terça-feira, 30 de junho de 2015

Trần Anh Hùng - The Beatles, Revolução, Angústia & Coquetismo.

Ubiracy de Souza Braga*
 
I once had a girl, or should I say, she once had me”. Lennon & McCartney (1965)

Historicamente desde o século XVIII o suicídio vinha sendo estudado como um problema moral, para, no século XIX, ser visto como um “crescente problema social a exigir explicação” até o legado da filosofia normativa de Émile Durkheim. O acúmulo de informações e dados estatísticos proporcionou, de outro lado, que se estabelecessem inúmeras correlações, comparativamente com o levantamento de hipóteses no âmbito da original análise sociológica. Estas irão relacionar taxas diferenciais de suicídio cuidadosamente analisadas, a fatores sociais como: ocupação, urbanização, religião, mudança social, incluindo fatores não sociais: hereditariedade, raça, clima e a questão não resolvida ­ se o suicídio era ou não relacionado à desordem mental. Há, portanto, dois tipos de causas extra-sociais às quais se pode atribuir a priori uma influência negativa sobre a taxa de suicídios: as disposições orgânico-psíquicas e a natureza no âmbito da convivência do meio físico.

Poderia ocorrer que, na constituição individual ou, pelo menos, na constituição de uma classe etária importante de indivíduos, houvesse uma propensão, de intensidade variável conforme os países, que arrastasse diretamente o homem ao suicídio. Esta teoria pode ser e foi defendida de duas maneiras diferentes e de forma conspícua. Ou se diz que, em si mesmo, o suicídio constitui uma entidade mórbida sui generis, uma loucura especial; ou sem o considerar uma espécie distinta, vê-se nele simplesmente um episódio de uma ou várias espécies de loucura, mas que não se encontra nos indivíduos sãos de espírito. Contudo, se considerarmos sociologicamente o suicídio como uma doença sui generis se estabelecem afirmações gerais desmentidas pela experiência.       

No tocante à análise do problema da angústia, Arthur Schopenhauer nos apresenta em sua filosofia uma visão extremamente pessimista da vida: viver é necessariamente sofrer. É com base em Schopenhauer que outro pensador alemão, Friedrich Nietzsche, concluiu que, dentre todos os povos da Antiguidade, os gregos foram os que apresentaram maior sensibilidade para compreender o sofrimento e a tragicidade da existência humana, como que permeada pela dor, solidão e morte. Jean-Paul Sartre, representante maior da corrente existencialista, defendeu que a angústia surge no exato momento em que o homem percebe a sua condenação irrevogável à liberdade, isto é, o homem está condenado a ser livre, posto que sempre haja uma opção de escolha. Ao perceber tal condenação, ele se sente angustiado em saber que é senhor de seu destino. Sigmund Freud, em seus estudos sobre o problema da angústia pode observar o quão suscetível está às doenças próprias desse sistema. O balanço entre as vontades e as repressões tem que ser buscado pelo Ego, consciência. E, portanto, a busca de um equilíbrio do psíquico e, não obstante, entre o sujeito e o todo social. 

             
               
                  
            Curiosamente, a origem de seu nome de  família é Trần, mas é muitas vezes simplificado para Tran em texto no idioma dominante contemporâneo em Inglês. Segundo o costume vietnamita, esta pessoa deve ser devidamente referida pelo nome dado historicamente da tradição Hùng. Emigra para França aos doze anos, integrando mais tarde a prestigiada Escola Louis-Lumière de operadores de câmara e de som, - marca de sua cinematografia, saindo dela diplomado com um curta-metragem de sua autoria: La Femme Mariée de Nam Xuong (1987). No ano seguinte encontra o produtor Christophe Rossignon, que acaba de fundar a sua própria empresa, a Lazennec, que lhe possibilita a realização de seu segundo curta-metragem: La Pierre de l`Atente e, dois anos depois, deste longa-metragem, com o qual ganhou a Câmara de Ouro em Cannes e o César do Melhor Filme. Posteriormente Tran Anh Hung assinou outros dois magnificos longas-metragens, que passaram mais discretamente pelos ecrãs internacionais em particular: Cyclo (1995) e À la Verticale de l’Été (2000), e regressou ao seu país de origem para aí colaborar no lançamento da sua própria empresa cinematográfica.     
            Desnecessário dizer que The Beatles representou uma famosa banda de rock britânica, formada em Liverpool em 1960. É o grupo musical mais bem-sucedido e aclamado da história social da música popular. A partir de 1962, o grupo era formado por John Lennon (guitarra rítmica e vocal), Paul McCartney (baixo, piano e vocal), George Harrison (guitarra solo e vocal) e Ringo Starr (bateria e vocal). Enraizada do skiffle que é frequentemente dito ter se desenvolvido a partir do jazz de Nova Orleans, mas essa afirmação foi contestada. Bandas de jarro improvisadas que tocavam blues e jazz eram comuns em todo o sul norte-americano nas primeiras décadas do século XX, e do rock and roll da década de 1950, a banda veio mais tarde a assumir diversos gêneros que vão do folk rock ao rock psicodélico, muitas vezes incorporando elementos da música clássica e outros, em formas inovadoras e criativas. Sua crescente popularidade, que a imprensa britânica chamava de Beatlemania, fez com que eles crescessem em sofisticação. Os Beatles vieram a ser percebidos como a encarnação de ideais progressistas e sua influência se estendeu até as revoluções sociais e culturais da década de 1960. A ideia é retomada no filme: “Como na Canção dos Beatles” (2010).  
 
            O vietnamita Tran Anh Hung diretor de filmes de visual exuberante, que transbordam as emoções da sensualidade, como ocorre na trilogia O Cheiro da Papaia Verde (1993), Entre a Inocência e o Crime (1995) e As Luzes de um Verão (2000), em que o cineasta reaparece munido de um roteiro espetacular, inspirado no escritor japonês Haruki Murakami, sobre um triângulo amoroso que se finda com o suicídio altruísta, segundo a tipologia sociológica durlheimiana dentre os rapazes. É uma adaptação do best-seller que tematiza o amor pós-adolescente quando na relação entre a existência e a experiência.  São diretamente proporcionais, mas  encontramos diferenças de afeto na passagem entre o amor adolescente e amor adulto. Ipso factode rara expressão poética retoma a questão da melancolia benjaminiana em seu longa-metragem, intitulado: Como na Canção dos Beatles - Norwegian Wood (2010), caracterizado por belíssimas cenas de um amor puro. Para o cineasta o livro deixa algumas sombras que se escondem em nós. - “É sobre o amor e o amor perdido. Fala do luto, de sentimentos, do que fazer com a vida depois da morte dos teus seres queridos”. Hung foi hábil para manter o mesmo tom melancólico e elegantemente triste que habita cada página do romance de Murakami. Os títulos da obra fazem referência à linda música homônima dos Beatles. O cenário evidentemente representa uma homenagem ao Japão do final dos anos 1960 e começo da pródiga década de 1970.
Historicamente desde o século XVIII o suicídio vinha sendo estudado como um problema moral, para, no século XIX, ser visto como um “crescente problema social a exigir explicação” até o legado da filosofia normativa de Émile Durkheim. O acúmulo de informações e dados estatísticos proporcionou, de outro lado, que se estabelecessem inúmeras correlações, comparativamente com o levantamento de hipóteses no âmbito da original análise sociológica. Estas irão relacionar taxas diferenciais de suicídio cuidadosamente analisadas, a fatores sociais como: ocupação, urbanização, religião, mudança social, incluindo fatores não sociais: hereditariedade, raça, clima e a questão não resolvida ­ se o suicídio era ou não relacionado à desordem mental. Há, portanto, dois tipos de causas extra-sociais às quais se pode atribuir a priori uma influência negativa sobre a taxa de suicídios: as disposições orgânico-psíquicas e a natureza no âmbito da convivência do meio físico.
Poderia ocorrer que, na constituição individual ou, pelo menos, na constituição de uma classe etária importante de indivíduos, houvesse uma propensão, de intensidade variável conforme os países, que arrastasse diretamente o homem ao suicídio. Esta teoria pode ser e foi defendida de duas maneiras diferentes e de forma conspícua. Ou se diz que, em si mesmo, o suicídio constitui uma entidade mórbida sui generis, uma loucura especial; ou sem o considerar uma espécie distinta, vê-se nele simplesmente um episódio de uma ou várias espécies de loucura, mas que não se encontra nos indivíduos sãos de espírito. Contudo, se considerarmos sociologicamente o suicídio como uma doença sui generis se estabelecem afirmações gerais desmentidas pela experiência.        
No tocante à análise do problema da angústia, Arthur Schopenhauer nos apresenta em sua filosofia uma visão extremamente pessimista da vida: viver é necessariamente sofrer. É com base em Schopenhauer que outro pensador alemão, Friedrich Nietzsche, concluiu que, dentre todos os povos da Antiguidade, os gregos foram os que apresentaram maior sensibilidade para compreender o sofrimento e a tragicidade da existência humana, como que permeada pela dor, solidão e morte. Jean-Paul Sartre, representante maior da corrente existencialista, defendeu que a angústia surge no exato momento em que o homem percebe a sua condenação irrevogável à liberdade, isto é, o homem está condenado a ser livre, posto que sempre haja uma opção de escolha. Ao perceber tal condenação, ele se sente angustiado em saber que é senhor de seu destino. Sigmund Freud, em seus estudos sobre o problema da angústia pode observar o quão suscetível está às doenças próprias desse sistema. O balanço entre as vontades e as repressões tem que ser buscado pelo Ego, consciência. E, portanto, a busca de um equilíbrio do psíquico e, não obstante, entre o sujeito e o todo social.
O contexto histórico e social de Norwegian Wood reforça suas intenções. Em meio à efervescência política da Tóquio do final dos anos 1960, Watanabe, um jovem solitário, alheio à turbulência política, vive experiências definitivas para consumar o rito de passagem à vida adulta. O triângulo inicial demonstra Watanabe como testemunha do amor platônico entre Naoko e Kizuki, um jovem que se suicida inexplicavelmente nos dez minutos iniciais do longa-metragem. A tragédia afasta temporariamente Watanabe e Naoko, que ao se reencontrarem iniciam um romance marcado pela sombra da perda de Kizuki. O cineasta Tran Anh Hung segue essa história social marcada pela loucura, frigidez, insegurança naturalmente sexual entre jovens adolescentes imaturos, e, sobretudo, pelo espectro presente da morte sem economia linguística e estética na utilização dos recursos técnicos que o consagram como um dos grandes estetas da contemporaneidade cinematográfica mundial. Um bom exemplo é característico das cenas do filme O Cheiro da Papaia Verde (1993).     
 
Toru Watanabe (Ken´ichi Matsuyama) é um estudante residente nos dormitórios coletivos de uma universidade de Tóquio. Marcado pelo suicídio de Kizuki (Kengo Kôra), seu melhor amigo, Toru começa a se afeiçoar por Naoko (Rinko Kikuchi de “Babel”), namorada do jovem suicida (cf. Durkheim, 2011), com quem também convivera bastante antes da tragédia. Obviamente, o suicídio de Kizuki deixou marcas profundas em ambos. Naoko, por exemplo, desenvolveu uma pesada depressão. À medida que se tornam mais íntimos, Toru e Naoko parecem estar sempre incertos sobre a legitimidade do romance que vivem de maneira relutante. Ao mesmo tempo em que sinalizam temer uma espécie de traição póstuma a Kizuki, ao ficarem juntos, os jovens também parecem experimentar um sentimento de obrigatoriedade, como se devessem à memória de Kizuki ao menos tentarem se relacionar. Para complicar, o que já não e fácil, Toru também despertou o interesse da radiante Midori (Kiko Mizuhara), uma garota atirada e atraente, contraponto à personalidade retraída e depressiva de Naoko. Ao longo da trama, Toru Watanabe comporta-se como na apropriação da versão japonesa de Mersault, personagem de O Estrangeiro, obra do existencialista Albert Camus.
Neste aspecto a análise comparada com relação ao filme: O Cheiro da Papaia Verde (1993) demonstra uma sociedade em plena mutação cultural e econômica, antes dos terríveis conflitos armados e políticos pelos quais passaria notadamente a Guerra do Vietnã, um conflito político-ideológico ocorrido no Sudeste Asiático entre 1955 e 30 de abril de 1975. A guerra colocou em confronto, de um lado, a República do Vietnã e os Estados Unidos, com participação efetiva, porém secundária, da Coreia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia; e, de outro, a República Democrática do Vietnã e a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã (FNL). A China, a Coreia do Norte e, principalmente, a União Soviética prestaram apoio logístico ao Vietnã do Norte, mas não se envolveram efetivamente no conflito. Em 1965, os Estados Unidos enviaram tropas para sustentar o governo do Vietnã do Sul, que se demonstrava incapaz de debelar o movimento insurgente de nacionalistas e comunistas, que se haviam juntado na Frente Nacional para a Libertação do Vietnã. Entretanto, apesar de seu imenso poder militar e econômico, os norte-americanos falharam em seus objetivos, sendo obrigados a se retirarem do país em 1973 e dois anos depois o Vietnã foi reunificado no âmbito do governo socialista, tornando-se oficialmente, em 1976, a República Socialista do Vietnã. Na guerra, aproximadamente três a quatro milhões de vietnamitas dos dois lados morreram, além de outros dois milhões de cambojanos e laocianos, arrastados para a guerra com a propagação do conflito, e de cerca de 60 mil soldados dos Estados Unidos da América (EUA).
Isto quer dizer que Anh Hung Tran aborda, principalmente, a miserável condição feminina através da servidão, nesse país dos anos 1950/1960.  Mùi, adolescente ou mulher, não passará de uma serva, de uma família que a emprega ou de seu futuro esposo.  Assim, sob a aparência de um final feliz, a condição feminina é fortemente denunciada nesse filme intimista. O trabalho de Trần Anh Hùng é perfeito, no que é fortemente ajudado pela fotografia de Benoît Delhomme.  O ritmo, muitas vezes lento, faz o espectador mais paciente, compreender como essa técnica metodológica é essencial para que se possa melhor apreciar a densidade do tema abordado.  Os diálogos são mínimos.  No segmento final, há uma sequência de quase meia-hora com muito poucas palavras. Com apenas dez anos de idade, Mùi, uma pequena camponesa, deixa sua aldeia e vai trabalhar na casa de família em Saigon.  Outrora abastada, a família sofre os efeitos da crise econômica por que passa o país, e das regulares ausências do dono da casa que, sem razão aparente, apanha o dinheiro e desaparece por algum tempo.
Com as ausências do marido, a esposa é quem controla a economia doméstica, comercializando tecidos a fim de obter algum dinheiro para alimentar seus três filhos, um já adolescente e os outros mais novos, e manter alguma dignidade.  Na casa, mora ainda a avó paterna, que não abandona seu quarto no andar superior, desde a morte da neta que teria a idade de Mùi, se fosse viva. Com a ajuda de Ti, uma empregada doméstica já idosa, Mùi se inicia nos afazeres domésticos.  Orientada por ela, a jovem aprende as tarefas tradicionais ligadas à sua condição de empregada, tais como, colher mamão verde, ralá-lo, servir as refeições e esfregar o assoalho.
           À medida que Mùi cresce e a situação econômica da família cai, a rotina da casa continua a mesma, até o dia em que o marido ausente morre e a viúva não pode mais mantê-la consigo. A essa fase jovem, aos 20 anos, Mùi já é uma bela e sensível mulher. Diante das dificuldades por que passa a viúva, Mùi é enviada para trabalhar na casa de Khuyen, um amigo da família.  Na realidade, Mùi e Khuyen se conheciam desde crianças, uma vez que ele era o melhor amigo do filho mais velho de sua anterior patroa.  Agora, ele é um homem bem vestido, sofisticado, pianista clássico, fala fluentemente francês e tem uma amante dispendiosa. Na nova casa, Mùi continua a mesma pessoa dócil e eficiente.  Através de pequenos sinais, nota-se que ela é apaixonada pelo novo patrão, sinais que, a princípio, não são notados por ele.  Por outro lado, a amante de Khuyen é uma jovem aparentemente tola, inexpressiva, insensível, coquete, comparando-a às mulheres jovens de classe média urbana, contrastando com a beleza irradiada pela simplicidade e modéstia de Mùi. Cena do filme: O Cheiro da Papaia Verde (1993).     
 
Não queremos perder de vista no ensaio Psicologia do Coquetismo, de Georg Simmel (1993: 95) cuja edição original data de 1909 com o título: Psychologie der Koketterie, tem como representação social o erotismo em que este tipo de forma social corresponde a um momento anterior a consumação do amor que não deseja se realizar enquanto relação, se assim pode-se dizer. O coquetismo corresponde a um tipo específico de comportamento da mulher coquete, que pretende seduzir os homens sem que com isso, essa ação siga o seu caminho natural do envolvimento. A originalidade do texto sobre coquetismo não está exatamente em perceber e registrar esta forma de ralação social, mas sim em colocá-la em termos espaciais e contraditórios. Primeiramente, ele apresenta uma tese, depois uma antítese e conclui em uma síntese contraditória. Neste caso, a definição do coquetismo por excelência já é um paradoxo: - Porque o próprio desta última (a coquete) é desprezar o prazer e o desejo por meio de uma antítese/síntese original, através de alternância ou da concomitância de atenções ou ausências de atenções, sugerindo simbolicamente o dizer-sim e o dizer-não, que atuam como que “à distância”, pela entrega ou recusa – ou, para falar em termos platônicos, pelo ter e o não-ter -, que ela expõe uma a outra, ao mesmo tempo que as faz experimentar como que a uma só vez.
O cabelo curto, cara de menina e silhueta perfeita, em que Sylvia Kristel foi escolhida como atriz para o papel principal de Emmanuelle, do diretor Just Jaeckin, que virou um sucesso mundial de bilheteria. Quando protagonizou o filme, Kristel tinha apenas 22 anos. Por obrigações contratuais, Kristel participou em papéis mais ou menos importantes em várias sequências de Emmanuelle (1974, 1975, 1977 e 1984). Apesar das tentativas de se afastar do cinema erótico para trabalhar com nomes importantes do cinema francês, sua imagem ficou marcada positivamente, pela personagem que a tornou famosa. A atriz holandesa de maior fama no panorama do cinema internacional, foi uma atriz, diretora e modelo holandesa, reconhecida pelo filme Emmanuelle. Iniciou seu trabalho como modelo aos 17 anos, mas “inicialmente planejava ser professora”. Musa de uma época em que erotismo (cf. Márquez, 1972), a pornografia e o orgasmo eram quase sinônimos no cinema, a atriz holandesa Sylvia Kristel morreu aos 60 anos, em Amsterdã. Sua estreia se dá com o filme: Naakt over de schutting (1973). Em 1974, aos 21 anos, a atriz personificou Emmanuelle em filme homônimo, grande sucesso na França e parte da Europa, sobretudo pelo teor erótico. Melhor dizendo, em seu ersatz colocou o erotismo no centro da história social do cinema. Segundo o site especializado em cinema IMDb, “o filme garantiu US$ 100 milhões em bilheteria ao redor do mundo”.
Como em seus mágicos filmes, mutatis mutandis, Norwegian Wood representa um esforço deliberadamente de trabalho coletivo. Ao naturalismo dos excelentes atores, somam-se uma impecável trilha sonora, sob o comando de Jonny Greenwood, e a fotografia de Mark Lee Ping-Bin. Na trilha original, Greenwood, o mesmo de “Sangue Negro”, mescla solos delicados de guitarra com inflexões melodramáticas de violinos, além de citar clássicos do pop, entre eles a evidente Norwegian Wood, dos Beatles que dá título ao filme. Greenwood, compositor e multi-instrumentista britânico, ganhou fama mundial como guitarrista do Radiohead, mas aos 42 anos já tem obra reconhecida como compositor de trilhas sonoras, peças para piano e orquestra sinfônica. Em estúdio, é responsável por escrever os arranjos que moldaram o som do Radiohead, desconstruindo as estruturas da música pop e apontando caminhos para o novo século – é como se George Martin fosse  um membros dos Beatles, explorando no palco e em gravações a mistura entre as infinitas possibilidades de timbres eletrônicos com a qualidade orgânica da orquestração. Abordagem em Norwegian Wood é igualmente heterodoxa e ousada, sem cair nas armadilhas dispersivas da música experimental.
Traduz as emoções complexas da trágica história de amor presente no romance de Haruki Murakami que inspirou o filme de Tran Anh Hung. As progressões densas e dissonantes sugerem abismos quando Greenwood explora possibilidades harmônicas em longos ataques de cordas e em metais graves. As melodias se entrecortam, afiadas como lâminas. Aqui há também algo de tardiamente romântico, como um Shostakovich banhado nos mares japoneses da prosa de Murakami – um sentimento de alienação e nostalgia, deslocamento para fora do tempo. Poucas vezes a melancolia, fio condutor desta peça, foi tão áspera e elegante. Quanto à fotografia, basta lembrar que Lee Ping-Bin é o diretor de fotografia de Amor à Flor da Pele, de Wong Kar Wai que juntamente com diretores como Eddie Fong, Stanley Kwan e Clara Law, pertence ao movimento chamado de Segunda Nova Onda do cinema de Hong Kong. Foi o primeiro chinês a ganhar o prêmio de Melhor Diretor no Festival de Cannes de 1997. É ele quem dá ao filme a coloração poética que traduz os diversos estados de espírito do protagonista e de seus pares. Depois de uma passagem talvez malsucedida por Hollywood, com o aculturado Fugindo do Inferno, Tran Anh Hung se afirma no panteão dos grandes cineastas asiáticos com esta balada de amor, sofrimento e dor.
Além da indicação ao Leão de Ouro, Norwegian Wood foi premiado em diversos festivais asiáticos. Nenhum prêmio, porém, supera o mérito de ter conseguido traduzir em imagens toda a suavidade e poesia da obra de Haruki Murakami. Um escritor original e extremamente habilidoso na arte de transformar sentimentos em páginas memoráveis. Escreveu o seu primeiro romance – “Hear the Wind Swing” - em 1979, mas seria em 1987, com Norwegian Wood, que o seu nome se tornaria famoso no Japão. Escritor particularmente influenciado pela cultura ocidental, Murakami traduziu para o japonês obras de F. Scott Fitzgerald, Truman Capote, John Irving e Raymond Carver. Apesar de nascido em Quioto, passou a maior parte de sua juventude em Shukugawa (Nishinomiya), Ashiya e Kobe. Frequentou a Universidade de Waseda, em Tóquio, dedicando-se aos estudos teatrais. Antes de terminar o curso, abriu um bar de jazz chamado Peter Cat, à frente do qual se manteve entre 1974 e 1982. Em 1986, viajou para o velho continente e depois para os Estados Unidos, onde acabaria por se fixar.
         Caio Fernando Abreu comenta na 17ª Mostra de Internacional de Cinema de São Paulo a presença de Trần Anh Hùng da seguinte forma. Esse presente chama-se Espaço Banco Nacional de Cinema, na Rua Augusta 1475, duas quadras da Av. Paulista em direção ao centro, passando o Frevinho, quase chegando ao Longchamp, onde ficava o Cine Majestic. Que felizmente não virou garagem nem supermercado, igreja evangélica ou qualquer monstro tipo pró-barbárie. Têm três salas amplas, confortáveis, aparelhagem de primeira, uma sala de espera imensa com um bar de garotas simpáticas, mais um enorme (e delicioso) pôster de Oscarito e Grande Otelo. Falava de conteúdo: inaugurou com 26 filmes considerados os melhores da Mostra do Rio de Janeiro. Se for impossível ver todos os filmes, na noite de domingo - afirma Caio Fernando Abreu - vi um dos mais belos filmes da minha vida: O Cheiro do Papaia Verde, do vietnamita naturalizado francês Trần Anh Hùng. Frágil, delicado. A câmera quase o tempo todo espreita a ação, desliza por trás de treliças, espia em vãos de portas e janelas, detendo-se às vezes em vidas mínimas - uma rã, a gota de seiva do mamoeiro, uma lagartixa, os grilos dentro da minúscula gaiola de bambu. As vidas também são minúsculas, quase mudas. Os personagens falam por gestos, pelos olhos. Estado de graça, imagem. 
Bibliografia geral consultada.
ALBERONI, Francesco; VECA, Salvatore, O Altruísmo e a Moral. 3ª edição. Lisboa: Editora Bertrand, 1993; SIMMEL, Georg, Sociologia: Estudios sobre las Formas de Socialización. Madrid: Editorial Alianza. 1986; Idem, Filosofia do Amor. São Paulo: Editora Martins Fontes. 1993; MIGGIATI, Roberto, A Revolução dos Beatles. São Paulo: Editora Ediouro, 1997; NUNES, Everardo Duarte, “O Suicídio ­ Reavaliando um Clássico da Literatura Sociológica do Século XIX”. In: Cad. Saúde Pública. Vol.14 n° 1. Rio de Janeiro, janeiro/março, 1998; MASLOW, Abraham Harold, El Hombre Autorrealizado: Hacia una Psicología del Ser. Barcelona: Editora Kairós, 1991; SPITZ, Bob, The Beatles: the biography. New York: Little Brown and Companhy, 2005; CARLI, Ana Meri Sehbede, O Corpo no Cinema: Variações do Feminino. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007;  TURNER, Steve, The Beatles – A História por trás de todas as canções. São Paulo: Editora Cosac Naify, 2009; BERTOLDI, Maria Tereza Jorgens, A Comunicação Visual dos Beatles como Sedução no Imaginário Social e Cultural. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Faculdade de Comunicação Social. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009; DURKHEIM, Émile, O Suicídio: Estudo de Sociologia. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011; BARROS, Valdenira, O Sol Sangra: Memória e Afeto. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Multimeios. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2012; CONRADO, Marcelo Miguel, A Arte nas Armadilhas dos Direitos Autorais. Uma Leitura dos Conceitos de Autoria, Obra e Originalidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação. Setor de Ciências Jurídicas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2013; TURNER, Steve, The Beatles: A História por Trás de Todas as Canções. São Paulo: Editor Cosac Naify, 2014; ISHII, Regiane Akemi, Tóquio no Cinema Contemporâneo - Aproximações. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais. Instituto de Artes. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2015; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).  Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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