sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Universidade, o Livro e a Dança Sioux com Lobos.

Ubiracy de Souza Braga*

“O Progresso se baseia mais no fracasso do que no sucesso”. Kevin Costner


            O filme: “Dances with Wolves”, ou, em português: “Dança com Lobos” é um drama estadunidense de 1990, do gênero aventura, dirigido por Kevin Costner e baseado em romance de Michael Blake. O filme, que marca a estreia de Costner na direção, foi produzido por ele e Jim Wilson. A trilha sonora é de John Barry, a direção de fotografia de Dean Semler, o desenho de produção de Jeffrey Beecroft, a direção de arte de William Ladd Skinner, o figurino de Elsa Zamparelli e a montagem de William Hoy, Chip Masamitsu, Steve Potter e Neil Travis. O orçamento girou em torno de US$ 15 milhões, mas só nos Estados Unidos o filme arrecadou mais de US$ 180 milhões.
            O escritor e roteirista Michael Blake, vencedor do Óscar pelo roteiro de “Dança com lobos” (1990), morreu neste sábado (02/05/2015), aos 69 anos, em Tucson, no Arizona, após enfrentar uma longa batalha contra o câncer. As informações são da agência Associated Press. Blake é autor de vários romances, mas ficou famoso pelo filme: “Dança com lobos” depois que o ator Kevin Costner, grande amigo dele, incentivou-o à adaptação para o cinema. O longa-metragem, ambientado na Guerra Civil Americana, venceu sete Óscares, incluindo o de melhor filme e de melhor roteiro adaptado para Michael Blake. O livro que deu origem ao filme vendeu mais de 3,5 milhões de cópias e foi traduzido em 15 idiomas. Marianne Mortensen Blake, viúva de Blake, disse que ele era grande defensor da alfabetização, das causas dos indígenas nascidos no território anterior ao surgimento do Estado norte-americano e, além disso, do desaparecimento de cavalos selvagens no Ocidente.


        Trata-se de um projeto ousado e inovador pelo menos do ponto de vista da narrativa, que inverte o que historicamente havia sido utilizado pela indústria cinematográfica norte-americana. Entregue a um astro consagrado que teria que superar sua condição e passar, num processo de conversão de ator e tornar-se também diretor. da natureza, relacionando-se dentro de sua tribo, estranhando o visitante proveniente de outra cultura. Aceitando o estranho, mas também cobrando a adaptação do mesmo a seu modo de vida, que nos aparece de forma espontânea, mas que, nos faz pensar se ele poderia viver naquela comunidade se não se submetesse a tal mudança.  Todavia, lutando como sobrevivência em sua comunidade, em sua cultura, em sua mãe natureza.
          A invenção do conceito de comunidade atribui-se ao sociólogo Ferdinand Tonnies, que estabelece pela primeira vez a distinção entre comunidade (“Gemeinschaft”) e sociedade (“Gesellschaft”), sendo uma definida em contraponto da outra. A comunidade - assente ora no território comum: região, nação, ora na partilha da mesma língua, crença, etnia, corporação eclesiástica ou profissional - representa uma entidade social de identidade e interconhecimento, onde os atores sociais são vistos no seu todo. Onde se fundem as vontades e se entrelaçam as relações sociais primárias face a face, relações estas perpassadas de laços personalizados de intimidade e emoção, bem como de regras adstritas de coerção e as formas dinâmicas de controle sociais.
            A uma visão evolucionista e otimista opôs-se, já no século XIX, por um lado, o conservadorismo nostálgico e, por outro, o socialismo nas suas diversas versões. Assim, autores conservadores como Burke e Bonald, perante a previsível ordem e o progresso caótico proposto pelos positivistas e modernistas, reagiam negativamente e apelavam à restauração da comunidade corporativa e tradicional como: família, Igreja, guildas, considerada primordial em relação quer ao individualismo liberal despersonalizado, quer ao centralismo estatal abafador, que só pelo filósofo inovador G. W. F. Hegel era idealisticamente assumido como a comunidade por excelência enquanto “communitas communitatum”.

      Michael Blake: Óscar de roteiro por “Dança com lobos” (1991). Foto: AP Photo/Reed Saxon. 

Em regra, porém, os teóricos idealizadores da comunidade tradicional passam de lado as relações hierocráticas e paternalistas, autoritárias e autocráticas ou até despóticas, amiúde presentes nas comunidades tradicionais. Numa perspectiva diferente, são ainda de referir os socialistas utópicos que propunham levar à prática o socialismo através da construção de comunidades de partilha de bens até aos defensores do “socialismo científico”, que, embora reconhecendo o carácter revolucionário da fase burguesa face ao feudalismo, proclamava a necessidade da superação do capitalismo através da implantação duma nova ordem socialista, o que implicava a abolição da propriedade privada. As reflexões e trabalhos empíricos em torno do conceito de comunidade e diferenciadas estratégias dos grupos sociais têm sido levadas a cabo por vários autores, que se destacam em termos contrastantes, diversos e contraditórios.
As políticas produtivistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a modernização reflexa e a lógica elitista que orienta o acesso ao ensino superior, a departamentalização do conhecimento, o colonialismo cultural, são todos elementos em torno do processo de trabalho e de comunicação no âmbito das universidades públicas brasileiras. Então, o que significa para nós um processo social de comunicação e, no que sedimenta um projeto nacional de educação brasileiro? Simplificadamente representa o início e o fim de uma cadeia de relações técnicas de trabalho e de pesquisa e desenvolvimento, tal que cada processo de trabalho e comunicação se conecte imediatamente ao outro. Formando a rede planetária em um amplo processo de globalização, o que indica que a ideia geral de conectividade, que os matemáticos conhecem por “transitividade”, cimenta a ideia de comunicação.
De acordo com o filósofo João Aloísio Lopes, em seu livro: “Lições de Transitologia”, esta designação expressa a transitividade entre processo de trabalho, ou entre “fluxos de forças, pois esta  transitividade é imediatamente suposta quando se pensa técnica na atualidade. Ou, quando se pensa em técnica como determinada relação entre meios numa atividade de trabalho. Assim, tem-se definições correlatas: a) técnica, enquanto ação de transportar controladamente, orientadamente, o trabalho, via meio de trabalho; b) transitalidade, enquanto fluxo socialmente controlável das forças contidas nos meios de trabalho numa sociedade. A transitalidade “é o nome para a relação geral de conectividade que caracteriza a ideia de comunicação” (cf. Lopes, 1991).
Guerreiro Sioux
Só que com o termo “transitalidade”, designação esta da relação geral de conectividade, quer-se destacar a articulação enquanto tal seja enquanto uma cadeia de sentido que articula entre si os meios seja enquanto interligação dos valores-de-uso dos meios vigentes em sociedade. E com o termo tecnologia se quer significar, não a articulação enquanto tal, e menos ainda a cadeia de sentido e interligação de valores-de-uso, mas a cadeia/interligação dos próprios produtos/meios e dos processos de trabalho que os produzem. As relações de transitalidade constituem-se por uma certa bidimensionalidade dos meios. Isto significa dizer que há uma espécie de interação perpétua entre suportes que alimenta a trama das relações de produção e se expressa na trama correspondente das relações simbólicas; uma espécie de interação social perpétua inerente à mera atribuição de valores-de-uso a quaisquer produtos.
       De todo modo, uma pesquisa que leve em conta novos fundamentos para uma teoria de comunicação entende que a tecnologia expressa um modo vivenciado de ciência aplicada, entendendo-se ainda por aplicação da ciência, a depuração social do conhecimento em processos de trabalho. Depuração intermediada politicamente, por certo, mas que tem inegavelmente uma base técnica da comunicação. A importância dessa base técnica da comunicação encontra-se na apropriação e difusão da informação, em seus efeitos sociais, em seus impactos sobre a vida social. A informação formaliza o objeto portador e difusor de significação como uma estrutura inerente ao circuito produtivo, generalizando-se a todos os objetos caracterizados por esta relação. À comunicação, portanto, interessa a imbricação entre os processos de trabalho e a reunião adjacente de imagens tendo as sociedades como um mundo de imagens.
Pois, por mais arbitrário que sejam as razões de notícias, por exemplo, encontrarem-se juntas - não é arbitrário o fato de que estão editadas/ajustadas no papel, nas máquinas, no jornal, nas bancas, nas casas, nas ruas; é produção do imaginário social. Nesta relação tudo o que é produzido socialmente encontra-se antes de tudo subordinada a necessidades e desejos que determinam por valores qualitativos suas condições de troca. Sua qualidade ou seu valor-de-uso é que permite a interligação dos processos. Dessas condições deriva-se uma concepção específica de comunicação. Aí se expressa a duplicidade de um processo produtivo que é simultaneamente comunicativo, ou, de um processo produtivo cujos resultados são simultaneamente objetos/coisas e objetos ideias. Este é o suposto principal que está sendo esboçado no presente ensaio. Vale lembrar que eu sou o único intelectual latino-americano: a) que na condição de professor e pesquisador, b) na mesma instituição pública há 18 anos, c) jamais aceitei cargo de chefia, por eleição ou indicação de coletivo de professores em minha unidade de trabalho ou posto, ou ainda através de Reitor ou governador de Estado.
A modernidade é inerentemente globalizante. Ela tanto germina a integração como a fragmentação. Nela desenvolvem-se as diversidades como também as disparidades. A dinâmica das forças produtivas e das relações de produção, em escala local, nacional, regional e mundial, produz interdependências e descontinuidades, evoluções e retrocessos, integrações e distorções, afluências e carências, tensões e contradições. É altíssimo o custo social, econômico, político e cultural da globalização do capitalismo, para muitos indivíduos e coletividades ou grupos e classes sociais subalternos, e mesmo no caso do professor universitário. Em todo o mundo, ainda que em diferentes gradações, a grande maioria é atingida pelas mais diversas formas de fragmentação. A realidade é que a globalização do capitalismo implica na globalização de tensões e contradições sociais, nas quais se envolvem grupos e classes sociais, partidos políticos e sindicatos, movimentos sociais e correntes de opinião pública, em todo o mundo. Além disso, enquanto “totalidade histórico-social em movimento, o “globalismo” tende a subsumir histórica e logicamente não só o nacionalismo e o tribalismo, mas também o imperialismo e o colonialismo”. Nela, as relações entre formas sociais e eventos locais e distantes se tornam correspondentemente alongadas. A palavra meritocracia provavelmente tenha aparecido pela primeira vez no livro de Michael Young, “Rise of the Meritocracy” (1958). 

 A meritocracia está associada ao “Estado burocrático”, para lembramos de Max Weber, sine ira et studio, sendo “a forma pela qual os funcionários estatais são selecionados para seus postos de acordo com sua capacidade em serem aprovados através de concursos públicos de provas e títulos”. Ou ainda - associação mais comum - aos exames de ingresso ou avaliação nas escolas e universidades, nos quais não há discriminação entre os alunos quanto ao conteúdo das perguntas ou temas propostos. Assim, meritocracia também indica “posições”, ou “colocações”, conseguidas por “mérito pessoal”. Um modelo razoável de meritocracia, analogamente ao compreendido como método científico, estético e/ou filosófico, é dado por um método “no qual o que é considerado como sendo verdade é justamente definido pelo mérito”.
Os principais argumentos da meritocracia são: a) é que ela proporciona maior justiça do que outros sistemas hierárquicos, uma vez que as distinções não se dão por sexo ou raça, nem por riqueza ou “posição social”, entre outros fatores biológicos ou culturais, nem mesmo em termos de “discriminação positiva”. Portanto, b) a meritocracia através da “competição entre os indivíduos”, estimula assim, o aumento da produtividade e eficiência. Governos e organismos meritocráticos aparentemente enfatizam “talento, educação formal e competência”, em lugar de diferenças existentes, tais como estratificação social, classe social, relações de parentesco, etnia, ou sexo.
Isto é o que marca a diferença na apropriação do patrimônio histórico reverenciado pela memória da universidade quando se trata como já disse alhures, do “batismo burocrático do saber”. Mal comparando, as estruturas de poder, podendo-se afirmar sem temor a erro que a universidade pública, o “ager publicus” no Brasil funciona como a “sociedade de castas indiana”, pois, como demonstra Louis Dumont no ensaio: “Homo Hierarchicus” (cf. Dumont, 1992; Bonte e Izard, 2007), a classificação de pessoas em hierarquias no sistema de castas da Índia provém do sistema de crenças religiosas, onde a mobilidade e a ascensão sociais eram proibidas e, ninguém por mais talentoso que fosse, poderia mover-se do lugar, o que em parte explica na história recente do país a chamada “evasão de cérebros” daquela sociedade para a norte-americana, no caso da Física Quântica, para ficarmos nesse exemplo. Entre nós é nessa acepção de Louis Dumont “como funciona no sistema de honra da Cabília” (“the sentiment of honour in Kabile society”) onde o valor de cada pessoa deriva-se de “per-sonare”, uma voz que “soa através” de uma máscara pública, marcadamente elitista e autoritária é medido como padrão através de um detalhado código que permeia as relações familiares, as relações com a comunidade e com o mundo exterior do poder.
Bibliografia geral consultada.

FOUCAULT, Michel, El Orden del Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; BENNET, Gordon, Aboriginal Rights in International Law. London: Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, 1978; McDONNELL, Janet, The Dispossession of the American Indian, 1887-1934. Bloomington: Indiana Univesity Press, 1991; LOPES, João Aloísio, Lições de Transitologia (Introdução a uma teoria geral da comunicação que procura compreender, num enfoque sócio-tecnológico, como as coisas falam). Tese de Titular em Comunicação. São Paulo: Editora e Consultoria; Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo, 1991; DUMONT, Louis, Homo Hierarchicus. O Sistema de Castas e suas Implicações. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992; BLOOM, Harold, Gênio - Os 100 Autores mais Criativos da História da Literatura. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2003; GRAZIELA, Laura e DRUMMOND, Luiz Augusto, Cultura e Empresas. Coleção Passo-a-Passo. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar, 2002; CUSHMAN, Thomas, ¿Se Puede Prevenir el Genocídio? Algumas Consideraciones Teoricas. In: Revista de Estudios sobre Genocídio. Centro de Estudios sobre Genocídio de la Universidad Nacional de Tres Febrero, n 1, pp. 7-27, noviembro de 2007; BONTE, Pierre et IZARD, Michel (dir.), Dictionnaire de l`Ethnologie et de l`Anthropologie. Paris: Presses Universitaires de France,‎ 2007; BEHREMS, Paul; HENHAM, Ralph, Elements of Genocide. New York: Routledge Oxon, 2013; GOMES, Maria José de Sousa, O Genocídio dos Índios Nativos Norte-Americanos. Trabalho da Unidade Curricular  Estudos Interculturais. Curso de Assessoria e Tradução. Porto: Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, 2013; Artigo: “Michael Blake, vencedor do Oscar por Dança com Lobos, morre aos 69 anos”. Inhttp://g1.globo.com/pop-arte/cinema/noticia/2015/05/entre outros. 

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