante as Olimpíadas de 2012, diz ainda que o desequilíbrio na corporação é um obstáculo para que novas mortes de inocentes sejam evitadas. - “Uma polícia que não representa a comunidade em que opera vai ter menos condições de acumular inteligência e evitar erros”, explica Logan, que é patrono de ONGs de monitoramento de jovens de minorias étnicas e que já foi condecorado pela rainha Elizabeth 2ª por sua militância em prol da igualdade racial.

          É reconhecido socialmente por ser um dos lugares mais pobres e afetados pelo crime urbano de Londres. Apesar disso é um lugar de contrastes consideráveis. O sudoeste do município é adjacente ao centro de Londres e próximo à urbanização de Broadgate. Nesta parte foram instalados alguns escritórios dentro dos limites do município. Também no sudoeste se encontram Hoxton e Shoreditch, peças chave da cena artística de Londres e lugar de numerosos clubes, bares, lojas e restaurantes, muitos dos quais se concentram em Hoxton Square. O desenvolvimento de Shoreditch e Hoxton provocou o aumento do preço do terreno na área, de tal forma que as construtoras buscaram outras partes do município para seu desenvolvimento uebano. A maior parte espacial de Hackney é de caráter urbano e em lugares como Dalston se encontram grandes urbanizações junto a outras urbanizações privadas. Para o ex-superintendente para o distrito de Hackney, Leroy Logan, a tragédia ocorrida na estação de metrô de Stockwell teve também a influência do que ele define como racismo institucionalizado. – “O racismo institucionalizado da polícia ajudou a matar Jean Charles. O erro de identificação que foi cometido jamais teria ocorrido se mais policiais de minorias étnicas fizessem parte da corporação. Sobretudo, dos esquadrões de operações especiais, como os que estavam a cargo da operação em que ele morreu. É muito mais fácil aderir a estereótipos e fazer especulações quando um órgão com tanta responsabilidade da polícia não está inserido na realidade de sua sociedade.
          Confundir aquele rapaz com um africano é o maior exemplo disso”, afirma o ex-policial negro Leroy Logan, em entrevista por telefone à BBC Brasil. Racismo institucional tem como representação social qualquer sistema de desigualdade que se baseia em processos sociais de descriminação de raça ou de etnia que pode ocorrer em instituições tradicionais geralmente como órgãos públicos governamentais, corporações empresariais privadas e universidades públicas ou privadas. O termo historicamente foi introduzido pelos ativistas norte-americanos Stokely Carmichael e Charles V. Hamilton do movimento social Black Power no final de 1960. A definição dada por William Macpherson em seu relatório sobre o assassinato de Stephen Lawrence é “o fracasso coletivo de uma organização em fornecer um serviço adequado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica”. A força do racismo institucional está em capturar as maneiras pelas quais sociedades inteiras, ou seções delas, são afetadas pelo racismo, ou talvez por legados racistas, muito tempo depois dos indivíduos racistas terem desaparecido    
          Membro fundador e ex-presidente da Associação de Chefes Negros de Polícia, o britânico, que foi o comandante da operação de segurança de Londres durante as Olimpíadas de 2012, diz ainda que o desequilíbrio na corporação é um obstáculo para que novas mortes de inocentes sejam evitadas. – “Uma polícia que não representa a comunidade em que opera vai ter menos condições de acumular inteligência e evitar erros”, explica Logan, que é patrono de ONGs de monitoramento de jovens de minorias étnicas e que já foi condecorado pela rainha Elizabeth 2ª por sua militância em prol da igualdade racial. Na Scotland Yard, 11% dos 31 mil policiais são de minorias étnicas. Entre a população de Londres, o índice é de 40%. A questão das relações raciais na Scotland Yard é espinhosa, sobretudo depois de, em 1999, um inquérito público sobre a morte de Stephen Lawrence, um adolescente negro assassinado na região leste de Londres, denunciar uma “cultura institucional de racismo na força” pela maneira como agentes lidaram com o caso - foram constatadas falhas nos primeiros socorros a Lawrence e irregularidades na investigação. Em uma entrevista recente para um documentário da BBC, o comissário da Scotland Yard, Bernard Hogan-Howe, admitiu haver alguma justificativa concreta nas acusações de racismo contra a força.
        Logan também demonstra preocupação com o desfecho judicial do caso Jean Charles, em que a Scotland Yard escapou de ações criminais e teve apenas que pagar uma multa por violações à legislação de segurança pública. Na opinião do ex-policial, que se aposentou, em 2013, o resultado reforçou uma cultura de impunidade, apesar de a polícia também ter sido criticada em pontos específicos como versões desencontradas dos fatos apresentados após a morte do brasileiro. – “Houve uma campanha de desinformação e de difamação de Jean Charles. Refiro-me especificamente ao relato de que ele tinha entrado correndo na estação de metrô e pulado as roletas para fugir da perseguição de policiais. É o mesmo padrão que marcou a versão da polícia para a morte de Mark Duggan, seis anos mais tarde”, rebate Logan, aludindo ao caso que, em agosto 2011, foi o estopim para os violentos distúrbios que aterrorizaram Londres. Ao contrário de Jean Charles, Duggan, morto pela polícia, tinha ligações com gangues do norte da capital. Os dois casos resultaram em vereditos sem punições, apesar de depoimentos terem expostos várias irregularidades.            
            Protesto em Londres marca dez anos da morte de Jean CharlesFoi a aparição de Ian Blair que me deu a impressão de que algo errado tinha  acontecido, afirma Logan, pois ele não costumava participar dos comunicados para a imprensa. A versão de que eles demoraram tanto para perceber que tinham matado o homem errado não poderia jamais se sustentar, e foi o que ficou provado. Logan também critica o comando da Scotland Yard pela maneira como lidou administrativamente com seus agentes após reconhecidos os atentados de 7 e 21 de julho. O ex-superintendente acredita que faltou passar tranquilidade para os policiais que atuavam em operações de maior sensibilidade, como a Kratos, criada para lidar com atentados suicidas. – “Sei que era um momento de tensão e emocionalmente forte, mas quando a polícia deixa de agir com frieza, as chances de erro aumentam. Durante o período dos atentados eu conversei várias vezes com os policiais de minha jurisdição para que tivesse calma e respeitassem as pessoas. Mas os policiais de modo geral me pareceram muito tensos, e com o estresse você tende a fazer ainda mais suposições”.
        E suas preconcepções se intensificam, afirma Logan. A expressão Operação Kratos designa um conjunto de táticas desenvolvidas pela Polícia Metropolitana de Londres (conhecida como Met) para lidar com suspeitos de terrorismo suicida. O aspecto mais notável da Operação Kratos é a orientação de atirar na cabeça do suspeito, sem aviso prévio. Foi desenvolvida pouco depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, parcialmente com base em consultas a agências de Israel e do Sri Lanka. Uma equipe da Polícia Metropolitana visitou Israel, Sri Lanka e Rússia, para conhecer a experiência desses países em ataques suicidas. Cientistas do governo britânico também foram consultados. Pouco se sabia sobre essas táticas até que o eletricista brasileiro Jean Charles de Menezes foi morto por engano pela polícia londrina, em 22 de julho de 2005, pouco depois dos ataques ao sistema de transportes de Londres. Conquanto o nome Operação Kratos não tenha mais sido usado pela Polícia Metropolitana, contudo, táticas similares ainda estão sendo aplicadas.            
            Após dez anos da morte do mineiro, no dia 10 de junho, a família de Jean Charles teve sua sua primeira audiência no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, onde contesta a decisão da Justiça britânica de não processar criminalmente os policiais responsáveis pela morte do brasileiro. “Há dez anos nossa família luta por Justiça para Jean, porque nós acreditamos que os policiais deveriam ser responsabilizados pela morte dele", afirmou em comunicado Patricia Armani da Silva, prima de Jean Charles. “Nada poderá trazer Jean de volta, mas esperamos que essa ação possa mudar as leis para que outras famílias não tenham que enfrentar o que passamos”. O caso apresentado na corte de Estrasburgo se baseia no artigo segundo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Ele determina investigações apropriadas de mortes ocorridas nos 28 países da União Europeia. O inquérito público britânico que investigou o caso concluiu erroneamente que nem a Scotland Yard, como instituição, nem os policiais poderiam ser responsabilizados criminalmente pelo incidente. A Scotland Yard, também reconhecida por New Scotland Yard ou Yard é a sede central ou quartel general da Polícia Metropolitana de Londres (Metropolitan Police Service).
            O termo New Scotland Yard é usado como metonímia para designar a Polícia Metropolitana ou a polícia judiciária de Londres. Como vimos, o nome deriva da sua antiga localização, na Great Kew Scotland Yard, uma rua situada em Whitehall. A exata origem do nome é (des)conhecida, mas, segundo uma hipótese, no local se encontrava a missão diplomática dos reis da Escócia, antes da União de 1707 entre Inglaterra e Escócia. Outra possibilidade é que, durante a Idade Média, o local pertencesse a um homem chamado Scott, ou ainda que as diligências para a Escócia mantinham comunicação de saída dessa rua. A Polícia Metropolitana foi constituída em 29 de setembro de 1829, pelo ministro do interior, Sir John Peel, mediante a implementação de um ato do Parlamento. Em 1829 a polícia instalou-se no prédio de número 4 da Whitehall Place, na área reconhecida como Great Scotland Yard. O prédio também acabou ficando reconhecido como “Scotland Yard”. Em 1890, a sede da Polícia Metropolitana mudou-se para Victoria Embankment, recebendo a denominação New Scotland Yard. O prédio seria ampliado em 1907 e 1940. Desde 1967, a sede da New Scotland Yard está localizada em 10 Broadway, na região administrativa de Westminster, perto do Palácio de Westminster, onde estão as Câmaras do Parlamento do Reino Unido. Era considerada a melhor policia do mundo.
          Sistemas de reconhecimento facial vêm sendo implementado ao redor do mundo. Países da Ásia, da Europa e das Américas avançam na utilização desses sistemas nas mais diferentes áreas, que vão desde usos privados a usos públicos em termos de segurança pública, mobilidade urbana e gestão de pessoas. Entretanto, a implementação de tais sistemas não é feita sem muito se questionar a que servem tais softwares. Alguns estudos têm demostrado que os algoritmos, entendidos como um modelo matemático que busca a resolução de um problema específico, que orientam o trabalho de tais sistemas, entregam resultados discriminatórios e racistas, possuindo grandes dificuldades em reconhecer e diferenciar faces negras, especialmente de homens e de mulheres negras. Ipso facto, algumas questões que merecem atenção especialmente na segurança pública. Isso porque há uma incompatibilidade visível entre sistemas e o uso do reconhecimento para identificar suspeitos por crimes em vários países há algum tempo. A discussão se concentra na linha tênue entre os avanços na segurança pública e a restrição da liberdade e da privacidade dos cidadãos. Em meio a isso, sobram dúvidas sobre como os dados são armazenados e qual a eficiência dos sistemas adotados por autoridades. Mesmo sem uma regulação específica para o uso do reconhecimento facial na segurança pública, é possível encontrar vários casos análogos de órgãos de segurança pública que implementam sistemas de segurança para comparar fotos de suspeitos com registros de bancos de dados.

Bibliografia geral consultada.

DUMONT, Louis, Homo Hierarchius. Essai sur le Systeme de Castes. Paris: Éditions Gallimard, 1966; Idem, “Casta, Racismo e Estratificação”. In: Hierarquias em Classe. Organizadora Neuma Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974; DUCROT, Oswald, Dire et ne pas Dire. Paris: Editeur Herman, 1972; MÉSZÁROS, István (compilador), Aspectos de la Historia y Consciência de Clase. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1973; GOFFFMAN, Erving, La Mise en Scene de la Vie Cotidienne. Paris: Éditions Minuit, 1973; PERLMAN, Janice, O Mito da Marginalidade: Favelas e Política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977; CERTEAU, Michel de, Histoire et Psychanalyse entre Science et Fiction. Paris: Éditions Gallimard, 1987; BUCHER, Gérard, La vision et l´énigme: éléments pour une Analytique du logos. Paris: Cerf. 1989; MORIN, Edgard, A Cabeça Bem-Feita: Repensar a Reforma, Reformar o Pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil Editora, 2000; BAYLEY, David, Padrões de Policiamento. São Paulo; Editora da Universidade de São paul, 2001; Idem, Changing the Guard. Developing Democratic Police Abroad. New Yok: Oxford University Press, 2006; BARBUJANI, Guido, A Invenção das Raças. São Paulo: Editor Contexto, 2007; BECKER, Howard, Falando da Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2009; ASSIS, Gláucia de Oliveira, “De Gonzaga para Londres: etnicidade e preconceito na história de Jean Charles de Menezes”. In:  Confluença. Vol 3, 2011, pp. 174-187. Departamento di Língua e Leteratura Straniere Moderne. Università di Bologna; ALMEIDA, Alexandra Cristina Gomes de, Depois de Uma Tragédia: Família e Emigação em Gonzaga, MG. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Centro de Educação e Ciência Humanas. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2011; SANTOS, Tiago Vinicius Andrade de, Racismo Institucional e Violação de Direitos Humanos no Sistema da Segurança Pública: Um Estudo a partir do Estatuto da Igualdade Racial. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; Artigo: “Família quer justiça pela morte de Jean Charles”. In: Diário do Nordeste. Fortaleza, 23 de julho de 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).