segunda-feira, 27 de julho de 2015

Antônio Abujamra - Arte, Televisão & Fabuloso Cético.

Ubiracy de Souza Braga*

         Para um artista, o fracasso e o sucesso são iguais. Os dois são impostores”. Antônio Abujamra


            O sentido de fabuloso comparativamente ao sentido artístico, filosófico, estético e jornalístico de Antônio Abujamra pode ser compreendido ao romance de Juan Rulfo,  “Pedro Páramo”, adaptado à cena pelo Teatro Meridional, que os escritores do que viria a ser conhecido como “realismo mágico” ou “fantástico” vieram beber inspiração. A história passa-se numa aldeia fantasma, na cercania da fazenda da Meia-lua, num território do México oitocentista dominado por quatro gerações de Páramos. Juan Preciado vem em busca do pai, Dom Pedro, mas encontra apenas morte, de lugares algures no túmulo que nos é narrada. A obra mistura magia e realidade, mortos e vivos convivendo entre si. Pesadelos, delírios, memórias, vozes do além, os fragmentos não se distinguem claramente, nem se separam bem dos pensamentos do leitor, tal é o poder de sugestão de Juan Rulfo que, narrados, misturam-se nos sonhos de quem os lê. Por ironia do destino, no programa “Provocações”, Abujamra sempre perguntava ao entrevistado como gostaria de morrer, ante as respostas repetidas vezes “em casa, dormindo”.
Em primeiro lugar, talvez tenham sido os desafios característicos de uma época da história que transformaram a cultura da América Latina em um vasto arsenal de fatos surpreendentes, insólitos, brutais, incríveis, encantados; isto é, “uma profusão de fantasias, maravilhas e barroquismos”. Os impasses e as façanhas de uma época permitem reler o passado e o presente. É como se um novo horizonte iluminasse de repente todo o vasto mural da história, revelando fatos e feitos que adquire outro movimento, som, cor. O romancista pode ser um cronista “fora do tempo”, narrando o imaginado e o acontecido segundo a luz que o ilumina. Ele pode representar “um estilo de olhar” quando o realismo mágico é “superação do realismo social, crítico”. Tem sido visto como um estilo novo.

Poema: “Tabacaria”, de Fernando Pessoa por Antônio Abujamra, no Programa “Provocações”.

Emerge de uma época em que ele estaria esgotado, ou revelando limitações. A fabulação do artista, então, cria outros meios de expressão, abre horizontes novos à imaginação. Entre as soluções formais mais frequentes, podem-se citar: a desintegração da lógica linear de consecução e de consequência do relato, através de cortes na cronologia fabular, da multiplicação e simultaneidade dos espaços da ação; caracterização polissêmica dos personagens e atenuação da qualificação diferencial do herói; maior dinamismo nas relações entre o narrador e o narratário, o relato e o discurso, através da diversidade das localizações, da auto-referencialidade e do questionamento da instância produtora da ficção. Muitos reconhecem que a transição do realismo social ao mágico ocorre simultaneamente à redescoberta das culturas de índios e negros. São crenças, tradições, estórias, lendas e mitos que expressam outras formas de ser, outros sentidos da vida e trabalho, do tempo e espaço.
Em segundo lugar, o ceticismo científico tem relação com o ceticismo filosófico, mas eles não são idênticos. Muitos praticantes do ceticismo científico não são adeptos do ceticismo filosófico clássico. Quando críticos de controvérsias científicas, terapias alternativas ou paranormalidades são ditos céticos, isto se refere apenas à postura cética científica adotada. O termo cético é usado atualmente para se referir a uma pessoa que tem uma posição crítica em determinada situação, geralmente por empregar princípios do pensamento crítico e métodos científicos, melhor dizendo, o ceticismo científico para verificar a validade de ideias. Os céticos veem a evidência empírica como importante, já que ela provê provavelmente o melhor modo de se determinar a validade de uma ideia. Apesar de o ceticismo envolver o uso do método científico e do pensamento crítico, isto não necessariamente significa que os céticos usem estas ferramentas constantemente.


Os céticos são frequentemente confundidos com, ou até mesmo apontados como, cínicos. Porém, o criticismo cético válido em oposição a dúvidas arbitrárias ou subjetivas sobre uma ideia, origina-se, contudo, de um exame objetivo e metodológico que geralmente é consenso entre os céticos. Note também que o cinismo é geralmente tido como um ponto de vista que mantém uma atitude negativa desnecessária acerca dos motivos humanos e da sinceridade. Apesar de as duas posições não serem mutuamente exclusivas, céticos também podem ser cínicos. Cada um deles representa uma afirmação fundamentalmente diferente sobre a natureza do mundo. De outra parte, os céticos científicos constantemente recebem também, acusações de terem a “mente fechada” ou de inibirem o progresso científico. Isto ocorre devido às suas exigências de evidências cientificamente válidas. Os céticos, por sua vez, argumentam que tais críticas são, em sua maioria, provenientes de adeptos de disciplinas pseudocientíficas, cujas visões de mundo não são adotadas ou suportadas pela ciência ocidental convencional.
Contudo, a ciência moderna é construída “sob um pé limiar”, talvez, entre o ceticismo e a credulidade. Por um lado, a ciência deve estar sempre aberta a novas ideias, desde que apoiadas em evidências científicas, mas que posteriormente devem ser comprovadas, de modo a assegurar a veracidade de seus resultados. Sempre que uma nova hipótese é formulada ou uma nova alegação é realizada, toda a chamada “comunidade científica” se mobiliza de modo a comprovar sua viabilidade teórica e prática. Como em qualquer outro plano, quanto mais incomuns forem às novas ideias e invenções, mais resistência tende a enfrentar durante seu escrutínio por meio do método científico. Uma consequência disso é que vários cientistas através da história, ao apresentarem suas ideias, foram inicialmente recebidos com alegações de fraude por colegas que não desejavam ou não eram capazes de aceitar algo que requereria uma mudança em seus pontos de vista estabelecidos como pontos de vistas.
Antônio Abujamra estudou filosofia e jornalismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS-, onde iniciou sua carreira como ator, em meados dos anos 1950, na peça “Assim é se lhe parece”, de Pirandello, no Teatro Universitário de Porto Alegre. A estreia profissional ocorreu em 1961, ano em que dirigiu “Raízes”, de Arnold Wesker, com Cacilda Becker. No mesmo ano, dirigiu a peça “José de Parto à Sepultura”, de Augusto Boal, no Teatro Oficina. Como diretor, foi um dos principais da original TV Tupi e, como ator, teve atuação destacada. Na década de 1980, engaja-se na recuperação do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com destaque para “Os Órfãos de Jânio”, de Millôr Fernandes, e “Hamletto”, de Giovanni Testori, sendo esta dirigida por ele no TBC e em Nova York, para o Theatre for the New City. Participa da revolução cênica efetivada nas décadas de 1960 e 1970, caracterizando seu trabalho artístico pela ousadia, inventividade e espírito provocativo.
Nas décadas de 1980 e 1990, desenvolve espetáculos em que crítica e lúdico se fundem num ceticismo bem-humorado, que é o eixo de sua personalidade. Como Diretor em TV (1968-1997), como ator (1967-2-011), no cinema (1989-2012). Entre seus trabalhos em teatro encontram-se “Volpone”, de Ben Johnson; “Hair”, de Gerome Ragni e James Rado; “A secreta obscenidade de cada dia”, de Manuel Antonio de la Parra; “Retrato de Gertrude Stein quando homem”, de sua autoria e “O inferno são os outros”, de Jean-Paul Sartre. Em 1998, esteve na cidade de Monte Carlo, principado de Mônaco, ao lado de celebridades como Claudia Cardinale, Annie Girardot e Yehudi Menuhin, compondo parceria no júri do Festival Mundial de Televisão, com o brilho de ser o único latino-americano convidado. Comandou o programa “Provocações”, da TV Cultura, no ar desde 6 de agosto de 2000, onde adotou um estilo próprio de fazer entrevistas. O último programa foi exibido no feriado do mártir Tiradentes, tendo o Eduardo Sterblitch como convidado. Antônio Abujamra foi quem levou o ator Othon Bastos para a televisão, depois do grande sucesso do ator ao interpretar “Corisco” no filme: “Deus e o diabo na terra do sol”, de Glauber Rocha. Era pai do também ator e músico André Abujamra. As atrizes Clarisse Abujamra e Iara Jamra são suas sobrinhas.
Do ponto de vista técnico-metodológico, forma-se em filosofia e jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS, Porto Alegre, em 1957. Inicia-se como crítico teatral e, paralelamente, faz suas primeiras incursões como ator e diretor no Teatro Universitário, entre 1955 e 1958, nas montagens: “O Marinheiro”, de Fernando Pessoa, “À Margem da Vida” e “O Caso das Petúnias”, de Tennessee Williams, “A Cantora Careca” e “A Lição”, de Eugène Ionesco, e Woyzeck, de Georg Büchner. Viaja à Europa, em 1959, como bolsista, estudando língua e literatura espanholas, em Madri. Faz estágio em Villeurbanne, na França, com o diretor Roger Planchon, acompanhando as montagens “Henrique IV”, de William Shakespeare, e “Almas Mortas”, de Nicolas Gogol; e com Jean Villar, em “A Resistível Ascensão de Arturu Ui”, de Bertolt Brecht, no Théâtre National Populaire, TNP, em Paris. Estagia ainda no prestigioso Berliner Ensemble, em Berlim.
Na primeira metade dos anos 1980, Abujamra se engaja no projeto de recuperar artisticamente o Teatro Brasileiro de Comédia - TBC. Inaugura novas salas e implanta um movimento que faz vir à luz alguns novos autores e diretores. Entre seus espetáculos mais significativos no TBC estão: Os Órfãos de Jânio, de Millôr Fernandes, 1981; Hamletto, de Giovanni Testori, 1981, peça que ele dirigirá mais duas vezes: no próprio TBC, 1984, e em Nova York, para o Theatre for the New City, 1986; “Morte Acidental de um Anarquista”, de Dario Fo, 1982; e “A Serpente”, de Nelson Rodrigues, 1984. Um dos maiores sucessos de sua carreira, “Um Orgasmo Adulto Escapa do Zoológico”, de Dario Fo, 1984, traz um solo virtuosístico que projeta a atriz Denise Stoklos para uma carreira internacional e é aplaudido em vários festivais fora do Brasil.
Em 1987, encerrado o projeto do TBC, Abujamra dirige, para a Companhia Estável de Repertório - CER, de Antonio Fagundes, a superprodução “Nostradamus”, de Doc Comparato, grande êxito de bilheteria. Enfim, aos 55 anos de idade, Abujamra inicia sua carreira de ator. Em dois anos, atua em duas telenovelas e três peças e é premiado pelo desempenho no monólogo “O Contrabaixo”, de Patrick Süssekind, 1987. No ano seguinte, encena mais uma colaboração com Nicette Bruno e Paulo Goulart, “À Margem da Vida”, de Tennessee Williams. Em 1991, recebe o Prêmio Molière pela direção de “Um Certo Hamlet”, espetáculo de estreia da companhia “Os Fodidos Privilegiados”, fundada por Abujamra para ocupar o Teatro Dulcina, no Rio de Janeiro. Vale lembrar que “Provocações” é um programa da TV Cultura às terças-feiras às 23h30. Era reprisado nas madrugadas das quintas-feiras às 4h30. Apresentava entrevistas instigantes e provocativas, com ênfase no entrevistado, com intervenções fabulosas de Antônio Abujamra.

O apresentador também lia textos e recitava poemas de pessoas famosas ou não. Além disto, há o quadro de pensamento Vozes das ruas, no qual transeuntes expressavam suas opiniões acerca de diversos assuntos. A trilha sonora de abertura foi elaborada pelo filho de Abujamra, o músico e ator André Abujamra. O programa, que estreou em 6 de agosto de 2000, tem duração média de 25 minutos. Ficou no ar até 28 de abril de 2015 devido a morte de seu apresentador Antônio Abujamra com 82 anos de idade. Dentre seus principais entrevistados estão: Eduardo Sterblitch Rita Cadillac, Ratinho, Eva Wilma, Clóvis Rossi, Clodovil Hernandes, Tom Zé, Juca Kfouri, Mino Carta, Cristiane Torloni, Rubens Ewald Filho, José Celso Martinez Corrêa, Dom Paulo Evaristo Arns, Miguel Arraes, Ariano Suassuna, Silvio de Abreu, Paulo Autran, Norma Bengell, Pitty, Marisa Orth, Luiza Erundina, Mário Bortolotto, Maguila, Paulo Vanzolini, Ziraldo, Agnaldo Timóteo, Caco Barcellos, Luiz Gonzaga Belluzzo, Mônica Iozzi e a atriz e cantora Elza Soares.
Enfim, TV Cultura é uma rede de televisão brasileira com sede em São Paulo, capital do estado homônimo. Emissora de televisão pública e comercial de caráter educativo e cultural, foi fundada em 20 de setembro de 1960 pelos Diários Associados e reinaugurada em 15 de junho de 1969 pela Fundação Padre Anchieta, sediada na capital paulista, gerando programas de televisão educativos que são transmitidos para todo o Brasil via satélite e através de suas afiliadas e retransmissoras em diversas regiões do Brasil. É mantida pela Fundação Padre Anchieta, uma fundação sem fins lucrativos que recebe recursos públicos, através do governo do estado de São Paulo, e privados, através de propagandas, apoios culturais e doações de grandes corporações. No dia 30 de janeiro de 2015, o instituto de pesquisa britânico Populus divulgou que a importante e reveladora notícia que a TV Cultura brasileira “é o segundo canal de maior qualidade do mundo, atrás apenas da BBC One”, o principal canal de televisão da British Broadcasting Corporation no Reino Unido. Foi inaugurado a 2 de novembro de 1936 como BBC Television Service, e foi o primeiro serviço regular de teledifusão considerado tecnologicamente com um alto nível de resolução.
Bibliografia geral consultada.

DUVIGNAULD, Jean, Sociologia do Comediante. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1972; CASTRO, Silva, La Lettera sulla Scoperta del Brasile di Pero Vaz de Caminha. Pádua: Università di Padova, 1984; WEILLER, Maurice, “Para conhecer o pensamento de Montaigne”. In: Ensaios de Montaigne. Brasília: UnB/Hucitec, 2ª edição. Vol. III, 1987, pp. 3-135; MICHALSKI, Yan, “Antônio Abujamra”. In: Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo/CNPq. Rio de Janeiro, 1989; LUIZ, Macksen, “Hamlet para Brasileiro Ver”. In: Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 16 junho de 1991; PEREIRA, Maria Lúcia, “Quem é esse Diretor?”. In: O Inspetor Geral. Direção de Máximo Gorki; texto Maria Lúcia Pereira. São Paulo, 1994; CAMPOS, Regina Salgado, Ceticismo e Responsabilidade: Gide e Montaigne na obra Crítica de Sérgio Milliet. São Paulo: Editora Annablume, 1996; SANDRONI, Paula, Primeiras Provocações: Antônio Abujamra e o Grupo Decisão. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teatro. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2004; HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; EVA, Luiz Antônio Alves, A Figura do Filósofo: Ceticismo e Subjetividade em Montaigne. São Paulo: Edições Loyola, 2007; GINOT, Isabelle; MICHEL, Marcelle, La Danse au XXe Siècle. Paris: Éditions Larousse, 2008; SILVA, Daniel Furtado Simões da, O Ator e o Personagem: Variações e Limites no Teatro Contemporâneo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes. Escola de Belas Artes. Belko Horizonte: Universidade Federal de Minas Grais, 2013; OLIVEIRA, Natássia Duarte Garcia leite, Teatro Dialético em Terras Estranhas - A (In)diferenciação entre Sujeito e Objeto na Formação Cultural. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2013; PINTO, Pedro Arnaldo Henrique Serra, Eu, o Outro e a Nossas Circunstâncias: O Legado de Stanislavski para uma Formação Teatral Eticamente Comprometida. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2013; BENEVIDES, Lourdinete Silva, Abriam-se as Cortinas: A História da Informação Teatral em Aracaju, Sergipe (1960-2000). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Aracaju: Universidade Federal de Sergipe, 2015; entre outros.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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