Imbróglio da Previdência - Política de Trabalho & Retrocesso no Brasil?
Giuliane de Alencar & Ubiracy de Souza Braga
“A reforma da Previdência é ineficiente, imoral e inútil”. André Forastieri
A Previdência Social no Brasil possui mais de 100 anos
de história social e política. Tem como ponto
de partida a Lei Elói Chaves regulamentada com o Decreto n° 4.682 de 1923. Ela
criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões para empregados de empresas
ferroviárias, estabelecendo assistência médica, aposentadoria e pensões,
válidas também para seus familiares. Em três anos, a lei seria estendida para
trabalhadores de empresas portuárias e marítimas. Na década de 1930, através da
promulgação de diversas normas, os benefícios sociais foram sendo ampliados
para a maioria das categorias de trabalhadores, dos setores público e privado.
Foram criados institutos de previdência para gestão e execução da seguridade
social brasileira. Em 1960, foi criada a Lei Orgânica de Previdência Social,
unificando a legislação referente aos institutos de aposentadorias e pensões já
beneficiando todos os trabalhadores urbanos. Os trabalhadores rurais passariam
a ser contemplados em 1963. Em 1966, com a alteração de dispositivos da Lei Orgânica da Previdência Social, foram instituídos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, com indenização para o trabalhador demitido que também pode ser usada para quem puder comprar sua casa própria, articulado ao Instituto Nacional de Previdência Social - INPS que reuniu os seis institutos de aposentadorias e pensões existentes.
Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e
Assistência Social. Até então, o tema ficava sob o comando do Ministério do
Trabalho e Emprego. A extensão dos benefícios da previdência a todos os
trabalhadores se dá com a Constituição de 1988, que passou a garantir renda
mensal vitalícia a idosos e portadores de deficiência, desde que comprovada a
baixa renda e que tenham qualidade de segurado. Em 1990, o INPS desgastado, mudou de nome, novamente para de Instituto Nacional de Seguridade Social. A Previdência Social brasileira é um seguro que garante uma aposentadoria ao contribuinte quando ele parar de trabalhar. Para ter direito social a esse benefício, o trabalhador deve pagar uma contribuição mensal durante um determinado período ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O tempo de contribuição varia de acordo com o tipo de aposentadoria. O INSS administra o recebimento dessas mensalidades e paga os benefícios aos aposentados que contribuíram e que se aposentaram. Esse salário substitui a renda do trabalhador que contribuiu quando ele para de exercer sua função: a) seja por doença, b) idade avançada, ou, c) condições de trabalho prejudiciais à saúde como locais com excesso de barulho ou poeira e outras formas de insalubridade sociais.
Tese: O déficit
da Previdência Social é um assunto polêmico que aparece sistematicamente na
mídia. São aproximadamente R$ 50 bilhões que faltam para fechar a conta entre o
quanto o governo arrecada e o quanto paga. Há várias explicações para esse
rombo. Os representantes dos aposentados argumentam que se o dinheiro
arrecadado para tal fim não tivesse sido aplicado em outros setores do governo,
o déficit não existiria. Outros dizem
que a inclusão dos trabalhadores rurais, cuja maioria provavelmente não contribuiu,
aumentou o déficit. Além disso, a
Previdência Social já foi alvo de vários corruptos que sangraram os cofres
públicos com aposentadorias para mortos, perícias médicas falsas ou
superfaturamento de benefícios. Um dos casos mais famosos é da quadrilha
chefiada pela advogada Georgina de Freitas, presa em 1998. Somente este grupo
teria roubado dos cofres públicos cerca de R$ 800 milhões. Em um aparente momento de derrotas do governo no Congresso, que cria “bombas fiscais” como o aumento de R$ 25,7 bilhões para servidores do Judiciário, a nova fórmula para cálculo das aposentadorias pode ser vista como um “refresco para as contas públicas”. A regra 85/95 garantirá uma economia de R$ 12,2 bilhões até o final do segundo mandato da presidenta da República Dilma Rousseff, segundo dados da Folha de S. Paulo. Pela proposta, quando a soma entre o tempo de contribuição e a idade for 85, para mulheres, e 95, para homens, é possível pedir aposentadoria pelo valor mais alto tendo em vista a média dos 80% maiores salários de contribuição desde julho/1994. A Medida Provisória enviada pelo governo alterou a fórmula fixa aprovada pelo Congresso e estabeleceu que a soma subisse progressivamente até atingir 90/100. O sucessor da petista será ainda mais beneficiado, com reduções de gastos de R$ 26 bilhões. Projeções do Ministério da Previdência mostram que a economia se mantém nos dois quadriênios seguintes.
A
previdência social brasileira está no âmbito do programa de seguridade social e
é sustentada por meio do recolhimento, pelas empresas, de 20% sobre o valor das
remunerações pagas a cada mês, aos seus empregados com vínculo empregatício e
sobre os pagamentos feitos a prestadores de serviço sem vínculo empregatício.
Desses 20%, a empresa desconta o percentual de 8% a 11% da remuneração do
trabalhador enquanto este contingente trabalha. Os servidores públicos pagam de
11% a 14% sobre o seu salário e o seu empregador recolhe os mesmos percentuais.
Além disso, as empresas também contribuem para as outras áreas da Seguridade
(saúde e assistência social) mediante o recolhimento das chamadas contribuições
sociais: Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS),
que é proporcional à receita bruta; Programa de Integração Social (PIS),
também proporcional à receita da empresa; e Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido (CSLL), proporcional ao lucro líquido da empresa.
O
PIS/PASEP é um número cadastrado (de onze dígitos decimais) através de
Documento de Cadastro do NIS (DCN) e Cartão de CNPJ, sendo que este serve para
dar segurança ao FGTS e gerir o Programa de Integração. O Programa de
Integração é um programa de complementação de renda governamental. Até a
Constituição de 1988, a taxa PIS-COFINS era destinada para quotas deste
programa, sendo que o rendimento destas quotas pode ser sacado anualmente e
somente em eventos específicos como aposentadoria, morte ou doenças graves
(Neoplasia e AIDS). O matrimônio não é mais motivo para o saque. Outra
possibilidade de ganho é o abono salarial que segue a seguinte métrica, tendo
cinco anos de cadastro no banco de dados que é o PIS, trinta dias trabalhados
formalmente e média salarial igual ou inferior a dois salários mínimos
informados por Relação Anual de Informações Sociais. Existem outras
possibilidades de ganho como o defeso para pescadores. Há também um banco de
dados onde a Caixa Econômica Federal (CEF), o Sistema Único de Saúde (SUS), o
Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), entre outros, tem os dados de cidadãos,
porém somente a CEF acata o DCT que serve para a contagem do tempo do cadastro
do cidadão.
O
PIS foi instituído com a justificativa de promover a integração do empregado na
vida e no desenvolvimento das empresas. Na prática consiste em um programa de
transferência de renda, possibilitando melhor distribuição da renda nacional. Os
valores provenientes da arrecadação dessas contribuições constituem receitas
vinculadas, isto é, só podem ser destinadas à seguridade social e não a outras
finalidades. Apesar disso, a única fonte de recursos da Previdência vem das
contribuições descontadas dos salários e folha de pagamento das empresas.
COFINS, PIS e CSLL financiam as outras áreas da Seguridade (saúde e assistência
social). Conforme estabelece a Constituição, deve haver previsão, nos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, de
destinação de recursos à previdência social. O Brasil adota o modelo
previdenciário solidário, isto é, “os beneficiários são financiados
pelos trabalhadores ativos”.
Estes
por sua vez, quando aposentados, serão custeados pela próxima geração de
trabalhadores ativos, e assim por diante sucessivamente. Por causa de um desequilíbrio demográfico
decorrente do aumento acentuado da população idosa, tem sido apontada a
necessidade de reforma do sistema previdenciário, que seria, alegadamente,
deficitário. Esse déficit seria resultante da diferença entre a
arrecadação e os benefícios concedidos, o que obriga o governo a retirar
recursos de outras áreas, como saúde e assistência social, para compensá-lo.
Alega-se também que, dada a maior expectativa de vida da população, o aumento
do número de pessoas inativas tende a ser maior que o aumento do número de
pessoas ativas no futuro. A medida seria uma tentativa de retificar o
desequilíbrio fiscal do governo, uma vez que a Previdência consome boa parte do
gasto primário do governo federal, causando inflação e baixo crescimento
econômico. Nos últimos 30 anos, ocorreram três Reformas previdenciárias.
A mudança da forma de cálculo, segundo Gabas, levou a
uma corrida aos postos da Previdência: cresceram 100% as consultas sobre se
vale a pena se aposentar agora. Em sua opinião, a tendência é que as consultas
não se transformem em pedidos de aposentadorias. Se depender das centrais
sindicais, porém, o governo terá novas batalhas no Congresso. CUT e Força
Sindical vão tentar derrubar a progressividade e voltar ao modelo fixo vetado
por Dilma Rousseff. Neste sentido - “A progressividade pode se transformar em
algo pior do que o fator previdenciário (mecanismo atual que procura retardar o
pedido de aposentadoria)”, como tem afirmado de maneira realista o presidente
da Força Sindical, Miguel Torres. Carmen Foro, presidente interina da CUT,
concorda. Torres defende uma revisão da regra 85/95 dentro de cinco a seis
anos.
A nova regra para aposentadorias proposta pela Medida
Provisória 676, para substituir a fórmula 85/95 – aprovada pelo Congresso e
vetada pela presidente Dilma Rousseff –, vai ajudar a minimizar o impacto
negativo nas contas públicas, mas não traz uma solução para o crescente déficit da Previdência Social (RGPS). A consultoria
“Tendências” calculou o impacto fiscal da proposta 85/95 e da solução
alternativa apresentada pelo governo. Segundo o estudo estatístico, a regra
aprovada pelo Congresso aumentaria o déficit da previdência em 0,4% PIB nos
próximos 55 anos, enquanto a regra progressiva proposta pelo governo elevaria o
déficit em 0,1% do PIB. A fórmula representa uma alternativa para o fator
previdenciário, que continua valendo, caso o trabalhador queira se aposentar
mais cedo, mas com um benefício menor. A atual mudança no atual modelo retardatário, complexo e ineficiente de
aposentadoria vem sendo tratada no Congresso, com a discussão em torno do fim
do fator previdenciário, que reduz o valor de quem se aposenta por tempo de
serviço antes de chegar aos 60 anos, para as mulheres, e 65 anos, para os
homens, e a soma entre a idade do beneficiário ao se aposentar e o
tempo total de contribuição, resultando em 85 e 95 anos para mulheres e homens, para que seja possível parar de trabalhar.
Contudo, sozinha, a previdência urbana apresentou
superávit de R$ 13,939 bilhões de janeiro a junho deste ano; resultado 66,6%
melhor que o saldo positivo de R$ 8,368 bilhões de igual período de 2013. No
primeiro semestre de 2014, o RGPS urbano arrecadou R$ 153,943 bilhões e
acumulou despesas de R$ 140,004 bilhões. Especificamente em relação a junho, o
superávit previdenciário urbano foi de R$ 2,402 bilhões, refletindo arrecadação
de R$ 26,280 bilhões e despesas de R$ 23,877 bilhões. Em junho do ano passado,
o superávit no segmento tinha alcançado a marca positiva de R$ 2,597 bilhões. O
resultado de junho deste ano, portanto, foi 7,5% mais fraco que o de junho de
2013. Em junho de 2014, a Previdência pagou cerca de 31,6 milhões de
benefícios, sendo 27,3 milhões do RGPS e 4,3 milhões de assistenciais. As
aposentadorias somaram 17,8 milhões de benefícios. O valor médio real dos
benefícios pagos pela Previdência Social, no 1° semestre de 2014, foi de R$
971,57, registrando crescimento de 16,7% em relação ao mesmo período de 2007,
já descontada a inflação. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
divulgou um levantamento demonstrando que 3 em cada 20 pessoas com mais de
65 anos não têm aposentadoria e 40% dos trabalhadores não economizam
para isso.
Os dados fazem parte do cenário previdenciário brasileiro dentro do
estudo “Melhores aposentadorias, melhores trabalhos - em direção à cobertura
universal na América Latina e no Caribe”. O trabalho revela: a) a maioria dos trabalhadores
aposentados brasileiros recebe, em média, 20 dólares ou menos por dia; b) que
menos de três em cada dez trabalhadores autônomos estão poupando para a
aposentadoria; c) 25% da classe média são informais; d) menos de 3/10 de
trabalhadores autônomos estão poupando para a aposentadoria. Conforme o estudo, prognosticado para 2050 quadruplicará o número de pessoas com 65 anos ou mais. Sete em cada dez
adultos em idade de se aposentar terão poupado compulsoriamente. Entre 15 milhões e 22 milhões de pessoas não terão economizado satisfatoriamente para a aposentadoria. Para cada aposentado há dez trabalhadores potenciais, mas
em 30 anos cairão para um 1/3 de trabalhadores potenciais, ou seja, haverá
menos gente apta a financiar o sistema previdenciário. A gestão do sistema
previdenciário e seu financiamento é questão-chave do debate sobre previdência
e o principal nó-górdio nos debates entre empregadores, trabalhadores e governo
petista e oposição no Congresso Nacional. Os trabalhadores defenderam a extinção do fator
previdenciário, com o qual governo e empregadores só concordariam com a sua
substituição automática por critérios de idade mínima. Os trabalhadores tendem
a valorar mais o tempo de contribuição vis-à-vis idade dependendo da conjuntura
política de governo e estabilidade social no emprego.
Bibliografia geral consultada.
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Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003; DIAS, Rosy Adriane da Silva, Transição de Regimes Previdenciários e Bem-estar Social. Dissertação de Mestrado. Departamento de Economia. Brasília: Universidade de Brasília, 2006; DANTAS, Emanuel Araújo, Previdência Social: Análise dos Fatores que Afetam a Necessidade de Financiamento do Regime Geral. Dissertação de Mestrado Profissional. Programa de Pós-Graduação em Economia, CAEN. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2009; IBRAHIM, Fábio
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