Giuliane de Alencar
Não podemos negar que vivemos em uma sociedade da informação e que a
cada dia nos rodeamos de tecnologias cada vez mais sofisticadas. O
desenvolvimento tecnológico e econômico embala nosso cotidiano, intervindo
ativamente em nossas relações, sejam elas profissionais ou não. O advento
da internet fomentou o acesso a essas novas tecnologias da informação e da
comunicação, apresentando-se atualmente como meio de trabalho, lazer, educação,
entretenimento, etc. Foi permitido com isso o pluralismo de relações e a sua
acessibilidade, podendo ser destacado entre elas a do comércio eletrônico, por exemplo. Tal
relação é de tutela do Estado na tentativa de viabilizar o consumo nesse espaço
virtual, tão novo, porém já disseminado.
Os benefícios decorrentes do uso do comércio eletrônico são evidentes, principalmente em razão das partes a ele vinculadas, ou seja, o
consumidor e o fornecedor. Em tese, o comércio eletrônico é responsável pela
eliminação das barreiras geográficas, estruturais e cronológicas,
disponibilizando na tela de um computador variados centros comerciais virtuais
que estão espalhados em todo o mundo, além de reduzir os custos inerentes a
esses estabelecimentos físicos. Daí o destaque para a tecnologia em relação as
mais variadas vantagens trazidas tanto para aqueles que pretendem adquirir
produtos ou serviços, como para os que o fornecem. É, portanto, o espaço
adequado para a aproximação rápida e eficiente entre os integrantes das
sociedades globalizadas, porém voltaremos a este assunto em breve.
Observando agora a relevância econômica e de interligação que essas
novas práticas comerciais detém, é possível verificar as suas desvantagens, por
que a eficácia forçada pela lógica interna que faz o sistema capitalista
funcionar trás não apenas benefícios, mas também malefícios que recaem
expressivamente sobre os trabalhadores, vistos aqui como consumidores em
potencial. Vantagens como o investimento em novas tecnologias, em pesquisa de
ponta para o desenvolvimento rápido de um maquinário mais avançado, o fomento
da produção em larga escala através automação dos processos de trabalho, entre
outros, não são tão positivas quando comparadas ao impacto social delas sobre a
população em geral.
Ao investigar acerca da influência da tecnologia sobre os interesses das
diferentes classes sociais, David Ricardo, no ensaio “Sobre a Maquinaria”,
extraído do capítulo XXXI de On the Principles of Political Economy and
Taxation, concordou que a substituição do trabalho humano pela máquina
sempre é prejudicial aos trabalhadores. A ideia de que a aplicação da
maquinaria a qualquer ramo de produção resultaria na economia de trabalho,
possibilitando benefício geral pela redução do preço das mercadorias e elevação
da capacidade produtiva, foi considerada equivocada pelo economista (1978, p.
130) que passou a entender que “o fundo do qual os proprietários da terra e os
capitalistas retiram suas receitas pode crescer, enquanto que o outro fundo, do
qual os trabalhadores dependem, pode diminuir”.
Ou seja, David Ricardo deixou-se levar até certo momento pela suposição
errada de que sempre que a renda líquida de uma sociedade crescesse sua renda
bruta também cresceria. Mas não foi isso o que aconteceu com a implantação do
maquinário como meio eficaz de manter em progresso o funcionamento do sistema
capitalista. Ele imaginava, como muitos ainda são levados a crer, que a classe
trabalhadora seria beneficiada da mesma forma que o capitalista pelo uso do
maquinário, pois pensava que não haveria redução de salários e que seria
possível adquirir mais mercadorias com os mesmos vencimentos
monetários (salários) recebidos. Ricardo reconheceu que na realidade a classe
trabalhadora não participaria das vantagens trazidas pelo desenvolvimento
tecnológico e organizacional do sistema.
Estamos diante de dois dos pontos negativos que, se analisados de forma
específica conseguem contradizer as possíveis vantagens do desenvolvimento
tecnológico, que são a) a troca do trabalho humano pela máquina e, de forma
sucessiva, b) o aumento do desemprego. Infelizmente, com a geração de modernos
processos de produção e de novas técnicas de gestão, uma considerável parcela
da classe trabalhadora não é alcançada por esse progresso e muito menos tem
meios para se inserir nele. De outro modo, no caso do público consumidor e do comércio
em rede, serve de exemplo a insegurança
relativa às transferências e pagamentos, assim como a falta de informação
referente aos produtos e serviços apresentados nesse ambiente e também naqueles
outros que envolvem a divulgação daquilo que é oferecido no mercado.
Vale lembrar que a desqualificação do trabalho que no Brasil, por
exemplo, como argumentou o antropólogo Darcy Ribeiro no livro O Povo
Brasileiro, tem suas raízes na própria constituição de uma massa de
trabalhadores posta à margem. Já que, historicamente, o negro após o fim da
escravidão precisou ocupar as zonas periféricas dos espaços urbanos, oferecendo
a sua força de trabalho pouco qualificada e socialmente desconsiderada.
Voltando para a análise econômica, temos ainda hoje uma parcela da população
que vende a força de trabalho sujeitando-se a condições precárias, repetitivas
e de baixa remuneração, sem a possibilidade efetiva de qualificar-se para o
exercício de sua função. Porém, vale lembrar que o problema maior está na
substituição do trabalho humano pelo da máquina com a finalidade e
justificativa de garantir o aumento da produção
capitalista.
O segundo ponto negativo que sucede o anteriormente explicado é o do
aumento da taxa de desemprego, pois sem a devida especialização no trabalho e
com a troca do trabalho humano pela função automática da máquina, o trabalhador
é descartado deste “moderno” processo de produção. Marx (2011, p. 334) no
Grundrisse afirmou que “O capital é destrutivo disso tudo e revoluciona
constantemente, derruba todas as barreiras que impedem o desenvolvimento das
forças produtivas, a ampliação das necessidades, a diversidade da produção e a
exploração e a troca das forças naturais e espirituais”. Vemos que a demanda
por trabalho não é a mesma de antes, o índice de desemprego subiu, a
especialização do trabalho humano não foi priorizada e, muito menos, os
trabalhadores puderam se beneficiar da baixa geral de preços das mercadorias
decorrente da invenção, implantação e aperfeiçoamento do uso de máquinas e
equipamentos.
Nas teorias sobre a mercadoria, Marx inicia segundo tópico do capítulo III
de O Capital afirmando que “cada mudança de forma de uma mercadoria realiza-se
na troca de duas mercadorias, uma mercadoria comum e a mercadoria monetária”,
ou seja, o processo de duplicação da mercadoria considerando o seu valor de uso
(mercadoria) e o seu valor de troca (dinheiro). Com isso ele sustenta a
explicação do surgimento de uma antítese externa onde as mercadorias
confrontam-se, no entanto, ambos os lados guardam uma correlação entre si e
sustentam o processo de intercâmbio. Salienta ainda nesta explicação que a
mercadoria é na realidade valor de uso, enquanto a sua existência como valor
surge idealmente no preço. O dinheiro, por sua vez, encontra-se sob a posse de outro indivíduo,
porém o valor de uso da mercadoria deve ser de tal modo satisfatório que o
possuidor do dinheiro queira aplica-lo na sua aquisição. O produto deve
satisfazer a uma necessidade social, mas Marx deixa claro que “(...) a
mercadoria ama o dinheiro, mas the course of true love never does run smooth”.
Ou seja, há uma dualidade onde os possuidores de mercadorias percebem que a
divisão do trabalho faz com que o processo social de produção independa deles,
cuja “dependência reificada universal” significa um sistema complementado por
uma independência mútua dos indivíduos. Já a segunda metamorfose diz respeito a
compra (D – M), posto que o dinheiro na concepção marxiana é a mercadoria
alienável em absoluto. Podemos
abstrair que o dinheiro não desaparece com a circulação de mercadorias por
assumir uma função rotativa neste processo. Desse modo, para entender a
importância da segunda metamorfose para a criação das condições de continuidade
da expansão do sistema econômico pela acumulação do capital, temos a figura do
“capital-mercadoria”, cuja função, como a de qualquer mercadoria, é
transformar-se em dinheiro fazendo a “máquina” girar, não deixando parar o
sistema capitalista.
Trazendo esta ideia para o plano atual, temos um comércio que se
estabelece em rede e que, apesar de não encontrar-se disponível a todos, as
classes sociais que podem favorecer-se das relações provenientes da
globalização já traduzem uma quantidade expressiva. Esse massificado grupo de
consumidores, muitas vezes, se submete a produtos/serviços devido a motivações
externas a sua vontade. Tais motivações, geralmente, são omissas e organizadas
sob uma ótica estratégica de consumo. Embora se fale muito em informação,
sequer aqueles que têm acesso não estão seguros de realmente tê-la. Os
fundamentos filosóficos do Utilitarismo indicam que os consumidores agirão de
tal modo que seja possível maximizar a sua satisfação através do consumo ou da
obtenção de diferentes mercadorias, melhor dizendo, a ação voltada para o
consumo tem por horizonte a maximização de sua utilidade.
No entanto, o limite para este processo maximizador é estabelecido pelo
poder de compra (rendimento percebido pelo consumidor). O poder aquisitivo
determinará então o quantum de satisfação que poderá ser
obtida, sendo apenas considerado como agente ativo se efetivamente puder
adquirir as mercadorias disponíveis. A mesma concepção utilitarista
anteriormente explicada segue neste ponto, pois o interesse principal é
representado pela minimização do sofrimento e pela maximização do prazer. Porém
no sentido dos produtores o que deve ser maximizado é o lucro e o que deve ser
minimizado é o prejuízo, com a finalidade de garantir a expansão e o
funcionamento de sua atividade no sistema capitalista.
É preponderante ressaltar que também é considerado desvantajoso o fato
de estar o comércio eletrônico vinculado à posse das novas tecnologias. Desse
modo, com a evolução da tecnologia da informação pode-se encontrá-la em
qualquer lugar, porém como já foi dito não é acessível a todos. Embora seja possível
falar que tem havido um movimento rumo a diminuição dos níveis hierárquicos em
função do espaço virtual (principalmente em decorrência da vasta utilização
dessas tecnologias na década de noventa até os nossos dias), responsabilizando,
assim, ao avanço da rede a quase extinção da arquitetura piramidal antes
existente, o seu uso ainda não é democrático.
O direito à informação é assegurado pela Constituição Federal do Brasil
e leva em conta o princípio da vulnerabilidade do consumidor, que deve ser
invocado assim como os princípios da boa-fé, confiança, harmonização de
interesses, coibição de abusos e da presença do Estado, todos essenciais para
efetivar a proteção de uma coletividade de consumidores. Sendo assim, o direito
à informação do consumidor é preponderante, pois guarda em si uma garantia
constitucional que deve ser respeitada, segundo os ditames da posição
vulnerável que o mesmo se insere em sua relação com o fornecedor, independente
do modo em que foi celebrado o contrato.
Desde meados dos anos oitenta é possível encontrar alusões sobre formas
organizacionais construídas sobre as tecnologias da comunicação e da
informação, já que foi nesta década que iniciou a disseminação destas
tecnologias pelo mundo. Neste contexto, à medida que determinada organização
deixa de utilizar a presença física para interagir com seus clientes e passa a
empregar com maior intensidade as tecnologias da informação e comunicação na
realização de suas operações, se digna o nível de “virtualidade” dela. Segundo
Lévy (1996), o virtual não é o que existe em ato e sim em potência, ou seja,
ele tem potencialidade para se atualizar sem precisar consolidar-se.
A expressão virtual tem origem do latim medieval virtualis,
que, por sua vez, é derivada de virtus que significa força,
potência. A “’virtualização” contribuiu com o nascimento de uma comunidade
eletrônica de consumidores, onde a internet é intermediária permitindo a
interação livre das distâncias e horários. Nesse contexto é possível refletir
acerca do direito do consumidor atrelado ao ciberespaço. Levy (ibid.,
p.92) define ciberespaço como:
[...] o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações. Consiste de uma realidade multidirecional, artificial ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que funcionam como meios de geração de acesso.
Ou seja, o ciberespaço permite que sejam combinados vários dispositivos
que favorecem a transmissão de informações, como é o caso do correio
eletrônico, o hiperdocumento compartilhado, as conferências eletrônicas, entre
outros. Já a respeito da prática comercial que relaciona os meios eletrônicos,
Davara Rodrígues (2011, p. 187 - 188) lesionava que “ es comercio toda aquella
actividad que tenga por objeto o fin realizar uma operación comercial y que es
electrónico cuando esse comercio se lleva a cabo utilizando la herramienta
electrónica de forma que tenga o puoda tener alguna influencia em la
consecución del fin comercial, o em el resultado de la actividad que se está
desarrolando”. Nesse sentido, é aceitável perceber o comércio eletrônico como
sendo a aquisição de produto ou serviço por meio da internet.
Através dessa interação virtual que se torna mais elaborada na
medida em que se desenvolvem novas tecnologias, o Estado se insere de modo a
regular as relações aqui existentes. A rapidez com que a informação é
disseminada é útil, porém nem sempre é objetiva e emana exatidão. Daí surge à
preocupação em torno da garantia de uma justa relação de consumo. Por exemplo,
no dia 28 de abril do corrente ano, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou
um projeto de lei para retirar dos rótulos dos produtos o símbolo que sinaliza
a presença de organismos geneticamente modificados (OGM), mais conhecidos como
transgênicos.
O projeto, que precisa passar antes pelo Senado, substitui o
“T” estilizado em um triângulo, atualmente utilizado para designar estes
produtos, por um aviso escrito, com os dizeres “contém transgênico”. De acordo
com a proposta, os dizeres devem ter fonte mínima na espessura de 1 milímetro.
A nova regra, sugerida pelo deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), também exime
de qualquer tipo de aviso os produtos que contenham menos de 1% de vegetais
transgênicos em sua composição. Itens como fubá, óleo de soja e flocos de milho
devem ser atingidos. O lançamento de um aplicativo que partiu da organização
não governamental Greenpeace, noticiado no dia 15 de maio, é uma atitude
interessante por permitir a detecção de alimentos que contenham ingredientes
transgênicos. A intenção é pressionar as empresas a colocarem etiquetas que
demonstrem o uso desses produtos.
No Brasil os direitos do consumidor são de caráter indisponível, havendo
sempre a preocupação em manter o equilíbrio de forças no ato e no cumprimento
do contrato. De acordo com Marques, Benjamin e Miragem (2010, p. 247) quando o
consumidor é informado e exerce sua livre escolha quanto aos produtos que
deseja consumir os valores elencados constitucionalmente efetivam-se, tais
como, a dignidade da pessoa humana (Art.1º, III), à liberdade e à informação
(Art.5°, caput e XIV), a tutela dos direitos do consumidor
(Art.5°, XXXII) e protegendo-se também o direito de escolha artigo 6°, II, do
Código de Defesa do Consumidor. Tais garantias, entre outras, foram
arquitetados de princípios orientadores do tratamento do consumidor no
ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto é cogente que seja
compreendido o contexto atual e a necessidade de se garantir a efetividade do
direito à informação do consumidor em um espaço que é tido por democrático,
porém não imune ao descumprimento dos direitos dos indivíduos em suas relações
de consumo.
Bibliografia geral consultada:
ADAM, Smith. A
Economia Clássica: textos de Smith, Ricardo e Malthus. Organização e
tradução de Fernando Lopes de Almeida e Francisco R. Chaves Fernandes. Rio de
Janeiro: Forense, 1978; Constituição (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização
do texto: Yussef Said Cahali. 10. Ed. São Paulo: RT, 2008; LEVY, Pierre. Cibercultura.
Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 1996; MARX, Karl. Grundrisse:
manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política.
São Paulo: Boitempo, 2011; Idem. O Capital: crítica da economia
política. Tradução de Régis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Abril
Cultural, 1983; MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM,
Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Editora
Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010; RAMAL, A.C. Educação na
cibercultura: hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto
Alegre: Artmed, 2002; RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação
e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995; RODRÍGUEZ,
Davara. Manual de derecho informático. 3. Ed. Pamplona: Aranzadi
Editorial, 2001, entre outros.
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