domingo, 12 de julho de 2015

Imbróglio da Previdência - Política de Trabalho & Retrocesso no Brasil?

Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga

A reforma da Previdência é ineficiente, imoral e inútil”. André Forastieri

         
 
A Previdência Social no Brasil possui mais de 100 anos de história social e política.  Tem como ponto de partida a Lei Elói Chaves regulamentada com o Decreto n° 4.682 de 1923. Ela criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões para empregados de empresas ferroviárias, estabelecendo assistência médica, aposentadoria e pensões, válidas também para seus familiares. Em três anos, a lei seria estendida para trabalhadores de empresas portuárias e marítimas. Na década de 1930, através da promulgação de diversas normas, os benefícios sociais foram sendo ampliados para a maioria das categorias de trabalhadores, dos setores público e privado. Foram criados institutos de previdência para gestão e execução da seguridade social brasileira. Em 1960, foi criada a Lei Orgânica de Previdência Social, unificando a legislação referente aos institutos de aposentadorias e pensões já beneficiando todos os trabalhadores urbanos. Os trabalhadores rurais passariam a ser contemplados em 1963. Em 1966, com a alteração de dispositivos da Lei Orgânica da Previdência Social, foram instituídos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, com indenização para o trabalhador demitido que também pode ser usada para quem puder comprar sua casa própria, articulado ao Instituto Nacional de Previdência Social - INPS que reuniu os seis institutos de aposentadorias e pensões existentes. 
Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Até então, o tema ficava sob o comando do Ministério do Trabalho e Emprego. A extensão dos benefícios da previdência a todos os trabalhadores se dá com a Constituição de 1988, que passou a garantir renda mensal vitalícia a idosos e portadores de deficiência, desde que comprovada a baixa renda e que tenham qualidade de segurado. Em 1990, o INPS desgastado, mudou de nome, novamente para de Instituto Nacional de Seguridade Social. A Previdência Social brasileira é um seguro que garante uma aposentadoria ao contribuinte quando ele parar de trabalhar. Para ter direito social a esse benefício, o trabalhador deve pagar uma contribuição mensal durante um determinado período ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O tempo de contribuição varia de acordo com o tipo de aposentadoria. O INSS administra o recebimento dessas mensalidades e paga os benefícios aos aposentados que contribuíram e que se aposentaram. Esse salário substitui a renda do trabalhador que contribuiu quando ele para de exercer sua função: a) seja por doença, b) idade avançada, ou, c) condições de trabalho prejudiciais à saúde como locais com excesso de barulho ou poeira e outras formas de insalubridade sociais.  



Tese: O déficit da Previdência Social é um assunto polêmico que aparece sistematicamente na mídia. São aproximadamente R$ 50 bilhões que faltam para fechar a conta entre o quanto o governo arrecada e o quanto paga. Há várias explicações para esse rombo. Os representantes dos aposentados argumentam que se o dinheiro arrecadado para tal fim não tivesse sido aplicado em outros setores do governo, o déficit não existiria. Outros dizem que a inclusão dos trabalhadores rurais, cuja maioria provavelmente não contribuiu, aumentou o déficit. Além disso, a Previdência Social já foi alvo de vários corruptos que sangraram os cofres públicos com aposentadorias para mortos, perícias médicas falsas ou superfaturamento de benefícios. Um dos casos mais famosos é da quadrilha chefiada pela advogada Georgina de Freitas, presa em 1998. Somente este grupo teria roubado dos cofres públicos cerca de R$ 800 milhões. Em um aparente momento de derrotas do governo no Congresso, que cria “bombas fiscais” como o aumento de R$ 25,7 bilhões para servidores do Judiciário, a nova fórmula para cálculo das aposentadorias pode ser vista como um “refresco para as contas públicas”. A regra 85/95 garantirá uma economia de R$ 12,2 bilhões até o final do segundo mandato da presidenta da República Dilma Rousseff, segundo dados da Folha de S. Paulo. Pela proposta, quando a soma entre o tempo de contribuição e a idade for 85, para mulheres, e 95, para homens, é possível pedir aposentadoria pelo valor mais alto tendo em vista a média dos 80% maiores salários de contribuição desde julho/1994. A Medida Provisória enviada pelo governo alterou a fórmula fixa aprovada pelo Congresso e estabeleceu que a soma subisse progressivamente até atingir 90/100. O sucessor da petista será ainda mais beneficiado, com reduções de gastos de R$ 26 bilhões. Projeções do Ministério da Previdência mostram que a economia se mantém nos dois quadriênios seguintes.

A previdência social brasileira está no âmbito do programa de seguridade social e é sustentada por meio do recolhimento, pelas empresas, de 20% sobre o valor das remunerações pagas a cada mês, aos seus empregados com vínculo empregatício e sobre os pagamentos feitos a prestadores de serviço sem vínculo empregatício. Desses 20%, a empresa desconta o percentual de 8% a 11% da remuneração do trabalhador enquanto este contingente trabalha. Os servidores públicos pagam de 11% a 14% sobre o seu salário e o seu empregador recolhe os mesmos percentuais. Além disso, as empresas também contribuem para as outras áreas da Seguridade (saúde e assistência social) mediante o recolhimento das chamadas contribuições sociais: Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), que é proporcional à receita bruta; Programa de Integração Social (PIS), também proporcional à receita da empresa; e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), proporcional ao lucro líquido da empresa.

O PIS/PASEP é um número cadastrado (de onze dígitos decimais) através de Documento de Cadastro do NIS (DCN) e Cartão de CNPJ, sendo que este serve para dar segurança ao FGTS e gerir o Programa de Integração. O Programa de Integração é um programa de complementação de renda governamental. Até a Constituição de 1988, a taxa PIS-COFINS era destinada para quotas deste programa, sendo que o rendimento destas quotas pode ser sacado anualmente e somente em eventos específicos como aposentadoria, morte ou doenças graves (Neoplasia e AIDS). O matrimônio não é mais motivo para o saque. Outra possibilidade de ganho é o abono salarial que segue a seguinte métrica, tendo cinco anos de cadastro no banco de dados que é o PIS, trinta dias trabalhados formalmente e média salarial igual ou inferior a dois salários mínimos informados por Relação Anual de Informações Sociais. Existem outras possibilidades de ganho como o defeso para pescadores. Há também um banco de dados onde a Caixa Econômica Federal (CEF), o Sistema Único de Saúde (SUS), o Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), entre outros, tem os dados de cidadãos, porém somente a CEF acata o DCT que serve para a contagem do tempo do cadastro do cidadão.

O PIS foi instituído com a justificativa de promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas. Na prática consiste em um programa de transferência de renda, possibilitando melhor distribuição da renda nacional. Os valores provenientes da arrecadação dessas contribuições constituem receitas vinculadas, isto é, só podem ser destinadas à seguridade social e não a outras finalidades. Apesar disso, a única fonte de recursos da Previdência vem das contribuições descontadas dos salários e folha de pagamento das empresas. COFINS, PIS e CSLL financiam as outras áreas da Seguridade (saúde e assistência social). Conforme estabelece a Constituição, deve haver previsão, nos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, de destinação de recursos à previdência social. O Brasil adota o modelo previdenciário solidário, isto é, “os beneficiários são financiados pelos trabalhadores ativos”.

Estes por sua vez, quando aposentados, serão custeados pela próxima geração de trabalhadores ativos, e assim por diante sucessivamente.  Por causa de um desequilíbrio demográfico decorrente do aumento acentuado da população idosa, tem sido apontada a necessidade de reforma do sistema previdenciário, que seria, alegadamente, deficitário. Esse déficit seria resultante da diferença entre a arrecadação e os benefícios concedidos, o que obriga o governo a retirar recursos de outras áreas, como saúde e assistência social, para compensá-lo. Alega-se também que, dada a maior expectativa de vida da população, o aumento do número de pessoas inativas tende a ser maior que o aumento do número de pessoas ativas no futuro. A medida seria uma tentativa de retificar o desequilíbrio fiscal do governo, uma vez que a Previdência consome boa parte do gasto primário do governo federal, causando inflação e baixo crescimento econômico. Nos últimos 30 anos, ocorreram três Reformas previdenciárias.

A mudança da forma de cálculo, segundo Gabas, levou a uma corrida aos postos da Previdência: cresceram 100% as consultas sobre se vale a pena se aposentar agora. Em sua opinião, a tendência é que as consultas não se transformem em pedidos de aposentadorias. Se depender das centrais sindicais, porém, o governo terá novas batalhas no Congresso. CUT e Força Sindical vão tentar derrubar a progressividade e voltar ao modelo fixo vetado por Dilma Rousseff. Neste sentido - “A progressividade pode se transformar em algo pior do que o fator previdenciário (mecanismo atual que procura retardar o pedido de aposentadoria)”, como tem afirmado de maneira realista o presidente da Força Sindical, Miguel Torres. Carmen Foro, presidente interina da CUT, concorda. Torres defende uma revisão da regra 85/95 dentro de cinco a seis anos. 
A nova regra para aposentadorias proposta pela Medida Provisória 676, para substituir a fórmula 85/95 – aprovada pelo Congresso e vetada pela presidente Dilma Rousseff –, vai ajudar a minimizar o impacto negativo nas contas públicas, mas não traz uma solução para o crescente déficit da Previdência Social (RGPS). A consultoria “Tendências” calculou o impacto fiscal da proposta 85/95 e da solução alternativa apresentada pelo governo. Segundo o estudo estatístico, a regra aprovada pelo Congresso aumentaria o déficit da previdência em 0,4% PIB nos próximos 55 anos, enquanto a regra progressiva proposta pelo governo elevaria o déficit em 0,1% do PIB. A fórmula representa uma alternativa para o fator previdenciário, que continua valendo, caso o trabalhador queira se aposentar mais cedo, mas com um benefício menor. A atual mudança no atual modelo retardatário, complexo e ineficiente de aposentadoria vem sendo tratada no Congresso, com a discussão em torno do fim do fator previdenciário, que reduz o valor de quem se aposenta por tempo de serviço antes de chegar aos 60 anos, para as mulheres, e 65 anos, para os homens, e a soma entre a idade do beneficiário ao se aposentar e o tempo total de contribuição, resultando em 85 e 95 anos para mulheres e homens, para que seja possível parar de trabalhar.

Contudo, sozinha, a previdência urbana apresentou superávit de R$ 13,939 bilhões de janeiro a junho deste ano; resultado 66,6% melhor que o saldo positivo de R$ 8,368 bilhões de igual período de 2013. No primeiro semestre de 2014, o RGPS urbano arrecadou R$ 153,943 bilhões e acumulou despesas de R$ 140,004 bilhões. Especificamente em relação a junho, o superávit previdenciário urbano foi de R$ 2,402 bilhões, refletindo arrecadação de R$ 26,280 bilhões e despesas de R$ 23,877 bilhões. Em junho do ano passado, o superávit no segmento tinha alcançado a marca positiva de R$ 2,597 bilhões. O resultado de junho deste ano, portanto, foi 7,5% mais fraco que o de junho de 2013. Em junho de 2014, a Previdência pagou cerca de 31,6 milhões de benefícios, sendo 27,3 milhões do RGPS e 4,3 milhões de assistenciais. As aposentadorias somaram 17,8 milhões de benefícios. O valor médio real dos benefícios pagos pela Previdência Social, no 1° semestre de 2014, foi de R$ 971,57, registrando crescimento de 16,7% em relação ao mesmo período de 2007, já descontada a inflação. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) divulgou um levantamento demonstrando que 3 em cada 20 pessoas com mais de 65 anos não têm aposentadoria e 40% dos trabalhadores não economizam para isso. 
Os dados fazem parte do cenário previdenciário brasileiro dentro do estudo “Melhores aposentadorias, melhores trabalhos - em direção à cobertura universal na América Latina e no Caribe”. O trabalho revela: a) a maioria dos trabalhadores aposentados brasileiros recebe, em média, 20 dólares ou menos por dia; b) que menos de três em cada dez trabalhadores autônomos estão poupando para a aposentadoria; c) 25% da classe média são informais; d) menos de 3/10 de trabalhadores autônomos estão poupando para a aposentadoria. Conforme o estudo, prognosticado para 2050 quadruplicará o número de pessoas com 65 anos ou mais. Sete em cada dez adultos em idade de se aposentar terão poupado compulsoriamente. Entre 15 milhões e 22 milhões de pessoas não terão economizado satisfatoriamente para a aposentadoria. Para cada aposentado há dez trabalhadores potenciais, mas em 30 anos cairão para um 1/3 de trabalhadores potenciais, ou seja, haverá menos gente apta a financiar o sistema previdenciário. A gestão do sistema previdenciário e seu financiamento é questão-chave do debate sobre previdência e o principal nó-górdio nos debates entre empregadores, trabalhadores e governo petista e oposição no Congresso Nacional. Os trabalhadores defenderam a extinção do fator previdenciário, com o qual governo e empregadores só concordariam com a sua substituição automática por critérios de idade mínima. Os trabalhadores tendem a valorar mais o tempo de contribuição vis-à-vis idade dependendo da conjuntura política de governo e estabilidade social no emprego. 
Bibliografia geral consultada.

FUNCIA, Francisco Róża, Os Condicionantes Político Institucionais do Processo de Implantação e Operação do Sistema Único de Saúde sob a Ótica Municipal: A Experiência de São Bernardo do Campo. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1998; TAVARES, Marcelo Leonardo, Previdência e Assistência Social: Legitimação e Fundamentação Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003; DIAS, Rosy Adriane da Silva, Transição de Regimes Previdenciários e Bem-estar Social. Dissertação de Mestrado. Departamento de Economia. Brasília: Universidade de Brasília, 2006; DANTAS, Emanuel Araújo, Previdência Social: Análise dos Fatores que Afetam a Necessidade de Financiamento do Regime Geral. Dissertação de Mestrado Profissional. Programa de Pós-Graduação em Economia, CAEN. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2009; FICHTNER, Eduardo Klein, Previdência Social no Brasil: Teorias e Evidências. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Economia do Desenvolvimento. Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2011;  SOARES, Aparecida de Castro, Re (contando) a História da Previdência Social no Brasil e em Mato Grosso na Voz dos Seus/Suas Sujeitos/as. Dissertação de Mestrado em Política Social. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Cuiabá: Universidade Federal de Mato Grosso, 2011; COSTA, Aline Moreira da, Diretos Humanos e Previdência Social Brasileira à luz do Princípio da Proibição do Retrocesso Social. Dissertação de Mestrado. Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2013; ORBEM, Juliani Veronezi, A Construção Sociojurídica da Pejotização e o Espírito do Capitalismo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2015;  entre outros. 

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