quinta-feira, 30 de julho de 2015

Ariano Suassuna - A Técnica Fantástica do Realista Esperançoso.

Ubiracy de Souza Braga*

O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. Ariano Suassuna

                                           

Ariano Suassuna era descendente da família ítalo-brasileira Cavalcanti, que se estabeleceu em Pernambuco com o imigrante florentino Filippo Cavalcanti, morto em Olinda por volta de 1614. Seu sobrenome deriva de um engenho que era propriedade da família Cavalcanti e se chamava “Suassuna”. Nome este que acabou sendo adotado por alguns ancestrais dessa família como apelido no Nordeste do Brasil. Nascido em João Pessoa em 16 de junho de 1927 foi um dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta brasileiro. Idealizador do chamado “Movimento Armorial” e autor de obras como: 1) “Auto da Compadecida”, drama nordestino apresentado em três atos. Contém elementos da literatura de cordel e está inserido no gênero da comédia, se aproximando do barroco católico brasileiro. Trabalha com a linguagem oral e apresenta também o regionalismo através da caracterização do nordeste; 2) “O Romance d`A Pedra do Reino”, é ambientada no começo da 1ª República, ou República das Oligarquias no alvorecer do século XX. É uma obra totalmente passional, dotada de uma paixão fanática, iluminada e beatífica como Antônio Conselheiro de Canudos, e, 3) “Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, foi um preeminente defensor da cultura nordestina.  É inspirado em um episódio ocorrido no século XIX, no município sertanejo de São José do Belmonte, a 470 km do Recife, transformado em lenda em Portugal depois de desaparecer na África com a Batalha de Alcácer-Quibir: sob o domínio espanhol, os portugueses sonhavam com a volta do rei que restituiria a nação tomada à força. O sentimento sebastianista ainda hoje é rememorado em Pernambuco, durante a Cavalgada da Pedra do Reino, por manifestação popular individual e coletiva que acontece anualmente, onde inocentes historicamente foram sacrificados pela volta do rei. 
          

            Formou-se na Faculdade de Direito em 1950 e, no mesmo ano, recebeu o Prêmio Martins Pena pelo “Auto de João da Cruz”, peça inspirada em folhetins da literatura de cordel. Em 1956, Ariano abandonou a advocacia para ser professor de Estética na Universidade Federal de Pernambuco. Desde então, novos trabalhos foram encarados: “O Casamento Suspeitoso”, “O Santo e a Porca”, “O Homem da Vaca”, “O Poder da Fortuna” e “A Pena e a Lei”, essa última premiada dez anos depois no Festival Latino-Americano de Teatro. Em 1957, casa-se com Zélia de Andrade Lima, que lhe deu seis filhos. E esses, por sua vez, lhe deram 13 netos como herdeiros. Em 1959, novamente na companhia do amigo Hermilo Borba Filho, fundou o Teatro Popular do Nordeste. Entre 1958-79, dedicou-se também à prosa de ficção, publicando o “Romance d`A Pedra do Reino”, “Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” (1971) e “História d`O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão” / “Ao Sol da Onça Caetana” (1976), classificados por ele do ponto de vista técnico-metodológico como “romance armorial-popular brasileiro”. Com a bem-sucedida carreira de dramaturgo, Ariano resolveu dedicar-se às aulas de Estética na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em 1976, defendeu a tese de Livre-Docência: “A Onça Castanha” e a “Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a Cultura Brasileira”. Ariano se aposentou como professor em 1994.
Ariano Suassuna iniciou a redação do “Romance d`A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, seu nome completo, em 1958, para concluí-lo somente uma década depois. Quando o autor percebeu o que o levou a escrever o romance: a morte do pai, quando tinha apenas três anos de idade – tragédia pessoal presente na literatura de Suassuna, e a redenção do seu rei – uma reação contra o conceito vigente na época, segundo o qual as forças rurais eram o obscurantismo (o mal) e o urbano o progresso (o bem). A história, baseada na cultura popular nordestina e inspirada na literatura de cordel, nos repentes e nas emboladas, é dedicada ao pai do autor e a mais doze cavaleiros, entre eles Euclides da Cunha, Antônio Conselheiro e José Lins do Rego. Sempre ligado por inteiro à cultura, Ariano iniciou em 1970, na capital de Pernambuco, o chamado “Movimento Armorial”, que visava o desenvolvimento e o reconhecimento das formas de expressão populares tradicionais. 
Todos os atores que se detiveram sobre as características do imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) repararam na imediatez insólita da imagem. A imaginação voa imediatamente no espaço e a flecha imaginada por Zenão perpetua-se para além da contagem do tempo existencial. Esta, por sua vez, faz perfeição essencial dos objetos imaginários, a sua pobreza essencial é uma bem-aventurada ausência de acidente. No domínio da fantástica pura, no sonho (cf. Augé, 1997), os observadores ficaram sempre surpreendidos pela oposição da fulgurância dos sonhos e do lento processo temporal da percepção. A imagem engendra em todos os sentidos, sem se preocupar com as contradições, um luxuriante enxame de imagens. Sobre o pensamento que raciocina do mesmo modo que sobre o pensamento que percepciona pesa ainda mais o caminhar laborioso da existência, enquanto o pensamento que imagina – o real como realidade e a realidade como fantasia - tem consciência de ser satisfeito instantaneamente e arrancado ao encadeamento temporal.                  
Assim, por exemplo, compreende-se mal como é que Henri Bergson assimila esta fulguração onírica ou fantástica à duração concreta, pois que o “desapego” do sonho aparece antes de mais como um “adiamento” do tempo, e nos sonhos e nos delírios o “dado imediato” é a imagem, não a duração, uma vez que o “sentido o tempo” está como que dissolvido na ideia que temos da realidade com a qual consentimos. Decerto o criticismo recusa-se a conceder uma realidade a esse tempo que permanece puramente formal, mas não deixa de ser paradoxalmente verdade que em Immanuel Kant como em Henri Bergson, guardadas as proporções, o tempo possui uma espécie de mais-valia psicológica sobre o espaço. Assim, “dado imediato” para um, ou “condição a priori da generalidade dos fenômenos”, para outro, minimizam o espaço em proveito da intuição da temporalidade.
Assim, a função fantástica pelo se caráter fundamental de imediatez, de pobreza existencial, aparece-nos como incompatível com a assim chamada intuição da duração, com a mediação do devir. A memória seria ato de resistência da duração à matéria puramente espacial e intelectual. A memória e a imagem, do lado da duração e o espírito, opõem-se à inteligência e à matéria, do lado do espaço. Por fim, na célebre exposição à teoria da fabulação, de Henri Bergson, já sem se preocupar com a memória à qual reduz primitivamente a imaginação, faz da ficção o “contrapeso” natural da inteligência,  o vigário do impulso vital e do instinto eclipsado pela inteligência: reação da natureza contra o poder dissolvente da inteligência. É a memória que reabsorve na função fantástica e não o inverso. A memória, longe de ser intuição do tempo, escapa-lhe no triunfo de um tempo “reencontrado”, logo negado. Enfim, a memória pertence de fato ao domínio do fantástico, dado que organiza esteticamente a recordação. A memória, como o imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) erguem-se contra as faces do tempo e assegura ao ser, contra a dissolução o devir, a continuidade da consciência e a possibilidade de regressar, de regredir, para além das necessidades do destino.  A arte favorece o desenvolvimento da criatividade e da intuição, nos levando a inovar e imaginar mais no sentido de resolver os problemas que afligem a humanidade.
         A originalidade da arte, procurando integrar o conhecimento da técnica com os aspectos intuitivos presentes na interação entre o sensorial e o racional permite, mais do que nunca, o atingimento de nossa consciência transpessoal – aquela que vai além de nosso cérebro, ultrapassando os limites de tempo e lugar. A arte é a expressão da própria vida do artista que se manifesta nos sons, nos gestos, na palavra, criando a chamada “magia”. A arte seria, então, o impulso dos seus desejos, de suas necessidades próprias e de sua sociologia emocional. O “Movimento Armorial” surgiu sob a inspiração e direção do prócer Ariano Vilar Suassuna, com a colaboração de um grupo de artistas e escritores da região Nordeste do Brasil. Contando com o apoio institucional do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Teve início no âmbito universitário, mas ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Foi lançado oficialmente, no dia 18 de outubro de 1970, com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas realizados no Pátio de São Pedro, no centro da cidade de Recife, Pernambuco.
A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste (literatura de Cordel), com a Música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares, e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados”.  (cf. Jornal da Semana, 20 de maio de 1975).
            Esta corrente como expressão e forma irradiada de pensamento são marcadas principalmente pela tendência de Suassuna em sintetizar elementos e figuras da cultura do povo nordestino, em particular e obras clássicas da literatura universal. Esta mistura de gostos, gestos  e expressões representa o leitmotiv que inspira o intermitentemente e seus companheiros do Movimento Armorial, criado para fazer face ao massivo domínio dos imperativos culturais estadunidenses no Brasil. A Corrente Armorial está profundamente vinculada em suas características essenciais à produção da literatura de cordel, à moda de viola, a instrumentos como a rabeca, a qual cria a “atmosfera” sonora que sustenta o canto dos músicos que seguem esta idealização da arte. As capas que ilustram seus trabalhos são manufaturadas com a técnica própria da xilogravura de origem chinesa, em que o artesão utiliza um pedaço de madeira para entalhar um desenho, deixando em relevo a parte que pretende fazer a reprodução. Em seguida, utiliza tinta para pintar a parte em relevo do desenho.     
            A arte do “trovadorismo”, proveniente da Península Ibérica, chegou ao chamado  “Novo Mundo”, e floresceu tanto na Américas Espanhola, quanto na Portuguesa. Houve um tipo de literatura popular em verso no México, Chile, Nicarágua e Argentina muito parecida com o folheto nordestino. Até a gravura popular usada para ilustrar os “corridos mexicanos”, e as “folhas soltas” da lira popular chilena, apresentam características parecidas com a brasileira, em particular nordestina, sem falar que muitos dos temas aproveitados pelos autores da literatura de cordel nordestina também foram explorados naqueles países. O que torna o romanceiro bastante singular, porém, é o formato padrão adotado desde os primórdios por Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista e outros importantes poetas-editores. Não domino o tema, mas admiro-o, não pretendendo mais que um olhar, como para uma mulher que meu desejo, se me permitem dizer que é escolhida como ponto de vista. E, segundo Carlos Drummond de Andrade, homenageado com estátua no Rio de Janeiro, foi, “no julgamento do povo, rei da poesia do sertão e do Brasil em estado puro”. 

    É neste sentido que estamos precisando o que significa o termo espaço. O Movimento Armorial deu um impulso significativo à cultura brasileira, permitindo, assim, que ela fosse interpretada dentro e fora do Brasil. Ele não se restringiu ao âmbito cultural, uma vez que estendeu sua influência também ao universo da moda e à esfera comportamental, no sentido psicológico, gerando desde então uma marca cultural existencial típica do final do século XX. Nesta corrente cultural tudo que representa a cultura popular é realmente significativo. Desde as encenações em ruas e praças, com imagens extraídas do contexto mítico, cantares. Influenciando a moda a partir de trajes de príncipes tecidos com farrapos, bichos enigmáticos como o boi e o cavalo-marinho, integrantes do arquétipo “bumba-meu-boi”, incluindo a tradição dos “teatros de bonecos” e outros elementos e artefatos da criatividade cultural nordestina. Neste aspecto, ocupou não só burocraticamente os cargos de secretário de Cultura de Pernambuco e secretário de Assessoria do governador de Estado..
            Ele assumiu a Cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito em 3 de agosto de 1989, na sucessão de Genolino Amado. Desde 1990 ocupa a cadeira número 32 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Araújo Porto Alegre, o Barão de Santo Ângelo (1806-1879). Ele também se tornou membro da Academia Paraibana de Letras em 9 de outubro de 2000. No mesmo ano, Ariano Suassuna ainda se tornou doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sucesso e talento reconhecidos, em 2002, Ariano Suassuna foi tema de enredo no carnaval carioca na escola de samba Império Serrano. Em 2008, foi novamente tema de enredo, desta vez da escola de samba Mancha Verde no carnaval paulista. Em 2006, também ganhou o título de doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, mas que veio a ser entregue apenas em 10 de junho de 2010, às vésperas de completar 83 anos. Em 2011, quando Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, foi reeleito presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro - PSB, Ariano foi eleito presidente de honra do partido. Na oportunidade, declarou que era “um contador de história e que encerraria sua vida política neste cargo”.  Em 2013 sua mais famosa obra, o Auto da Compadecida foi o tema da escola de samba Pérola Negra nos desfiles de escola de samba em São Paulo. Durante o mandato de Eduardo Campos em Pernambuco, Ariano Suassuna foi seu Assessor Especial até abril de 2014.    
Bibliografia geral consultada.

MARQUES, Roberta Ramos, Deslocamentos Armoriais: Da Afirmação Épica do Popular na Nação Castanha de Ariano Suassuna ao Corpo-História do Grupo Grial. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal de Pernambuco, 2008; VOGADO, Eguimar Simões, Metaficção e História Espiral Narrativa de Ariano Suassuna: Leitura Poético-alegórico do Romance Pedra do Reino. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Paulista, 2008; CARDOSO, Maria Inês Pinheiro, Cavalaria e Picaresca no Romance D' A Pedra do Reino de Ariano Suassuna. Tese de Doutorado. Departamento de Letras Modernas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; CARVALHO, Solange Peixe Pinheiro de, As Muitas Faces de uma Pedra: O Universo Lexical da Obra em Prosa de Ariano Suassuna. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.  São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011; BORBA, Romina Quadros, O Arlequim Nordestino: As Personagens-palhaço de Ariano Suassuna. Dissertação Mestrado. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2012; MARQUES, Adeilson de Abreu, O Percurso Místico-Literário. Dissertação de Mestrado.  Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Cultura e Sociedade. São Luís: Universidade Federal do Maranhã, 2014; OLIVEIRA, Anderson Bruno da Silva, A Invenção do Sertão no Romance d`A Pedra do Reino. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2015; COSTA, Luís Adriano Mendes, “As (Des) Continuidades (Pós) Armoriais: Entre o Ser e o Devir”. In: Sociopoética, vol.1, nº 15, 2015; RODRIGUES, Daniella Carneiro Libânio, A Arte Segundo Ariano Suassuna: A Intermidialidade e a Poética Armorial. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Faculdade de Letras. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2015; entre outros.

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*Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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