Ariano Suassuna - A Técnica Fantástica do Realista Esperançoso.
Ubiracy
de Souza Braga*
“O otimista é um
tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”.
Ariano Suassuna
Ariano Suassuna era descendente da família
ítalo-brasileira Cavalcanti, que se estabeleceu em Pernambuco com o imigrante
florentino Filippo Cavalcanti, morto em Olinda por volta de 1614. Seu sobrenome
deriva de um engenho que era propriedade da família Cavalcanti e se chamava
“Suassuna”. Nome este que acabou sendo adotado por alguns ancestrais dessa
família como apelido no Nordeste do Brasil. Nascido em João Pessoa em 16 de
junho de 1927 foi um dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta brasileiro. Idealizador
do chamado “Movimento Armorial” e autor de obras como: 1) “Auto da Compadecida”,
drama nordestino apresentado em três atos. Contém elementos da literatura de
cordel e está inserido no gênero da comédia, se aproximando do barroco católico
brasileiro. Trabalha com a linguagem oral e apresenta também o regionalismo
através da caracterização do nordeste; 2) “O Romance d`A Pedra do Reino”, é
ambientada no começo da 1ª República, ou República das Oligarquias no alvorecer
do século XX. É uma obra totalmente passional, dotada de uma paixão fanática,
iluminada e beatífica como Antônio Conselheiro de Canudos, e, 3)
“Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, foi um preeminente defensor da cultura
nordestina. É inspirado em um episódio
ocorrido no século XIX, no município sertanejo de São José do Belmonte, a 470 km do Recife, transformado em lenda em Portugal depois de desaparecer na
África com a Batalha de Alcácer-Quibir: sob o domínio espanhol, os portugueses
sonhavam com a volta do rei que restituiria a nação tomada à força. O
sentimento sebastianista ainda hoje é rememorado em Pernambuco, durante a
Cavalgada da Pedra do Reino, por manifestação popular individual e coletiva que acontece anualmente,
onde inocentes historicamente foram sacrificados pela volta do rei.
Formou-se
na Faculdade de Direito em 1950 e, no mesmo ano, recebeu o Prêmio Martins Pena
pelo “Auto de João da Cruz”, peça inspirada em folhetins da literatura de
cordel. Em 1956, Ariano abandonou a advocacia para ser professor de Estética na
Universidade Federal de Pernambuco. Desde então, novos trabalhos foram
encarados: “O Casamento Suspeitoso”, “O Santo e a Porca”, “O Homem da Vaca”, “O
Poder da Fortuna” e “A Pena e a Lei”, essa última premiada dez anos depois no Festival Latino-Americano de Teatro. Em
1957, casa-se com Zélia de Andrade Lima, que lhe deu seis filhos. E esses, por
sua vez, lhe deram 13 netos como herdeiros. Em 1959, novamente na companhia do amigo Hermilo
Borba Filho, fundou o Teatro Popular do Nordeste. Entre 1958-79, dedicou-se
também à prosa de ficção, publicando o “Romance d`A Pedra do Reino”, “Príncipe
do Sangue do Vai-e-Volta” (1971) e “História d`O Rei Degolado nas Caatingas do
Sertão” / “Ao Sol da Onça Caetana” (1976), classificados por ele do ponto de vista técnico-metodológico como “romance
armorial-popular brasileiro”. Com a bem-sucedida carreira de
dramaturgo, Ariano resolveu dedicar-se às aulas de Estética na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Em 1976, defendeu a tese de
Livre-Docência: “A Onça Castanha” e a “Ilha Brasil: Uma Reflexão sobre a
Cultura Brasileira”. Ariano se aposentou como professor em 1994.
Ariano Suassuna iniciou a redação do “Romance d`A
Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta”, seu nome completo, em
1958, para concluí-lo somente uma década depois. Quando o autor percebeu o que
o levou a escrever o romance: a morte do pai, quando tinha apenas três anos de
idade – tragédia pessoal presente na literatura de Suassuna, e a redenção do
seu rei – uma reação contra o conceito vigente na época, segundo o qual as
forças rurais eram o obscurantismo (o mal) e o urbano o progresso (o bem). A
história, baseada na cultura popular nordestina e inspirada na literatura de
cordel, nos repentes e nas emboladas, é dedicada ao pai do autor e a mais doze cavaleiros,
entre eles Euclides da Cunha, Antônio Conselheiro e José Lins do Rego. Sempre
ligado por inteiro à cultura, Ariano iniciou em 1970, na capital de
Pernambuco, o chamado “Movimento Armorial”, que visava o desenvolvimento e o reconhecimento
das formas de expressão populares tradicionais.
Todos os atores que se detiveram sobre as
características do imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os
ritos, os símbolos) repararam na imediatez insólita da imagem. A imaginação voa
imediatamente no espaço e a flecha imaginada por Zenão perpetua-se para além da
contagem do tempo existencial. Esta, por sua vez, faz perfeição essencial dos
objetos imaginários, a sua pobreza essencial é uma bem-aventurada ausência de
acidente. No domínio da fantástica pura, no sonho (cf. Augé, 1997), os
observadores ficaram sempre surpreendidos pela oposição da fulgurância dos
sonhos e do lento processo temporal da percepção. A imagem engendra em todos os
sentidos, sem se preocupar com as contradições, um luxuriante enxame de
imagens. Sobre o pensamento que raciocina do mesmo modo que sobre o pensamento
que percepciona pesa ainda mais o caminhar laborioso da existência, enquanto o
pensamento que imagina – o real como realidade e a realidade como fantasia - tem
consciência de ser satisfeito instantaneamente e arrancado ao encadeamento
temporal.
Assim, por exemplo, compreende-se mal como é que Henri
Bergson assimila esta fulguração onírica ou fantástica
à duração concreta, pois que o “desapego” do sonho aparece antes de mais como
um “adiamento” do tempo, e nos sonhos e nos delírios o “dado imediato” é a
imagem, não a duração, uma vez que o “sentido o tempo” está como que dissolvido
na ideia que temos da realidade com a qual consentimos. Decerto o criticismo
recusa-se a conceder uma realidade a esse tempo que permanece puramente formal,
mas não deixa de ser paradoxalmente verdade que em Immanuel Kant como em Henri Bergson,
guardadas as proporções, o tempo possui uma espécie de mais-valia psicológica sobre o
espaço. Assim, “dado imediato” para um, ou “condição a priori da generalidade
dos fenômenos”, para outro, minimizam o espaço em proveito da intuição da
temporalidade.
Assim, a função fantástica pelo se caráter fundamental
de imediatez, de pobreza existencial, aparece-nos como incompatível com a assim
chamada intuição da duração, com a mediação do devir. A memória seria ato de
resistência da duração à matéria puramente espacial e intelectual. A memória e
a imagem, do lado da duração e o espírito, opõem-se à inteligência e à matéria,
do lado do espaço. Por fim, na célebre exposição à teoria da fabulação, de Henri Bergson, já sem se preocupar com a memória à qual reduz primitivamente a
imaginação, faz da ficção o “contrapeso” natural da inteligência, o vigário do impulso vital e do instinto
eclipsado pela inteligência: reação da natureza contra o poder dissolvente da
inteligência. É a memória que reabsorve na função fantástica e não o inverso. A
memória, longe de ser intuição do tempo, escapa-lhe no triunfo de um tempo
“reencontrado”, logo negado. Enfim, a memória pertence de fato ao domínio do
fantástico, dado que organiza esteticamente a recordação. A memória, como o
imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) erguem-se contra as faces do tempo e assegura ao ser, contra a
dissolução o devir, a continuidade da consciência e a possibilidade de
regressar, de regredir, para além das necessidades do destino. A arte favorece o desenvolvimento da criatividade e da intuição, nos levando a inovar e imaginar mais no sentido de resolver os problemas que afligem a humanidade. A originalidade da arte, procurando integrar o conhecimento da técnica com os aspectos intuitivos presentes na interação entre o sensorial e o racional permite, mais do que nunca, o atingimento de nossa consciência transpessoal – aquela que vai além de nosso cérebro, ultrapassando os limites de tempo e lugar. A arte é a expressão da própria vida do artista que se manifesta nos sons, nos gestos, na palavra, criando a chamada “magia”. A arte seria, então, o impulso dos seus desejos, de suas necessidades próprias e de sua sociologia emocional. O “Movimento Armorial” surgiu sob a inspiração e
direção do prócer Ariano Vilar Suassuna, com a colaboração de um grupo de
artistas e escritores da região Nordeste do Brasil. Contando com o apoio institucional
do Departamento de Extensão Cultural da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários
da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Teve início no âmbito
universitário, mas ganhou apoio oficial da Prefeitura do Recife e da Secretaria
de Educação do Estado de Pernambuco. Foi lançado oficialmente, no dia 18 de
outubro de 1970, com a realização de um concerto e uma exposição de artes
plásticas realizados no Pátio de São Pedro, no centro da cidade de Recife,
Pernambuco.
“A Arte Armorial Brasileira é
aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos
folhetos do Romanceiro Popular do Nordeste (literatura de Cordel), com a Música
de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus cantares, e com a xilogravura que
ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos
populares com esse mesmo Romanceiro relacionados”. (cf. Jornal da Semana, 20 de maio de 1975).
Esta
corrente como expressão e forma irradiada de pensamento são marcadas
principalmente pela tendência de Suassuna em sintetizar elementos e figuras da
cultura do povo nordestino, em particular e obras clássicas da literatura
universal. Esta mistura de gostos, gestos e expressões representa o leitmotiv que inspira o intermitentemente e seus companheiros do Movimento Armorial, criado para fazer
face ao massivo domínio dos imperativos culturais estadunidenses no Brasil. A Corrente Armorial está profundamente
vinculada em suas características essenciais à produção da literatura de cordel,
à moda de viola, a instrumentos como a rabeca, a qual cria a “atmosfera” sonora
que sustenta o canto dos músicos que seguem esta idealização da arte. As capas
que ilustram seus trabalhos são manufaturadas com a técnica própria da
xilogravura de origem chinesa, em que o artesão utiliza um pedaço de madeira para entalhar um desenho, deixando em relevo a parte que pretende fazer a reprodução. Em seguida, utiliza tinta para pintar a parte em relevo do desenho.
A
arte do “trovadorismo”, proveniente da Península Ibérica, chegou ao
chamado “Novo Mundo”, e floresceu tanto
na Américas Espanhola, quanto na Portuguesa. Houve um tipo de literatura
popular em verso no México, Chile, Nicarágua e Argentina muito parecida com o folheto
nordestino. Até a gravura popular usada para ilustrar os “corridos mexicanos”,
e as “folhas soltas” da lira popular chilena, apresentam características
parecidas com a brasileira, em particular nordestina, sem falar que muitos dos
temas aproveitados pelos autores da literatura de cordel nordestina também
foram explorados naqueles países. O que torna o romanceiro bastante singular,
porém, é o formato padrão adotado desde os primórdios por Leandro Gomes de
Barros, João Martins de Athayde, Francisco das Chagas Batista e outros
importantes poetas-editores. Não domino o tema, mas admiro-o, não pretendendo
mais que um olhar, como para uma mulher que meu desejo, se me permitem dizer
que é escolhida como ponto de vista. E, segundo Carlos Drummond de Andrade,
homenageado com estátua no Rio de Janeiro, foi, “no julgamento do povo, rei da
poesia do sertão e do Brasil em estado puro”.
É
neste sentido que estamos precisando o que significa o termo espaço. O Movimento Armorial deu um impulso
significativo à cultura brasileira, permitindo, assim, que ela fosse
interpretada dentro e fora do Brasil. Ele não se restringiu ao âmbito cultural,
uma vez que estendeu sua influência também ao universo da moda e à esfera
comportamental, no sentido psicológico, gerando desde então uma marca cultural existencial
típica do final do século XX. Nesta corrente cultural tudo que representa a
cultura popular é realmente significativo. Desde as encenações em ruas e
praças, com imagens extraídas do contexto mítico, cantares. Influenciando a
moda a partir de trajes de príncipes tecidos com farrapos, bichos enigmáticos
como o boi e o cavalo-marinho, integrantes do arquétipo “bumba-meu-boi”,
incluindo a tradição dos “teatros de bonecos” e outros elementos e artefatos da
criatividade cultural nordestina. Neste aspecto, ocupou não só burocraticamente
os cargos de secretário de Cultura de Pernambuco e secretário de
Assessoria do governador de Estado..
Ele
assumiu a Cadeira nº 32 da Academia Brasileira de Letras (ABL), eleito em 3 de
agosto de 1989, na sucessão de Genolino Amado. Desde 1990 ocupa a cadeira
número 32 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Araújo Porto Alegre,
o Barão de Santo Ângelo (1806-1879). Ele também se tornou membro da Academia
Paraibana de Letras em 9 de outubro de 2000. No mesmo ano, Ariano Suassuna ainda se
tornou doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Sucesso
e talento reconhecidos, em 2002, Ariano Suassuna foi tema de enredo no carnaval
carioca na escola de samba Império Serrano. Em 2008, foi novamente tema de
enredo, desta vez da escola de samba ManchaVerde no carnaval paulista. Em
2006, também ganhou o título de doutor
Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, mas que veio a ser
entregue apenas em 10 de junho de 2010, às vésperas de completar 83 anos. Em 2011, quando Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, foi reeleito presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro - PSB, Ariano foi eleito presidente de honra do partido. Na oportunidade, declarou que era “um contador de história e que encerraria sua vida política neste cargo”. Em 2013 sua mais famosa obra, o Auto daCompadecida foi o tema da escola de samba Pérola Negra nos desfiles de escola de samba em São Paulo. Durante o mandato de Eduardo Campos em Pernambuco, Ariano Suassuna foi seu Assessor Especial até abril de 2014.
Bibliografia geral consultada.
MARQUES, Roberta
Ramos, Deslocamentos Armoriais: Da Afirmação Épica do Popular na Nação
Castanha de Ariano Suassuna ao Corpo-História do Grupo Grial. Tese de
Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal de
Pernambuco, 2008; VOGADO, Eguimar Simões, Metaficção e História Espiral
Narrativa de Ariano Suassuna: Leitura Poético-alegórico do Romance Pedra do
Reino. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara:
Universidade Estadual Paulista, 2008; CARDOSO, Maria Inês Pinheiro, Cavalaria
e Picaresca no Romance D' A Pedra do Reino de Ariano Suassuna. Tese
de Doutorado. Departamento de Letras Modernas. Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; CARVALHO, Solange
Peixe Pinheiro de, As Muitas Faces de uma Pedra: O Universo Lexical da Obra
em Prosa de Ariano Suassuna. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação
em Filologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011;
BORBA, Romina Quadros, O Arlequim Nordestino: As Personagens-palhaço de
Ariano Suassuna. Dissertação Mestrado. Instituto de Artes. Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, 2012; MARQUES, Adeilson de Abreu, O
Percurso Místico-Literário. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em
Cultura e Sociedade. São Luís: Universidade Federal do Maranhã, 2014; OLIVEIRA,
Anderson Bruno da Silva, A Invenção do Sertão no Romance d`A Pedra do
Reino. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História.
Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco, 2015; COSTA, Luís Adriano Mendes, “As (Des) Continuidades (Pós)
Armoriais: Entre o Ser e o Devir”. In: Sociopoética, vol.1, nº 15, 2015;
RODRIGUES, Daniella Carneiro Libânio, A Arte Segundo Ariano Suassuna: A
Intermidialidade e a Poética Armorial. Programa de Pós-Graduação em Estudos
Literários. Faculdade de Letras. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas
Gerais, 2015; entre outros.
______________
*Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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